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História e Filosofia da Quimica Semana 6

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1. Como os resultados experimentais de Newton sobre os metais contribuíram para o desenvolvimento da química no século XVIII?
Isaac Newton (1642-1727) constituiu um dos pontos altos da revolução científica, iniciada por Galileu e Copérnico, e fundou um novo paradigma científico que, pelo menos na física, permaneceu hegemônico até o início do século XX. Contudo, não pretenderemos descrever a obra newtoniana, mas apenas destacar como essa obra teve implicações para o desenvolvimento da ciência química.
Em 1704, Newton publicou a sua Óptica que, ao contrário dos Principia, não tratava da matemática dos movimentos planetários, mas do estudo dos fenômenos ópticos, elétricos, magnéticos, biológicos, geológicos e das mutações químicas.
A Óptica, assim como “os Principia”, estava dividida em três partes. Na primeira, Newton apresentou uma série de definições e axiomas que davam forma aos princípios gerais da óptica. A seguir, enunciou as proposições e os teoremas que se referiam à óptica geométrica e, também, à doutrina da composição e dispersão da luz branca, à aberração das lentes, ao arco-íris e à classificação das cores. Na segunda, traçou considerações sobre as cores, os anéis de interferência e a interferência que a luz sofria ao atravessar as lâminas. Na terceira parte, descreveu uma série de experimentos sobre a difração e as franjas coloridas que se produzem na presença de obstáculos miúdos e de lâminas cortantes.
No entanto, Newton reservou os temas de caráter mais especulativo para o final da Óptica, onde propôs uma série de questões ou problemas ("queries") que careciam de respostas. Não deu respostas conclusivas a essas questões, mas sugeriu soluções provisórias que serviram para demarcar um campo de pesquisas.
O número de questões aumentava a cada edição da Óptica. Na edição de 1704 eram 16, na tradução latina de 1706 passaram a 23, e na edição de 1717 foram para 31. Nas últimas questões, Newton tratou de uma série muito ampla de assuntos, indo desde a existência do vácuo, da composição atômica da matéria, das forças elétricas que mantinham os átomos unidos entre si, da insuficiência das causas mecânicas para explicar o universo, das mutações químicas, até considerações de caráter teológico. Contudo, vamos descrever apenas a questão que interessava mais diretamente à ciência química, a questão 31 da edição de 1717.
Na questão 31, Newton se questionava sobre a natureza do princípio que regia as atrações químicas, especulando que essas atrações ocorriam por intermédio de forças de atração semelhantes à de gravidade. Segundo Newton:
"Não têm as partículas dos corpos certos poderes, virtudes ou forças por meio dos quais elas agem à distância não apenas sobre os raios de luz, refletindo-os e inflectindo-os, mas também umas sobre as outras, produzindo grande parte dos fenômenos da Natureza? Pois sabe-se que os corpos agem uns sobre os outros pelas ações da gravidade, do magnetismo e da eletricidade; e esses exemplos mostram o teor e o curso da natureza, e não tornam impossível que possa haver mais poderes além desses. Porque a natureza é muito consoante e conforme a si mesma. Não examino aqui o modo como essas atrações podem ser efetuadas. O que chamo de atração pode-se dar por impulso ou por algum outro meio que desconheço. Uso esta palavra aqui apenas para expressar qualquer força na qual os corpos tendem um para o outro, seja qual for a causa".
Essas palavras, além de expressarem a convicção de Newton em expandir sua metodologia, revelam um aspecto da teoria de Newton que foi muito criticado pelos cartesianos e leibnizianos do continente. Os cartesianos, por ex., acusavam Newton de não ter determinado a causa mecânica de suas forças, e que, portanto, sua teoria não seria verdadeiramente mecanicista. A filosofia mecanicista havia abolido qualquer referência a princípios cuja causa não fosse de natureza mecânica, e seus seguidores consideravam as forças newtonianas uma re-introdução de "causas animistas", ou "princípios ocultos".
Newton admitia que desconhecia a causa da força de gravidade, e de outras semelhantes a ela, e também que não acreditava que essa causa fosse de natureza mecânica. Todavia, embora atribuísse a causa da gravidade a "princípios ativos", esclarecia que esses princípios nada tinham a ver com as "causas ocultas" dos aristotélicos. Segundo Newton:
"Dizer que cada espécie de coisa é dotada de uma qualidade oculta particular, pela qual age e produz efeitos sensíveis, é nada dizer. Mas deduzir dos fenômenos da natureza dois ou três princípios gerais de movimentos, e em seguida observar como as propriedades de todos os corpos e os fenômenos emanam destes princípios constatados, será dar um grande passo na ciência, ainda que as causas destes princípios permaneçam ocultas".
Aqui, interessa a epistemologia da química, e por isso será pertinente descrever como a ciência química foi influenciada pelo pensamento newtoniano.
Afirmar que a ciência química recebeu influência da obra newtoniana é dizer pouco, uma vez que essa influência também foi estendida às demais disciplinas científicas. No entanto, ao menos na química, essa influência newtoniana pode ser descrita através de um exemplo concreto: a teoria das afinidades. É certo que o conceito de afinidade entre duas espécies químicas já era discutido desde a antiguidade; contudo, no século XVIII, esse conceito foi interpretado segundo critérios newtonianos, como revelam as palavras do químico C. L. Berthollet (1748-1822):
"As forças que produzem os fenômenos químicos são todas derivadas da atração mútua das moléculas à qual se deu o nome de afinidade, para distinguir da atração astronômica. É provável que uma e outra não sejam senão uma mesma propriedade".
O programa de pesquisa sugerido por Newton demonstra seu desejo de encontrar leis que quantificassem matematicamente as transformações que ocorriam no microcosmo, leis semelhantes àquelas que ele próprio havia encontrado para o macrocosmo. Para alcançar essas leis, Newton argumentava que seria preciso começar por saber que substâncias se atraíam, e quais se repeliam, bem como o grau de atração e de repulsão. Vejamos um exemplo dessa metodologia newtoniana para o estudo da química. Segundo Newton:
"Quando o sal de tártaro [carbonato de potássio, K2CO3] corre per deliquium [liquefaz-se], derramado na solução de qualquer metal, precipita este último e o faz cair no fundo do líquido na forma de lama, não prova isto que as partículas ácidas são atraídas mais fortemente pelo sal de tártaro do que pelo metal e, pela atração mais forte vão do metal para o sal de tártaro? Assim, quando uma solução de ferro em aqua fortis [ácido nítrico, HNO3] dissolve o lapis calaminaris [carbonato de zinco, ZnCO3] e solta o ferro, ou uma solução de cobre dissolve o ferro nela mergulhado e solta o cobre, ou uma solução de prata dissolve o cobre e solta a prata, ou uma solução de mercúrio em aqua fortis derramada sobre o ferro, o cobre, o estanho ou o chumbo dissolve o metal e solta o mercúrio, não prova isto que as partículas ácidas da aqua fortis são atraídas mais fortemente pelo lapis calaminaris do que pelo ferro, e mais fortemente pelo ferro do que pelo cobre, e mais fortemente pelo cobre do que pela prata, e mais fortemente pelo ferro, cobre, estanho e chumbo do que pelo mercúrio? E não é pela mesma razão que o ferro necessita de mais aqua fortis para dissolvê-lo do que o cobre, e o cobre mais do que os outros metais; e que, de todos os metais, o ferro é o mais facilmente dissolvido e o mais propenso a enferrujar, e, depois do ferro, o cobre?"
Entretanto, antes de apresentar os resultados empíricos a que os químicos chegaram com sua força de afinidade, cabe ressaltar que, a partir da segunda metade do século XX, se tomou conhecimento da relação que Newton tinha com a alquimia, o que revelou um Newton muito mais próximo da química.
Esse Newton alquimista pode parecer anedótico, porém o Newton alquimista é fundamental, pois representa uma tentativa de descrever as transformaçõesquímicas segundo rígidos padrões metodológicos.
Para concluir, cabe um balanço da incursão newtoniana pela ciência química. Essa incursão pode ser interpretada pelo historiador de duas maneiras:
"a questão 31 pode ser interpretada como uma tentativa de incorporação da química pela física; mas também pode ser lida de uma maneira que faz Newton restituir aos químicos o direito de falar de "poder", ou de "potência" dos reagentes, dando um sentido à sua prática, às suas operações, sentido este negado pela ciência puramente mecanicista".
A primeira leitura da questão 31 foi própria daqueles que não consideravam a química uma ciência digna de figurar entre as "ciências clássicas". Sobre esta posição são reveladoras as palavras de Fontenelle (1699):
"A química, através de operações visíveis, divide os corpos em certos princípios grosseiros e palpáveis, sais, enxofres, etc. mas a física, por especulações delicadas, age sobre os princípios como a química faz sobre os corpos; ela divide-os noutros princípios ainda mais simples, em pequenos corpos em movimento e representados duma infinidade de maneiras... O espírito da química é mais confuso, mais embaraçado; assemelha-se mais às misturas, onde os princípios estão mais embrulhados uns nos outros: o espírito da física é mais simples, mais solto, enfim ele vai até as primeiras origens, o outro vai até os fundamentos".
A segunda leitura revela que o pensamento newtoniano também foi incorporado na tradição dos químicos, fornecendo a esta tradição padrões metodológicos semelhantes aos da astronomia.
2.O que significa “afinidade”? Qual a importância deste conceito para o desenvolvimento da química ao longo do século XVIII?
A palavra “afinidade” significa similaridade, semelhança ou relação de uma coisa com outra. Durante o século XVIII dedicou-se grande atenção à questão da afinidade, nome que se dava à força que mantinha ligados os compostos químicos: julgava-se que o grau de afinidade de um dado grupo de elementos podia ser capaz de tomar o lugar de outro num determinado composto. 
Foi com esse conceito e sob a influência das ideias de Newton que em 1718, na França, que E.F. Geoffroy construiu uma tabela semiquantitativa de afinidades (Tabela das Diferentes Relações Observadas entre Diferentes Substâncias). Entretanto, ele não usou a palavra afinidade no título, mas sim rapport, uma palavra mais neutra que pode ser traduzida como ‘harmonia’, que constituía uma interpretação empírica da questão 31. Nessa tabela, Geoffroy interpretou um conjunto de reações químicas, que hoje denominamos de deslocamento, ou melhor, de reações de simples e de dupla troca (A + BC - AC + B, e, AB + CD - AD + CD, respectivamente).
Na tabela de Geoffroy, encontram-se 16 substâncias que encabeçam 16 colunas. Em cada coluna, a afinidade para com a substância na cabeça da coluna decresce de cima para baixo, de modo que quando duas substâncias com alguma tendência a se combinarem estão reunidas e encontram uma terceira com afinidade maior com alguma das primeiras, ela se combina com alguma destas, deixando livre a outra. As causas da afinidade permaneciam incompreendidas, mas as tabelas eram úteis principalmente no sentido de prever o resultado das reações.
Antoine Lavoisier, também colocou tabelas de afinidade em seu famoso livro publicado em 1789 e reconheceu que o grau de afinidade mudava com a temperatura, mas no prefácio que não explicava o significado de afinidade. 
3. Qual a importância da construção de tabelas de afinidades ao longo do século XVIII?
Os ganhos empíricos trazidos pela tabela de Geoffroy foram relevantes. Ela permitiu, por exemplo, agrupar uma série de reações químicas em um quadro econômico, oferecendo aos químicos um importante instrumento pedagógico. No entanto, essa incorporação empírica das forças newtonianas colocou aos químicos um problema relativo à própria natureza de seu trabalho, poderíamos dizer que a diferença entre os químicos tradicionais e os químicos newtonianos estava no conjunto de entidades aceitas por cada um destes grupos. O caminho indicado pelos newtonianos remetia os interesses da ciência química ao universo das relações que o corpo químico estabelecia com sua vizinhança. Portanto, não fazia sentido para um químico newtoniano descrever um corpo químico isoladamente, assim como não fazia sentido para um astrônomo descrever um astro isento de suas relações com os demais corpos celestes. Seguindo esse caminho, os químicos seriam levados a abandonar a noção tradicional de corpo químico, pois, na medida em que se assumia que as reações químicas podiam ser compreendidas a partir de forças newtonianas, os corpos em si mesmos se tornavam inertes como os planetas.
Essa ideia se opunha a uma tradição química que vinha desde a antiguidade, e que remetia seus juízos a qualidades que singularizavam as substâncias químicas. A substância química, nessa tradição, era o sujeito cuja reação exprimia apenas a qualificação. Na química newtoniana, ao contrário, o corpo químico não era mais um sujeito senão por aproximação de linguagem. O único verdadeiro sujeito era o conjunto dos corpos em presença e com interações recíprocas. Assim, não era possível atribuir a força do ácido nítrico a ele mesmo, depois de o ter ilustrado com algumas reações típicas, e sim defini-la a partir de um conjunto de reações possíveis6. Ou seja, enquanto na química tradicional se elegia um conjunto de reações para caracterizar um corpo químico, na química newtoniana todas as reações interessam na descrição desse corpo. Esta diferença fez com que os químicos newtonianos investigassem reações que não eram "interessantes" para um químico tradicional, ou melhor, reações que muitas vezes não produziam o composto esperado, ou ocorriam de modo oposto ao previsto. As reações "interessantes", na verdade, consistiam nas reações que hoje denominamos completas, ou seja, aquelas na qual o produto deixa o meio reacional, ou na forma de precipitado, ou por sua volatilidade. Para os newtonianos, contudo, as reações "interessantes" não eram suficientes para descrever as afinidades, que, no vocabulário newtoniano, passaram a ser chamadas de atrações eletivas.
Essa noção de corpo químico foi contestada por aqueles que defendiam uma singularidade para esses corpos. Foi no quadro teórico tradicional que os químicos fundamentaram suas explicações para as transformações químicas. O médico-químico alemão E. Stahl (1660-1734) apresentou um sistema explicativo que resgatava os "elementos" aristotélicos. Embora não considerasse todos os quatro elementos, preservava a idéia de elemento princípio, portador de qualidade. Stahl foi o principal personagem da química da primeira metade do século XVIII; sua teoria foi uma resposta "química" à transformação material, oposta ao reducionismo mecanicista e longe das metáforas alquímicas. Assim, os químicos stahlianos procuravam descrever as reações químicas a partir de propriedades que seriam singulares a cada corpo químico. O sistema de Stahl exerceu profunda influência no desenvolvimento da química, sendo considerado por Kant, no prefácio da Crítica da Razão Pura, o sistema responsável por elevar a química ao nível das ciências modernas.
No entanto, essa divergência epistêmica não impediu que os químicos stahlianos utilizassem a tabela de Geoffroy, tendo havido inclusive uma harmonização entre essas duas correntes, oferecida pelo stahliano P. J. Macquer que, em seu livro Elementos de Química (1775), apresentou uma exposição sistemática da doutrina das afinidades. Macquer sublinhou o caráter empírico das tabelas e que os resultados obtidos deveriam ser aceitos independentemente da teoria que sistematizava as práticas experimentais. Assim, Macquer aceitava a ordenação dos compostos químicos de acordo com sua reatividade, mas não as conseqüências derivadas de uma interpretação estritamente newtoniana. Para ele, as transformações químicas deveriam ser explicadas recorrendo a elementos que remetessem a propriedades qualitativas distintas.Mas, apesar dos químicos não-newtonianos adotarem tabelas semelhantes à de Geoffroy, a construção dessas tabelas de afinidade ficou a cargo dos químicos newtonianos. E, para os newtonianos, além de ordenar as substâncias de acordo com sua afinidade relativa, interessava descrever as reações químicas com a mesma precisão que se descreviam os movimentos planetários.
Foram várias as tentativas de quantificar adequadamente as afinidades. Em 1776, por ex., Guyton de Morveau, seguindo o caminho newtoniano, mediu a força mecânica necessária para separar placas de diferentes metais do banho de mercúrio no qual as mesmas flutuavam. Assim, Guyton tentava quantificar a afinidade, atribuindo à relação entre dois corpos, uma medida independente das operações de substituição.
Essa quantificação era relativa e, como tal, podia ser expressa por uma sequência de números relativos, de modo que, quanto maior o número, maior seria a atração entre as espécies envolvidas.
4. Qual papel podemos atribuir à Lavoisier em relação ao desenvolvimento da química moderna? Ele seria o responsável por uma revolução na química ou um grande sistematizador?
Considerado por muitos como o “Pai da Química Moderna”, Lavoisier é um dos maiores cientistas do séc. XVIII. Foi um dos primeiros a conceber e elaborar um método objetivo de representação do universo material. Sistematizando o uso da balança, definiu a matéria por sua propriedade de ter um peso determinado e enuncia as leis de conservação da massa. Em suas pesquisas mais importantes Lavoisier dedica-se a um conhecimento científico da natureza daqueles elementos que, desde a antiguidade, eram considerados insuscetíveis de análise científica: a terra, a água, o ar e o fogo. Começou por esclarecer o fenômeno da oxidação dos metais em contato com o ar, derrubando a teoria flogística. Provou que o corpo simples, no caso, não é cal, mas o metal. Calcinando o estanho num recipiente fechado e em presença de ar, verifica a inalterabilidade da massa total. Retomou essa experiência em 1777 com o mercúrio e descobriu, a partir daí a composição do ar atmosférico. Assim, Lavoisier mostrou que a água se obtém através da combustão do hidrogênio e, quatro anos depois, submeteu o diamante à ação do fogo, determinando a composição do gás carbônico.
Lavoisier também foi pioneiro na medição calorimétrica. Em Mémoire sur la chaleur (1780; relatório sobre o calor), registrou diferentes valores, quer de calores específicos, quer daqueles resultantes de reações químicas. Outra das grandes contribuições de Lavoisier foi a de criar, juntamente com Berthollet e outros, uma nomenclatura racional da química, tomando como ponto de partida o conceito de ‘elemento químico’, que não se poderia estabelecer se a experiência pela qual havia demonstrando ser o oxigênio um dos componentes necessários dos ácidos e das bases. Em relatório de abril de 1787, expunha os fundamentos da nova nomenclatura e, em seu Traîté élémentaire de chimie (1789; tratado elementar de química), já a utilizava sistematicamente.
5. Discuta a importância da nova nomenclatura química para suplantar a teoria do flogisto e promover a recepção das teorias de Lavoisier.
No século XVIII, a linguagem química existente ainda possuía forte conotação alquímica. As substâncias eram identificadas por nomes arbitrários, ora representando as suas qualidades, ora derivados de termos astrológicos, ora nome de pessoas, ora de lugares. Era comum a existência de dez a quinze nomes diferentes para designar uma determinada substância química. A linguagem dos químicos continha uma multiplicidade de nomes empíricos e tradicionais. Havia alguma sistematização e certas propriedades comuns aos materiais permitiam estabelecer grupos ou classes de substâncias.
As Tabelas 1 e 2 apresentam a simbologia alquímica utilizada tanto para nomear as substâncias conhecidas como para denominar os procedimentos alquímicos utilizados. Os metais eram designados pelos nomes e símbolos dos planetas e os procedimentos laboratoriais relacionavam-se com os símbolos do zodíaco, demonstração inequívoca da influência da astrologia.
Como a comunicação entre os alquimistas e, mais ainda, entre estes e os não alquimistas, era extremamente restrita, a dificuldade quanto à acessibilidade dos textos era imensa. Somente no final do século XVI foi publicado em latim o Alchemia, considerado como o primeiro livro didático de química, escrito em 1597 pelo médico e poeta alemão Andreas Libavius. Libavius criticava as ambiguidades da linguagem utilizada, destacando que o alquimista tinha também responsabilidade perante a sociedade. Outra dificuldade presente era de que vários nomes podiam representar uma única substância, assim como uma única substância possuía vários nomes. Para Robert Boyle, o conhecimento não existia como propriedade de um indivíduo, mas sim como propriedade de uma comunidade, e era notória a sua preocupação com a comunicabilidade e a reprodutibilidade de seus experimentos. A descrição do experimento deveria ser a mais fiel possível, para permitir que qualquer outro pudesse reproduzi-lo.
Christopher Glaser, em seu tratado de química de 1677, também criticava a multiplicidade dos nomes das substâncias. Torbern Olof Bergman, em sua obra Oppuscula physica et chemica, alertava que os nomes das substâncias não deveriam ter um significado amplo, mas que elas deveriam ser denominadas de acordo com a verdade. Cada ácido deveria ter um nome distinto, e este refletir-se no nome do sal correspondente. Recomendava também o uso do latim. Macquer, por sua vez, recomendava a utilização do nome acide vitriolique em substituição a huile de vitriol e a inclusão, sob o nome geral de vitriol, de todos os sais vitriólicos.
Guyton de Morveau, químico encarregado de dirigir os dicionários de química da Encyclopédie méthodique,empreendeu em 1782 em uma reforma da nomenclatura. Os enciclopedistas acreditavam que a difusão universal dos conhecimentos e das técnicas ocasionaria a libertação do homem, contribuindo para sua progressiva felicidade. Em 1780, quando Guyton de Morveau traduziu uma coleção de ensaios do químico sueco Torbern Bergman, este o persuadiu a rever a linguagem da química. Bergman foi aluno e amigo de Carl Lineu, que havia criado o sistema de classificação das plantas, tendo por base uma nomenclatura binomial, em que o primeiro nome designava o gênero e o segundo a espécie.
Em 1786, Guyton de Morveau apresentou seu projeto inicial de revisão da nomenclatura a Lavoisier, Berthollet e Fourcroy. Estes se entusiasmaram com o projeto e durante as discussões sobre a nova nomenclatura Guyton de Morveau converteu-se à teoria antiflogístico de Lavoisier.
Lavoisier introduziu duas modificações importantes no projeto inicial de Guyton de Morveau: baseou as denominações na sua própria teoria (antiflogístico) e sublinhou que a nomenclatura deveria refletir a natureza. Lavoisier inspirou-se em Condillac: linguagem e conhecimento são indissociáveis e, por isso, refazer a linguagem é refazer a ciência. A Lógica de Condillac foi publicada em 1780 e fornecia os argumentos teóricos necessários à justificação das mudanças defendidas por Lavoisier. A nova nomenclatura proposta por Lavoisier e seus colaboradores tinha um conteúdo "ideológico", pois quem a aceitasse estaria consequentemente aceitando a teoria do oxigênio, unificadora dos fenômenos de oxidação, combustão, respiração e acidez. A nova nomenclatura foi apresentada em quatro sessões públicas na Academia Real de Ciências, entre abril e junho de 1787, sob a forma de memórias, que comporiam a obra Método de nomenclatura química (Méthode de nomenclature chimique).
Segundo Guyton de Morveau, a nomenclatura sistemática proposta nesta obra foi formada, em grande parte, a partir de raízes gregas, e cada nome devia dar uma ideia das propriedades da substância designada. A lógica da nomenclatura exigiu mesmo que ela fosse a primeira a ser nomeada, para que a palavra que nos lembra a ideia traga o tipo de denominações de seus compostos.Logo depois, Lavoisier publicou o Tratado elementar de química (Traité élémentaire de chimie), apresentando resultados experimentais obtidos no decorrer de vinte anos de trabalho em seu laboratório. O tratado utilizava a nova nomenclatura e dirigia-se a todos os iniciantes na química. Foi principalmente do grego que tiramos as palavras novas e nós o fizemos de maneira que a sua etimologia lembrasse a ideia das coisas que nos propomos a indicar. Demos à base da porção respirável do ar o nome de oxigênio, derivando-o de duas palavras gregas, ácido, e engendrar, porque de fato uma das propriedades mais gerais dessa base é formar ácidos com a maior parte das substâncias.
No século XVIII, o modelo da química existente era mineral, e os compostos eram composições binárias de corpos simples. Os ácidos e bases eram óxidos de radicais e de metais e os sais, compostos de ácidos e bases. Lavoisier inovou e explicou satisfatoriamente o processo vital da respiração, levando a química de forma contundente para além do universo mineralógico.
O Tratado elementar de química contém, na seção 3, a "tabela da nomenclatura química", proposta por Morveau, Lavoisier, Bertholet e Fourcroy em maio de 1787. A tabela de substâncias é apresentada em seis colunas duplas, com os nomes novos e antigos de cada uma delas. A coluna I traz as cinquenta e cinco substâncias, "substâncias não decompostas", contendo oxigênio, azoto, hidrogênio, enxofre, fósforo, carbono os radicais e os metais conhecidos. A coluna II, denominada "postos no estado de gás pelo calórico", apresenta o gás oxigênio, o gás azoto, o gás hidrogênio, hoje classificados como substâncias simples. As demais colunas receberam os respectivos nomes: "combinados com o oxigênio, oxigenados gasosos, oxigenados com bases, combinados sem serem levados ao estado de ácido". As substâncias numeradas de 05 (azoto) até 30 (radical bômbico) foram classificadas como substâncias acidificáveis. As substâncias, cujos números iam de 31 (arsênio) até 47 (ouro) foram classificadas como substâncias metálicas. Sílica, alumina, barita, cal e magnésia foram classificadas como terras e, potassa, soda e amoníaco como álcalis. 
Com a nova nomenclatura, o gás flogisticado ou mofeta atmosférica passa a ser denominado simplesmente gás azoto. O gás inflamável denomina-se gás hidrogênio. Os metais mantiveram os nomes de origem. A terra vidrificável ou quartzo recebeu o nome de sílica; a argila ou terra de alúmen, o nome de alumina. O oxigênio, ao combinar-se com a prata, forma o óxido de prata (antigo cal de prata). Ao combinar-se com o radical cítrico forma o ácido cítrico (antigo ácido do limão). Combinando-se com o radical láctico forma o ácido láctico (antigo ácido do soro do leite azedo), e assim por diante.
Lavoisier tentou expor a química de forma analítica, do simples para o complexo, com o objetivo de formar químicos no prazo aproximado de dois anos.
O Tratado serviu como modelo para o movimento intelectual, que propagava o espírito "analítico" e que pretendia tornar as ciências acessíveis à maioria das pessoas e úteis para todos, passando a fazer parte do discurso político como uma garantia de progresso e o termo "elementar", introduzido no título da obra, era uma alusão aos Elementos de Euclides, e referiam-se mais ao rigor matemático da nova química que a sua acessibilidade.
6. Como a tradução da nomenclatura química do francês para o português favoreceu a aceitação da obra de Lavoisier em Portugal e no Brasil?
Após vinte anos, a nomenclatura foi praticamente adotada por toda a Europa. Vicente Seabra Telles, brasileiro que estudava em Portugal, usou pioneiramente a nova nomenclatura química em seu livro Dissertação sobre a fermentação, publicado em 1787, e predominantemente no segundo volume do Elementos de chimica, publicado em 1790. Em 1801, Seabra publicou a Nomenclatura chimica portugueza, franceza e latina, que traz uma completa adaptação da nomenclatura química às regras da língua portuguesa. Para obter um tal êxito na adoção da nova nomenclatura, Lavoisier e seus colaboradores empenharam-se em uma campanha de persuasão. O periódico Annales de Chimie et de Physique tornou-se um veículo importante para esse fim, evidenciando os pontos fracos da teoria do flogisto e realçando as vantagens da nova teoria, convencendo os químicos a utilizarem a nova nomenclatura.
Como uma estratégia de Lavoisier para consolidar a sua própria teoria e derrubar a teoria do flogisto, Madame Lavoisier traduziu, em 1788, para a língua francesa, o livro An essay on phlogiston and the constitution of acids, do irlandês Richard Kirwan. A obra traduzida continha notas de Lavoisier e de seus colaboradores, refutando as ideias de Kirwan. Travou-se uma batalha intelectual e Kirwan, em meio do exercício de argumentar contra os teóricos do oxigênio, conseguiu perceber, em 1791, que o sistema de explicações oferecido pela teoria do oxigênio era mais coerente do que aquele oferecido pela perspectiva que ele inicialmente defendia, e assim converteu-se à teoria do oxigênio.
Apesar de a França, na época de Lavoisier, possuir cerca de 50% de analfabetos, em Paris, cidade onde residia, a maioria das pessoas era alfabetizada. A existência da imprensa (prensa tipográfica), que agilizava a impressão das obras, contribuiu para acelerar a difusão das ideias iluministas, pois era também moda entre os parisienses ler os autores iluministas e os feitos das ciências. O fato de Lavoisier publicar em francês (costumava-se publicar em latim), dando oportunidade de acesso a uma maior camada da população, também contribuiu para a eficaz divulgação de seu trabalho.
O mérito da nomenclatura que adotamos consiste principalmente em que a substância simples, uma vez nomeada, faz com que o nome de todos os seus compostos decorra necessariamente dessa primeira palavra.

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