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QUADRO VII Positivismo Prof.: Euclides Guimarães 2 Fundamentos teóricos do positivismo I: A. Comte � O termo positivismo foi criado pelo filósofo epistemólogo francês August Comte e significa efetividade. Esse autor pretende, com o termo, deixar claro que não é mais o caso de filosofar diletantemente, mas é preciso que a teoria entenda e antecipe fatos, não apenas explique, mas aplique a explicação. A teoria precisa gerar efeitos práticos, positivos. � Comte, assim como Descartes e Bacon, procura um método para disciplinar a inteligência, de forma que ela se torne mais produtiva e efetiva 3 Fundamentos teóricos do positivismo I: A. Comte � A capacidade que a mente humana tem de olhar para os entes e classificá-los, uma vez sistematizada mediante critérios lógicos (fundado no sistema aristotélico), permite um conhecimento departamentalizado: para cada diferente natureza de ente deverá surgir uma ciência específica. � O critério fundamental proposto por Comte é classificar os entes por sua COMPLEXIDADE e GENERALIDADE. A matéria (ou materialidade) por exemplo, está em tudo, malgrado as diferenças de massa e composição química, de forma que a ciência que estuda a matéria, a física, é uma espécie de matriz fundamental a todas as ciências 4 Princípio epistemológico de Comte � Classificando os entes do mundo por sua generalidade e complexidade, Comte enuncia um importante princípio epistemológico: � O grau de generalidade de um enunciado científico é inversamente proporcional à complexidade do seu objeto. Ou seja, quanto mais complexo o objeto, menor o alcance daquilo que podemos falar genericamente sobre ele. � Com tal princípio, Comte estabelece uma hierarquia entre as ciências, que procura explicar seu alcance, as dificuldades crescentes que assolam as ciências que lidam com objetos mais complexos (como as ciências sociais) e também associa o nascimento das ciências com os momentos históricos. 5 Princípio epistemológico de Comte � Assim, primeiro vem a física com seu amplo poder de generalização (que pode associar o movimento dos elétrons com o movimento dos planetas), depois a química, pois assim como a matéria a substância está em tudo, depois vem a biologia, ligada a uma química complexa, pois própria apenas dos seres vivos. As ciências sociais só poderiam vir muito depois, com o mais complexo dos objetos, o comportamento humano. � A sociologia (palavra também criada por Comte) ou física social, é também produto da demanda de uma sociedade extremamente complexa, que é a modernidade. 6 A sociologia de Comte � Inspirado na física newtoniana e na tradição filosófica racionalista (de Aristóteles aos iluministas) Comte se propõe a criar uma nova ciência, a sociologia. � Newton havia estudado a matéria sob duas óticas básicas, o repouso (estática) e o movimento (dinâmica). Comte vai se valer de uma metáfora da física (mecânica) para pensar a sociedade. � ORDEM: como fenômeno de ordem, com instituições que passam de uma geração a outra, com regras gerais de conduta, com suas tradições, a sociedade revela seu lado estático. � PROGRESSO: e como fenômeno de mudança, como ente histórico que se arranja de acordo com contingências, a sociedade revela seu lado dinâmico. � Ordem e progresso foram parar no lema da bandeira brasileira, devido aos estudantes da elite brasileira, que iam fazer seus estudos em Paris e voltavam com idéias republicanas e positivistas. Influenciados filosófica e moralmente por Comte, transportaram sua classificação para o lema da bandeira. 7 A maturidade do positivismo: Durkheim � Embora Comte seja o “pai” do positivismo, seu pensamento ainda não pode ser considerado científico. Seus principais trabalhos pertencem ao campo da epistemologia e da moral. Para que a sociologia positivista alcançasse a importância que faz dela um dos mais vigorosos paradigmas da história da ciência, foi preciso chegar na leitura de Émile Durkheim, pensador francês de fins do século XIX e inícios do XX. � Também buscando metáforas nas ciências naturais, só que agora, não mais nos anos 40 de Comte, mas na década de 1880, Durkheim encontra o sistema de Darwin como a forma mais arrojada do saber científico de seu tempo. Nasce assim a famosa metáfora orgânica. 8 Durkheim e a Metáfora orgânica � Tal metáfora consiste simplesmente em comparar a sociedade com um organismo, visto este como um todo multifuncional, tanto mais complexo quanto mais diferentes funções houver. � O primeiro problema são os critérios para medir a complexidade, qual a referência mais precisa para falarmos de complexidade social? Ora, responde Durkheim, se a economia cria um sistema de interdependência entre os homens, o melhor critério é então a divisão do trabalho. � Entendemos por divisão do trabalho o processo pelo qual a sociedade se organiza economicamente. As atividades profissionais são assim comparadas às funções orgânicas. Cada órgão cumpre sua função e depende do cumprimento das funções dos demais para se manter. A soma e a distribuição dos resultados do trabalho de todos, faz a sociedade ser como ela é. 9 Durkheim e a Metáfora orgânica � Assim, Durkheim poderá afirmar que uma sociedade é tanto mais complexa, quanto maior e mais diversa for a divisão do trabalho. Em outras palavras, uma sociedade é tanto mais moderna, quanto maior for a divisão do trabalho. � Associar divisão do trabalho com modernidade é a base para o diagnóstico que Durkheim procura para explicar os problemas de seu tempo, já que sua crítica aos rumos da modernidade está fundamentada na maneira cruel com que se dá a divisão do trabalho na modernidade industrial, causada principalmente pelos equívocos interpretativos do liberalismo. 10 Durkheim contra os liberais I: As perguntas fundamentais � A origem da discordância entre positivistas e liberais está na maneira como respondem às duas perguntas fundamentais da sociologia. Relembrando Comte, uma dessas perguntas nos remete ao campo da ordem, a outra ao da mudança. As perguntas fundamentais: 1. Relativa à ORDEM: Por que as pessoas se associam? 2. Relativa à MUDANÇA: Por que as sociedades mudam? � Resposta liberal: 1. Porque elas precisam umas das outras, a satisfação das necessidades individuais depende da cooperação do grupo, por isso elas se associam: interesse. 2. Por causa da sinergia (o trabalho organizado, coordenado, resulta num produto maior do que a soma dos trabalhos individuais realizados isoladamente) 11 Durkheim contra os liberais I: As perguntas fundamentais � Resposta positivista (Durkheim): 1. Por solidariedade, porque elas se amam, porque criam laços afetivos e produzem a ordem social com o fim de perpetuá-los (solidariedade mecânica). 2. Por solidariedade, porque elas podem se orgulhar do proveito social daquilo que produzem (solidariedade orgânica) � Essa diferença é radical. Separa não só liberais de Positivistas, mas também o classicismo do romantismo, abrindo caminho para o entendimento da vida social num plano mais profundo que o da tradição racionalista, que sempre vê uma predominância do nosso lado racional sobre o afetivo. 12 Durkheim contra os liberais II: O argumento da solidariedade � Por que as pessoas se associam? Se fosse pelo interesse, como prescrevem os liberais, então a sociedade não seria um fenômeno moral. A moral se refere aos valores, ou seja, o que é considerado “o bem” e o que é “o mal”. O bem principal é a sociedade. Atitudes que a resguardam ou conservam fornecem a referência do bem, atitudes que a ameaçam, a do mal. � O mal é o anti-social. É exatamente o tipo de comportamento que ameaça a sociedade que figura como o mal, sujeitandoseu praticante à punição. � A punição é necessariamente pública, pois sua função é lavar a alma do homem comum, reforçar os valores que garantem a preeminência do social sobre o individual. 13 Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica � Inspirado no conceito darwiniano de organismo (página 6), Durkheim associa complexidade com modernidade: uma sociedade é tanto mais moderna quanto mais complexa ela é. � Desde a sociedade primitiva, em que todos faziam de tudo, até a sociedade moderna, pautada por uma grande diversidade de profissões, pode-se verificar um grau cada vez maior de divisão do trabalho. Portanto, é pela divisão do trabalho que se mede a complexidade. � Se as pessoas se associam por solidariedade, as sociedades mudam também em função da solidariedade, mas são solidariedades diferentes: a primeira, que funda a sociedade e se mantém como pano de fundo moral para perpetuá-la, Durkheim chama “solidariedade mecânica” e à segunda, pautada pela complexidade, ele denomina “solidariedade orgânica”. � Durkheim, como cientista social, busca um recurso empírico (verificabilidade) para demonstrar o seu argumento da solidariedade: como medi-la? 14 Medindo as solidariedades � Baseado em seu argumento da moral, Durkheim acredita que o direito (as leis positivas) guarda parte substancial da moral; é sua cristalização em forma de códigos. Por exemplo, nos países cristãos, o que o Estado define como crime, coincide com o que a religião define como pecado. � A solidariedade mecânica, aquela que existe desde antes da divisão do trabalho e que se refere aos homens enquanto totalmente semelhantes, Durkheim medirá pelo Direito penal (que é ditado igualmente a todos). � A solidariedade orgânica, que só aparece quando o trabalho se divide e se refere aos homens em diferentes posições sociais (patrão x empregado, vendedor x comprador, locador x locatário, pai x filhos, etc), Durkheim medirá pelo Direito contratual ou civil. 15 A solidariedade em gráfico No de leis penais No de leis contratuais Linha do tempo Linha do no de leis 2000 A.C. 2000 D.C. Sol. mecânica Sol. orgânica 16 A solidariedade em gráfico � O direito penal praticamente não varia no tempo, não aumenta nem diminui, mantendo-se como a base de solidariedade mecânica, que Durkheim denomina “consciência coletiva” � O direito contratual cresce representando a complexidade (solidariedade orgânica). � Quanto maior a diferença na linha do número de leis, mais moderna se torna a sociedade. 17 Complexidade e anomia � A solidariedade orgânica, embora mais arrojada, é também mais frágil, pois produz individualismo e este pode facilmente se deteriorar em ganância. � Um organismo complexo precisa ter uma coordenação central capaz de distribuir as funções e os benefícios harmonicamente. � Nos entes vivos esse papel é do cérebro (e sistema nervoso central), nas sociedades complexas só pode ser do Estado. � Os liberais, desprezando tal necessidade, coordenaram as revoluções modernas produzindo uma complexidade acéfala, característica da economia de mercado. 18 Complexidade e anomia � O sociólogo positivista Durkheim faz um diagnóstico a partir dos sintomas que são as mazelas sociais da modernidade: por culpa do liberalismo, a modernidade sofre de ANOMIA. � ANOMIA: espécie de câncer social. Sem que o progresso econômico próprio da sociedade industrial tenha sido acompanhado por um progresso moral, sem um Estado capaz de zelar para que a complexificação fosse solidária, a modernidade torna-se um tempo pautado mais pela força dos interesses materiais. � Uma sociedade assim tende à desintegração pela violência, pela ganância, a não ser que um Estado forte produza constantemente uma moral cívica capaz de recuperar a solidariedade perdida. 19 Outras questões importantes em Durkheim � Os conceitos de solidariedade e anomia possibilitam um sistema teórico para Durkheim. No livro “Divisão do trabalho social” ele faz a demonstração que resumimos nas páginas anteriores. � Em “As regras do método sociológico”, Durkheim estrutura toda uma metodologia para a pesquisa em Ciências Sociais � No livro “O suicídio” Durkheim volta a diagnosticar a anomia moderna, agora com os recursos da estatística, além de demonstrar as causas sociais que estão por traz do mais individual dos gestos. � Em “As formas elementares da vida religiosa” Durkheim mergulha fundo na importância da solidariedade como base da ordem social. � Em suas últimas obras, Durkheim compara o positivismo com outras teorias sociais em voga, especialmente o pragmatismo anglo-saxão. 20 Contribuições do positivismo � Nenhum paradigma foi mais fértil às ciências em geral, que o positivismo: métodos positivistas invadiram todos os campos do saber e se encontram ainda arraigados, por exemplo, na educação e na medicina. � A maneira como se estrutura a escola moderna, hoje tradicional, os cursos, as seqüências curriculares, são lapidares modelos dos efeitos contemporâneos do positivismo. � Um passeio por um hospital moderno é uma aula do pensamento classificatório, estatístico e semiológico do positivismo. � Também na política o positivismo teve fortes reflexos e, nesse quesito, o Brasil é um dos mais influenciados. Principalmente nos momentos ditatoriais e militares, o discurso positivista e seus métodos estão sempre muito presentes. 21 Os fatos sociais � Para Durkheim, o objeto fundamental de análise da sociologia era o que ele chamava de FATOS SOCIAIS. Segundo ele, os fatos sociais deveriam ser vistos como “coisas” com as seguintes características fundamentais: � EXTERIORIDADE: Os fatos sociais são exteriores aos indivíduos. Nesse sentido, independem de sua vontade, de seus sentimentos e pensamentos, em geral existindo na sociedade como anteriores a eles. � COERCITIVIDADE: Eles exercem poder de coerção sobre os indivíduos, ou seja, exercem uma força sobre eles que os impele a fazer algo. Padrões culturais são apenas um exemplo dessa força, quando agimos orientados pela tradição, seguindo normas impostas por ela. � GENERALIDADE: Significa que os fatos sociais se aplicam à coletividade; que não dizem respeito a um indivíduo ou outro exclusivamente. Nesse sentido, a análise de Durkheim tem aspecto macroscópico, uma vez que seu objeto só existe enquanto fenômeno coletivo mais amplo. 22 Os fatos sociais � Um exemplo de fato social é o comportamento de torcidas de futebol. Cidadãos muitas vezes pacatos, auto-controlados, quando vão ao estádio torcer por seu time, se misturam e se perdem na massa, entoando hinos entre palavras de agressão ao juiz ou à torcida adversária. � Os três elementos estão presentes: A coercitividade impele o indivíduo dissolvido na massa, a gritar por seu time, a generalidade está no caráter coletivo da torcida e a exterioridade no sentido de que aquilo acontece fora do indivíduo e independente dele. Se João ou Maria deixa de ir ao estádio, a torcida continua lá, entoa os mesmos cantos e se manifesta do mesmo jeito, o que acontece há várias gerações anteriores a eles e é retransmitido culturalmente ao longo do tempo.
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