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Aula - 18082014 - FENÔMENO RELIGIOSO

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FENÔMENO RELIGIOSO 
 
 Aula do Prof. Dr. Clóvis Ecco 
 
 
 As pessoas, nas diferentes comunidades, elegem um local privilegiado 
onde o sagrado se concentra. Pode ser uma pessoa, um lugar, uma árvore, um 
rio, um objeto ou outro símbolo qualquer que evoque uma experiência religiosa 
primordial, e onde as pessoas crêem que o sagrado ali permanece. É nesses 
locais que o sagrado se manifesta, se revela, onde ocorre a hierofania. 
 A hierofania pode ir desde a manifestação do sagrado num objeto 
qualquer, uma pedra ou uma árvore, até a hierofania suprema para um cristão, 
que é a encarnação de Deus em Jesus Cristo. As almas, os deuses e os 
demônios, isto é, os poderes sobrenaturais na maioria das vezes são 
concebidos desta forma. 
 A regulação entre estes seres sobrenaturais e as pessoas humanas é 
que constitui o domínio da ação religiosa, surgindo então o que denominamos 
como o fenômeno religioso. A palavra fenômeno vem do grego “tò 
phainòmenon”, significa “aquilo que aparece”, “aquilo que se mostra”. Portanto, 
fenômeno religioso significa um sagrado que se mostra, que se revela. 
 Ao conjunto de concepções do sagrado, dos mitos que explicitam como 
se dá a presença do sagrado no mundo e dos rituais criados para favorecer as 
relações das pessoas com o sagrado é que se denomina “religião” 
 Muitas pessoas: benzedeiras, pajés, curandeiros, pais e mães de santo, 
pregadores populares, puxadores de rezas etc. acreditam ser eles próprios os 
objetos da hierofania. A compreensão de que Deus se serve deles para se 
manifestar lhes dá a certeza de legitimidade e de exclusividade ao realizar sua 
missão. 
 Uma vez entendendo-se como objetos da hierofania, as pessoas 
passam a desenvolver formas de conduzir outras pessoas a fazer parte de seu 
sistema de crenças. Para isto, criam uma série de gestos, palavras e objetos 
sagrados, ou seja, criam ritos que possam favorecer a experiência religiosa das 
outras pessoas e levá-las a alcançar as graças esperadas. 
Muitas vezes estas pessoas que se acreditam como objetos da 
hierofania e criam ritos para favorecer a experiência religiosa de outras 
pessoas acabam por criar novas religiões. Weber denomina estas pessoas 
como carismáticas, ou seja, pessoa dotada de carisma. Segundo Weber (1991, 
158-167), carisma se refere a qualidade pessoal, considerada extracotidiana, 
em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades 
sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, poderes extracotidianos 
específicos, ou então se a toma como enviada de Deus, como exemplar, 
portanto, como líder. O reconhecimento de uma pessoa como carismática pode 
resultar em uma entrega crente e inteiramente pessoal, nascida do entusiasmo 
ou da miséria e esperança da pessoa que o reconhece como tal. 
Weber (1991, 158-167) afirma ainda que, em sua forma genuína, a 
relação entre a pessoa carismática e seus seguidores é de caráter 
especificamente extracotidiano. É uma relação estritamente pessoal, ligada à 
validade carismática de determinadas qualidades pessoais do carismático e à 
prova destas. Quando esta relação assume o caráter de uma relação 
permanente, formando uma comunidade de correligionários, é necessária uma 
modificação substancial: institucionaliza-se o carisma. 
A institucionalização do carisma se torna necessária, uma vez que há 
um interesse ideal e material dos seguidores, em continuar a existência da 
relação. A continuidade do exercício do carisma exige que este seja colocado 
sobre fundamentos cotidianos duradouros: organizado juridicamente e 
economicamente. 
Esta necessidade se torna mais nítida quando desaparece a pessoa 
portadora do carisma e surge a necessidade da sucessão. O resultado da 
rotinização do carisma pode desembocar em instituições de tipo igrejas. Ou 
seja, os discípulos do carismático institucionalizam o carisma: criam um 
corpo doutrinal, práticas cultuais e uma organização sacerdotal, isto é, 
uma igreja. 
A doutrina se distingue do mito por ser mais orgânica, argumentativa e 
racional, além de estar voltada para a interpretação da realidade. A passagem 
de mito à doutrina segue vários estágios: coletas dos mitos espalhados num 
único ciclo, formação de ciclos de mitos homogêneos, consolidação de um 
verdadeiro e próprio corpo doutrinal: a teologia. 
Este discurso racional sobre o divino, a teologia, é guardada em livros 
sagrados. Os sacerdotes têm a função tanto de compor o discurso racional 
sobre a divindade como a de guardiões da tradição teológica. Os textos 
sagrados passam por um processo de interpretação e comentários, a fim de se 
tornarem mais compreensíveis mesmo nas mudanças de condições históricas. 
Este processo de interpretações e comentários dos textos sagrados é 
realizados por diversas escolas teológicas, às vezes em forte conflito devido à 
preferência dada a uma ou outra das três questões principais da teologia: 
Deus, o mundo e o homem. Este fator muitas vezes gera rupturas e a 
formação de outras igrejas. 
Quanto as formas organizadas de ação na sociedade, as organizações 
religiosas se compõem em: Igreja, seita e misticismo. 
As igrejas se caracterizam mais por uma atitude de tolerância para com 
as estruturas do mundo que são “consequências do pecado”, por tentativas de 
remediá-las, sem, contudo, deixar de rejeitá-las intimamente. As igrejas tendem 
à universalidade, isto é, ter a mesma extensão da sociedade; acolhem todas as 
pessoas e lhes distribui os meios da graça. Esta função integradora das igrejas 
exige que estas mantenham um compromisso com as diversas formas de 
comportamento existentes numa dada sociedade e a aceitar os principais 
elementos presentes na estrutura social existentes. As igrejas caracterizam-se 
ainda por uma estruturação hierárquica interna. 
As seitas apresentam-se como grupos que adotam atitudes de 
intransigências para com o “mundo”, isto é, rejeitam comportamentos e 
instituições das sociedades às quais pertencem, julgando-os corruptos. Os 
membros das seitas se propõem à obediência literal dos textos sagrados, 
desprezando as adaptações aceitas pelas igrejas. Por não aceitarem 
compromissos com o mundo, chegam a se isolarem da sociedade, 
permanecendo na expectativa do iminente reino de Deus. Os membros da seita 
visam à perfeição individual e ao ascetismo. A seita é hostil ou indiferente ao 
Estado e contrária à ordem eclesiástica. 
 O Misticismo representa o polo da religiosidade de tipo individual; 
designa a procura de uma experiência religiosa de tipo íntimo que acontece 
frequentemente em grupos bem pequenos, os quais se distanciam 
abertamente, bem mais que a seita, da tradição religiosa eclesial. O misticismo 
é a tradição individual do protesto contra a redução da experiência religiosa a 
formalismos nos ritos, a racionalismos nas doutrinas, a burocracias na 
organização eclesial. 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Trad. Sergio Miceli et al. São Paulo: 
Perspectiva, 1974. 
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Joaquim Pereira Neto. São 
Paulo: Paulinas, 1989. 
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano, a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. 
São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna: entre a secularização e a 
dessecularização. Trad. Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulinas, 1995. 
O’DEA, Thomas F. Sociologia da religião. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Pioneira, 
1969. 
OTTO, Rudolf. O sagrado. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo, Imprensa 
Metodista & Ciências da Religião, 1985. 
WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen Barbosa. Brasília: 
Universidade de Brasília, 1991. 
 
Proposta de atividade complementar 
 
Leia a seguinte reportagem e responda: 
1. As atitudes relatadas são próprias de uma igreja, de uma seitaou de um 
misticismo? Por quê? 
 
DIÓGENES MUNIZ - da Folha Online - 28/04/2006 - 17h49 
Dalai-lama recusa fama de "milagreiro" 
 
Se vocês vieram aqui com a expectativa de que o dalai-lama possua algum tipo 
de poder, bem, isso é uma bobagem". Foram estas as palavras iniciais de 
Tenzin Gyatso, 70, o dalai-lama, líder máximo do budismo, no seminário 
ministrado nesta sexta-feira (28) em São Paulo, no Palácio das Convenções do 
Anhembi (zona norte). 
Considerado por sua religião como a própria reencarnação de Buda da 
Compaixão, Gyatso falou sobre a relação de sua crença com a ciência e a 
educação para mais de 2.500 pagantes. A pedido de Gyatso, as luzes da 
plateia ficaram acesas, para que ele pudesse "olhar nos olhos de cada um" 
enquanto falava. 
Mas nem todos que pagaram viram o monge presencialmente. Algumas 
pessoas desembolsaram R$ 70 para assistir ao evento via telão ou telas de 
plasma colocados em três auditórios menores do Anhembi. Quem pagou R$ 
120 viu dalai-lama de perto. 
O evento teve também a presença de pesquisadores da Unifesp 
(Universidade Federal de São Paulo) e de José Gregori, ex-ministro da Justiça 
e presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos de São Paulo. 
Na palestra, o mestre tibetano fez questão de se destituir de alguns 
valores. "Não sou dotado de poderes miraculosos e sou muito cético quanto a 
isso." 
Ele comentou também a "aproximação da ciência com a religião". "A 
ciência de hoje não é a mesma de anos atrás, ela está cada vez mais próxima 
da espiritualidade", afirmou. 
Gyatso também falou de política, mostrando-se bastante otimista quanto 
à conjuntura internacional. "Ainda que tenhamos começado o século 21 de 
forma conturbada, acredito que este será o século do diálogo", disse. 
Por fim, o mentor do povo tibetano criticou o hedonismo, dizendo ser 
"impossível pensarmos apenas no prazer a curto prazo". 
 
 
 
Profa. Dra. Carolina Teles Lemos, texto preparado para fins didático/ 
material publicado.

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