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A preocupação com o conhecimento 2018

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1 
 
A preocupação com o conhecimento 
 
O conhecimento e os primeiros filósofos 
 
Quando estudamos o nascimento da filosofia na Grécia, vimos que os primeiros filó-
sofos — os pré-socráticos — dedicavam-se a um conjunto de indagações principais: 
"Por que e como as coisas existem?" "O que é o mundo?", "Qual a origem da natureza 
e quais as causas de sua transformação?". Essas indagações colocavam no centro a 
pergunta: "O que são as coisas?" Pouco a pouco essa pergunta passou a ser assim 
formulada: "O que é o Ser?". 
 
Os primeiros filósofos ocupavam-se com a origem e a ordem do mundo, o 
kósmos, e a filosofia nascente era uma cosmologia. Pouco a pouco, passou-se a 
indagar o que era o próprio kósmos, qual era o princípio eterno que ordenava todas as 
coisas e que permanecia imutável sob a multiplicidade e transformação delas. Esse 
princípio era concebido como o fundo imperecível presente em todas as coisas, 
fazendo-as existir tais como são. Esse fundo presente em todas as coisas é o Ser. 
Assim, passou-se a perguntar qual era e o que era o Ser, tò ón, subjacente a todos os 
seres. Com isso, a filosofia nascente tornou-se ontologia, isto é, conhecimento ou 
saber sobre o Ser. 
 
Por esse mesmo motivo, alguns estudiosos consideram que os primeiros filósofos 
não tinham uma preocupação principal com o conhecimento como conhecimento, isto 
é, não indagavam se podemos ou não conhecer o Ser, mas partiam da pressuposição 
de que o podemos conhecer, pois a verdade, sendo alétheia, isto é, presença e 
manifestação das coisas para os nossos sentidos e para o nosso pensamento, 
significa que o Ser está manifesto e presente para nós e, portanto, nós o podemos 
conhecer. 
 
Todavia, a opinião de que os primeiros filósofos não se preocupavam com nossa 
capacidade e possibilidade de conhecimento não é exata. Para tanto, basta levarmos 
em conta o fato de afirmarem que a realidade (o Ser, a natureza) é racional e que a 
podemos conhecer porque também somos racionais; nossa razão é parte da 
racionalidade do mundo, dela participando. 
 
 
2 
 
 
Heráclito, Parmênides e Demócrito 
 
Alguns exemplos indicam a existência da preocupação dos primeiros filósofos com o 
conhecimento e, aqui, tomaremos três: Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eleia e 
Demócrito de Abdera. 
 
Heráclito de Éfeso considerava a natureza (o mundo, a realidade) um "fluxo perpétuo", 
o escoamento continuo dos seres em mudança perpétua. Dizia: "Não podemos 
banhar-nos duas vezes no mesmo rio, porque as águas nunca são as mesmas e nós 
nunca somos os mes¬mos". Comparava o mundo à chama de uma vela que queima 
sem cessar, transformando a cera em fogo, o fogo em fumaça e a fumaça em ar. O dia 
se torna noite, o verão se torna outono, o novo fica velho, o quente esfria, o úmido 
seca, tudo se transforma no seu contrário. O mundo é um processo incessante de 
transformação em que cada ser é um movimento em direção ao seu contrário. 
 
A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos contrários, que não cessam de se 
transfor¬mar uns nos outros. Se tudo não cessa de se transformar perenemente, 
como explicar que nossa percepção nos ofereça as coisas como se fossem estáveis, 
duradouras e permanentes? Com essa pergunta o filósofo indicava a diferença entre o 
conhecimento que nossos senti¬dos nos oferecem e o conhecimento que nosso 
pensamento alcança, pois nossos sentidos nos oferecem a imagem da estabilidade e 
nosso pensamento alcança a verdade como mu¬dança contínua. 
 
Parmênides de Eleia colocava-se na posição oposta à de Heráclito. Dizia que só 
podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que 
o pensamento não pode pensar sobre coisas que são e não são, que ora são de um 
modo e ora são de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias. 
Conhecer é alcançar o idêntico, imutável. Nossos sentidos nos oferecem a imagem de 
um mundo em incessante mudança, num fluxo perpétuo, onde nada permanece 
idêntico a si mesmo, onde tudo se torna o contrário de si mesmo: o dia vira noite, o 
inverno vira pri¬mavera, o doce se torna amargo, o pequeno vira grande, o grande 
diminui, o doce amarga, o quente esfria, o frio se aquece, o líquido vira vapor ou vira 
sólido. 
 
Como pensar o que é e não é ao mesmo tempo? Como pensar o instável? Como 
pensar o que se torna oposto e contrário a si mesmo? Não é possível, dizia 
Parmênides. Pensar é apreender um ser em sua identidade profunda e permanente. 
Com isso, afirmava o mesmo que Heráclito — perceber e pensar são diferentes —, 
mas o dizia no sentido oposto ao de Herácli¬to, isto é, percebemos mudanças 
impensáveis e devemos pensar identidades imutáveis. 
Demócrito de Abdera desenvolveu uma teoria sobre o Ser ou sobre a natureza 
conhe¬cida com o nome de atomismo a realidade é constituída por átomos. Os seres 
surgem por composição dos átomos, transformam-se por novos arranjos dos átomos e 
morrem por se-paração dos átomos. 
 
Os átomos, para Demócrito, possuem formas e consistências diferentes (redon¬dos, 
triangulares, lisos, duros, moles, rugo-sos, pontiagudos, etc.) e essas diferenças e os 
diferentes modos de combinação entre eles produzem a variedade de seres, suas mu-
danças e desaparições. Por meio de nossos órgãos dos sentidos, percebemos o 
quente e o frio, o doce e o amargo, o seco e o úmido, o grande e o pequeno, o duro e 
o mole, sa¬bores, odores, texturas, o agradável e o de¬sagradável, sentimos prazer e 
dor, porque percebemos os efeitos das combinações dos átomos que, em si mesmos, 
não possuem tais qualidades (isto é, não são doces nem amargos, nem azuis nem 
verdes, nem gran¬des nem pequenos, pois são as menores par¬tículas materiais 
3 
 
existentes). Somente o pensamento pode conhecer os átomos, que são invisíveis para 
nossa percep¬ção sensorial. Dessa maneira, Demócrito concordava com Heráclito e 
Parmênides em que há uma diferença entre o que conhecemos por meio de nossa 
percepção e o que conhecemos apenas pelo pensamento; porém, diversamente dos 
outros dois filósofos, não considerava a percepção ilusória, mas apenas um efeito da 
realidade sobre nós. O conhecimento sensorial ou sensível é tão verdadeiro quanto 
aquilo que o pensamento puro alcança, embora de uma verdade diferente e menos 
profunda ou menos relevante do que aquela alcançada pelo puro pensamento. 
 
Esses três exemplos nos mostram que, desde os seus começos, a filosofia preocupou-
se com o problema do conhecimento, pois sempre esteve voltada para a questão do 
verdadeiro. Desde o início, os filósofos se deram conta de que nosso pensamento 
parece seguir certas leis ou regras para conhecer as coisas e que há uma diferença 
entre perceber e pensar. Pensa¬mos com base no que percebemos ou pensamos 
negando o que percebemos? O pensamen¬to continua, nega ou corrige a percepção? 
O modo como os seres nos aparecem é o modo como os seres realmente são? 
 
Sócrates e os sofistas 
 
Preocupações como essas levaram, na Grécia clássica, a duas atitudes filosóficas: a 
dos sofistas e a de Sócrates — com eles, os problemas do conhecimento tornaram-se 
centrais. Diante da pluralidade e dos antagonismos das filosofias anteriores, ou dos 
conflitos entre as várias ontologias, os sofistas concluíram que não podemos conhecer 
o Ser, pois, se pudés¬semos, pensaríamos todos da mesma maneira e haveria uma 
única filosofia, uma vez que a verdade é universal e a mesma para todos os humanos. 
Consequentemente, só podemos ter opiniões subjetivas sobre a realidade. 
 
Por isso, para se relacionarem com o mundo e com os outros humanos, os homens 
devem valer-se de um instrumento a linguagem para persuadir os outros de suas 
pró¬prias ideias e opiniões. A verdade é uma questão de opinião e de persuasão, e a 
linguagem é mais importante do que a percepção e o pensamento. 
 
Em contrapartida, Sócrates, distanciando-sedos primeiros filósofos que se ocupavam 
em conhecer a natureza, propunha começar pelo oráculo de Delfos, isto é, pelo 
conhece-te a ti mesmo", e, opondo-se aos sofistas, afirmava que a verdade pode ser 
conhecida desde que compreendamos que precisamos começar afastando as ilusões 
dos sentidos, as imposições das palavras e a multiplicidade das opiniões. Possuímos 
uma alma racional e que nos assegura que podemos alcançar a verdade e que a 
alcançamos apenas pelo pensamento, isto é, pela atividade de nossa razão. Como as 
ideias são inatas em nossa alma racional, conhecer-se a si mesmo é fazer o trabalho 
para o parto ou nascimento das ideias e auxiliar os demais a realizar parto: em grego, 
parto se esse parto. 
 
Os órgãos dos sentidos, diz Sócrates, nos dão somente as aparências das coisas e as 
pala¬vras, meras opiniões sobre elas. A marca da aparência e da opinião é sua 
variabilidade: varia de pessoa para pessoa e varia num mesmo indivíduo. Mas não só 
varia: também se contradiz. Conhecer é começar a examinar as contradições das 
aparências e das opiniões para poder abandoná-las e passar da aparência à essência, 
da opinião ao conceito. O exame das opiniões é aquele procedimento que Sócrates 
chamava de ironia, com o qual o filósofo conseguia que seus interlocutores 
reconhecessem que não sabiam o que imaginavam saber; o parto das ideias era a 
maiêutica, com a qual, graças a perguntas adequadas feitas pelo filósofo, o 
interlocutor encontrava em sua alma racional a ideia verdadeira ou a essência da coisa 
procurada. 
 
4 
 
 
Platão e Aristóteles 
 
Sócrates fez a filosofia voltar-se para nossa capacidade de conhecer e indagar quais 
as causas das ilusões, dos erros, do falso e da mentira. Platão e Aristóteles herdaram 
de Sócrates o procedimento filosófico de abordar uma questão começando pela 
discussão e pelo debate das opiniões contrárias sobre ela. Além disso, passaram a 
definir as formas de conhecer e as diferenças entre o conhecimento verdadeiro e a 
ilusão, introduzindo na filosofia a ideia de que existem diferentes maneiras de 
conhecer ou graus de conhecimento. 
 
Platão distingue quatro formas ou graus de conhecimento, que vão do grau inferior ao 
superior: crença, opinião, raciocínio e intuição intelectual. Os dois primeiros graus 
formam o que ele chama de conhecimento sensível, enquanto os dois últimos formam 
o conhecimento inteligível. 
 
A crença é nossa confiança no conhecimento sensorial: cremos que as coisas são tais 
como as percebemos em nossas sensações. A opinião é nossa aceitação do que nos 
ensinaram sobre as coisas ou o que delas pensamos conforme nossas sensações e 
lembranças. Esses dois primeiros graus de conhecimento nos oferecem apenas a 
aparência das coisas ou suas imagens (são as sombras das coisas verdadeiras) e 
correspondem à situação dos prisioneiros da caverna. 
 
Por serem ilusórios, esses dois graus devem ser afastados pelas pessoas que buscam 
o conhecimento verdadeiro, pois este diz respeito às essências das coisas, portanto, 
somente os dois últimos graus devem ser considerados válidos. O raciocínio que, para 
Platão, se realiza de maneira perfeita na matemática treina e exercita nosso 
pensamento, purifica-o das sensações e opiniões e o prepara para a intuição 
intelectual, que conhece as essências das coisas ou o que Platão denomina com a 
palavra ideia. 
 
A ironia e a maiêutica socráticas são transformadas por Platão num procedimento 
denominado por ele de dialética, que consiste em trabalhar expondo e examinando 
teses con-trárias sobre um mesmo assunto ou sobre uma mesma coisa, de maneira a 
descobrir qual das teses é falsa e deve ser abandonada e qual é verdadeira e deve ser 
conservada. A finalidade do percurso dialético ou do exercício dialético é proporcionar, 
ao seu término, a intuição intelectual de uma essência ou ideia. 
 
Aristóteles distingue sete formas ou graus de conhecimento: sensação, percepção, 
ima-ginação, memória, linguagem, raciocínio e intuição. Enquanto Platão concebia o 
conheci¬mento como abandono de um grau inferior por um superior, para Aristóteles, 
nosso conhe-cimento vai sendo formado e enriquecido por acumulação das 
informações trazidas por todos os graus, de modo que, em lugar de uma ruptura entre 
o conhecimento sensível e o intelectual, há continuidade entre eles. Assim, as 
informações trazidas pelas sensações se organizam e permitem a percepção. As 
percepções se organizam e permitem a imaginação. Juntas, percepção e imaginação 
conduzem à memória, à linguagem e ao raciocínio. 
 
Aristóteles concebe, porém, uma separação entre os seis primeiros graus e o último, a 
intuição intelectual, que é um ato do pensamento puro e não depende dos graus 
anteriores. Essa separação, porém, não significa que os outros graus ofereçam 
conhecimentos ilusórios ou falsos e sim que oferecem tipos de conhecimentos 
diferentes, que vão de um grau menor a um grau maior de verdade. 
 
 
5 
 
 
Em cada um deles temos acesso a um aspecto do Ser ou da realidade e, na intuição 
intelectual, temos o conhecimento dos princípios universais e necessários do 
pensamento (identidade, não contradição, terceiro excluído) e dos primeiros princípios 
e das primeiras causas da realidade ou do Ser. A diferença entre os seis primeiros 
graus e o último decorre da diferença do objeto do conhecimento, isto é, os seis 
primeiros graus conhecem objetos que se oferecem a nós na sensação, na 
imaginação, no raciocínio, enquanto o sétimo lida com princípios e causas primeiras, 
isto é, com o que só pode ser alcançado pelo pensamento puro. Ou seja, nos outros 
graus, o conhecimento é obtido por indução ou por dedução, por demonstrações e 
provas, mas no último grau conhecemos o que é indemonstrável (princípios) porque é 
condição de todas as demonstrações e raciocínios. 
 
Princípios gerais 
 
Com os filósofos gregos, estabeleceram-se alguns princípios gerais do conhecimento 
verdadeiro: 
 
 a determinação das fontes e formas do conhecimento: sensação, percepção, 
imagina-ção, memória, linguagem, raciocínio e intuição intelectual; 
 a distinção entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual; 
 o papel da linguagem no conhecimento; 
 a diferença entre opinião e saber ou conhecimento verdadeiro; 
 a diferença entre aparência e essência; 
 a definição dos princípios do pensamento verdadeiro (identidade, não 
contradição, ter-ceiro excluído), da forma do conhecimento verdadeiro (ideias, 
conceitos e juízos) e dos procedimentos para alcançar o conhecimento 
verdadeiro (indução, dedução, intuição); 
 o estabelecimento de procedimentos corretos que orientam a razão na busca 
do conhecimento e asseguram sua chegada a conhecimentos verdadeiros (em 
Platão, esse procedimento é a dialética, em Aristóteles, a lógica ou o que ele 
chama de analítica); 
 
a distinção dos campos do conhecimento verdadeiro segundo os objetos conhecidos 
em cada um deles, distinção que foi sistematizada por Aristóteles em três ramos: 
 
 - teorético (referente aos seres que apenas podemos contemplar ou observar, sem 
agir sobre eles ou neles interferir); 
- prático (referente às ações humanas: ética, política e econo¬mia); 
- técnico (referente à fabricação de instrumentos e de objetos e ao trabalho humano, o 
qual pode interferir no curso da natureza como a agricultura e a medicina, e fabricar 
instrumentos ou artefatos como os artesanatos, a arquitetura, a escultura, a poesia, a 
retórica, etc). 
 
O ato de conhecer 
 
O campo de investigação filosófica que abarca as questões sobre o conhecer chama-
se teoria do conhecimento. Tradicionalmente costuma-se definir conhecimento como o 
modo pelo qual o sujeito se •própria intelectualmente do objeto. 
 
Entendemos por conhecimento o ato ou o produto do conhecimento. 
 
• O ato do conhecimento diz respeito à relação que se estabelece entre o sujeitocognoscente eo objeto a ser conhecido. O objeto é algo fora da mente, mas também a 
6 
 
própria mente, quando percebemos nossos afetos, desejos e ideias. 
 
• O produto do conhecimento é o que resulta do ato de conhecer, ou seja, o conjunto 
de saberes acumulados e recebidos pela cultura, bem como os saberes que cada um 
de nós acrescenta à tradição: as crenças, os valores, as ciências, as religiões, as 
técnicas, as artes, a filosofia etc. 
 
Os modos de conhecer 
 
De que maneiras o sujeito cognoscente apreende o real? Geralmente consideramos o 
conhecimento como um ato da razão, pelo qual encadeamos ideias e juízos, para 
chegar a uma conclusão. Essas etapas compõem o nosso raciocínio. No entanto, 
conhecemos o real também pela intuição. Vejamos a diferença entre intuição e 
conhecimento discursivo. 
 
A intuição 
 
A intuição é um conhecimento imediato alcançado sem intermediários, um tipo de 
pensamento direto, uma visão súbita. Por isso é inexprimível: 
- como poderíamos explicar em palavras a sensação do vermelho? Ou a intensidade 
do meu amor ou ódio? É também um tipo de conhecimento impossível de ser provado 
ou demonstrado. 
No entanto, a intuição é importante por possibilitar a invenção, a descoberta, os 
grandes saltos do saber humano. 
 
A intuição expressa-se de diversas maneiras, entre as quais destacamos a empírica, a 
inventiva e a intelectual. 
 
a) A intuição empírica é o conhecimento imediato baseado em uma experiência que 
independe de qualquer conceito. Ela pode ser: 
 
• sensível, quando percebemos pelos órgãos dos sentidos: o calor do verão, 
as cores da primavera, o som do violino, o odor do café, o sabor doce; 
• psicológica, quando temos a experiência interna imediata de nossas 
percepções, emoções, sentimentos e desejos. 
 
b) A intuição inventiva é a intuição do sábio, do artista, do cientista, ao descobrirem 
soluções súbitas, como uma hipótese fecunda ou uma inspiração inovadora. Na vida 
diária também enfrentamos situações que exigem verdadeiras invenções súbitas, 
desde o diagnóstico de um médico até a solução prática de um problema caseiro. 
Segundo o matemático e filósofo Henri Poincaré, enquanto a lógica nos ajuda a 
demonstrar, a invenção só é possível pela intuição. 
 
c) A intuição intelectual procura captar diretamente a essência do objeto. Descartes, 
quando chegou à consciência do cogito — o eu pensante —, considerou tratar-se de 
uma primeira verdade que não podia ser provada, mas da qual não se poderia duvidar: 
Cogito, ergo sum, que em latim significa "penso, logo existo". A partir dessa intuição 
primeira (a existência do ser como pensamento), estabeleceu o ponto de partida para 
o método da filosofia e das ciências modernas. Outros filósofos posteriores, como Kant 
e Bergson, embora sob ângulos diferentes, recorreram a intuições. 
 
 
 
 
 
7 
 
Conhecimento discursivo 
 
Para compreender o mundo, a razão supera as informações concretas e imediatas 
recebidas por intuição e organiza-as em conceitos ou ideias gerais que, devidamente 
articulados pelo encadeamento de juízos e raciocínios, levam à demonstração e a 
conclusões. Portanto, o conhecimento discursivo, ao contrário da intuição, precisa da 
palavra, da linguagem. 
 
Por ser mediado pelo conceito, o conhecimento discursivo é abstrato. Abstrair 
significa "isolar", "separar de". Fazemos abstração quando isolamos um elemento 
que não é dado separadamente na realidade. Quando vemos um copo, temos a 
imagem dele, uma representação mental de natureza sensível, concreta e particular: 
um copo de cristal verde lapidado. A ideia abstraía, porém, despreza as características 
secundárias para obter a representação intelectual do objeto, que é imaterial e geral. 
Ou seja, a ideia de copo não se refere àquele copo particular, mas a todos os copos 
existentes. Quando dizemos "2", não importa se nos referimos a duas pessoas ou 
duas frutas. A matemática faz abstração ao reduzir as coisas, que têm peso, dureza e 
cor, apura quantidade. As ciências em geral baseiam-se em abstrações para 
estabelecer as leis: 
 
-ao concluir que o calor dilata os corpos, são abstraídas as características que 
distinguem cada corpo para considerar apenas os aspectos comuns àqueles 
corpos, ou seja, o "corpo em geral", enquanto submetido à ação do calor. 
Quanto mais abstrato o conceito, mais se distancia da realidade concreta. Esse 
artifício da razão é importante para a superação das particularidades do real e 
a elaboração de leis gerais explicativas. 
 
Como se dá então o conhecimento? Ao afastar-se do vivido, a razão enriquece o 
conhecimento pela interpretação e pela crítica. Esse distanciamento, porém, como 
enfatizam alguns filósofos, pode representar um empobrecimento da experiência 
intuitiva que temos do mundo e de nós mesmos. 
Por isso, o conhecimento se faz pela relação continua entre intuição e razão, vivência 
e teoria, concreto e abstrato. 
 
A verdade 
 
O que é a verdade? O que alguém quer dizer quando afirma que uma proposição é 
verdadeira? 
Primeiro, vamos comparar o conceito de verdade com o de veracidade e o de 
realidade. 
 
• Verdade e veracidade: suponhamos que alguém me diz que há um lado da Lua que 
nunca é visto da Terra. Se eu lhe perguntar: 
"Isto é verdade?", a indagação pode ter dois sentidos. O primeiro é se meu interlocutor 
está me dizendo uma verdade ou se está mentindo. 
 
Nesse caso, trata-se da veracidade, que nos coloca diante de uma questão moral: o 
indivíduo veraz é o que não mente. O segundo sentido é propriamente epistemológico: 
quero saber se a afirmação de meu interlocutor é verdadeira ou falsa. Para tanto, 
indago se a proposição corresponde à realidade, seja foi comprovada, se a fonte de 
informação é digna de crédito ou não. É esse tipo de verdade que iremos discutir 
neste capítulo. 
 
• Verdade e realidade: embora diferentes, esses dois conceitos são frequentemente 
confundidos na linguagem cotidiana. A verdade do conhecimento diz respeito a uma 
8 
 
proposição que pode ser verdadeira ou falsa. Assim, quando afirmamos "Este colar é 
de ouro", a proposição é falsa caso se trate de uma bijuteria. Mas se nos referimos a 
coisas (um colar, um quadro, um dente) só podemos afirmar que são reais, e não 
verdadeiras ou falsas. 
 
Portanto, o falso ou o verdadeiro não estão na coisa mesma, mas no juízo, no valor de 
verdade ou falsidade de uma proposição. Ao beber o líquido escuro que me parecia 
café, emito os juízos: "Este líquido não é café" e "Este líquido é cevada". Portanto, a 
verdade ou falsidade existe apenas quando afirmamos ou negamos aígo sobre uma 
coisa, e esses juízos correspondem à realidade. 
 
Estamos diante de um primeiro sentido de verdade: 
 
- um juízo verdadeiro é aquele que corresponde aos fatos. Mas seria assim tão 
simples? A definição parece óbvia, concorda com o senso comum, mas a 
questão é muito mais complexa. Será que podemos conhecer as coisas como 
elas são de fato?. 
 
Podemos alcançar a certeza? 
 
A certeza é o resultado de nossa adesão ao que consideramos verdadeiro. Para 
entendermos as mudanças ocorridas ao longo da história da filosofia sobre a 
possibilidade de conhecermos a verdade, vamos distinguir duas tendências principais: 
o dogmatismo filosófico e o ceticismo. 
 
O dogmatismo 
 
Há vários significados para o conceito de dogmatismo. 
Vejamos o sentido do senso comum e o sentido filosófico do termo. 
 
a) O dogmatismo do senso comum 
 
No senso comum, o dogmatismo designa as certezas não questionadas do 
nosso cotidiano: de posse do que supõe verdadeiro, a pessoa fixa-se na 
certeza e abdica da dúvida. O mundo muda, os acontecimentos se sucedem e 
o dogmático permanece petrificado nos conhecimentos dados de uma vez por 
todas. Resistindo ao diálogo, teme o novo e não raro tenta impor aos outros 
seu ponto de vista, sucumbindo à intransigência eà prepotência. 
 
Quando esse tipo de dogmatismo atinge a política, assume um caráter 
ideológico que nega o pluralismo e abre caminho para a doutrina oficial do 
Estado ou do partido único, com todas as decorrências, como censura e 
repressão. Foi o caso dos totalitarismos de esquerda, na União Soviética, e de 
direita, na Alemanha nazista. 
 
PARA REFLETIR 
 
Do ponto de vista religioso, chamamos dogma à verdade fundamental e 
indiscutível de uma doutrina. Na religião cristã, de acordo com o dogma 
da Santíssima Trindade, as três pessoas (Pai, Filho e Espírito Santo) 
não são três deuses, mas apenas um. Não importa se a razão não 
consiga entender que Deus é ao mesmo tempo uno e trino, porque esse 
princípio tem como fundamento a revelação divina e, portanto, deve ser 
aceito pela fé. 
 
9 
 
 
ETIMOLOGIA 
 
Dogma. Dogma, em grego,significa "doutrina", "ensinamento". 
Dogmatikós,"o que se funda em princípios" ou aquilo que é "relativo a 
uma doutrina". 
 
 
 
b) O dogmatismo filosófico 
 
Se desde sempre a filosofia exerceu uma função crítica das opiniões 
não refletidas que dão suporte aos preconceitos de toda ordem, como 
então falar de filosofias dogmáticas? 
O dogmatismo filosófico, porém, não tem o sentido pejorativo atribuído 
ao dogmatismo sem crítica do senso comum. A filosofia dogmática 
serve para identificar os filósofos que estão convencidos de que a razão 
pode alcançar a certeza absoluta. 
O primeiro a colocar em questão a capacidade de atingir certezas 
absolutas foi o filósofo escocês David Hume, conforme veremos no 
próximo tópico, sobre ceticismo. Sua influência foi decisiva para Kant, 
que, na obra Crítica da razão pura, põe a razão em um tribunal a fim de 
definir os limites e as possibilidades do conhecimento. Por isso a 
filosofia kantiana chama-se criticismo. Kant chega à conclusão de que 
não se pode conhecer as coisas tal como são em si, mas apenas os 
fenómenos. 
Embora fosse um homem religioso, Kant concluiu que não somos 
capazes de conhecer pela razão as verdades metafísicas, que estão 
além da experiência sensível, tais como Deus, a alma, a liberdade. Vale 
observar que não se trata propriamente de ceticismo, ainda que o 
criticismo kantiano tenha aberto caminho para posturas céticas 
posteriores. 
 
PARA SABER MAIS 
 
As ideias de Deus, alma e liberdade às quais Kant negara a possibilidade de 
conhecer pela razão são recuperadas como postulados em outra obra, A crítica 
da razão prática. 
 
 
À luz dessas conclusões, Kant chama de dogmáticos os filósofos anteriores a ele por 
não terem proposto, como discussão primeira, a crítica da faculdade de conhecer. Ou 
seja, aqueles filósofos "não acordaram do sono dogmático", no sentido de ainda 
manterem a confiança não questionada no poder que a razão tem de conhecer. Nesse 
rol estaria incluído Descartes, que, como vimos, tinha em vista alcançar a verdade 
indubitável. 
 
O ceticismo 
 
O cético tanto observa e pondera que conclui, nos casos mais radicais de ceticismo, 
que o conhecimento é impossível. Nas tendências moderadas, o cético suspende 
provisoriamente qualquer juízo ou admite apenas uma forma relativa de conhecimento, 
reconhecendo os limites para a apreensão da verdade. Para alguns, mesmo que seja 
impossível encontrar a certeza, não se deve abandonar a busca da verdade. 
 
10 
 
Na Antiguidade grega, o filósofo sofista Górgias de Leontini (séc. IV a.C), um mestre 
da retórica, desenvolveu três teses: 
 
a) o Ser não existe; 
b) se existisse alguma coisa, não poderíamos conhecê-la; 
c) se a conhecêssemos, não poderíamos comunicá-la aos outros. 
 
O que parece um jogo de palavras significa a separação entre o ser, o pensar e o 
dizer, aspectos que os filósofos anteriores (e muitos dos que vieram depois) costumam 
de certo modo entrelaçar, ao identificar o pensamento do real com a realidade das 
coisas. Portanto, Górgias critica o conceito de verdade como aletheia, como o Ser que 
se deixa desvelar pelo pensamento. 
 
 
O grande representante do ceticismo foi outro rego, Pirro de Elida (séc. IV-III a.C). 
Pirro acompanhou o imperador macedónio Alexandre Magno em suas expedições de 
conquista, quando teve oportunidade de conhecer povos com valores e crenças 
diferentes. Como geralmente fazem os céticos, confrontou a diversidade de 
convicções, bem como as filosofias contraditórias, abstendo-se, to entanto, de aderir a 
qualquer certeza. 
Para Pirro, a atitude coerente do sábio é a suspenão do juízo e, como consequência 
prática, a aceitação com serenidade do fato de não poder discernir o verdadeiro do 
falso. Além do aspecto epistemológico, ssa postura tem um caráter ético, porque 
aqueles que se prendem a verdades indiscutíveis estão fadados à infelicidade, já que 
tudo é incerto e fugaz. 
 
No Renascimento, o filósofo francês Michel de Montaigne retoma o ceticismo ao 
contrapor-se às certezas da escolástica e à intolerância, atitude que marcara o 
período de lutas religiosas. Analisa em Ensaios e em outras obras a influência de 
fatores pessoais, sociais e culturais na formação das opiniões, sempre tão instáveis e 
diversificadas. A perspectiva de Montaigne denota uma característica da modernidade 
em vias de se estabelecer: a valorização da subjetividade, do "eu" que reage à 
imposição cega da tradição. Ao examinar as mais diversas possibilidades, a 
consciência prefere a dúvida à certeza. 
É notável a posição de Montaigne, que, em pleno período pós-descoberta do Novo 
Mundo, discorda das opiniões daqueles que, numa visão etnocêntrica, chamam os 
povos nativos de bárbaros e selvagens por praticarem o canibalismo: 
 
 
Cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra. 
E é natural, porque só podemos julgar da verdade e da razão de 
ser das coisas pelo exemplo e pela ideia dos usos e costumes 
do país em que vivemo. 
 
Escolástica. Designa os filósofos e teólogos medievais que 
ministravam cursos nas escolas eclesiásticas e nas 
universidades entre os séculos IX e XVI. 
 
 
A Academia de Platão foi a primeira instituição grega de nível superior, reunindo 
intelectuais de diversas áreas para intensos debates filosóficos. Essas discussões 
serviram de base aos Diálogos de Platão, entre eles Górgias, que trata de retórica, a 
arte de bem falar. Sabemos das críticas que Sócrates e Platão faziam aos sofistas, por 
entenderem que eles usavam a retórica como instrumento não só de persuasão, mas 
de manipulação da verdade, defendendo inclusive o que era falso. Outros 
11 
 
historiadores da filosofia veem em Górgias, no entanto, um crítico da noção de 
verdade como desvelamento do real. Como para Górgias o ser não se deixa desvelar 
pelo pensamento, resta-lhe o caminho pelo qual a razão busca iluminar os fatos, 
sem chegar a uma conclusão definitiva. 
 
 
QUEM É? 
 
David Hume (1711-1776), filósofo e historiador escocês, foi um estudioso precoce, 
leitor de obras dos mais diversos teores. Ensaísta brilhante, seu pensamento crítico e 
naturalista é representativo do Iluminismo, sobretudo pela sua significativa presença 
na França, onde teve contato com os Enciclopedistas. Empirista convicto e 
conhecedor da evolução científica de sua época, insiste sobre a impossibilidade do 
conhecimento de ir além da experiência. Acrítica à religião e a postura cética lhe 
valeram a acusação de ateísmo. A novidade do seu pensamento influenciou 
decisivamente os filósofos posteriores, seja para rejeitá-lo, seja para levarem conta 
sua crítica à metafísica. Suas principais obras são: Tratado da natureza humana, 
Investigação sobre o entendimento humano, História da Inglaterra e A história natural 
da religião, entre outras. 
 
David Hume (séc. XVIII) admite o ceticismo ao reconhecer os limites muito estreitos 
do entendimento humano. Mais que isso, pondera que estamos subjugados pelos 
sentidos e pelos hábitos, o quereduz as nossas certezas a simples probabilidades. 
Recusa a metafísica e portanto os princípios a priori que tentem justificar nosso 
conhecimento. 
 
Hume, porém, não se diz cético à maneira de Pirro, porque ele critica apenas o poder 
da razão de conhecer, e prefere se referir às crenças teóricas e práticas, que podem 
ser corretas ou incorretas e nos orientam no cotidiano. Assim, quando uma bola de 
bilhar bate em outra e a movimenta, tendemos a aceitar o princípio da causalidade: 
uma bola é a causa do movimento da outra (que é seu efeito). 
Trata-se, porém, de uma crença, que resulta da conjunção habitual entre um objeto e 
outro: 
 
..após descobrir, pela observação de muitos exemplos, que duas 
espécies de objetos, como a chama e o calor, a neve e o frio, 
aparecem sempre ligadas, se a chama ou a neve se apresenta 
novamente aos sentidos, a mente é levada pelo hábito a esperar 
o calor ou o frio e a acreditar que tal qualidade realmente existe 
e se manifestará a quem lhe chegar mais perto. 
 
Metafísica. Campo da filosofia que trata do "ser enquanto ser", 
isto é, do ser independentemente de suas determinações 
particulares, do ser absoluto e dos primeiros princípios 
 
Dentre os brasileiros, o filósofo Oswaldo Porchat Pereira é um representante do 
neopirronismo. Para ele, nossa visão do mundo não passa de uma racionalização 
precária, provisória, relativa. E continua: 
 
Visão de mundo que se reconhece sujeita a uma evolução 
permanente, que exigirá por isso mesmo uma revisão constante. 
[...] A natureza mesma de um tal empreendimento, que 
certamente visa a obtenção de resultados relativamente 
consensuais, se acomoda sem maior problema ao pluralismo de 
pontos de vista e de perspectivas fenomênicas diferentes. Ao 
12 
 
antigo conflito das verdades se substitui agora o diálogo desses 
pontos de vista e dessas perspectivas. Mantém-se a aposta no 
caráter intersubjetivo da racionalidade. Mercê de sua postura 
cética, a filosofia se pode pensar sob o prisma da comunicação, 
da conversa, do diálogo, do consenso e... da relatividade. 
E, assim pensada, ela pode contribuir — e muito — para 
favorecer o entendimento entre os homens: tendo destruído as 
verdades, ela poderá eventualmente ensiná-los a conviver com 
as suas diferenças 
 
Fenomênico. Relativo ao fenómeno: o cético adere não 
à realidade mesma, que ele julga ser inacessível, mas ao 
fenómeno. 
 
Consenso. Acordo de opiniões após discussão sobre 
divergências. Anton imo: d issenso. 
 
PARA REFLETIR 
 
Não confundir a crença humeana com a crença religiosa. Para Hume, a crença 
é o conhecimento que não se pode comprovar racionalmente, mas é aceito 
com base na probabilidade. Já a crença religiosa depende de uma verdade 
 
 
 
Os filósofos modernos e o nascimento da teoria do conhecimento 
 
 
Quando se diz que a teoria do conhecimento tornou-se uma disciplina específica da 
filosofia somente com os filósofos modernos (a partir do século XVII), não se 
pre¬tende dizer que antes deles o problema do conhecimento não havia ocupado 
outros filósofos, e sim que, para os modernos, a questão do conhecimento foi 
considerada anterior à da ontologia e precondição ou pré-requisito para a filosofia e as 
ciências. 
 
 
Por que essa mudança de perspectiva dos gregos para os modernos? Porque a 
filosofia moderna pressupõe a presença do cristianismo, o qual trouxe questões e 
problemas que os antigos filósofos desconheciam. A perspectiva cristã introduziu 
algumas distinções que romperam com a ideia grega de uma participação direta e 
harmoniosa entre o nosso inte¬lecto e a verdade, nosso ser e o mundo, pois os 
filósofos antigos consideravam que éramos entes participantes de todas as formas de 
realidade: por nosso corpo, participamos da natu¬reza; por nossa alma, participamos 
da inteligência divina. 
 
O cristianismo, porém, parte da concepção judaica de uma separação entre o homem 
e Deus, causada pelo pecado original ou pela queda do primeiro homem e da primeira 
mu¬lher; pelo pecado, os humanos ficaram separados da inteligência divina e 
perderam os laços harmoniosos com a natureza. Dessa maneira o cristianismo 
afirmou que o erro e a ilusão são parte da natureza humana em decorrência do caráter 
pervertido de nossa vontade, após o pecado original. 
 
Criados com uma inteligência perfeita e uma vontade livre, o primeiro homem e a 
primeira mulher usaram a liberdade para transgredir a ordem de Deus, que lhes 
proibia o conhecimento do bem e do mal. Por orgulho, Adão e Eva infringiram a lei 
13 
 
divina e, ao fazê-lo, foram punidos, perdendo o contato direto com Deus e a verdade, 
a imortalidade de seus corpos, a perfeição da inteligência e da vontade, caindo para 
sempre no erro e na ilusão. 
 
Em consequência da concepção cristã do ser humano, a filosofia precisou enfrentar 
problemas novos: 
 
1. Como, sendo seres decaídos e pervertidos, podemos conhecer a verdade? 
2. Ao introduzir a noção de pecado original, o cristianismo introduziu a separação 
radical entre os humanos (pervertidos e finitos) e a divindade (perfeita e infinita). 
 
Com isso, fez surgir a pergunta: como o finito (humano) pode conhecer a verdade 
(infinita e divina)? 
 
Eis por que, durante toda a Idade Média, a fé tornou-se central para a filosofia, pois 
era por meio dela que essas perguntas eram respondidas. Misericordioso, Deus 
prometeu aos homens a redenção e para isso enviou seu Filho para salvá-los. Crer no 
Filho é ter a suprema virtude, a fé, que ilumina nosso intelecto e guia nossa vontade, 
permitindo à nossa razão o conhecimento do que está ao seu alcance, ao mesmo 
tempo que nossa alma aceita as verdades superiores, reveladas por Deus e contidas 
nas Escrituras Sagradas. 
 
Com isso, o cristia nismo introduziu uma distinção impensável para os filósofos 
antigos, qual seja, a distinção entre verdades de razão e verdades de fé, ou entre o 
conhecimento que nossa razão pode alcançar por si mesma e o conhecimento que só 
alcançamos por meio de uma revelação divina. As verdades que dependem de 
revelação divina são aquelas que nossa razão finita e imperfeita não só não pode 
alcançar sozinha como são, sobretudo, aquelas que só podemos aceitar sem 
compreender (como é o caso, por exemplo, da Encarnação do Filho de Deus, ou a 
Santíssima Trindade, ou a Eucaristia). 
 
Em outras palavras, as verdades da fé são mistérios. Há, portanto, duas maneiras de 
conhecer: pela atividade da razão ou luz natural e pela aceitação da revelação ou luz 
sobrenatural. 
 
Visto que a verdade, tanto de razão como de fé, tem sua origem na sabedoria e 
inteligência de Deus (pois este é o criador de todas as coisas), a verdade, dividida 
para nós, é indivisa e uma em si mesma. Isso significa, em primeiro lugar, que não 
pode haver contradição entre verdades da fé e da razão, pois a verdade não pode 
contradizer a verdade, e, em segundo, se houver alguma contradição, as verdades de 
razão devem ser abandonadas em proveito das verdades da fé, uma vez que a razão 
humana está sujeita ao erro e ao falso. O conhecimento racional, mesmo que não 
dependa da fé, subordina-se a ela. 
 
Além da distinção das verdades, o cristianismo trouxe a ideia de que a causa da 
verdade é a inteligência divina enquanto a causa do erro e do falso é a vontade 
humana, cuja liberdade perversa polui nossa inteligência ou razão. Essa ideia cristã foi 
fundamentada particularmente com Santo Agostinho na ideia de pessoa, vinda do 
Direito Romano, que define a pessoa como um sujeito de direitos e deveres. 
 
Se somos pessoas, dizem os cristãos, somos responsáveis por nossos atos e 
pensamentos. Nossa pessoa é nossa consciência, que é nossa alma dotada de 
vontade, imaginação, memória e inteligência. A verdade se torna, portanto, uma 
questão de consciência. 
 
14 
 
A vontade é livre e, aprisionada num corpo passional e fraco,pode mergulhar nossa 
alma na ilusão e no erro. Estar no erro ou na verdade dependerá, portanto, de nós 
mesmos, de nossa consciência, e por isso precisamos saber se podemos ou não 
conhecer a verdade e em que condições tal conhecimento é possível. Os primeiros 
filósofos cristãos e os medievais afirmaram que podemos conhecer a verdade, desde 
que a razão não contradiga a fé e se submeta a ela no tocante às verdades últimas e 
principais. 
 
Os filósofos modernos, porém, não aceitaram essas respostas e por esse motivo a 
ques¬tão do conhecimento tornou-se central para eles. 
 
Os filósofos gregos se surpreendiam que pudesse haver erro, ilusão e mentira. Como 
a verdade alétheia era concebida como presença e manifestação do verdadeiro aos 
nos¬sos sentidos ou ao nosso intelecto, isto é, como presença do Ser à nossa 
experiência sensível e/ou ao puro pensamento, a pergunta filosófica só podia ser: 
"Como é possível o erro ou a ilusão?". Ou seja, se o verdadeiro é o próprio Ser 
fazendo-se ver em todas as coisas, presente em nossas percepções, em nossas 
palavras, em nossos pensamentos, como o falso é possível se o falso é dizer e pensar 
que existe o que não existe? Como é possível ver o que não é, dizer o que não é, 
pensar o que não é? 
 
Para os modernos, a situação é exatamente contrária. Perguntam: "Como o 
conhecimento da verdade é possível?" De fato, se a verdade é o que está no intelecto 
infinito de Deus, então está escondida de nossa razão finita e não temos acesso a ela. 
A verdade, portanto, não é o que está manifesto na realidade, mas depende da 
revelação divina. 
 
Ora, a revelação só é conhecida pela fé e para esta a verdade é emunah, a confiança 
que nos leva a dizer "assim seja" e que nossa razão não pode entender. Por outro 
lado, visto que nosso intelecto limitado foi pervertido pela nossa vontade pecadora, 
como podemos conhecer até mesmo as verdades de razão, isto é, as que estariam ao 
nosso alcance sem o auxílio da revelação e da fé? Ou seja, até que ponto podemos 
admitir que nossa razão ou luz natural é capaz de um saber verdadeiro? 
 
Por isso mesmo, os filósofos modernos observaram que as verdades de fé haviam in-
fluenciado a própria maneira de conceber as verdades de razão. De fato, uma verdade 
de fé é algo proferido e proclamado por uma autoridade inquestionável (Deus, anjos, 
santos) e esse aspecto como que "contaminou" as verdades de razão, fazendo com 
que os filósofos só aceitassem uma ideia se esta viesse com o selo de alguma 
autoridade reconhecida pela Igreja. 
 
Assim, mesmo uma verdade que podia ser alcançada por nossa razão só era aceita se 
fosse autorizada por alguém considerado superior (um filósofo antigo, um santo, um 
papa, um concílio eclesiástico, etc). E essa autoridade era ainda maior se estivesse 
situada no passado distante e suas ideias conhecidas pela leitura de livros ou por 
lições de escola. 
 
A primeira tarefa que os modernos se deram foi a de recusar o poder de autoridades 
sobre a razão, seja a autoridade das Igrejas, seja a das escolas e dos livros. 
Começam, por isso, separando fé de razão, considerando cada uma delas voltada 
para conhecimentos diferen¬tes e sem que uma deva subordinar-se à outra. 
Prosseguem fazendo a crítica da autoridade atribuída à tradição, aos livros dos antigos 
e ao ensinamento das escolas. E passam a explicar como a razão e o pensamento 
podem tornar-se mais fortes do que a vontade e controlá-la para que se evite o erro. 
 
15 
 
O problema do conhecimento torna-se, portanto, crucial e a filosofia precisa começar 
pelo exame da capacidade humana de conhecer, pelo entendimento, o estudo da 
própria razão humana ou de nosso intelecto ou entendimento. Com isso, o ponto de 
partida dos modernos é o sujeito do conhecimento. Os dois filósofos que, no século 
XVII, iniciam esse trabalho são o inglês Francis Bacon e o francês René Descartes. 
 
O filósofo que propõe, pela primeira vez, uma teoria do conhecimento propriamente 
dita é o inglês John Locke. Pode¬mos dizer que a partir do século XVII, portanto, a 
teoria do conhecimento torna-se uma disciplina crucial da filosofia. 
 
Bacon e Descartes 
 
Como dissemos, os gregos indagavam: "Como o erro é possível?". Os modernos 
per¬guntaram: "Como a verdade é possível?" Para os gregos, a verdade era alétheia, 
para os modernos, veritas. Em outras palavras, para os modernos trata-se de 
compreender e explicar como os relatos mentais nossas ideias correspondem ao que 
se passa verdadeiramente na realidade. 
 
Apesar dessas diferenças, os modernos retomaram o modo de trabalhar 
filosoficamente proposto por Sócrates, Platão e Aristóteles, qual seja, começar pelo 
exame das opiniões contrárias e ilusórias para ultrapassá-las em direção à verdade. 
 
Antes de abordar o conhecimento verdadeiro, Bacon e Descartes examinaram exausti-
vamente as causas e as formas do erro, inaugurando um estilo filosófico que 
permanecerá na filosofia, isto é, a análise das causas e formas dos nossos 
preconceitos. 
 
Bacon 
 
Bacon elaborou uma teoria conhecida como a crítica dos ídolos. De acordo com 
Bacon, existem quatro tipos de ídolos ou de imagens que formam opiniões 
cristalizadas e precon¬ceitos, que impedem o conhecimento da verdade: 
 
1. .ídolos da caverna (a caverna de que fala Bacon é a do Mito da Caverna, de 
Platão): as opiniões que se formam em nós por erros e defeitos de nossos 
órgãos dos sentidos. São os mais fáceis de serem corrigidos por nosso 
intelecto; 
2. ídolos do fórum (o fórum era o lugar das discussões e dos debates públicos 
na Roma antiga): são as opiniões que se formam em nós como consequência 
da linguagem e de nossas relações com os outros. São difíceis de serem 
vencidos, mas o intelecto tem poder sobre eles; 
 
3. ídolos do teatro (o teatro é o lugar em que ficamos passivos, onde somos 
apenas espec-tadores e receptores de mensagens): são as opiniões formadas 
em nós em decorrência dos poderes das autoridades que nos impõem seus 
pontos de vista e os transformam em decretos e leis inquestionáveis. Só 
podem ser desfeitos se houver uma mudança social e política; 
 
4. ídolos da tribo (a tribo é um agrupamento humano em que todos possuem a 
mesma origem, o mesmo destino, as mesmas características e os mesmos 
comportamentos): são as opiniões que se formam em nós em decorrência da 
natureza humana. São pró¬prios da espécie humana e só podem ser vencidos 
se houver uma reforma da própria natureza humana. 
 
16 
 
 
O então presidente ios Estados Unidos, George W. Bush, com sua mãe Barbara Bush 
e seu pai, o ei-presidente George Bush, durante um discurso numa universidade do 
Texas, em dezembro de 2008. Cena exemplar do que Bacon chama de "ídolo de 
teatro". 
 
 
A demolição dos ídolos é, portanto, uma reforma do intelecto, dos conhecimentos e da 
sociedade. Para os dois primeiros, Bacon propõe a instauração de um método, 
definido como o modo seguro de "aplicar a razão à experiência", isto é, de aplicar o 
pensamento lógico aos dados oferecidos pelo conhecimento sensível. O método deve 
tornar possível: 
 
1. organizar e controlar os dados recebidos da experiência sensível, 
graças a procedimen-tos adequados de observação e de experimentação; 
 
 
2. organizar e controlar os resultados observacionais e experimentais para 
chegar a co-nhecimentos novos ou à formulação de teorias verdadeiras; 
 
3. desenvolver procedimentos adequados para a aplicação prática dos 
resultados teóricos, pois para ele o homem é "ministro da natureza" e, se 
souber conhecê-la (obedecer-lhe, diz Bacon), poderá comandá-la. O método, 
diz Bacon, é o modo seguro e certo de "apli¬car a razão à experiência", isto é, 
de aplicar o pensamento verdadeiro aos dados ofereci¬dos pelo conhecimento 
sensível. 
 
Bacon acreditava que o avanço dos conhecimentos e das técnicas, as mudanças 
sociais e políticas e o desenvolvimento dasciências e da filosofia propiciariam uma 
grande reforma do conhecimento humano, que seria também uma grande reforma da 
vida humana. Tanto assim que, ao lado de suas obras filosóficas, escreveu uma obra 
filosófico-política, a Nova Atlântida, na qual descreve e narra uma sociedade ideal e 
perfeita, nascida do conhecimento verdadeiro e do desenvolvimento das técnicas. 
 
 
17 
 
Descartes 
 
Descartes localizava a origem do erro em duas atitudes que chamou de atitudes 
infantis ou preconceitos da infância: 
 
1. a prevenção, que é a facilidade com que nosso espírito se deixa levar pelas 
opiniões e ideias alheias, sem se preocupar em verificar se são ou não 
verdadeiras. São as opiniões que se cristalizam em nós na forma de 
preconceitos (colocados em nós por pais, pro¬fessores, livros, autoridades) e 
que escravizam nosso pensamento, impedindo-nos de pensar e de investigar; 
 
2. a precipitação, que é a facilidade e a velocidade com que nossa vontade nos 
faz emitir juízos sobre as coisas antes de verificarmos se nossas ideias são ou 
não são verdadei¬ras. São opiniões que emitimos em consequência de nossa 
vontade ser mais forte e poderosa que nosso intelecto. Originam-se no 
conhecimento sensível, na imaginação, na linguagem e na memória. 
 
Essas duas atitudes indicam que, para Descartes, o erro situa-se no conhecimento 
sensível (ou seja, sensação, percepção, imaginação, memória e linguagem), de 
maneira que o co-nhecimento verdadeiro é puramente intelectual, ou seja, fundado 
apenas nas operações de nosso intelecto ou entendimento e tem como ponto de 
partida ou ideias inatas (existentes em nossa razão) ou observações que foram 
inteiramente controladas pelo pensamento. 
 
Como Bacon, Descartes também está convencido de que é possível vencer os 
defeitos no conhecimento, por meio de uma reforma do entendimento e das ciências. 
(Diferente¬mente de Bacon, Descartes não vê a necessidade de essa reforma 
também exigir mudanças sociais e políticas.) 
 
Essa reforma deve ser feita pelo sujeito do conhecimento quando este compreende a 
necessidade de encontrar fundamentos seguros para o saber e se, para tanto, instituir 
um método. 
Os objetivos principais do método são: 
 
1. assegurar a reforma do intelecto para que este siga o caminho seguro da 
verdade (por-tanto, afastar a prevenção e a precipitação); 
 
2. oferecer procedimentos pelos quais a razão possa controlar-se a si mesma 
durante o processo de conhecimento sabendo que caminho percorrer e 
sabendo reconhecer se um resultado obtido é verdadeiro ou não; 
 
3. permitir a ampliação ou o aumento dos conhecimentos graças a 
procedimentos segu¬ros que permitam passar do já conhecido ao 
desconhecido; 
 
4. oferecer os meios para que os novos conhecimentos possam ser aplicados, 
pois o saber deve, no dizer de Descartes, tornar o homem "senhor da 
natureza". 
 
 
Por que o método se torna necessário? 
 
Feitas as críticas à autoridade das escolas e dos livros, da tradição e dos 
preconceitos, o sujeito do conhecimento descobre-se como uma consciência que 
parece não poder contar com o auxílio do mundo para guiá-lo, desconfia dos 
18 
 
conhecimentos sensíveis e dos conhecimentos herdados. Está só. 
 
Conta apenas com seu próprio pensamento. Sua solidão torna indispensável um 
método que possa guiar o pensamento em direção aos conhecimentos verdadeiros e 
distingui-los dos falsos. Eis por que Descartes escreve Discurso do método e Regras 
para a direção do espírito. Sobre o método, diz ele, na regra IV das Regras. 
 
Por método, entendo regras certas efáceis, graças às quais todos os que as observem 
exatamente jamais tomarão como verdadeiro aquilo que éfalso e chegarão, sem se 
can¬sar com esforços inúteis e aumentando progressivamente sua Ciência, ao 
conhecimento verdadeiro de tudo o que lhes épossível esperar. 
 
Descartes, portanto, define o método como um conjunto de regras cujas 
características principais são três: 
 
1. certas (o método dá segurança ao pensamento); 
2. fáceis (o método evita complicações e esforços inúteis); 
3. amplas (o método deve permitir que se alcance todos os conhecimentos 
possíveis para o entendimento humano). 
 
 
Descartes elabora quatro grandes regras do método: 
 
1. regra da evidência-, só admitir como verdadeiro um conhecimento 
evidente, isto é, no qual e sobre o qual não caiba a menor dúvida. Para isso 
Descartes criou um procedi¬mento, a dúvida metódica, pelo qual o sujeito do 
conhecimento, analisando cada um de seus conhecimentos, conhece e avalia 
as fontes e as causas de cada um, a forma e o conteúdo de cada um, a 
falsidade e a verdade de cada um e encontra meios para livrar-se de tudo 
quanto seja duvidoso perante o pensamento; 
 
2. regra da divisão-, para conhecermos realidades complexas precisamos 
dividir as dificul¬dades e os problemas em suas parcelas mais simples, 
examinando cada uma delas em conformidade com a regra da evidência; 
 
3. regra da ordem-, os pensamentos devem ser ordenados em séries que vão 
dos mais sim-ples aos mais complexos, dos mais fáceis aos mais difíceis, pois 
a ordem consiste em distribuir os conhecimentos de tal maneira que possamos 
passar do conhecido ao desconhecido; 
 
4. regra da enumeração-, a cada conhecimento novo obtido, fazer a revisão 
completa dos passos dados, dos resultados parciais e dos encadeamentos que 
permitiram chegar ao novo conhecimento. 
 
 
Locke 
 
John Locke é o iniciador da teoria do conhecimento propriamente dita porque se 
propõe a analisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de 
nossas ideias e nossos discursos, a finalidade das teorias e as capacidades do sujeito 
cognoscente relacionadas com os objetos que ele pode conhecer. 
 
Logo na abertura de sua obra Ensaio sobre o entendimento humano, Locke escreve: 
 
Visto que o entendimento situa o homem acima dos outros seres sensíveis e 
19 
 
dá-lhe toda vantagem e todo domínio que tem sobre eles, seu estudo consiste 
certamente num tópico que, por sua nobreza, é merecedor de nosso trabalho 
de investigá-lo. O entendi¬mento, como o olho, que nos faz ver e perceber 
todas as outras coisas, não se observa a si mesmo; requer arte e esforço situá-
lo a distância efazê-lo seu próprio objeto. 
 
Assim como o olho, que faz ver e não se vê a si mesmo, o entendimento humano faz 
conhecer, mas não se conhece a si mesmo. Para conhecer-se, isto é, para que o 
entendimento torne-se um objeto de conhecimento para si mesmo, "requer arte e 
esforço". Como Descartes e Bacon, Locke afirma a necessidade do entendimento 
examinar a si mesmo. Como Bacon e Descartes, Locke também considera que é 
necessário esforço, trabalho, decisão para fazer o entendimento tomar-se a si mesmo 
como objeto de investigação. Porém, assim como Aris-tóteles diferia de Platão, Locke 
difere de Descartes. 
 
Platão e Descartes separam, de um lado, a experiência sensível, que pode estar 
sujeita ao erro, e, de outro, o conhecimento verdadeiro, que é puramente intelectual. 
Descartes, porém, difere de Platão, porque considera que o conhecimento sensível 
pode e deve ser empregado por nós, desde que submetido ao método e controlado 
pelo entendimento. 
 
Aristóteles e Locke consideram que o conhecimento se realiza por graus contínuos, 
partindo da sensação até chegar às ideias. No entanto, Locke difere de Aristóteles 
porque, para este, os princípios do pensamento e da realidade não são conhecidos 
por experiência sensível nem procedem da experiência sensível, mas são conhecidos 
apenas pelo puro pensamento ou pela intuição intelectual. 
 
Para Locke, porém, todas as ideias e todos os princípios do conhecimento deri¬vam 
da experiência sensível. Em outras palavras, o intelecto recebe da experiência 
sensível todo o material do conhecimento e por esse motivo pode-se dizer que não há 
nada em nosso entendimentoque não tenha vindo das sensações. 
 
Suponhamos que o espírito seja, por assim dizer, uma folha em branco, sem 
nenhuma letra, sem nenhuma ideia. Como estas chegaram ali? (...) De onde 
procede todo o material da razão e do conhecimento? Respondo com uma só 
palavra: da experiência. Todo nosso conhecimento se baseia nela e dela 
provém em última instância. 
 
Como se formam os conhecimentos? Por um processo de combinação e associação 
dos dados da experiência. Por meio das sensações, recebemos as impressões das 
coisas externas; essas impressões formam o que Locke chama de ideias simples. Por 
sua vez, nas percep¬ções, essas impressões ou ideias simples se associam por 
semelhanças e diferenças, formando ideias complexas ou compostas. 
 
Por intermédio de novas combinações e associações, essas ideias se tornarão mais 
complexas na razão, que forma as ideias abstratas ou gerais, como as ideias de 
substância, corpo, alma, Deus, natureza, etc, bem como as ideias das relações entre 
essas ideias complexas, como as ideias de identidade, causalidade, finalidade, etc. 
 
A formação das ideias na sensação, na percepção e na razão se faz por um processo 
de gene¬ralização pelo qual, a cada passo, eliminamos as diferenças para ficar com 
as semelhanças e os traços comuns, cujo conjunto forma uma ideia complexa geral ou 
universal. 
 
Tudo o que sabemos existir nos é dado pelas sensações e percepções, portanto, pela 
20 
 
experiência. Visto que a experiência nos mostra e nos dá a conhecer apenas coisas 
particulares ou singulares, somente elas existem. Por conseguinte, as ideias gerais ou 
universais não correspondem a realidades ou a essências existentes, mas são nomes 
que instituímos por convenção para organizar nossos pensamentos e nossos 
discursos. Assim, por exemplo, nossos olhos sentem ou percebem objetos coloridos e 
não a cor (isto é, percebemos cores de-terminadas que existem nos objetos 
particulares da visão). 
 
Da mesma forma, nossos olhos percebem objetos luminosos ou com luminosidades 
diferentes, mas não percebem a luz. Nossa razão, recebendo as percepções 
singulares dos objetos coloridos e dos objetos lumi¬nosos, combina e organiza essas 
sensações e percepções, abstrai dos objetos (isto é, separa) as qualidades coloridas e 
luminosas e com elas forma as ideias universais de "cor" e de "luz". Não existe "a 
cor", mas objetos singulares coloridos tais como os percebemos "a cor" é um nome 
geral com que nossa razão organiza nossas sensações visuais. Do mesmo modo, não 
existe "a luz" e sim objetos singulares luminosos tais como os percebemos "a luz" é 
um nome geral com que nossa razão organiza nossas sensações visuais. Por isso se 
diz que Locke é nominalista. 
 
 
Racionalismo e empirismo 
 
Na história da filosofia e da epistemologia, a diferença de perspectiva entre 
Descartes e Locke levou a distinguir as duas grandes orientações da teoria do 
conhecimento: o racionalismo e o empirismo. Para o racionalismo, a razão, tomada em 
si mesma e sem apoio da experiência sensível, é o fundamento e a fonte do 
conhecimento verdadeiro. 
 
O valor e o sentido da experiência sensível, bem como seu uso na produção de 
conhecimentos dependem de princípios, re¬gras e normas estabelecidos pela razão. 
Em outras palavras, a razão controla a experiência sensível para que esta possa 
participar do conhecimento verdadeiro. Para o racionalismo, o modelo perfeito de 
conhecimento verdadeiro é a matemática, que depende exclusivamente do uso da 
razão e que usa a percepção sensível (por exemplo, para construir figuras 
geomé¬tricas) sob o controle da atividade do intelecto. 
 
Para o empirismo, o fundamento e a fonte de todo e qualquer conhecimento é a expe-
riência sensível, responsável pela existência das ideias na razão e controlando o 
trabalho da própria razão, pois o valor e o sentido da atividade racional dependem do 
que é determinado pela experiência sensível. Para os empiristas, o modelo do 
conhecimento verdadeiro é dado pelas ciências naturais ou ciências experimentais, 
como a física e a química. 
 
Empirismo é um movimento que acredita nas experiências como 
únicas, e são essas experiências que formam idéias. O empirismo 
é caracterizado pelo conhecimento científico, quando a sabedoria é 
adquirida por percepções; pela origem das idéias por onde se 
percebe as coisas, independente de seus objetivos e significados 
 
 
O que é Epistemologia: 
 
 
Epistemologia significa ciência, conhecimento, é o estudo científico que 
trata dos problemas relacionados com a crença e o conhecimento, sua 
21 
 
natureza e limitações. É uma palavra que vem do grego. 
 
A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade 
do conhecimento, e também é conhecida como teoria do conhecimento 
e relaciona-se com a metafísica, a lógica e a filosofia da ciência. É uma 
das principais áreas da filosofia, compreende a possibilidade do 
conhecimento, ou seja, se é possível o ser humano alcançar o 
conhecimento total e genuíno, e da origem do conhecimento. 
 
A epistemologia também pode ser vista como a filosofia da ciência. 
A epistemologia trata da natureza, da origem e validade do 
conhecimento, e estuda também o grau de certeza do conhecimento 
cientifico nas suas diferentes áreas, com o objetivo principal de estimar 
a sua importância para o espírito humano. 
 
A epistemologia surgiu com Platão, onde ele se opunha à crença ou 
opinião ao conhecimento. A crença é um ponto de vista subjetivo e o 
conhecimento é crença verdadeira e justificada. A teoria de Platão diz 
que conhecimento é o conjunto de todas as informações que descrevem 
e explicam o mundo natural e social que nos rodeia. 
 
A epistemologia provoca duas posições, uma empirista que diz que o 
conhecimento deve ser baseado na experiência, ou seja, no que for 
apreendido durante a vida, e a posição racionalista, que prega que a 
fonte do conhecimento se encontra na razão, e não na experiência. 
 
A consciência: o sujeito, o eu, a pessoa e o cidadão 
 
As diferenças entre racionalismo e empirismo não impedem que haja um elemento 
comum a todos os filósofos a partir da modernidade, qual seja, tomar o entendimen¬to 
humano como objeto da investigação filosófica. Tomar o entendimento objeto para si 
próprio, tomar o sujeito do conhecimento objeto de conhecimento para si mesmo é a 
grande tarefa que a modernidade filosófica inaugura ao desenvolver a teoria do 
conhecimento. Como se trata da volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer-
se, ou do sujeito do conhecimento colocando-se como objeto para si mesmo, a teoria 
do conhecimento é a reflexão filosófica. 
 
 
O pressuposto da teoria do conhecimento como reflexão filosófica é o de que somos 
seres racionais conscientes. O que a teoria do conhecimento entende por 
consciência? 
A capacidade humana para conhecer, para saber que conhece e para saber que sabe 
que conhece. A consciência é um conhecimento (das coisas e de si) e um 
conhecimento desse conhecimento (reflexão). 
 
Do ponto de vista da teoria do conhecimento, a consciência é uma atividade sensível e 
intelectual dotada do poder de análise e síntese, de representação dos objetos por 
meio de ideias e de avaliação, compreensão e interpretação desses objetos por meio 
de juízos. É o sujeito do conhecimento. Este se reconhece como diferente dos objetos, 
cria e/ou descobre significações, institui sentidos, elabora conceitos, ideias, juízos e 
teorias. Por ser dotado de reflexão, isto é, da capacidade de conhecer-se a si mesmo 
no ato do conhecimento, o sujeito é um saber de si e um saber sobre o mundo, 
manifestando-se como sujeito percebedor, ima-ginante, memorioso, falante e 
pensante. É o entendimento propriamente dito, uma estrutu¬ra racional e uma 
capacidade de conhecimento que é a mesma em todos os seres humanos. Por sua 
22 
 
universalidade, o sujeitodo conhecimento distingue-se da consciência psicológica, 
pois esta é sempre individual. 
 
Que entendemos por "consciência psicológica"? 
 
Do ponto de vista psicológico, a consciência é o sentimento de nossa própria 
identidade: é o eu. O eu é o centro ou a unidade de todos os nossos estados psíquicos 
e corporais, ou aquela percepção que permite a alguém dizer "meu corpo", "minha 
razão", "minhas lembranças". 
 
A consciência psicológica ou o eu é formada por nossas vivências. O eu é a 
consciência de si como o ponto de identidade e de permanência de um fluxo temporal 
interior que retém o passado na memória, percebe o presente pela atenção e espera o 
futuro pela imagina¬ção e pelo pensamento. 
 
Por seu turno, a consciência de si reflexiva ou o sujeito do conhecimento forma-se 
como atividade de análise e síntese, de representação e de significação voltadas para 
a explicação, descrição e interpretação da realidade e das outras três esferas da vida 
consciente (vida psíquica, moral e política), isto é, da posição do mundo natural e 
cultural e de si mesma como objetos de conhecimento. Apoia-se em métodos de 
conhecer e buscar a verdade ou o verdadeiro. É o aspecto intelectual e teórico da 
consciência. 
 
Ao contrário do eu, o sujeito do conhecimento não é uma vivência individual, uma es-
trutura cognitiva dotada de universalidade, ou seja, a capacidade de conhecimento é 
idêntica em todos os seres humanos e tem a mesma validade para todos os seres 
humanos, em todos os tempos e lugares. Assim, por exemplo, a ideia de círculo ou a 
de triângulo, elaboradas pelo geômetra enquanto sujeito do conhecimento, possuem o 
mesmo sentido, as mesmas características e propriedades, seguem as mesmas leis 
geométricas em todos os tempos e lu-gares, não dependendo de nossos gostos e 
desejos. 
 
Da mesma maneira, o princípio de identidade e o de não contradição exprimem a 
estrutura universal do modo de pensar do sujeito do conhecimento e são válidos em 
todos os tempos e lugares. O sujeito do conhecimento se ocupa com noções como as 
de espaço e tempo, causa e efeito, princípio e consequência, verdadeiro e falso, 
matéria e forma, signo e significação, etc, entendidas como condições universais e 
necessárias do conhecimento. 
 
Podemos compreender melhor a diferença entre o eu psicológico e o sujeito do conhe-
cimento tomando alguns exemplos. João, por exemplo, pode gostar de geometria e 
Paula pode detestar essa matéria, mas o que ambos sentem não afeta os conceitos 
geométricos, nem os procedimentos matemáticos, cujo sentido e valor independem 
das vivências de ambos e são o objeto construído ou descoberto pelo sujeito do 
conhecimento. 
 
Maria pode não saber que existe a física quântica e pode, ao ser informada sobre ela, 
não acreditar nela e não gostar da ideia de que seu corpo seja apenas movimentos de 
partículas invisíveis. Isso, porém, não afeta a validade e o sentido da física quântica, 
descoberta e conhecida pelo sujei¬to do conhecimento. Luíza tem lembranças 
agradáveis quando vê rosas amarelas; Antônio, porém, tem péssimas lembranças 
quando vê rosas dessa cor. 
 
No entanto, a percepção de cores, de seres espaciais e temporais se realiza em nós 
não apenas segundo nossas vivências psicológicas individuais, mas também segundo 
23 
 
leis, normas, princípios de estruturação e organização que são os mesmos para todos 
na medida em que cada um de nós é um sujeito do conhecimento, mesmo quando não 
sabemos disso, ou seja, mesmo que não tenhamos passado à atitude reflexiva pela 
qual conhecemos que conhecemos. 
 
Além de sua dimensão epistemológica (sujeito do conhecimento ou entendimento) e 
de sua dimensão psicológica (o eu das vivências individuais), a consciência possui 
também uma dimensão ética. 
 
O que é a consciência moral ou ética? 
 
Do ponto de vista ético e moral, a consciência é a capacidade livre e racional para 
escolher, deliberar e agir conforme valores, normas e regras que dizem respeito ao 
bem e ao mal, ao justo e ao injusto, à virtude e ao vício. É a pessoa, dotada de 
vontade livre e de responsabilidade. É a capacidade de alguém para compreender e 
interpretar sua própria situação e condição (física, mental, social, cultural, histórica), 
viver na companhia de outros segundo as normas e os valores morais definidos por 
sua sociedade, agir tendo em vista fins escolhidos por deliberação e decisão próprias, 
comportar-se segundo o que julga o melhor para si e para os outros e, quando 
necessário, contrapor-se e opor-se aos valores estabelecidos, em nome de outros 
considerados mais adequados à liberdade e à responsabilidade. É a consciência de si 
como exercício racional e afetivo da liberdade e da responsabilidade, em vista da vida 
feliz e justa. 
 
A consciência moral pertence à esfera da vida privada, isto é, das relações 
interpessoais e intersubjetivas que transcorrem na família, nas amizades, no trabalho, 
na comunidade re¬ligiosa, na organização empresarial, etc. Além de nossa vida 
privada, participamos também da vida pública, isto é, da esfera política. 
 
O que é a consciência na esfera pública ou política? 
 
Do ponto de vista político, a consciência é o cidadão, isto é, o indivíduo situado no 
tecido das relações sociais como portador de direitos e deveres definidos na esfera 
pública, rela-cionando-se com o poder político e as leis; bem como o indivíduo na 
condição de membro de uma classe social, definido por sua situação e posição nessa 
classe, portador e defensor de interesses específicos de seu grupo ou de sua classe, 
relacionando-se com a esfera pública do poder e das leis. Em outras palavras, o 
cidadão é a consciência de si definida pela esfera pública dos direitos e deveres civis e 
sociais, das leis e do poder político. 
 
A consciência moral (a pessoa) e a consciência política (o cidadão) formam-se 
pelas relações entre as vivências do eu e os valores e as instituições de sua 
sociedade ou de sua cultura. São as maneiras pelas quais nos relacionamos com os 
outros por meio de comportamentos e de práticas determinados pelos códigos morais 
e políticos. Esses códigos dependem do modo como uma cultura e uma sociedade 
determinadas definem o bem e o mal, o justo e o injusto, o legítimo e o ilegítimo, o 
legal e o ilegal, o privado e o público. 
 
O eu é a consciência como uma vivência psíquica e uma experiência que se realiza na 
forma de comportamentos, a pessoa é a consciência como agente moral; e o cidadão 
é a consciência como agente político. A ação da pessoa e a do cidadão formam a 
praxis, palavra grega que significa "a ação na qual o agente, o ato realizado por ele e 
a finalidade do ato são idênticos". Em outras palavras, aquela prática na qual o agente 
é a ação que ele realiza bus¬cando um certo fim. 
 
24 
 
Sujeito, eu, pessoa e cidadão constituem a consciência como subjetividade ativa, 
sede da razão e do pensamento, capaz de identidade consigo mesma, de 
conhecimento verdadei¬ro, de decisões livres, de direitos e obrigações. 
 
Teorias sobre a verdade 
 
Que critério nos permite reconhecer a verdade e distingui-la do erro? Ou seja, que 
condições a verdade exige para ser aceita como tal? Quando afirmar que algo é 
verdadeiro? A resposta mais frequente está na evidência como critério da verdade, 
leremos os filósofos que são adeptos dessa teoria e eles que contemporaneamente a 
criticam. 
 
O critério da evidência 
 
Segundo a teoria da correspondência, representada filosofia desde Aristóteles, é 
verdadeira a proposição que corresponde a um fato da realidade, tal qual áe se mostra 
a nós. Sob esse prisma, a verdade é a manifestação para nosso intelecto daquilo que 
é, tal como é. O critério para identificar o verdadeiro é a aidência, que é a visão 
intelectual do real. 
 
Embora a teoria da correspondência tenha adeptos ainda hoje, recebeu muitas críticas 
por conta Cã dificuldadede explicar o que significa uma proposição corresponder a um 
fato. Em outras palavras, a verdade é a representação do mundo como de realmente é 
ou como nos aparece? Afinal, se temos acesso aos fatos apenas pelas nossas 
crenças, e essas não são verificadas por outros meios, a não ser por elas mesmas, 
como garantir que nosso pensamento corresponde aos fatos? 
 
Os mestres da suspeita 
 
O racionalismo confiante de que há um mundo objetivo a ser desvendado pela razão 
começou a sofrer abalos. Já sabemos que Hume e Kant colocaram em questão o 
critério de verdade dos antigos, mas foi na segunda metade do século XIX e no 
começo do XX que ersos filósofos intensificaram as críticas ao conceito de verdade 
como representação e correspondência. 
 
PARA REFLETIR 
 
Kant nos diz que o tempo não nos é dado pela sensação, mas é uma intuição 
pura: a noção de tempo é anterior à percepção das coisas e condição para 
percebê-las. 
Mas o enfoque dado por Dali em sua tela é outro: ele não indaga sobre a 
natureza do tempo, mas do tempo como condição da persistência da 
memória.Você saberia explicar porque o existir humano depende da memória? 
 
25 
 
 
A persistência da memória. Salvador Dali, 1931. Esta tela surrealista de Dali nos remete à 
indagação:"O que é o tempo?". Seria uma realidade externa a nós ou depende apenas do 
nosso entendimento. 
 
 
 A expressão "mestres da suspeita" foi cunhada pelo filósofo francês Paul Ricoeur 
(1913-2005) para designar os pensadores Marx, Nietzsche e Freud. Segundo 
Ricoeur, foram esses três pensadores que suspeitaram das ilusões da consciência. 
Por consequência, para descobrir a verdade, é preciso proceder à interpretação do 
que consideramos conhecer a fim de decifrar o sentido oculto no sentido aparente. 
 
a) Marx: a ideologia 
 
Karl Marx (1818-1883) viveu intensamente o período de confronto do proletariado com 
a elite económica de seu tempo. Quando esteve na Inglaterra, conheceu de perto a 
situação deplorável do operariado, obrigado a longas jornadas de trabalho em oficinas 
insalubres e com baixa remuneração. 
Elaborou então sua teoria materialista, segundo a qual as ideias devem ser 
compreendidas a partir do contexto histórico da comunidade em que se vive, porque 
elas derivam das condições materiais, no caso, das forças produtivas da sociedade. 
Percebeu também as contradições que surgem entre essas forças produtivas e as 
relações de produção. Nesse contexto, as ideias vigentes, que aparecem como 
universais e absolutas, são de fato parciais e relativas, porque representam as ideias 
da classe dominante. 
As concepções filosóficas, jurídicas, éticas, políticas, estéticas e religiosas da 
burguesia são estendidas para o proletariado, perpetuando os valores a elas 
subjacentes como verdades universais. Para Marx esse conhecimento que aparece de 
forma distorcida é a ideologia, ou seja, um conhecimento ilusório que tem por 
finalidade mascarar os conflitos sociais e garantir a dominação de uma classe, 
impedindo que a classe submetida desenvolva uma visão do mundo mais universal e 
lute pela autonomia de todos. 
 
b) Nietzsche: o critério da vida 
 
Friedrich Nietzsche (1844-1900) procedeu a um deslocamento do problema do 
conhecimento, alterando o papel da filosofia. Para ele, o conhecimento não passa de 
interpretação, de atribuição de sentidos, sem jamais ser uma explicação da realidade. 
Conferir sentidos é, também, conferir valores, ou seja, os sentidos são atribuídos a 
26 
 
partir de determinada escala de valores que se quer promover ou ocultar. 
 
Para Nietzsche, o conhecimento resulta de uma luta, do compromisso entre instintos. 
Ao compreender a avaliação que foi feita desses instintos, descobre que o único 
critério que se impõe é a vida. O critério da verdade, portanto, deixa de ser um valor 
racional para adquirir um valor de existência. O que Nietzsche quer dizer com "critério 
da vida"? Ao perguntar-se que sentidos atribuídos às coisas fortalecem nosso "querer 
viver" e quais o degeneram, questiona os valores para distinguir quais nos fortalecem 
vitalmente e quais nos enfraquecem. 
 
Outra teoria que destaca o caráter interpretativo de todo conhecimento é a do 
perspectivismo, que consiste em considerar uma ideia a partir de diferentes 
perspectivas. Essa pluralidade de ângulos não nos leva a conhecer o que as coisas 
são em si mesmas, mas é enriquecedora por nos aproximar mais da complexidade da 
vida em seu movimento. 
 
c) Freud e o inconsciente 
 
Sigmund Freud (1856-1939), fundador da psicanálise, desmente as crenças 
racionalistas de que a consciência humana é o centro das decisões e do controle dos 
desejos, ao levantar a hipótese do inconsciente. 
Diante de forças conflitantes, o indivíduo reage, mas desconhece os determinantes de 
sua ação. Caberá ao processo psicanalítico auxiliá-lo na busca do que foi silenciado 
pela repressão dos desejos. 
 
A hipótese do inconsciente tornou-se fecunda, ao permitir a compreensão de uma 
série de acontecimentos da vida psíquica. Para a psicanálise, todos os nossos atos 
trazem significados ocultos que podem ser interpretados. Usando de uma metáfora, 
poderíamos dizer que a vida consciente é apenas a ponta de um iceberg, cuja 
montanha submersa simboliza o inconsciente. 
 
Os sintomas que vêm do inconsciente devem ser decifrados na sua linguagem 
simbólica, já que o simbolismo é o modo de representação indireta e figurada de uma 
ideia, conflito ou desejo inconscientes. 
 
Há vários tipos de sondagem do inconsciente, mas, para Freud, os sonhos constituem 
o caminho privilegiado, que ele procura desvendar pelo método da associação livre. 
As críticas elaboradas por Marx, Nietszche e Freud repercutiram de maneira 
significativa nas reflexões posteriores sobre o sentido da verdade e o alcance do 
nosso conhecimento. Filósofos de correntes diferentes, como o pragmatismo, a 
filosofia da linguagem, o neopositivismo, o neomarxismo, enfim, das mais diversas 
tendências, se ocuparam com essa questão. 
 
A verdade como horizonte 
 
Vimos que, no correr da história humana, existiram diversas maneiras de compreender 
o que é a verdade. O critério da evidência prevaleceu na Antiguidade e na Idade 
Média e sofreu alterações na modernidade, com Descartes, que não renunciou à 
possibilidade do conhecimento. Posteriormente as posições conflitantes entre 
dogmáticos e céticos nos ensinam a desconfiar das certezas, postura que se tornou 
mais aguda na contemporaneidade. 
Se não sucumbirmos ao ceticismo radical que em última instância recusa a filosofia 
nem ao dogmatismo que se aloja na comodidade das verdade absolutas, poderemos 
melhor suportar o espante a admiração, a controvérsia e aceitar o movimente contínuo 
entre certeza e incerteza. Isso não significa renunciar à procura do conhecimento, 
27 
 
porque conhecer é dar sentido ao mundo, interpretar a realidade é descobrir a melhor 
maneira para agir. 
A verdade continua como um propósito humano necessário e vital, que exige a 
liberdade de pensamento e o diálogo, para que os indivíduos compartilhem as 
interpretações possíveis do real.

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