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Anotações Helson Nunes da Silva DIR117 DIREITOS FUNDAMENTAIS Gabriel Dias Marques da Cruz Gabriel_dmc@yahoo.com.br (Professor) 2018.1 2 Anotações de Helson Nunes da Silva DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 3 1. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais 1.1. Considerações iniciais A expansão e a efetividade dos direitos fundamentais são o melhor parâmetro para determinar o grau de democracia de uma sociedade. Por isso, segundo karl Loewenstein, o respeito e proteção dos direitos e liberdades fundamentais são o núcleo essencial da democracia constitucional. Em uma democracia, os direitos fundamentais têm o condão de reduzir “acentuadamente a discricionariedade dos poderes constituídos, impondo-se-lhes deveres de abstenção (não dispor contra eles) e deveres de atuação (dispor para efetivá-los)” (Cunha Junior, 2017). 1.2. Conceito e delimitação terminológica 1.2.1. Terminologia Tanto a doutrina quanto a jurisprudência fazem uso de variados termos para identificar os direitos da pessoa enquanto homem e cidadão. Alguns autores, tais como os professores Dirley da Cunha e Gabriel Marques declinam pela terminologia “direitos fundamentais”, mas por que não utilizar: a) “direitos humanos”; b) direitos da pessoa humana; c) direitos do homem; dentre tantas outras expressões? Para prof. Dirley, a opção por “direitos fundamentais” “se dá não só por questões pragmáticas, pois é a terminologia adotada pela Constituição Federal de 1988, como por questões eminentemente técnicas, haja vista que a expressão direitos fundamentais, como veremos em seguida, é mais abrangente, compreendendo todas as outras”. Vejamos as razões apontadas pelo professor Gabriel Marques para não se utilizar as expressões apontadas acima: Direitos humanos – é uma expressão com conotação internacional, mais universal, enquanto que direitos fundamentais é um termo que tem um escopo mais nacional. Os direitos humanos compreendem, assim, todas as prerrogativas e instituições que conferem a todos, universalmente, o poder de existência digna, livre e igual, sendo uma expressão mais utilizada para declarações internacionais, por refletir a preocupação da comunidade internacional com a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos de todas as pessoas e povos, independentemente de sua nacionalidade (Cunha Junior, 2017) – com adaptações. Direitos da pessoa humana – é uma expressão que se confunde com terminologia utilizada no direito civil pessoa física, dando a ideia de que as pessoas jurídicas não teriam direitos fundamentais assegurados, o que não é verdade. Direitos do homem – é uma expressão que possui uma carga muito preconceituosa e machista, estando inadequada para os tempos atuais. Além disso, já se cogita a possibilidade de proteção de direitos fundamentais para animais e até mesmo para robôs. Ainda segundo prof. Dirley, “é preciso encontrar alguns critérios fundamentais que possam servir de vetor que permita identificar, na ordem jurídica, os direitos fundamentais, sobretudo os previstos implicitamente na Constituição ou existentes fora de seu catálogo expresso, até porque o que aqui almejamos é encontrar, para além de uma terminologia adequada e abrangente já definida, um conceito constitucionalmente adequado dos direitos fundamentais”. 4 Anotações de Helson Nunes da Silva 1.2.2. Conceito Os direitos fundamentais seriam a disposição normativa, prevista na Constituição, que assegura a uma pessoa a tutela de uma situação jurídica de defesa, promoção e participação. A explicação do conceito será desmembrada em quatro pontos: Disposição Normativa Robert Alexy defende que os direitos fundamentais são normas-princípio, porque eles carregam um conteúdo que deve ser aplicado na maior medida do possível – mandamento de otimização. Exemplos: Um homem adepto de determinada religião, invocando a liberdade religiosa, decide fazer suas orações diárias no meio da rua e usando um megafone para que toda a vizinhança possa ouvir. Se este homem fizesse suas orações em silêncio, certamente teria assegurado seu direito à liberdade religiosa, mas, da forma como fez, onde terminaria a liberdade religiosa para se assegurar o direito à privacidade e mesmo de liberdade religiosa dos demais cidadãos? Um cidadão impetra uma ação na justiça para impedir a matança de animais em rituais religiosos. Qual a melhor ponderação entre o direito à proteção dos animais e a liberdade religiosa? Um fotógrafo divulga uma foto de uma mulher fazendo topless em uma praia. Até onde vai o direito de liberdade de expressão de modo a não ofender o direito de privacidade? É importante fixar dois aspectos relevantes sobre a disposição normativa: Os direitos fundamentais são normas (produto), que não se confundem com meros textos (signos, matéria-prima); Observação Para construir uma norma, utiliza-se uma das seguintes ferramentas abaixo ou uma combinação delas: proibido, permitido ou obrigado. As normas vinculadas aos direitos fundamentais possuem a carga valorativa de princípios. Observação As normas são usualmente classificadas em normas-regra ou normas-princípio. Entretanto, é importante esclarecer que elas não são as únicas. Alguns autores defendem, por exemplo, que existem os postulados. Prevista na Constituição A expressão “direitos fundamentais” está associada aos direitos de uma normatividade constitucional específica. É de se ressaltar que o rol de direitos sobre influência de tempo e espaço. Exemplo: Mesmo em tempos atuais, há países que consideram que as mulheres não possuem os mesmos direitos dos homens. DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 5 Em uma mesma normatividade constitucional, o rol de direitos pode se alterar ao longo do tempo. Curiosidade Dois autores brasileiros que possuem livros com título “Direitos Humanos Fundamentais”: Alexandre de Moraes Manoel Gonçalves Ferreira Filho A Constituição Federal de 1988 trouxe um rol enorme de direitos fundamentais. Este rol é considerado exemplificativo ou “numerus apertus” e vem sendo expandido ao longo dos anos. Curiosidade Rol taxativo – numerus clausus Rol exemplificativo – numerus apertus Que assegura a uma pessoa Pessoa seria o gênero para as espécies “pessoa física” e “pessoa jurídica”. A proteção de uma pessoa física se inicia com o nascimento com vida (atenção para questão dos direitos do nascituro) e perdura até o pós-morte. A proteção de uma pessoa jurídica se inicia com o registro no cartório de pessoas jurídicas A discussão atual e bem polêmica diz respeito ao entendimento de alguns autores de que todos os animais (e não só os homens e mulheres) merecem ter a proteção de direitos fundamentais. Ademais, há ainda quem defenda a personalidade para robôs. Exemplo: Em Salvador, um habeas corpus que objetivava a transferência do chimpanzé chamada Suíça, que vive em uma jaula no zoológico de Salvador, para uma reserva ecológica localizada em Sorocaba, foi negado pela justiça. A Promotoria de Meio Ambiente na Bahia argumentou que os chimpanzés são parentes próximos do homem, com 99,6% de genes humanos: “A ciência já provou que os chipanzés têm capacidade de raciocínio tal qual o homem, portanto, trata-se de uma pessoa que não pode permanecer enjaulada”. A tutela de uma situação jurídica de defesa, promoção e participação. Direitos fundamentais de defesa (de liberdades públicas, de liberdade) Relação Indivíduo-Estado, onde existiria uma espécie de blindagem do indivíduo contra as interferências e ingerências arbitrárias do Estado. Seria um direito que protege quanto à intervenção do Estado, pretendendo a sua não atuação (negativo).Exemplos: o Liberdade de locomoção ou liberdade ambulatória – a regra no Brasil é garantir a liberdade de locomoção. Não significa dizer que o Estado não possa suprimir esse direito, mas a Constituição deve prever essas excepcionalidades. Assim, no Brasil, a regra é a liberdade, sendo que a prisão é permitida nas seguintes hipóteses: Flagrante delito Ordem escrita fundamentada 6 Anotações de Helson Nunes da Silva o Inviolabilidade de domicílio As hipóteses para que alguém possa adentrar em um domicílio alheio são: Consentimento do morador Flagrante delito Desastre Prestação de socorro Por ordem judicial, durante o dia e mediante ordem judicial. Fora dessas hipóteses, ou é ilegal ou é arbitrariedade do Estado. Direitos fundamentais de promoção (Os autores utilizam uma estratégia de oposição) O indivíduo espera que haja uma intervenção ativa do Estado, para assegurar os direitos fundamentais. Exemplos: o Educação Fomentar a criação e manutenção de escolas e faculdades (direta) Fiscalizar órgãos que têm competências ligadas à educação (indireta) o Saúde Fomentar a criação e manutenção de hospitais e posto de saúde Campanhas de vacinação Direitos fundamentais de participação Direitos que guardam relação com a participação política, onde se pretende que a cidadania seja assegurada por uma maior participação do cidadão na decisão política do Estado. Exemplo: o O direito de voto nas eleições (sufrágio universal), que retrata um amplo direito de participação política. A idade é um elemento de restrição. Apenas eleitores acima de 16 anos têm permissão para votar. Se a gente voltar no tempo, vamos relembrar o Sufrágio restrito, onde mulheres não poderiam votar (sufrágio de gênero); Em outra época somente quem tinha certa capacidade financeira poderia votar (sufrágio censitário). o Plebiscito – consulta sobre questão específica, feita diretamente ao povo, antes de o Congresso dar seguimento às medidas. Exemplo: Art. 2º, ADCT, CF (1993) – Plebiscito para decidir sobre sistema de governo (Monarquia, república / parlamentarismo, presidencialismo) o Referendo – consulta posterior sobre questão específica, feita diretamente ao povo, após o Congresso decidir sobre determinada medida política. Exemplo: Sobre o desarmamento. O Estatuto do Desarmamento foi aprovado e somente a passagem sobre o porte de arma foi levado a referendo. DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 7 Sinopse Pensar em direitos fundamentais em três concepções distintas no que se refere ao direito de Estado: i) defesa; ii) promoção; iii) com participação. Na primeira, deseja-se um Estado ausente, com atuação negativa, que não interfira na liberdade dos indivíduos. Na segunda, pretende-se uma atuação positiva do Estado para assegurar os direitos promocionais (direitos sociais). Na terceira, uma lógica em que a vontade da população interfira na decisão política do Estado (direito de voto). Conceito Direitos fundamentos são um mandamento de otimização vinculado à norma-princípio, constante formalmente na Constituição, ainda que não expressamente, e com rol exemplificativo, contendo uma normatividade específica. Cada Constituição tem um rol em particular, assegurados a todas as pessoas, sejam elas pessoas físicas ou pessoas jurídicas. 1.3. Gerações de direitos O movimento histórico de expansão e afirmação progressiva dos direitos humanos fundamentais é que justifica o estudo de sua evolução no tempo, falando-se, então, em “gerações” ou “dimensões” de direitos. Alguns doutrinadores defendem que a afirmação e acumulação de novos direitos fundamentais tem por consequência fundamental a irreversibilidade ou irrevogabilidade dos direitos reconhecidos, aliada ao fenômeno de sua complementariedade, onde não há de se falar em alternância, substituição ou supressão temporal de direitos anteriormente reconhecidos (Cunha Junior, 2017) 1.3.1. Visão tradicional A visão tradicional foi pensada por Karel Vasak em 1979 e se tornou famosa por associar três gerações de direito a cada um dos três lemas cardeais da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade): Direitos de 1ª Geração (clássicos ou formais) – Liberdade Essa geração de direitos fundamentais se situa no final do século XVIII, com a experiência das primeiras constituições escritas que despontaram no constitucionalismo ocidental: a Constituição dos E.U.A (1787), bem como da Constituição da França (1791). São direitos marcadamente individualistas, afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado. Principais características: Direitos fundamentais de defesa e as liberdades públicas (civil, política), que implicam o primado da ausência do Estado (status negativus da teoria de Jellinek). o Inspiração jusnaturalista. o Direitos à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança, à igualdade perante a lei; o Direitos de expressão coletiva (reunião e associação) e direitos políticos. Garantia da liberdade em face às arbitrariedades do Estado (órbita de proteção). Curiosidade Frase do Rei Sol, símbolo de absolutismo: “O Estado sou eu”. Desejo de abstenção do Estado, ausente da vida do cidadão (absenteísmo estatal). 8 Anotações de Helson Nunes da Silva Direitos de 2ª Geração – Igualdade Com o passar dos anos surgiu uma nova demanda, que coincide com a Revolução industrial inglesa e surgimento dos movimentos socialistas, criticando as novas formas de produção. Nesse período, não existia regulamentação de jornada de trabalho, de proteção aos direitos do trabalhador, havia crianças trabalhando, e a remuneração não era digna nem compatível com o que se produzia (não havia justa renda). Havia concentração de renda no dono do capital. O capital (forte) oprimia o cidadão (fraco). Conclui-se que o Estado não é o único que oprime o desenvolvimento da personalidade. Surge uma demanda por maior igualdade na relação produtor-trabalhador, que faz com que os indivíduos cobrem uma atuação ativa estatal para prover e assegurar direitos. Hobbes Se o Estado se ausenta demais, o homem pode se tornar o lobo do próprio homem. Com a ascensão do Estado Social, surgem os direitos de segunda dimensão, caracterizados por outorgarem ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como saúde, educação, trabalho, assistência social. Revelam uma transição das liberdades formais abstratas, conquistadas pelo liberalismo, para as liberdades materiais concretas. Compreendem os direitos sociais, econômicos e os direitos culturais, incluindo a liberdade de sindicalização, o direito à greve e alguns direitos trabalhistas (férias, repouso semanal remunerado, salário mínimo, limitação da jornada de trabalho). No século XX, sobretudo após a Primeira Guerra Mundial, esses direitos passam a ser reconhecidos, cabendo a primazia à Constituição do México de 1917 (centenas de emendas, mas existe até hoje), seguida pela Constituição Russa de 1918. Mas é com a Constituição de Weimar de 1919 que, efetivamente, os direitos fundamentais tiveram sua sistematização e seu reconhecimento em termos definitivos (Parte II totalmente dedicada aos direitos fundamentais dos alemães). Importante Necessidade da criação e proteção de direitos positivos, promocionais, sob a forma de fornecimento de prestações e programas sociais (direitos reais, materiais e concretos). “Se no individualismo clássico do Estado liberal, o Estado era o inimigo contra o qual se havia de defender os âmbitos da autonomia individual privada, sob a nova filosofia social da comunidade, o Estado foi convertido no amigo que está obrigado a satisfazer as necessidades coletivas da comunidade”. (Cunha Junior, 2017) Estudo de Caso – Arremesso de anão No caso do arremessode anão, o debate é sobre o grau de liberdade da escolha profissional. Qual seria o grau de intervenção do Estado para garantir a igualdade na relação empregador-empregado? Direitos de 3ª Geração – Fraternidade (solidariedade) A lógica de fraternidade se preocupa com interesses que estão acima dos interesses particulares, sendo conhecidos por interesses transindividuais, em razão do interesse comum que une as pessoas e, de modo especial, em face de sua implicação universal, e por exigirem esforços e responsabilidade em escala para sua efetivação. A 3ª geração de direitos surgiu recentemente como uma reação às atrocidades da 2ª Guerra mundial (1939-1945), tendo por principal finalidade preservar a própria existência do grupo. As categorias de direitos contemplados pela 3ª geração são: Direitos transindividuais difusos o Titularidade indeterminada DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 9 Exemplos: Meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF); Direito à paz mundial (art. 4º, VI e VII, CF); Bonavides entende que é direito de 5ª geração. Direito à autodeterminação dos povos (art. 4º, III); Direito ao desenvolvimento (art. 3º, II) Solidariedade universal, reconhecimento mútuo de direitos entre vários países, à comunicação; Direitos transindividuais coletivos o Titularidade determinada ou determinável – os titulares são grupos, categorias ou classes. Legislações que se preocupam com interesses transindividuais: LACP – Lei de Ação Civil Pública CDC – Código de Defesa do Consumidor 1.3.2. Novas gerações Direitos de 4ª geração Norberto Bobbio defende que a 4ª geração abarca os direitos relativos à biotecnologia e engenharia genética. Paulo Bonavides entende que a 4ª geração abrange os direitos à democracia direta, informação e pluralismo. --- Complemento de aula --- Dirley Cunha acrescenta ainda o direito à mudança de sexo. Direitos de 5ª geração Paulo Bonavides entende que a 5ª geração asseguraria os direitos à paz, trasladando-os da terceira para a quinta geração, por considerá-los condição indispensável ao progresso de todas as nações (pressuposto qualitativo da existência da humanidade). Direitos de 6ª geração Gilmar Fachin defende os direitos de 6ª geração para proteger o direito à água potável. 1.3.3. Críticas Essa teoria passou a sofrer muitas críticas, que podem ser divididas basicamente em duas vertentes: Críticas de nomenclatura (Aspectos formais) A crítica diz respeito à nomenclatura utilizada, asseverando que o termo “dimensões” seria mais apropriado, já que “gerações” passa a ideia de passagem de tempo, de sucessão de gerações, dando a impressão que há uma substituição de uma pela outra, quando isso não ocorre. É dizer, não prevalece a ideia de descarte para que sobrevenha a geração seguinte. A palavra “dimensão” perfaz a ideia de acúmulo, e, não, de simples substituição. Assim, com “dimensões”, existiria, cada vez mais, uma proteção cuidadosa aos direitos do ser humano, à sua individualidade, às suas projeções de direitos fundamentais. 10 Anotações de Helson Nunes da Silva Observação Alguns autores falam em “espécies”, ao invés de “gerações” e “dimensões”. Críticas materiais São críticas sobre o conteúdo da teoria. Seria possível ainda preservar essa classificação? George Marmestein alega que um mesmo direito pode se enquadrar em mais de uma dimensão da classificação clássica. Exemplo: Direito à saúde Na 1ª geração – tem-se o exemplo dos E.U.A com o Obama Care. Será que o Estado deveria se envolver nessa temática ou se abster para não interferir na liberdade do cidadão de optar pelo plano de saúde? Na 2º geração – todos entendem que o Estado deve promover política pública na área de saúde. Na 3ª geração – na lógica de interesse transindividual, a saúde pensada para alcançar uma dimensão difusa. Sinopse As “gerações” fornecem uma construção didática por trás do reconhecimento dos direitos fundamentais. Entretanto, não se pode deixar de lado o olhar crítico de alguns autores que consideram que no plano formal o conceito não é suficiente, por passar uma ideia de substituição, quando em verdade há um acúmulo, e que no plano material, alguns direitos podem integrar mais de uma geração. 2. Evolução histórica dos direitos fundamentais 2.1. Introdução Pensar em declaração de direitos implica pensar em documentos solenemente escritos. Mas antes desse entendimento ou disseminação, alguns autores cogitaram uma evolução, conforme a classificação a seguir: Dica de livro Afirmação histórica de direitos humanos – Fábio Conder Comparato Período Axial (VIII – II A.C) Com base em Jaspers, o primeiro período seria o Axial. Os principais pensadores da época foram: a) Confúcio; b) Zaratustra; c) Buda; d) Profetas de Israel; A preocupação de todos eles, que viveram em tempo e locais diversos, converge para o entendimento que existem direitos que se aplicam a todas as pessoas: “O ser humano é dotado de liberdade e razão”. Pensamento de Kant (1724 – 1804) Na obra “Fundamentação da metafísica dos costumes”, de 1785 (domínio público), Kant define a conduta humana com base em dois mandamentos ou imperativos: Imperativo hipotético As coisas obedecem ao imperativo hipotético, que servem a determinadas finalidades. DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 11 Imperativo categórico As pessoas obedecem ao imperativo categórico, por serem fins em si mesmas. Elas teriam a sua própria dignidade, não vinculadas a qualquer tipo de interesse. Toda pessoa, pelo simples fato de ser pessoa, tem dignidade. Dica de leitura Leis de Nuremberg Instituição do Tribunal de Nuremberg, onde os soldados alemães foram julgados pelos crimes de guerra contra judeus. Interessante que em 1949 surge o marco que delimita a discussão sobre a dignidade da pessoa humana (Lei de Fundamental de Bonn). O efeito simbólico de ter sido em sua cidade alemã tem a ver com o fim da 2ª Guerra em 1945, onde a Alemanha protagonizou as piores experiências do ser humano. No Brasil, a importância da dignidade da pessoa humana está representada no art. 1º, III, CF, na condição de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. 2.2. Etapas das Declarações de Direitos Na primeira etapa, as Declarações surgem como teorias filosóficas. Vale dizer, as declarações são universais no que tange ao conteúdo, mas não tem muita eficácia, apresentando-se muito mais como propostas para um futuro legislador. Na segunda etapa, evolui da teoria à prática, do direito somente idealizado ao direito realizado. Mas ao ganhar concretude e eficácia, perde em universalidade. Passam a ser protegidos positivamente, contudo somente no âmbito do Estado que os reconhece. No terceiro momento, a partir da Declaração Universal de 1948, a afirmação do direito é simultaneamente universal (todos os homens) e positiva (não só proclamados, como protegidos até mesmo contra o próprio Estado que o tenha violado). Em suma, nas três fases de formação das declarações de direitos, por-se-á perceber que os direitos fundamentais nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos restritos, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais (Cunha Junior, 2017). 2.3. Declaração de direitos inglesa Todos os homens são por natureza, livres e titulares de direitos naturais. São os direitos fundamentais, portanto, direitos inatos preexistentes, cabendo ao ordenamento jurídico-positivo tão somente reconhecê-los (Cunha Junior, 2017). Contudo, para serem reconhecidos, efetivos e acatados, precisaram receber formulação jurídica adequada, o que veio a ocorrer por meio das “Declarações solenes” e, notadamente, e num momento, posterior,nas “Constituições políticas” de cada Estado (Cunha Junior, 2017). A Inglaterra contribuiu com quatro experiências em declaração de direitos, já com a evolução de documentos solenemente escritos. 2.4. Magna Carta (1215) Experiência histórica onde diversos barões feudais confrontaram o rei absolutista João sem Terra, forçando-o que assinasse uma a Magna Carta reconhecendo vários direitos. Nela, destaca-se a cláusula 39, em que fica estabelecido que os julgamentos deveriam seguir a “Law of the land” ou Direito da Terra. 12 Anotações de Helson Nunes da Silva Interpretando à luz do direito da terra, os barões obtiveram os seguintes avanços: Limitar o poder do rei Evitar a arbitrariedade nos julgamentos; Buscar julgamentos dentro da razoabilidade; Com isso, o Law of the land tornou-se o embrião do devido processo legal. No Brasil, o devido processo legal está previsto no art. 5º, LIV, LV, CF, valendo para os processos judiciais e administrativos, nas seguintes acepções: Sentido formal – abarca garantias ao processo, tais como: o Contraditório – assegurar que o acusado possa se defender, ainda que pelo silêncio; o Ampla defesa – permitir que o acusado apresente e tenha acesso a toda forma de defesa, dentro da lei; o Impossibilidade de provas ilícitas – pela teoria dos frutos da árvore envenenada, não se pode haver provas ilícitas, bem como qualquer prova derivadas dela (confissão mediante tortura); Atenção Tema altamente delicado o Juiz imparcial – garantir que o juízo seja imparcial, que não está previamente comprometido com nenhuma das partes. Para tanto, o processo se vale de: Impedimento – fatores objetivos, tais como parentesco (cônjuge, filhos, irmãos, pais, etc.). Suspeição – fatores subjetivos, para os quais deve-se avaliar a situação caso a caso. Sentido material – alberga características que buscam uma decisão com base no equilíbrio ou harmonia entre o meio e fim: o A razoabilidade; o A proporcionalidade. LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 2.5. Petição de Direitos (1628) Documento elaborado pelo Parlamento inglês e destinado ao Rei Carlos I, em 1628, pedindo reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos. Em troca, o Rei obteria recursos financeiros que dependiam da autorização do Parlamento. A petição se afigurava uma crítica significativa ao reinado absolutista de Carlos I. Assim, ele é forçado a assinar o tratado de petição de direitos, destacando-se as seguintes cláusulas: Cláusulas 3 e 4 – Reforço da Magna Carta, relembrando a expressão “Law of the land” e “Due Process of law” Cláusula 10 – preocupação em limitar a atuação econômica do rei, ao impedir que houvesse um aumento de tributos sem uma prévia autorização do parlamento. DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 13 Dos pedidos: Ninguém é obrigado a contribuir com qualquer empréstimo ou imposto sem ato autorizativo do Parlamento; Não sofrer qualquer sanção administrativa ou de privação de liberdade relacionadas a esses impostos; Nenhum homem livre poderia ficar preso ou detido de forma arbitrária; Não ser obrigado a hospedar militares em casa; Proibição da lei marcial. No nosso ordenamento, em Direito Tributário, existe todo um conjunto de limitações ao poder de tributar. O art. 150, I é reflexo direto da Cláusula 10 da Petição de Direitos de 1628. Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; 2.6. Habeas Corpus Act (1679) Criação de uma garantia constitucional matriz de outras garantias. O “Tenhas o corpo de delito”, associado à cláusula 4, é muito associado ao direito de liberdade de locomoção, o direito de ir e vir (ambulatória). No Brasil, essa garantia advém da primeira constituição republicana (1891). Anote-se que o Código Criminal de 1832 também já fazia referência ao Habeas Corpus, mas Constitucionalmente falando, somente a partir de 1891, já que no Império, não há referência expressa. Ruy Barbosa – O Águia de Haia – é autor da doutrina brasileira do Habeas Corpus, que defendia o uso ampliado e extensivo do remédio para abranger e proteger muito mais direitos. Essa doutrina durou de 1891 até 1926. Em 1926, houve uma reforma constitucional para dizer expressamente que o habeas corpus prestava-se especificamente para proteger a liberdade de locomoção. Hoje, está disposto no art. 5º, LXVIII, mantendo duas espécies: Preventivo – requere-se antecipadamente um “salvo conduto” para evitar uma prisão supostamente ilegal. Repressivo – Requere-se, a posteriori, um “alvará de soltura” para prisão considerada ilegal. LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder; Principais características do habeas corpus Prescinde de constituição de advogado; Gratuita; Extremamente informal; Máxima prioridade de julgamento; Possibilidade de HC coletivo (habeas corpus das presas grávidas, de 20/02/2018) Curiosidade O fim da doutrina brasileira do “HC” em 1926 teve papel importante na construção do Mandado de Segurança. 14 Anotações de Helson Nunes da Silva 2.7. Bill of Rights (1689) 2.7.1. Contextualização histórica Decorre da Revolução Gloriosa de 1688, que resultou na abdicação de Jaime II em benefício da Monarquia Constitucional e marcou a ascensão do Parlamento inglês. Prof. Dirley resume com as seguintes características: Divisão dos poderes Instituição do júri Reafirmação de alguns direitos fundamentais (liberdade, vida, propriedade privada, petição e proibição de penas inusitadas ou cruéis). Liberdade de expressão no Parlamento Eleições livres no Parlamento 2.7.2. Principais cláusulas: Cláusula 5ª – corresponde ao art. 5º, XXXIV, “A”, e dispõe sobre o DIREITO DE PETIÇÃO. XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; Cláusula 9ª – corresponde ao art. 53, CF e cuida das IMUNIDADES PARLAMENTARES: o Material o Formal (contra prisão e processo) Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. Cláusula 10 – corresponde ao art. 5º, XLVII, CF proibindo as penas inusitadas ou cruéis, para prestigiar o PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS. Cláusula 13 – corresponde ao art. 2º, CF, estabelecendo que o parlamento deveria ser o fiscal da lei, coibindo os excesso dos demais poderes com os FREIOS E CONTRAPESOS (check and balances). Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Importante Institui a separação dos poderes Dica de Livro Espírito das Leis - Montesquieu Segundo tratado do governo civil - John Locke Política – Aristóteles Curiosidade A primeira Constituição brasileira que dispôs sobre a separação de poderes tripartida foi a de 1891. DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 15 2.8. A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia 2.8.1. Contextualização histórica No final do século XVIII, algumas declarações americanas e francesas ganharam notoriedade, integrando o conteúdo do constitucionalismo. Alguns autores também comentam sobre o constitucionalismoinglês. Relaciona-se ao Constitucionalismo e está entre as declarações do século XVIII. Constitucionalismo Limitação de atuação estatal Garantia de direitos fundamentais Preocupação com os direitos naturais e universais (jusnaturalismo) Art. 1º Todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros e que são: o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e de possuir a propriedade e de buscar e obter felicidade e segurança. Art. 5º, caput, CF Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: A Declaração do Bom Povo da Virgínia era a base da Confederação americana, que fracassou e deu condições do amadurecimento da Constituição de 1787. De lá para cá, a Constituição manteve o texto na íntegra, sendo modernizada pelos precedentes judiciais, principalmente pela interpretação da Suprema Corte – estare decisis. Dica de Livro “O Federalista” Em 1791, a Constituição foi adicionada com um pacote de 10 emendas, consideradas o Bill of Rights. 1ª emenda – Liberdade religiosa, liberdade de expressão, direito de reunião ou de manifestação, direito de petição. 9ª emenda – direitos exemplificativos Art. 5º, § 2º, CF Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 13ª emenda – Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua jurisdição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado. Dica de filme 13ª Emenda (Netflix) 2.9. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão A experiência constitucional francesa é um pouco diferente da americana. Há uma instabilidade política que faz com que haja muitas rupturas até que uma Constituição se estabelecesse. 16 Anotações de Helson Nunes da Silva Mas, com a Revolução Francesa (queda da Bastilha, de junho de 1789), surge a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, eternizando os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, com alcance de universalidade. Destacam-se dois artigos: Art.1 e Art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Art. 1º Os homens nascem e são livres e iguais em direito. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Art. 16 A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação de poderes não tem constituição. O art. 16 é o símbolo do Constitucionalismo, sendo reproduzido na Constituição de 1988, em seu art. 5º, com seus 78 artigos e 4 parágrafos que elencam direitos exemplificativos, e em seu art. 2º, que versa sobre a separação de poderes. Luiz Koshiba – História do Brasil Em 1978, durante a Conjuração Baiana, encontram um panfleto em uma igreja de Salvador. “Animai-vos povo Bahiense que está por chegar o tempo feliz de vossa liberdade. O tempo em que seremos todos irmãos, o tempo em que seremos todos iguais.” 2.10. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) A DUDH é considerada o principal feito no desenvolvimento da ideia contemporânea de direitos humanos, abrangendo um conjunto indissociável e interdependente de direitos individuais e coletivos, civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, sem os quais a dignidade da pessoa humana não se realizaria por completo (Cunha Junior, 2017). Com o término da 2ª Guerra Mundial, a ONU, em resposta às atrocidades cometidas durante a guerra, precisava de um documento mais importante que se tornasse símbolo universal para assegurar direitos fundamentais. A DUDH toma por base a valorização da dignidade da pessoa humana, fundamentada no pensamento filosófico de Kant. A sua ideia de direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. A evolução pode ser resumida assim: 1945 – A Organização das Nações Unidas – ONU, criada pela carta das Nações Unidas, não queria repetir o fracasso da Liga das Nações. 1948 – A DUDH foi criada três anos após à ONU e se tornava o símbolo da proteção de direitos fundamentais. A DUDH enfrentou vários desafios, pois existia uma tensão política, militar, social, criada com a Guerra Fria, de 1945 até a queda do muro de Berlim em 1989. 1949 – A Lei Fundamental de Bonn (1949), que viria a se tornar a Constituição da Alemanha unificada, foi a primeira a fazer referência à DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, em seu art. 1º. Art. 1º - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade. 1951 – O Tribunal Constitucional Alemão (1951), grande intérprete da Constituição alemã, se transformaria em um grande símbolo de proteção a direitos fundamentais, influenciando até hoje diversos tribunais, inclusive, o STF do Brasil. DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 17 1966 – Para tentar aumentar a efetividade da DUDH, foram criados dois pactos: o PIDCP – Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (E.U.A). o PIDESC – Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Rússia). Dica de filme Estrelas além do tempo. História de pesquisadoras negras da Nasa que foram vitais para a conquista espacial. 3. Características dos direitos fundamentais. 3.1. Historicidade Os direitos fundamentais são um PRODUTO DA HISTÓRIA, de modo que eles não surgem todos de uma vez, nem de uma vez por todas. Assim, a cada momento da história podemos ter uma configuração diferente de direitos fundamentais. Dica de livro Era dos direitos – Norberto Bobbio Exemplos: Propriedade – em determinado momento histórico, abrangia a propriedade de escravos. Hoje, a propriedade de escravos fere direitos fundamentais. Além desse exemplo, há o das mulheres, que até pouco tempo eram completamente submetidas ao “cabeça da família”, que era sempre um homem. Hoje se fala da necessidade de racionamento funcional da propriedade, que deixa de ser absoluta, relativizando em algumas situações. Animais – no Brasil, a categorização jurídica dos animais atualmente é coisa. Na França, são considerados seres sencientes. Há quem defenda a possibilidade de propositura de habeas corpus para animais. Internet – evolução impressionante desde sua popularização nos anos 90. Fala-se em internet das coisas e que ela seria um direito fundamental. Dica de livro A geração superficial – Nicholas Carr 3.2. Universalidade Característica muito associada à DUDH (1948), já que ela tem uma pretensão de aplicabilidade a todo e qualquer ser humano. Em que pese à pretensão, é de se observar o RELATIVISMO CULTURAL, já que muitos dos direitos considerados fundamentais por uma determinada nação se chocam com o que povos com traços culturais distintos entendem como direitos fundamentais. Exemplos: A vaca na Índia – lá, a vaca é um animal sagrado, enquanto que no Ocidente faz parte da dieta corrente da população. Extirpação clitoriana – Na África é uma prática considerada cultural, enquanto que no ocidente uma grave violação dos direitos das mulheres. Infanticídio indígena – choque entre a cultura indígena e a cultura ocidental acerca da matança de crianças indígenas no nascimento. 18 Anotações de Helson Nunes da Silva Dica de livro Uma concepção multicultural dos direitos humanos – Boaventura3.3. Inalienabilidade Impossibilidade de se transferir os direitos fundamentais a terceiros. 3.4. Irrenunciabilidade Direitos que não podem ser renunciados. Atenção Alguns autores criticam esses dois caracteres, pois se afigurariam, em verdade, em restrição da autonomia de vontade das pessoas. 3.5. Imprescritibilidade O Estado deve ter prazo para atuar contra os cidadãos, pois senão a vida seria uma ameaça permanente, pela presença da espada de Dâmocles na mão do Estado. Já, para os direitos fundamentais, por exceção, nunca haveria perda de prazo pela ausência do exercício. Os direitos fundamentais iniciam antes do nascimento (nascituro) até o pós-morte. Curiosidade Prescrição x Espada de Dâmocles No Reino de Siracusa, Dâmocles – um súdito invejoso – gostaria de tomar o posto do rei Dionísio. Então Dionísio convida o súdito para assumir o posto do rei por uma noite. Nesse momento, ele percebe que existe uma espada afiada apontada para sua cabeça, e a história acaba aí. O poder real era o tempo todo ameaçado por uma espada. 3.6. Eficácia irradiante Muita citada como uma das mais importantes características dos direitos fundamentais, a eficácia irradiante reside em se localizar os direitos na Constituição, tendo-se em mente que qualquer interpretação feita no ordenamento, por qualquer ramo, deve observar o rol de direitos constantes no Título II, dos art. 5º ao art. 17. Significa que o conteúdo dos direitos fundamentais se espraia por TODA a ordem jurídica brasileira. A interpretação é combinada com o art. 1º, III (Dignidade da pessoa humana), que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Atenção § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal (1951) projetou uma jurisprudência em que subdivide a eficácia irradiante em duas acepções: Subjetivo – direitos vislumbrados como garantias de posições jurídicas individuais, a exemplo da liberdade de expressão. Objetivo – base do próprio ordenamento jurídico positivo, pautando as ações dos poderes Executivos, Legislativo e Judiciário com ordens de valores enriquecidas por direitos fundamentais. DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 19 3.7. Caráter relativo É possível afirmar que existem direitos fundamentais absolutos? Para quem responde “sim”, seguem novas perguntas: Vamos começar pelo direito à vida: E nas situações de legítima defesa, estado de necessidade, aborto de fetos anencéfalos (antecipação terapêutica do parto), aborto com risco de vida para mãe, aborto de gravidez decorrente de estrupo e guerra declarada? Além dessas situações, o que dizer do “direito à morte digna?” Seguimos com a liberdade de expressão: E nas situações de direito ao esquecimento? E nos casos de discurso de ódio (hate speech), como no caso Ellwanger? Assim, alguns autores entendem que todos os direitos fundamentais seriam relativos, pois todos eles estariam susceptíveis a ponderação. Mas, e nos casos da proibição da tortura? Haveria relativização? Não? E se um torturador confessar que colocou uma bomba em local público e, capturado, resiste a não informar o local? Preserva-se, nesse caso, o direito dele de não ser torturado ou busca-se salvar diversas vidas? A ponderação parece ser o mais razoável, mas qual seria o limite do limite? Qual o grau de legitimidade da restrição a um direito fundamental? Daí surge a noção de equilíbrio ou da proporcionalidade. É necessário identificar o equilíbrio entre meios e fins. 4. Proporcionalidade 4.1. Introdução A noção de equilíbrio entre meios e fins pressupõe identificar uma ferramenta, um filtro, um mecanismo, uma regra, um princípio ou postulado: termos associados à conceituação de proporcionalidade no direito brasileiro. Fundamento Não há uma referência específica na Constituição Federal tratando da proporcionalidade. Alguns autores valem-se dos seguintes princípios para fundamentá-lo: Estado Democrático de Direito Um país é considerado um Estado de Direito quando o Estado é limitado pela própria normatividade que ele edita. Já o Estado Democrático de Direito pressupõe maior participação popular na construção da normatividade que limita o Estado. Essas ideias convergem para o entendimento de que as leis devem ser equilibradas ou, ainda, proporcionais. Assim, o fundamento estaria no art. 1º, caput, CF. Devido processo legal, na perspectiva substancial (não apenas formal). A raiz estaria na Magna Carta de 1215. A ideia de respeito aos procedimentos alcançou nossa Constituição de 1988, tanto do sentido formal, quanto na perspectiva material. Na perspectiva material, deve-se observar a proporcionalidade na aplicação das sanções, ao medir a gravidade do ato. 20 Anotações de Helson Nunes da Silva 4.2. Fases do teste A jurisprudência alemã adotou o teste da proporcionalidade, composto por três elementos que devem ser aplicados na sequência exata. Somente se avança no teste, caso a resposta de cada elemento avaliado tenha sido positivo. Caso seja negativo, implica dizer que a lei não passou pelo teste, devendo ser considerada inconstitucional. Adequação ou idoneidade Necessidade ou exigibilidade Proporcionalidade stricto sensu Atenção A ordem pré-definida deve ser observada à risca. Assim, a análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito. Vale dizer, as três sub-regras se relacionam de forma subsidiária entre si. 4.2.1. Adequação A adequação sugere que o meio elegido para restringir um direito fundamental deve ser apto para alcançar ou, ao menos, fomentar o resultado pretendido. Dessa forma, uma medida somente pode ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização do objetivo pretendido (Silva, 2002). Teste de adequação (absoluto) O meio elegido para restringir um direito fundamental alcança a funcionalidade ou fomenta o esse alcance? 4.2.2. Necessidade O ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido (Silva, 2002). Teste de necessidade (comparativo) O meio que a lei escolheu para restringir direitos fundamentais é o menos gravoso ou menos prejudicial para alcançar as finalidades desejadas com a mesma intensidade? 4.2.3. Proporcionalidade em sentido estrito O exame da proporcionalidade em sentido estrito consiste em um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva (Silva, 2002). Teste de proporcionalidade em sentido estrito (subjetivo) Os sacrifícios justificam os benefícios? Neste ponto, o intérprete se vale da ponderação. Exemplos: Um idoso de 90 anos revela à família que quer se casar com uma mulher muito mais jovem (20 anos) em regime parcial de bens, mas o art. 1.641,CC proíbe. a. O art. 1.641, CC é adequado a alcançar o resultado. b. O art. 1.641, CC é necessário, pois não há outro meio que restrinja menos, mantendo a mesma funcionalidade. c. A proporcionalidade dependerá da avaliação de cada um. Medida provisória do racionamento de energia (ADC nº 9) DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS 21 a. É adequado, pois faz alcançar o resultado pretendido. b. É necessário, pois não haveria outros mecanismos menos gravosos à restrição de direitos fundamentais.c. É proporcional, considerando-se o sopesamento. d. Então, a medida é constitucional. Botijões de gás do Paraná a. É adequado, pois faz alcançar o resultado pretendido. b. Não é necessário, pois haveria outros mecanismos menos gravosos à restrição de direitos fundamentais. Assim, pela subsidiariedade, nem precisaria passar para a fase três. c. A medida é inconstitucional. Decreto sobre avisos sonoros no metrô a. É adequado, pois faz alcançar o resultado pretendido. b. É necessário? Polêmico c. É proporcional? Polêmico 4.3. Natureza jurídica Alguns autores defendem que a proporcionalidade é um princípio, dada sua importância. Outra corrente argumenta que é uma regra, com base na classificação dada pela teoria de Alexy, que considera que os sub-elementos só podem ser aplicados por subsunção, já que são aplicados de forma constante e sem variações (características das regras). Há quem fale, ainda, que é postulado, com referência a Roberto Ávila. Atenção No Brasil, está mais associado a PRINCÍPIOS. 4.4. Distinções para a razoabilidade Há autores que consideram que são sinônimos, mas alguns autores usam alguns critérios de distinção, por entender que proporcionalidade e razoabilidade expressam construções jurídicas diversas. Origem – A proporcionalidade teria origem germânica, enquanto a razoabilidade teria origem nos E.U.A. Ramo de direito – A proporcionalidade seria constitucional, enquanto a razoabilidade estaria associada ao direito administrativo norte-americano. Estrutura – A proporcionalidade é mais complexa por uma estrutura racionalmente definida (três elementos), aplicados em ordem pré-definida, que conferem à proporcionalidade a individualidade que a diferencia. Por seu turno, a razoabilidade exigiria apenas o sub-elemento “adequação” da proporcionalidade. 4.5. Conceito de proibição de excesso Virgílio Afonso entende que a identificação entre a proporcionalidade e a proibição de excesso deve ser abandonada, muito embora reconheça que ela funcione, predominantemente, como instrumento de controle contra excesso dos poderes estatais. Na sua ótica, há uma acepção oposta à utilização predominante, pois ela pode ser utilizada como instrumento contra a omissão ou ação insuficiente dos poderes estatais (aplicada de forma embrionária, ainda). 22 Anotações de Helson Nunes da Silva 4.6. Aplicação pelo STF Virgílio faz uma crítica ao Supremo Tribunal Federal, na medida em que considera que ele se limita a equiparar proporcionalidade à razoabilidade, atendo-se à fórmula de que é proporcional aquilo que não extrapola os limites da razoabilidade. Segundo ele, a invocação da proporcionalidade é, não raro, um mero recurso a um topos, com caráter meramente retórico, e não sistemático. Tanto é que, nas decisões não é feita nenhuma referência a algum processo racional, estruturado de controle de proporcionalidade do ato questionado, nem mesmo um real cotejo entre os fins almejados e os meios utilizados. O raciocínio aplicado costuma ser muito mais simplista e mecânico. Referências bibliográficas Cunha Junior, D. d. (2017). Curso de Direito Constitucional (11ª edição ed.). Salvador: juspodivm. Silva, V. A. (2002). O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, 23-50.
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