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Fernando Carneiro de Campos 2 Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 3 Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil. Fernando Carneiro de Campos. Fernando Carneiro de Campos 4 Ficha Catalográfica. _________________________________________ Campos, Fernando Carneiro de Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil. São Paulo - Agbook/Clube de Autores, 2012. 356 Pgs. 1. Música brasileira. 2. Biografia de músicos. I. Título. CDD 780.92 _________________________________________ Foto da capa: Top Sounds: "Chetto", Pedro Ulhoa e Silvio Camba Jr. Gentilmente cedida por Marcos Ficarelli. Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 5 Índice 01 - Agradecimentos 7 02 - Apresentação 9 03 - Movimento Hits Brasil 13 Parte 1: Sucesso nos clubes 04 - As Domingueiras: Ponto de encontro da juventude 21 05 - Top Sounds: Os Reis da Rua Augusta 29 06 - Loupha: Uma lenda do rock 35 07 - Tuca e Norival: Dois pioneiros da pesada 45 08 - Wattt 69: Um sucesso duradouro 53 09 - Código 90: Era psicodélica e Kompha: Os Reis dos clubes 61 10 - Sunday: Os reis das baladas românticas 69 11 - Memphis: A toca dos feras 83 12 - Lee Jackson: O sucesso que quebrou fronteiras 97 13 - The Buttons: O conjunto do Professor Pardal 107 14 - Blow Up: Sucesso da Baixada Santista 115 15 - Pholhas: O sucesso da Zona Leste 123 16 - Plataforma 7 e Pap’s: O sucesso custa caro 131 Álbum de Fotos 139 Fernando Carneiro de Campos 6 Parte 2: Sucesso na mídia 17 - Toninho Paladino e Cayon Gadia 169 18 - Cesare Benvenuti: Se non è vero è ben trovato 175 19 - Steve MacLean: Mais do que um cantor romântico 183 20 - Terry winter: O desbravador 193 21 - Dave Maclean: Uma voz suave 201 22 - Paul Bryan: Lindas descrições do que não pode ver 207 23 - Ligh Reflections: Uma carreira meteórica 213 24 - Os Carbonos: Os “Reis do Cover” 221 25 - Feelings: Sucesso Mundial 227 26 - Pete Dunaway: Apadrinhando talentos 235 27 - Malcolm Forest: Last but not least 243 28 - Patrick Dimon: Um estrangeiro de verdade 251 29 - Harmony Cats: Gatinhas afinadas conquistam o público 259 30 - A vida que segue: Fontana Rosa, Victoria Pub e outras casas noturnas 269 31 - Bibliografia 277 32 - Entrevistas 281 33- Discografia 283 34 - Músicas citadas 345 Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 7 Agradeço aos meus pais e a minha família, meus amigos, a todos os artistas que gentilmente me concederam as emocionantes entrevistas a respeito de suas carreiras, e não posso me esquecer de muitas pessoas que sabiam a respeito desse assunto, e me repassaram o que sabiam. Como são muitos, prefiro dar um agradecimento geral a esquecer de citar algum nome. Finalmente, aos fãs da obra. Sem a ajuda de vocês, nada disso teria sido possível. Fernando Carneiro de Campos 8 Contato com o autor: astronut@ibest.com.br Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 9 Apresentação. Muitas pessoas me perguntam onde realmente eu tentei chegar. Pois bem, vou ser sincero. Este foi um projeto que veio do coração. Deparei-me com o assunto anos atrás em um programa "Vídeo Show", a respeito de artistas que cantavam em inglês, com pseudônimos estrangeiros. Apaixonei-me pelo tema na mesma hora. Alguns anos depois, cursando a Faculdade de História da USP, me deparei de novo com o tema, em uma serie de reportagens da revista "Veja". Uma velha paixão que voltou. Ao folhear essas antigas edições da "Veja", pensei comigo mesmo que daria um belo livro. O tema é cativante. Logo após minha formatura, apresentei o tema para a pós. Por recomendação de colegas, escolhi um professor que atua na área de musica, em história da cultura. Meu tema não foi aceito. Para tentar novamente, decidi sondar muito bem o terreno onde iria pôr os pés. Fui um bocado inocente da primeira vez. Mas levar adiante este projeto não foi fácil. E me foi cobrado tentar de novo a pós. Me perguntaram qual tema gostaria de desenvolver, e falei da minha velha paixão. Mas desta vez também não deu certo. Ao comentar com amigos com idade acima dos trinta anos sobre meu trabalho, eles ficaram muito emocionados com as recordações que essas musicas lhes traziam, e contataram que na época, ficavam pasmos ao descobrirem que os cantores das músicas internacionais de que tanto gostavam, eram na verdade brasileiros. Pelo jeito era difícil de acreditar. Lembro-me dos bailinhos que meus vizinhos faziam ao som dessas canções. Dá saudade duma época em que as pessoas eram Fernando Carneiro de Campos 10 mais românticas. Uma época que não pude desfrutar direito, por ainda ser criança Quando cresci um pouco para poder curtir esses bailinhos, esta época havia acabado. Sinto-me roubado pela vida ainda hoje. Ao fazer este trabalho, pretendo resgatar alguma coisa que é cara ao meu coração. São as lembranças felizes de um fim de infância, inicio de adolescência, ao som dessas musicas. É curioso pensar que, eu detestava as músicas brasileiras que tocavam no rádio. Mas, das músicas internacionais que eu tanto gostava, uma parte delas era na verdade de músicas ... brasileiras! Sinto que encontrei um tema forte, bonito, e muito maior do que imaginei a principio. Sinto que encontrei uma mina de ouro! Por outro lado, aquele desejo de fazer uma pesquisa pelo mais puro deleite se toma impossível. Assumi um compromisso muito sério com cada um dos artistas que entrevistei. Eu sou o primeiro a me interessar editorialmente pelo assunto. A dificuldade ao se lidar com um assunto inédito é muito grande. Pouca coisa se encontra em livros. É um trabalho comparável ao dos velhos mineiros do Colorado, que na virada do Século XX escavaram montanhas de rocha duríssima com o uso de simples picaretas. Entrevistei os principais artistas desse movimento, além de produtores e outros envolvidos. Dividi o livro em duas partes. A primeira delas, entre 1962 e 1976, conta a história das domingueiras, onde esses jovens artistas apresentavam shows de covers que nada deviam aos grupos musicais ingleses e americanos. A segunda parte começa por volta de 1970, quando as canções em inglês compostas por esses artistas começam a fazer sucesso no rádio e televisão, até aproximadamente 1981 quando as últimas gravações desse movimento foram veiculadas, dando lugar ao recém-nascido Rock Brasileiro. Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 11 Trabalhei com afinco ao longo de mais de três anos e meio. Foi gostoso pesquisar sobre esse assunto. Toda a história foi montada a partir de depoimentos dos participantes. É evidente que memórias afetivas nem sempre são exatamente como o fato realmente aconteceu. Das diversas versões que me contavam sobre os casos ocorridos, peguei o que pareceu mais plausível. Se alguma coisa escapou, è per Che se non è vero è Ben trovato. Esforcei-me para contar a história usando uma linguagem leve e acessível, como se fosse para uma revista de variedades. Infelizmente, tive que cortar muita informação interessante porque o textoficaria truncado. Usei as palavras mais simples, ao alcance de todos. Afinal, para que usar palavras difíceis? Para provar o que? Ao leitor, espero que goste do resultado: Uma singela homenagem a todos os artistas que participaram desse movimento. Depois de encerrar os trabalhos desse volume, descobri outros grupos e cantores que pretendo incluir em outro volume. Parece que tudo isso é só o começo. Finalmente, agradeço a todos os artistas desse movimento pelos bons momentos que suas músicas me proporcionaram. Fernando Carneiro de Campos São Paulo, Junho de 2012. Fernando Carneiro de Campos 12 Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 13 Movimento Hits Brasil. Podemos definir como movimento algo que tenha princípios e objetivos em comum. Assim, um movimento começa espontânea e discretamente, se desenvolve sem que ninguém se dê conta, e de repente a coisa vira uma bola de neve, e já faz parte duma história. No início dos anos 60, São Paulo é uma cidade bem diferente, com uma qualidade de vida melhor por ser muito menor, não tão cheia de gente e menos violenta. São Paulo é uma cidade muito musical, tomada por uma febre de conjuntos de garagem que adoram tocar música anglo-americana. Vale o aviso de que conjunto é a palavra usada na época, e banda é aquilo que toca no coreto da praça ou na fanfarra do colégio. Pouco antes da onda dos Beatles houve uma onda de conjuntos de rock instrumental. Um número enorme de conjuntos, formados básicamente de guitarra solo, guitarra base, baixo e bateria, imitando seus ídolos The Ventures (US) e The Shadows (UK), os dois com fãs fervorosos. Ambos trazem uma tecnologia avançada, cativando as crianças e os jovens: as guitarras elétricas sólidas, com alavanca, reverberação e câmara de eco. Quem toca algo que soe parecido faz a festa. No começo dessa onda, os brasileiros com nomes em inglês Jet Blacks, Bells, Fenders e Jordans fazem sucesso misturando-se com os ídolos internacionais. A onda se reforça quando vem a British invasion. A febre é todo mundo cantar, tocar, fazer "corinho" e ter o seu próprio conjunto de garagem. Num um raio de 10 a 15 quarteirões temos uns 15 ou 20 conjuntos tocando Beatles. Todo mundo participa de alguma forma, cantando, tocando ou apoiando o seu conjunto preferido. Fernando Carneiro de Campos 14 Acontecem grandes concursos de conjuntos no Salão da Criança, e a turma mal pode esperar por eles. As primeiras edições do Salão da Criança foram no Parque Ibirapuera. Onde é a Praça da Paz, havia um grande pavilhão em formato de hangar – posteriormente demolido - onde se reuniam centenas de conjuntos por todo o mês de Outubro. Na década de 70 o Salão da Criança é transferido para o Parque Anhembi. No período de maior repressão política, a música brasileira sofre um êxodo de artistas perseguidos pelo regime militar. Isso cria um vácuo no mercado musical, que é preenchido quando as gravadoras descobrem um filão comercial muito interessante. Jovens artistas vem compondo rock em inglês, e estão interessados em gravar suas músicas. Alguns empresários da indústria fonográfica sonham em ocupar espaços no exterior com essas músicas, e dentre os poucos que de fato conseguem se lançar no mercado internacional.estão Terry Winter, Dave Maclean, Morris Albert, Malcolm Forest e Patrick Dimon. Esses empresários só não são os pioneiros porque isso já acontecia desde o final dos anos 50. O conjunto The Playings formado pelas garotas Eloá, Lurdinha e Nadir, que fazem coro para várias gravações é um dos pioneiros, gravando um LP que faz enorme sucesso, com Love Me Forever, Banana Split e Lollipop (RGE- 1957), mas ninguém se atreve a revelar que é um grupo brasileiro idealizado pelo produtor musical José Scatena. Outra de suas idéias de sucesso, Prini Lores, é lançado como imitação de Trini Lopez, cantando La Bamba, America e lf I Had A Hammer. Prini Lorez é na verdade José Gagliardi Jr., que havia sido conhecido antes como Galli Jr. Outras figuras inusitadas que gravam em inglês são Sérgio Reis gravando como Johnny Johnson, e os humoristas Paulo Silvino como Dixon Savanah e Moacyr Franco como Billy Fontana e os Rockmakers. Seguindo a onda, o Sr. Emílio Vitale, dono da Copacabana, cria Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 15 o selo Cash Box para lançar os grupos Hits Brasil, disfarçando sua verdadeira nacionalidade, e o Sr. Enrique Lebendiger, dono da RGE Fermata, cria o selo Young com o mesmo objetivo. O movimento Hits Brasil nasce na capital paulista. São Paulo é a sede econômica do país, que atrai pessoas de todas as partes, sempre com uma visão cosmopolita do mundo, e é fácil encontrar músicos interessados em gravar músicas em inglês. Por outro lado São Paulo nunca perdeu a raiz da cultura paulista, na qual temos, a partir do final do século XIX um canto nostálgico, arrastado e melancólico, influenciado pelos imigrantes italianos. Os Hits Brasil misturam a influência lírica italiana com a balada americana. Fica uma música diferente, carimbada como Made In USA, porém mais romântica, com características brasileiras, como a emotividade e um romantismo que não chega a ser piegas, e que agradam por serem mais românticas e mais melosas. Um romântico mais leve, ligado à palavra saudade, muito própria do Brasil. Quando isso parece vir de fora, embrulhada numa embalagem de produto internacional e o carimbo de qualidade Made in USA, que vem enaltecendo esse valor cultural próprio da alma brasileira, isso cala fundo na alma. Enquanto tudo isso parece vir de fora, com os ingredientes apreciados pelo brasileiro, tais como nostalgia, emoção, amor e beleza melódica, o cantábile das árias italianas, infiltrado na música e na mentalidade brasileira, somado a um nome estrangeiro, une o útil ao agradável. O povo pensa que são mesmo músicas estrangeiras. Na hora em que entra o Made in Brazil, e se descobre que trata-se na verdade de música brasileira, quebra-se a magia, sente-se a dor de uma perda e tudo isso se desvaloriza. Desde o início os cantores que cantam em inglês são obrigados a fazer isso em surdina para que o público não saiba que são brasileiros, pois o preconceito em relação a eles é enorme. Cada vez que se descobre que um desses cantores é brasileiro começa imediatamente a desvalorizá-lo, passando a notar Fernando Carneiro de Campos 16 umas coisinhas estranhas numa gravação que antes parecia perfeita. O Estúdio Reunidos é o local onde gravaram a maior parte dos Hits Brasil. Trata-se de um estúdio de ponta, o melhor e o mais importante estúdio do Brasil, onde todos os grandes músicos fizeram gravações que se tornaram clássicos. Esse é o estúdio que mais gerou grandes sucessos. Situado no edifício da Fundação Cásper Libero, na Avenida Paulista 900, 4° andar. Como o prédio da fundação Cásper Líbero é o famoso edifício Gazeta, o Estúdio Reunidos também é conhecido como Estúdio Gazeta. Ali temos três salas de gravação, duas grandes, e outra um pouco menor. Um dos estúdios é de 16 canais, um de 8 canais, e o outro de 4 canais. Há quem diga que os melhores estúdios do Brasil são tão bons quanto os estúdios do exterior. No caso do Reunidos, isso pode ser verdade. Temos lá um gravador Studer, dotado de um mecanismo fabuloso, de qualidade impar, raridade mesmo na Europa e nos Estados Unidos. A mesa de mixagem tem todos os canais com circuitos de válvula completíssimos. Cada canal é um máster-pre da Fischer, com todas conexões elétricas. Então não tinha by-pass eletrônico. Assim, depende muito do músico, das condições do estúdio, e do capricho pela obra. Marcos “Vermelho” Ficarelli diz ter mostrado no exterior algumas gravações que havia produzido. O pessoal da Vogue,a melhor gravadora da França, se impressiona com a qualidade da gravação feita no Brasil. Em visita aos melhores estúdios de Nova York, ele constata que seus equipamentos não são melhores que os nossos. A única coisa é que eles capricham ao máximo. Como o americano dispõe de grandes orçamentos, investe mais em mão de obra. Prova, Vice & Versa, Sonima eram outros estúdios que fazem gravações em inglês. José Scatena fez o estúdio Prova após vender seu grande estúdio situado na Rua Dona Veridiana, pertinho da Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 17 Santa Casa, vendido alternadamente à Philips e a RCA. Renaldo Maziero, Milton Rodrigues, Ariovaldo “Índio” dos Santos, José Martins, Eli Bontempo e Luiz Roberto eram os técnicos mais solicitados. Todos passaram pelo Reunidos. Os Hits Brasil são criados por gente que conhece bem o mercado de música jovem, e trabalha bem essa idéia, inclusive lançando as músicas em trilhas de novelas. A novela existe em todo o mundo, mas igual à brasileira não existe em nenhum outro lugar. As novelas mexicanas têm só uma música de abertura e encerramento. Já a novela brasileira tem uma trilha sonora digna de um filme de Hollywood, com duas dúzias de temas colocados de forma fluente. Essa rica trilha sonora melhora a qualidade da novela, e ajuda a promoção dessas músicas, num casamento perfeito. Temos no mundo inteiro exemplos de conjuntos e cantores que gravaram em inglês, sem sofrerem preconceitos em seus paises de origem. O belga Wallace Collection fez sucesso num inglês capenga com Daydream. O holandês Shocking Blue com Venus. A Suécia reverencia o Abba. Da Espanha temos Los Bravos, com Black Is Black, e Tony Ronald com Help, Get Me Some Help. Finalmente, temos a sul-africana Mirian Makeba, que canta Pata Pata, parte em inglês, parte numa língua africana. Os garotos que amavam os Beatles e os Rolling Stones canalizaram a influencia da música americana para seu trabalho. Influenciados por artistas ingleses de rock romântico e pelos Bee Gees, esses artistas gravam em inglês por puro prazer, e sem querer a coisa vai surgindo. Quem procurar uma motivação não musical vai perder seu tempo. Algumas pessoas reclamam indignadas por esses artistas cantarem em inglês. Mas não se trata de nenhuma mentira, pois são músicas compostas pelos próprios integrantes dos conjuntos Fernando Carneiro de Campos 18 que dominam o idioma, e é algo que eles realmente sentem e gostam de fazer. O interessante é que quando o movimento toma corpo, surgem muitos cantores que não falam inglês. Esse pessoal pega a letra e leva para o estúdio alguém que fale inglês, e vão ensaiando palavra por palavra. Quando isso vira moda, todas as gravadoras vão lançando o mesmo tipo de coisa, e de repente toda gravadora tem dois ou três desses cantores. Assim, o movimento Hits Brasil vai declinado, e termina de vez ao surgimento da onda Discotheque. Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 19 Parte 1: Sucesso nos clubes. Fernando Carneiro de Campos 20 Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 21 As domingueiras: Ponto de encontro da juventude. Nessa época não há grandes opções de lazer para os jovens, e em geral é raro sair nos sábados à noite. Só se sai mesmo quando tem bailinho na casa de um amigo. Nessas festinhas sempre tem alguém bancando o Disc Jockey, que vai tocando uma pilha de compactos simples, e a turma dança iluminada por luz estroboscópica e luz negra. Essa é uma época ingênua, e o lado bom disso é que não rolam drogas. Acredite se quiser, mas o pior que pode acontecer é alguém tomar um porre de Cuba-libre e sair carregado pelos amigos depois de ter esvaziado as entranhas no vaso sanitário. A encrenca com os pais ao chegar em casa é terrível. Ai se for uma menina que tome um porre. Dentre as poucas opções de lazer para os jovens temos o Rick’s Store, do empresário Ricardo Amaral, defronte ao Shopping Center Iguatemi, na Avenida Brigadeiro Faria Lima, com uma lanchonete da frente, e um centro de compras nos fundos. Nessa mesma avenida, defronte ao Esporte Clube Pinheiros temos a lanchonete Hot Place. Na esquina da Avenida 9 de Julho com a Rua São Gabriel temos a lanchonete Tuttys. Também existe a rede Chico Hambúrguer. A loja situada na esquina da Rua Bernardino de Campos com a Avenida Paulista é o ponto de encontro dos músicos que tocam no Círculo Militar. Temos também a loja da Avenida Dr. Arnaldo, e lojas nas regiões do Aeroporto e do Ibirapuera. O crescimento dos clubes produz a domingueira. Domingo é o dia em que a turma toda se encontra, e mesmo quem viaja quer voltar mais cedo para não perder o grande acontecimento da Fernando Carneiro de Campos 22 semana, e passar uma semana sem ter sabido das novidades musicais e das fofocas entre a turma. As domingueiras desempenham um papel relevante na vida dos jovens entre o fim dos anos 60 e o começo dos anos 70. São um ambiente gostoso, saudável e sem maldade, e não se quer nada mais do que ouvir música, dançar e paquerar. Brigas são muito raras. Nessa época de ingenuidade, os valores são bem diferentes, e a juventude tem uma face diferente. O sexo é algo longe da realidade, e quando muito, alguém consegue dar um beijo na menina, saindo da festa como um herói, pela façanha de dar um malho na mina. Malho é mais ou menos o que depois é chamado de ficar. As garotas têm uma expressão suave e um olhar sonhador. Apesar de muito sensuais, por conta dos vestidos curtinhos com cinturas bem marcadas ou minissaias, acompanhadas de botas de cano alto, a maioria absoluta das garotas é virgem, porque casar virgem é um valor muito forte nas famílias. As garotas adoram dar um malho, mas não passa disto. O lado divertido é que todas se mostram verdadeiras anjinhas, todas certinhas perto dos familiares, mas na saída do baile vão com seus namorados para lugares afastados para malhar no escurinho. Sabe com é, o fruto proibido é sempre mais gostoso. A onda começa em agosto de 1965, quando instalam um aparelho de televisão no mezanino do salão principal do Esporte Clube Pinheiros para a garotada assistir o programa Jovem Guarda nas tardes de domingo. O primeiro conjunto que surge sob influência da Jovem Guarda é o Rubber Souls, com Renato Motta na guitarra solo, Ricardo Contins na guitarra base e vocal, Carlos Guida no baixo, Jorge Roberto Pagura na bateria e vocal e Arquimedes no pandeiro e vocal. Logo depois vão surgindo outros conjuntos para dividir o espaço. O Loupha deixa todo mundo de queixo caído com o seu estilo peculiar e o Colt 45 também faz sucesso. Essas festas são chamadas de mingaus dançantes, mas se tornam muito mais Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 23 do que isso. Não podemos nos esquecer dos Mustangs, que tocam nas domingueiras do Clube Paulistano. Grande sucesso no Esporte Clube Pinheiros, a moda se espalha por toda a grande São Paulo, e qualquer clube passa a promover suas domingueiras. Na zona leste, temos domingueiras nos clubes Juventus, Corinthians e Vila Formosa. Na região dos Jardins, no Esporte Clube Pinheiros, Paulistano e Hebraica. Também é citado o Clube Athlético Ypiranga, Paulistano, Harmonia, Vila Mariana, Ypê, Banespa, Transatlântico, Sociedade Esportiva Palmeiras, Espéria, Sírio- Libanês, Alto de Pinheiros, e Clube de Regatas Tietê. Nos clubes do litoral, como o Caiçara, Clube XV e Jardim do Atlântico, as domingueiras são frequentadas principalmente por paulistanos passando o feriado na praia. Os conjuntos das domingueiras tornam-se os ídolos da juventude. A maioria dosartistas de sucesso dos Hits Brasil começa a carreira por conta dos disc-jóqueis das rádios que assistem os shows para conhecerem as novidades, e às vezes lançam essas músicas nas versões cover gravadas por algum dos conjuntos. Para formar seu repertório, os conjuntos garimpam músicas que normalmente demorariam a chegar ao país. Por exemplo, não se encontram discos do Deep Purple ou do Led Zeppelin em qualquer loja. Para comprar uma raridade dessas, só se mandar importar. Todo bom conjunto tem amizade com pilotos ou comissários de bordo, que trazem os discos do exterior. O integrante do conjunto que tem dinheiro compra os discos para que a turma tire as músicas no ensaio. Por conta do sucesso dessas músicas nas rádios as gravadoras começam a atualizar os lançamentos. A onda Beat está no auge, e por conta da grande influência do rock britânico só se canta em inglês nas domingueiras. Cantar em inglês é o charme, e um conjunto que se atrevesse a cantar em português levaria uma vaia, pois isso seria cafona. Nesse universo musical, os conjuntos de destaque são os que tocam de modo fiel Fernando Carneiro de Campos 24 ao original, e cada um tem seu próprio estilo. Alguns conjuntos fazem sucesso com as músicas da parada, e as copiam o mais rápido que podem, enquanto outros conjuntos evitam tocar músicas muito em evidência, preferindo músicas exclusivas de seu repertório. Existe certa rivalidade, cada um tentando superar o outro, competindo entre si para ver quem tira as músicas mais legais. Todo mundo sabe qual grupo é especialista no repertório de tal conjunto estrangeiro. Nenhum grupo invade a área do outro, e se dois ou três conjuntos tocam no mesmo baile, e mais de um toca a mesma música, eles combinam quem vai toca-la. Os conjuntos mais destacados no auge das domingueiras são Sunday, Watt 69, Kompha, Memphis e Lee Jackson, mas existem muitos conjuntos também famosos, fazendo sucesso em clubes dos bairros. Os Pholhas e o Phobus são destaque na zona leste. Os Buttons e o Zappa são o destaque no ABC. O Blow Up é o sucesso da baixada santista. Os frequentadores também citam os conjuntos: Super Som T.A, Porão 99, Pap’s, Plataforma 7, Painel de Controle, Tarântula, Edinho Show e Appa Show, um conjunto formado por Nisseis. Com o fim dos mingaus dançantes do Esporte Clube Pinheiros, no segundo semestre de 1971, as domingueiras do Círculo Militar tornam-se o sonho dos conjuntos de garagem. O conjunto que consegue tocar no Círculo Militar está feito na vida. Equivale a um grupo americano fazer um show no Madison Square Garden. Freqüentadas por uma moçada bonita e de excelente nível, entre 16 aos 24 anos de idade, somente sócios do clube ou seus convidados. As primeiras domingueiras do Círculo Militar são numa salinha do fundo do clube no final de 1967, tocando músicas dos Beatles, Rolling Stones e Animals na vitrola. Esses bailinhos fazem sucesso, e os filhos dos sócios começam a convidar seus amigos. O negócio cresce, o baile vai para uma pequena parte do salão principal Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 25 limitada por tapumes, e no lugar da vitrola temos um conjunto que toca das 15 às 18 horas. O primeiro conjunto que se apresenta é o Amebha, formado por Cláudio “Italiano” Condé nos vocais, Luiz Carlos Maluly na guitarra, Eduardo “Dudu” Nogueira de Abreu na guitarra base, Milton Brando Filho no baixo e Eduardo Antonio “Dadão” Licco na bateria. Outros conjuntos de sucesso são o Código 90 e Os Maníacos. Mais tarde, temos o Watt 69, o Plataforma 7 e o Som Beat. Com o passar do tempo o tapume vai recuando até sumir. Em seu auge, mais de três mil jovens se reúnem a cada domingo no salão de festas, tonando-se a maior e mais famosa domingueira de São Paulo, que passa para o horário das sete até às onze da noite, ideal para a garotada conseguir acordar no dia seguinte para ir para a escola. Todo domingo temos dois conjuntos. Um deles no palco, e o outro numa plataforma do lado oposto do salão, apelidada de Palquinho. Cada conjunto monta sua aparelhagem em seu palco. O show começa com as portas ainda fechadas, e o pessoal do clube abre as portas ao som das primeiras notas da primeira música. É uma loucura com todas as meninas correndo para largar as bolsas em cima das mesas para dançar antes que a primeira música se acabe. É praxe os conjuntos tocarem uma seleção de meia dúzia de lentas, dar um intervalo, depois tocar seleções de rápidas para a turma se esbaldar e depois descansar. Nesses palcos vemos os melhores equipamentos usados no exterior ao longo dos anos 70. Os instrumentos importados são o que difere os conjuntos que tocam no circuito de clubes dos que morrem nas garagens. Só se frequenta esse circuito com equipamento de boa qualidade, e um instrumento importado é o passaporte para tentar entrar no mundo das domingueiras. Boa parte dos integrantes dos conjuntos pertence a famílias bem de vida. Sempre tem alguém um pouco mais abonado em cada grupo, mas nem todos são ricos como muitos pensam. São jovens de alta Fernando Carneiro de Campos 26 classe média, de alto poder aquisitivo, mas longe de serem milionários. Para quem não é tão abonado, o jeito é recorrer aos similares nacionais, mas a nossa indústria de instrumentos musicais é incipiente e a diferença de qualidade entre instrumentos nacionais e importados é enorme. Esses primeiros instrumentos nacionais são bem mais baratos, com uma guitarra da Giannini, Phelpa, Alex ou Snake custando um oitavo do preço de uma Fender ou Gibson. Em matéria de equipamentos de som, temos Giannini, CS Sound, Phelpa e Palmer, e as baterias das marcas Pinguim e Gope. O grande sucesso das domingueiras faz o Círculo Militar lançar um programa para um público um pouco mais velho: a boate Bubuca, começando às 11 horas da noite de sábado e indo até às 3 horas da madrugada do domingo. A Bubuca é bem menos lotada do que a domingueira, umas mil pessoas em média, contra a média de três mil pessoas das domingueiras. É proibido para menores de 18 anos. O cenário é bem interessante: em frente ao palco temos gaiolas ocupadas por dançarinas de palco tipo “Chacretes”, e no telão atrás passa o filme do show do domingo anterior. Na Bubuca também são dois conjuntos tocando no sábado, e lá se testam os novos conjuntos. Se aprovados pelo público, passam a tocar na domingueira. O Sr. Alfredo Santos, diretor social do Círculo Militar é o ídolo dos jovens artistas. Encarregado de contratar os conjuntos, define quem toca ou não por lá. Por trás de sua formalidade militar existe um ser humano fantástico. Um amigo adorado por todos os rapazes, que sempre resolve todos os problemas que surgem para eles. “Seu” Alfredo tem as suas excentricidades. Ele não deixa que eles levem suas namoradas, pois acha que os artistas não poderiam namorar e os obriga a deixarem suas namoradas em casa. Às vezes alguns deles desobedecem à ordem e levam a namorada escondida. O “Seu” Alfredo adora aparecer um pouco, e no final dos shows ele sobe ao palco, apita, pega um pandeiro ou um chocalho de Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 27 alguém, e todo empolgado toca a última música junto com o conjunto. Ao final da música ele anuncia que a noite está terminando, dá boa noite e agradece a todos. Situado perto do Parque Ibirapuera, o Círculo Militar fica em frente ao quartel do exército. Certa ocasião um motorista passa com uma Kombi cheia de crianças, e em meio à confusão não vê quando o soldado manda que ele pare. Como a perua segue em frente ignorando seu comando, sem hesitar o soldado dispara um tiro certeiro que mata o motorista instantaneamente. Talvez isso tenha ocorrido por conta do atentado a bomba que matou o Sargento Mário Kozel Filho, e eles estivessem em alertamaximo. O Brasil vive um período de repressão e a geração que vive os anos duros do regime militar é politicamente alienada, com poucos jovens politizados. Os jovens são proibidos por seus pais de se envolver com assuntos de conteúdo político, por ser muito perigoso e pode dar encrenca. Existem os politicamente engajados nas guerrilhas de esquerda, lutando na selva, ou metidos com movimentos urbanos, bem longe das domingueiras. Por outro lado existe tranquilidade para sair às ruas. Para quem começa a paquerar e a se apaixonar, ouvindo músicas que falam de romance e de amor, o mundo parece tranquilo e cheio de paz e amor. Poucos sabem que isso é obtido a custo de uma forte repressão. Só quem passa no vestibular e entra na faculdade descobre que não vive num regime democrático, e que é perigoso dar gritos de rebeldia. Mas chega o dia em que o Círculo Militar perde seu apelo, e a ultima domingueira acontece em setembro de 1974. Por volta de 1976 as domingueiras dos outros clubes também vão se acabando, e os últimos conjuntos vão se dissolvendo. O golpe final vem com a onda Discotheque, que acaba com a música ao vivo em São Paulo por alguns anos. Fernando Carneiro de Campos 28 Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 29 Top Sounds: Os Reis da Rua Augusta. Marcos “Vermelho” Ficarelli é um personagem importante na história dos Hits Brasil. Líder de alguns conjuntos importantes, cantor, compositor, e precursor de muitas coisas do rock paulistano, é um roqueiro que nunca se voltou para o lado comercial. Por ser uma fonte de inspiração entre os participarantes do movimento, é incluído nesse trabalho por sugestão de alguns de seus principais integrantes. A origem do seu apelido é por ele ser ruivo, não refletindo a sua posição política. No início ele é chamado de “Chetto”, e é um garoto com dons musicais que aprende a tocar violão no início da época da bossa- nova, e tem a sorte de conhecer seus grandes artistas. Aos doze anos de idade já sabe lidar com dissonâncias. Inventa de montar um conjunto, compra uma guitarra semi-acústica Giannini Les Paul, seu primo Antônio “Pandinha” Gianfratti compra uma bateria Caramuru, e eles convidam mais dois colegas do colégio Dante Alighieri para montar o conjunto os Delayers. Dois conjuntos de rock instrumental fazem sucesso: The Fenders e The Jet Blacks. Os integrantes do conjunto The Fenders fabricam suas próprias guitarras a partir de desenhos e fotografias da Fender, e tocam todo o repertório do conjunto The Ventures. Orlando “Landinho” Landi, o baixista dos Fenders dá umas aulas de música para os garotos, e logo o conjunto está tocando. A guitarra é algo tão inovador que atrai muita gente que quer ver como é uma delas e ouvir como é o seu som. Os garotos tocam músicas dos Ventures, e o sucesso vem com poucas apresentações. Aos treze anos de Fernando Carneiro de Campos 30 idade, “Chetto” e “Pandinha” já tocam nos hotéis de Poços de Caldas, Serra Negra e Campos do Jordão, mas o pai dos colegas não permite que eles os acompanhem. Quando surgem os Shadows, “Chetto” se apaixona pelo conjunto, tocando suas músicas feito um alucinado com sua guitarra que ele mesmo construiu. Em 1962 surgem conjuntos formados por garotos ricos, que podem se dar ao luxo de comprar guitarras, amplificadores e aparelhagens importadas. Um deles é o Silver Strings, que chama “Pandinha” para tocar com eles, e “Chetto” dá uma breve parada. No ano seguinte, o Silver Strings participa do show de Miguel Vaccaro Neto no Teatro Record, situado na Rua da Consolação, pouco acima do cemitério. Os Silver Strings são excelentes, e vencem o concurso com certa facilidade. Nasce um conjunto quase todo formado por alunos do colégio Dante Alighieri, todos eles ótimos músicos. O Top Sounds é o primeiro grande conjunto jovem de São Paulo, e torna-se um símbolo da juventude da Rua Augusta do começo dos anos 60. Nessa época “Chetto” faz um trio de Jazz com Carlo Lovatelli e “Pandinha”. Em uma festa eles tocam junto com o Les Copains. Logo depois dessa festa, o guitarrista Fred Mazuchelli sai do conjunto e Silvio Camba convida “Chetto” para entrar em seu lugar. Um pequeno parêntesis: mais tarde, Fred Mazuchelli foi várias vezes Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo. “Chetto” batiza o novo grupo de Top Sounds, que em sua primeira fase toca rock instrumental, com “Chetto” e Silvio Camba revezando-se na guitarra solo, Pedro Paulo Ulhôa no baixo, e Antônio “Totó” Labatte na bateria. “Chetto” tem quinze anos de idade ao gravar pela primeira vez. Na Galeria Califórnia, situada na Rua Barão de Itapetininga N° 255, no centro de São Paulo, fica o velho estúdio Magisom, com apenas uma mesa de gravação em mono, onde o Top Sounds grava o primeiro LP de rock instrumental feito por adolescentes, Twist Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 31 Hully Gully And Surf With Top Sounds (Albatroz-1963), produzido pelo maestro Natal. Em 1964, Silvio Camba e Pedro Ulhôa entram na faculdade, priorizam seus estudos, e são substituídos por Aldo Crotti e Mario “Meloso” Amaral. Durante uma apresentação no Esporte Clube Banespa descobrem na platéia um rapazinho de apenas treze anos de idade que canta muito bem, e sabe de cor todas as letras do Elvis Presley, Trini Lopez, Dion e outros conjuntos que estão surgindo. Assim Pedro Luiz Autran Ribeiro ingressa no conjunto, e se apresenta em público pela primeira vez cantando Twist And Shout (Beatles). Com a formação Pedrinho Autran nos vocais, “Chetto” na guitarra solo, Mario “Meloso” na guitarra base, Aldo Crotti no baixo e Antônio “Totó” Labatte na bateria. Estão nascendo os Beatles, Rolling Stones, Searchers e Beach Boys, e o Top Sounds é o primeiro conjunto que larga o rock instrumental, cantando músicas de Paul Anka, Ricky Nelson, Trini Lopez, Dion e por aí afora. O Top Sounds faz sucesso na Rua Augusta, nos Jardins e nos clubes mais importantes. A Rua Augusta é uma rua badalada aonde todo mundo vem passear, e que não fica devendo nada para a Swinging London. Ela é o ambiente dos grandes músicos da noite paulistana, e as grandes personalidades da época desfilam por lá. Juca Chaves anda a pé com o violão nas costas. Jô Soares e Otelo Zeloni fazem sucesso com A Família Trapo, programa humorístico da TV Record. Jô desfila para cima e para baixo montado em sua Harley Davidson, e Zeloni desfila a bordo de um lindo Alfa Romeo Giulietta Spider 1957. Outro frequentador é o playboy milionário Baby Pignatari, que viaja a bordo de um clássico Lockheed Electra II particular, dotado de avionics ainda melhores que os da frota da Varig. A Galeria Ouro Fino é a primeira grande galeria inaugurada na Rua Augusta. Miguel Vaccaro Neto monta sua loja de discos Pap’s Pops logo na entrada e cria um esquema para os Top Sounds tocarem Fernando Carneiro de Campos 32 à noite, fazendo um tipo de vaquinha entre lojistas. A loja de camisas do Gastão dá uma camisa para cada um, o restaurante dá um jantar pra cada um, o barbeiro Celso corta o cabelo de todos eles, e assim por diante. Os Top Sounds tocam frequentemente na galeria Ouro Fino, e adoram o tratamento recebido a cada vez que lá se apresentam. É só seus fãs saberem que os Top Sounds vão tocar à noite, e eles vem em peso para assistir suas apresentações ao ar livre. Apesar de que muita gente ignora que se paga cachê aos músicos, eles até ganham um dinheirinho. Mas muita gente se queixa: O que é que é isso? Eu não sabia que tinha que pagar para uns molequinhos de catorze anos. O Top Sounds toca na festa comemorativa dos 80 anos do jornal Diário Popular, fundado em 1884. Jerry Adriani chega para “Chetto”, pedindo se ele acompanharia um cantor inicianteque veio do Rio de Janeiro e assim eles acompanham o simpaticíssimo Erasmo Carlos na primeira vez que ele vem a São Paulo. Louis Lachèze, um rapaz franco-anglo-argentino, entra por acaso para cantar junto com Pedrinho. Os Top Sounds são contratados para tocar na festa de aniversário de uma colega do colégio Dante Alighieri. A dona da festa pede para tocar Mr. Tamborine Man (The Byrds), que acaba de sair. “Chetto” topa toca-la, mas o único que sabe a letra é Louis, que topa se arriscar. Na primeira tentativa, a atravessada é total e ficam de sorriso amarelo. Na segunda tentativa, entra todo mundo junto e afinado. O pessoal se anima e vai pedindo mais, e Louis canta uma música em italiano junto com Pedrinho. No dia seguinte vem o convite para ensaiar na casa do Mário. O Top Sounds toca Satisfaction (Rolling Stones) por várias vezes seguidas numa festa, apenas dois dias após o lançamento na Inglaterra (1966). No final da festa “Totó” anuncia sua saída do Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 33 conjunto para servir o Exército, na Polícia do Exército em Brasília. Meses depois ele morre em um desastre de automóvel em frente ao Esporte Clube Pinheiros durante uma visita a São Paulo. Totó foi um ídolo, e sua morte foi sentida por todos. É difícil substituir um ídolo, mas Sergio “Meloso”, irmão de Mário “Meloso” faz bonito na fase final do conjunto. O Top Sounds toca tanto em festas de ricos quanto em gigs nas férias de verão. Os rapazes sempre passam as férias no Radio Hotel, em Serra Negra, tocando todas as noites à beira da piscina. O Top Sounds tem dois cantores excelentes. Pedrinho, um dos melhores cantores românticos, canta Nico Fidenco como poucos. O conjunto é eclético, e toca qualquer coisa que se peça, desde marchinhas carnavalescas, samba, música romântica em português, até rock ou balada em inglês. Eles mandam ver a qualquer música que pedem. “Chetto” curte rock desde criança, quando saiu o primeiro disco do Elvis Presley no Brasil, com a música Tutti-Frutti. Seu pai tem um equipamento Hi-Fi da marca Fisher, com o primeiro gravador de fita, o Voice Of Music e gigantescas caixas Stentorian. Quando os amigos da família voltam da Europa trazendo discos importados, os trazem para que ele grave para ter em seu acervo. Os rapazes usam e abusam desse gravador para tirar letras. Todos eles prestam vestibulares. “Chetto” entra no curso de economia da Universidade Mackenzie, tornando-se colega de uns rapazes que estão a fim de formar um conjunto, e tem todas as condições para monta-lo. Após uma discussão entre o pessoal do Top Sounds, “Vermelho” sai do conjunto para formar o Loupha com eles. Tempos depois, o Top Sounds se dissolve, ainda em 1966. Fernando Carneiro de Campos 34 Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 35 Loupha: Uma lenda do rock. Os rapazes do Loupha chegam no horário em que sempre começa a arrumação dos palcos no Esporte Clube Pinheiros, mas têm uma surpresa desagradável, pois o pessoal do Colt 45 chegou mais cedo do que de costume e açambarcou todo o equipamento de palco. Juntaram os dois tablados de palco em um só e monopolizaram todo o resto do equipamento. Fica com um palco com tudo o que há de melhor, como gerador de fumaça, luz estroboscópica e luz negra, e não sobra nada para a apresentação do Loupha. Mas eles conseguem virar o jogo com sua criatividade. Alguns de seus amigos sabem onde guardaram a passarela de um recente desfile de moda, trazendo-a para o salão de festas. A passarela é mais alta e mais estreita que um palco comum, obrigando eles a se alinharem em fila indiana, com as caixas acústicas montadas embaixo dela. Prendem-se varas nas extremidades, passando os fios feito um varal e dependuraram roupas nos fios. O primeiro show foi do Colt 45, com o palco atulhado com o estado da arte em equipamento. Sem dúvida eles são bons músicos, e tudo foi feito para ser bonito, mas por conta do exagero seu show perde parte do impacto visual. Com o Loupha ocorre o oposto. “Vermelho” sabe fazer um palco legal e apresenta o varal deliberadamente feio. Fora o impacto criado com suas roupas xadrezas, suas guitarras Baldwin-Burns e o repertório mais pesado dentre todos os conjuntos. O resultado é fora de série. Os rapazes do Colt 45 admiram muito o Loupha, mas dessa vez eles ficam muito desgostosos. Fernando Carneiro de Campos 36 O Loupha é um grupo diferenciado, com um belo desempenho em palco, sendo um dos conjuntos mais famosos e produtivos. Marcos Ficarelli, conhecido como “Vermelho” tem uma presença forte, com pinta de roqueiro inglês. Sua criatividade torna o Loupha uma lenda do Rock. Quando todo mundo quer ter seu próprio conjunto, Carlos Eusébio Mattoso começa a aprender violão aos catorze anos de idade, e resolve montar um conjunto com o amigo Erminio Reis, vizinho do mesmo prédio em que mora, que também toca violão. Os dois juntam-se com Carlão, outro amigo do prédio, que com o tempo se desanima e acaba substituído por Victor Malzone, um garoto que toca um teclado Solovox. Os três procuram por alguém que esteja realmente a fim de fazer o conjunto, e convocam outro amigo. Esse amigo é Artur, que toca violão clássico, e que tem umas amigas inglesas que tem discos dos novos conjuntos ingleses. Os primeiros ensaios são na casa do Victor. O problema é que a cada ensaio que Artur vem, ele falta três, e logo é expulso pelo resto do grupo. Os remanescentes começam a compor algumas músicas, ainda sem técnica e sem graça. Victor e Erminio cursam o científico do colégio Mackenzie, e Mattoso estuda no curso de contabilidade, no outro lado do campus. Certo dia os dois chegam para Mattoso sugerindo convidar um colega que toca e canta para entrar no conjunto. Esse colega é “Vermelho”, recém-saído do Top Sounds após uma discussão entre os integrantes do conjunto. Os rapazes batizam o novo conjunto de Loupha, um grito de guerra criado pelo bloco de carnaval deles em Ilhabela. O grupo é bem estruturado, pois o pai do Victor manda construir um estúdio em cima da garagem, e providencia tudo o que é necessário: instrumentos, amplificadores e bateria, das marcas Giannini e Phelpa. O Loupha teve o melhor equipamento disponível enquanto durou o conjunto. Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 37 “Vermelho” tem muito a oferecer ao grupo, em termos musicais. Victor começa a ter aulas de contrabaixo, Erminio arranja um professor de bateria, e começam ensaiando as músicas que mais gostam. Logo de inicio dá para sentir que vai dar certo, com “Vermelho” solando guitarra, tocando teclados e cantando. Mattoso na guitarra base, Victor Malzone no contrabaixo e Erminio na bateria. A garra dos rapazes é incrível, e com três meses de ensaios puxados, estréia o Loupha, e o sucesso vem rápido, ao tocar em festas e quermesses de colégios famosos, como o Sacre-Coeur e o Assumpção. “Vermelho” havia feito um curso de harmonia no conservatório de Wilson Cúria, um grande professor de música e guru do Jazz, junto com dez dos mais importantes jovens músicos do momento. “Vermelho” é o único roqueiro, e todo o resto do pessoal toca Jazz ou Bossa-Nova. O jazz em voga é leve e sofisticado, como o Modern Jazz Quarter, ou Oscar Peterson, com piano suave, bateria e baixo. Temos um choque cultural porque Loupha, uma palavra que nada significa em português, é um tremendo palavrão em polonês. Digamos que a palavra em português rima com baralho. O pessoal do Consulado da Polônia, se ofende com o nome, vem tomar satisfações, e acaba convidando o conjunto para tocar num grande show de jazz patrocinado por eles.O Loupha nasce tocando rock dos Kinks, do The Who e dos Yardbirds, um rock pesado que ninguém conhece ainda. O rock mais pesado que se conhece até então por essas bandas é o rock dos Beatles. Os Yardbirds, não são tão refinados. e You Really Got Me (Kinks) é um som furioso. Esse repertório impressiona o pessoal do conservatório, que nunca tinha visto alguém tocar guitarra tão rápido e distorçido, bem mais animado que o Jazz. A garotada adora tudo isso e no fim do show todos cumprimentam os rapazes do Loupha. Assim eles garantem duas dúzias de shows pela frente. O pessoal de jazz sai de lá Fernando Carneiro de Campos 38 entusiasmado, contando a todo mundo sobre o som incrível que ouviram no Consulado da Polônia. O Loupha acerta para tocar no Mingau do Esporte Clube Pinheiros pela primeira vez e se torna presença obrigatória. Tocar no Esporte Clube Pinheiros é um bom um cartão de visita, e como todo mundo ali gostou do grupo, chovem convites para tocar em festas. O Loupha, torna-se sucesso entre a garotada. Ele chega a tocar no Clube Paulistano, mas não agrada muito por lá, onde reina o conjunto Os Mustangs. Nesse clube não se aceita um rock tão pesado, cantando e berrando daquele jeito. Nessas férias começa a tradição das temporadas em Ilhabela. Quando o Loupha chega, os jovens de Ilhabela se reúnem todas as noites em festas parecidas com as vistas nos filmes de praia de Frank Avalon e Anette Funicello, ou nos clipes dos Beach Boys. A TV Record anuncia em agosto de 1966 o maior festival de conjuntos e cantores jovens que já houve no Brasil, o Festival Nacional da Jovem Guarda. Erminio e Mattoso resolvem concorrer, mas “Vermelho” e Victor não querem saber, pois acham o concurso cafona e reclamam: Imagina que eu vou tocar lá na Record! Mas Mattoso os inscreve na marra logo no primeiro dia. Nenhum outro conjunto dentre os seus conhecidos havia se inscrito. O Loupha faz o teste para a primeira eliminatória, começa a tocar e os organizadores mandam parar. Notando que os rapazes tocam bem, eles perguntam se dá para acompanhar os cantores que vem fazer teste. Os rapazes topam na hora, e daí em diante, o sujeito pede alguma coisa e eles saem acompanhando. Corre o boato que o festival está genial, e de apenas cem inscritos, de repente já são cinco mil. Vem gente do Brasil inteiro, a coisa vira uma loucura e todos os conhecidos do conjunto se inscrevem para tocar. Dentre os participantes está Arnaldo Batista (Os Mutantes) ainda criança. Assim, o Loupha passa na primeira fase apresentando You Really Got Me. Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 39 Para fazer um show de rock, o negócio é chegar ao palco botando pra quebrar. Não se entra sério e comportado, pois assim não é rock. Mas tampouco se deve agredir demais a ponto de ser um trabalho sujo. Quando alguém sobe num palco, as pessoas devem notar que o sujeito se produziu só de olhar para ele. Ciente que parte do sucesso passa pelo apelo visual, o conjunto propõe criar um visual de impacto para aparecer na televisão, inventando algo que nem mesmo na Inglaterra ainda tem: a roupa adoidada. Lá todo mundo ainda se veste alinhado, com aqueles maravilhosos terninhos. Os rapazes tem uma assinatura da revista italiana Giovanni, a única revista do mundo dedicada ao público beat. Lá aparece em algumas paginas alguém com uma calça enfeitada. Vale lembrar que isso é só um ensaio da revista, mas não tem à venda em lugar nenhum, nem mesmo na Itália, a terra das roupas legais. Os rapazes adoram o que vêem e mandam fazer calças xadrezas de todas as cores, mas único tecido xadrez disponível no mercado se encontra na loja de lonas Moreno, fabricante de tecidos para cadeiras de praia, situada na Rua Augusta. Isso mesmo! As calças foram feitas de lona de praia! Não é o máximo? Para completar, Adriano faz sapatos da cor vinho com franjas caídas no Spinelli, camisas de gola bem alta. O Loupha fica famoso lançando esas roupas adoidadas no festival. Para aumentar as chances de vencer o concurso, investem em instrumentos de qualidade. Victor compra um contrabaixo Fender Jazz Bass. “Vermelho” dá aulas de guitarra para um rapaz americano, e troca um de seus amplificadores Giannini Tremendão por uma guitarra Fender Mustang azul-calcinha. O Loupha ganha a fase paulista, passa pela fase nacional, e ganha o festival com I Can't Let Go (Hollies). Em segundo lugar ficam os paulistanos The Beatcousins, e em terceiro o grupo gaúcho The Cleans. Dentre os três cantores e três conjuntos ganhadores do prêmio do Encontro Nacional da Jovem Guardam, o Loupha é o único conjunto Fernando Carneiro de Campos 40 que segue em frente, e nenhum dos cantores segue carreira. O Loupha ganha um contrato na Odeon e outro para participar de programas na televisão, gravando alguns programas com o Ronnie Von. Também inaugura os estúdios da TV Bandeirantes e outros três grandes estúdios. Os rapazes também fazem o comercial de um perfume. Infelizmente todos os registros são perdidos nos incêndios causados por atentados terroristas que incendeiam as instalações da TV Bandeirantes. O prêmio de dez milhões de Cruzeiros, equivalente a quatro mil Dólares (atualmente uns cinqüenta mil Dólares), dá para comprar o melhor equipamento disponível nos Estados Unidos. Victor, Erminio e Mattoso viajam para Nova York em janeiro de 1967. “Vermelho” não vai porque ficou de segunda época. Chegam no sábado, e no domingo já saem para comprar os instrumentos, encontrando quase tudo o que precisam em uma só loja. Compram equipamentos de segunda mão que foram do Loving Spoonful e dos Young Rascals, e guitarras Burns-Baldwin, chiques como um Rolls-Royce. Mattoso saindo sozinho uma manhã, e descobre um ginásio chamado Panther. Ele chega de manhã e só vai embora à noite, após se divertir a valer assistindo catorze horas seguidas de shows, dentre os quais do conjunto Sam the Sham & The Pharaos. Victor e Erminio se esbaldaram nos melhores restaurantes, mas ficam revoltados ao saberem o que perderam. Os rapazes voltam dos Estados Unidos com os melhores instrumentos que há. Mattoso traz o primeiro amplificador transistorizado a entrar no país. Nessas férias de verão o conjunto comemora seu sucesso em Ilhabela, dando novamente uma de Beach Boys. “Vermelho” começa a tocar órgão e guitarra ao mesmo tempo, sua marca registrada, fazendo uma bela dupla com Mattoso. Victor Malzone é um excelente baixista e o Hermínio é um baterista adorado por todos, por ser uma figurinha incrível. O Loupha toca em vários bares, como o Barra-Limpa, no bairro Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 41 de Pinheiros, perto do shopping Iguatemi. Começam a ter acesso fácil para tocar em tudo quanto é lugar que se possa imaginar: em clubes, quermesses, casas de família, escolas e por aí afora. Certa noite o conjunto ensaia no estúdio. Chega um senhor de táxi, pára o táxi na frente da casa do Victor, e vêm conversar com os rapazes. Ele quer contratar um monte de gente para tocar na festa de quinze anos de sua filha, e vem contratar o Loupha. Mattoso muito esperto se vira para os amigos cochichando: "Bom! Se ele mora lá na Cantareira, e veio de lá até aqui de táxi, e ainda ficou com o táxi esperando aqui para conversar com a gente, então ele tem dinheiro e podemos cobrar caro! Cobra aí 500 cruzeiros!" Foi melhor cachê de sua história, pois no Esporte clube Pinheiros eles ganham 130 cruzeiros por espetáculo. A garota fazendo quinze anos é a futura atriz Kate Hansen. Para essa festa haviam convidado o Sérgio Reis e a Silvinha, dentre outros artistas. Chega Sérgio Reis, perguntando qual é o conjunto que vai acompanha-lo. Mattoso responde que não sabe, não tem ninguém ali. Sergio sai aflito procurando os músicos. Daí a poucochega a Silvinha perguntando quem é o conjunto que vai acompanha-la. Todos eles respondem em coro: "Somos nós! Somos nós que vamos te acompanhar!". Numa festa no bairro do Morumbi um cantor se apresentando como o padrinho do conjunto é rechaçado por Mattoso: “É padrinho, mas você nunca fez nada por nós!” Quando se começa a ficar famoso todo mundo quer ser seu amigo. Mas eles haviam feito sucesso trabalhando duro. Sempre que trazem novas músicas o pessoal fica admirado. De onde que veio isso, e de quem que é? Além dos Hollies, Animals, Beach Boys, Dave Clark 5, e do rock pesado, o Loupha é o primeiro grupo a tocar Rock italiano. O que fica famoso nessa época é a música romântica italiana, mas o rock italiano também é legal. Fernando Carneiro de Campos 42 O Loupha tem uma imensa coleção de discos. O conjunto é querido pelo público, e quando surge um artista novo seus fãs mostram as novidades. Alguém mostra o disco de um cara novo que a tia trouxe da França, e de repente esse sujeito é o Jimmy Hendrix. Ainda por cima todos os conjuntos assistem seus shows para conhecem músicas ainda não lançadas. Os rapazes fazem amizade com Caetano Veloso, iniciando a carreira de cantor, que precisa de um conjunto de rock para tocar guitarra numa música a ser lançada no festival da Record. Ensaia Alegria, Alegria com a eles umas três vezes, mas não dá certo, e Caetano chama o conjunto Beat Boys, formado por argentinos, para acompanha-lo no festival, e no final da história, eles quase são linchados pelos estudantes esquerdistas no teatro Tuca, da Pontíficia Universidade Católica (PUC-SP). Gilberto Gil também visita o estúdio no início da carreira. Gil também precisa de um conjunto para tocar no festival, e é acompanhado pelos Mutantes. O Loupha é divertido, inovador, sempre interessado em participar da agitação da noite e bagunçar muito. Formado por quatro rapazes diferentes, vestidos fora do padrão vigente e tocando músicas diferentes. O Loupha faz história por sua Joie de vivre, fazendo ou não as coisas sem se preocupar com expectativas alheias. Eles têm todo um esquema de produção montado em termos de figurinos, comportamento, música, e disposição para fazer montes de doideiras sabendo que o público espera isso deles. A irreverência, sua marca registrada, por vezes deixa os outros chocados. Apesar de sua curta carreira, é importante notar que os três anos de vida do Loupha são intensos, cheios de histórias. Isso faz a diferença. Nem importa ganhar dinheiro ou não, mas o prazer de fazer o que acha legal. De qualquer forma, eles ganham bem com suas apresentações. Mas certa hora, isso tudo começa a ruir. Mattoso se cansa achando que as músicas que toca já são mera repetição. Com a Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 43 saída do Mattoso (1968) entra em seu lugar o guitarrista Luis Carlos Maluly, amigo de “Vermelho”. Entra também o vocalista Raymond Mattar, colega de “Vermelho” na Faculdade de Economia do Mackenzie. Ray tem uma voz linda e poderosa, e o Loupha segue com essa formação. “Vermelho” está desanimado, e o antigo pessoal do Top Sounds havia se juntado com outros amigos do colégio Dante Alighieri, e o convidam para tocar com eles em um show. Junta-se a velha turma formando o conjunto Código 90. Acontece a junção do Sounds Five com o Loupha e o nome deste ultimo prevalece. Assim temos: Ray Mattar nos vocais, Ivan Nuns Borges na guitarra solo, José Luiz “Zeca” Masseran Tadeo na guitarra base, Victor Malzone no baixo, e Alberto Nicolli na bateria, tocando um repertório magnífico. Esta formação dura até 1969, quando o conjunto se dissolve. O Loupha ressurge em 2001 com Marcos “Vermelho” Ficarelli no vocal principal, guitarra solo e teclados. Carlos Eusébio Matttoso na guitarra base, Sérgio “Tom” Vernarecchia no contrabaixo, Milton Levy Jorge (ex-Maníacos) na bateria, e Audrey Wolf nos backing vocais. Em 2004 “Tom” deixa o conjunto, e é substituído por Edgar Romanelli, um antigo colega do “Vermelho” no colégio Dante Alighieri. Mattoso parou de tocar quando saiu do Loupha original , mas guardou suas guitarras. Começou tocando com sua velha Gianinni SuperSonic, que ainda fuciona bem. Já a guitarra Baldwin VibraSlim é uma linda obra de arte, mas a falta de uso a deixou temperamental, e raramente é usada. “Vermelho” não tem mais sua Baldwin, mas jura que sua Fernder Stratocaster Custom preta, com braço Maple, foi comprada do Eric Clapton. O Loupha toca as velhas canções dos Hollies, Searchers, Beach Boys, Fernando Carneiro de Campos 44 Dave Clarck 5, Beatles, Rolling Stones e alguns rocks italianos que fazem parte de sua história, e ainda se dá ao luxo de tocar algumas músicas de Frank Sinatra e algumas canções da época da Jovem Guarda que jamais seriam admitidas em sua formação original. Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 45 Tuca e Norival: Dois pioneiros da pesada. Desde pequeno Norival Ricardo D’Angelo adora ouvir Elvis Presley e sonha tocar guitarra. Um colega de classe do Liceu Pasteur acha que ele, por ser um exímio batucador de livros, tem jeito para tocar bateria, e convida-o para ver o ensaio do conjunto de rock instrumental os Alamos, vizinhos da mesma rua em que mora Norival. Nesse sábado todo mundo está triste porque o baterista não consegue pegar as músicas. Ele já havia ido embora, mas a bateria continua montada. O colega de classe diz que Norival sabe tocar bateria. Norival jura que não sabe, mas seu amigo insiste que tente. O pessoal pede para Norival escolher uma música. Como ele não tem idéia do que tocar, os Alamos escolhem uma música qualquer, que Norival acompanha muito bem. Quando lhe perguntam há quanto tempo ele toca, ficam surpresos de ser mesmo a primeira vez que ele toca bateria. Não parece, mas não é fácil tocar bateria. É preciso ótima coordenação motora e senso de ritmo. Norival é convidado a tocar no festival de música do Liceu Pasteur, realizado nessa mesma quarta-feira no teatro João Caetano. Nesse festival também se apresenta Rita Lee e as Teenagers Singers. Depois desse festival Norival sente-se no limiar de um mundo novo. O garoto de 14 anos de idade, fanático torcedor do Santos F.C. , nos anos de ouro do Rei Pelé, começa a ter toda sua atenção voltada para a bateria. Norival compra uma bateria Gope, e sofre com o preconceito de seus pais: Mas como é que você pode fazer uma coisa dessas? Tocar rock'n'roll na bateria! Fernando Carneiro de Campos 46 Em setembro do ano seguinte (1965), o programa Jovem Guarda, Comandado por Roberto, Erasmo, e Wanderléa, começa com a corda toda. Os Álamos vão até o Teatro Record no dia da estréia para tentar tocar. Ficam plantados na porta, e o produtor lhes permite que entrem. Os Álamos fazem um teste, acompanhado por todo o elenco do programa. Os Álamos tornam-se amigos dos Beatniks, sempre presentes no programa. Marcio Morgado nos vocais, Cláudio Morgado na guitarra, Carlos “Bogô” Bogossian na guitarra base, Lídio Benvenuti, (Nenê dos Incríveis) no baixo, Régis nos teclados e Nino na bateria. Os Beatniks acabam gostando muito de Norival, e quando sai o Nino (1967), ele é convidado a se juntar ao grupo. Os Beatniks são o único conjunto da Jovem Guarda que canta em inglês, tocando sucessos dos Beatles e dos Rolling Stones. Eles são apresentados como o mais perfeito Liverpool Sound do Brasil, e é provável ter sido o primeiro conjunto a tocar Sactisfaction, She Loves You, e I Wanna Hold Your Hand num programa da TV brasileira. O programa Jovem Guarda sai do ar após três anos de sucesso, e os Beatniks tornam-se um dos pioneiros do Círculo Militar. Eles tocam músicas do Cream e de Jimmy Hendrix, um som pesado que o públicodas domingueiras não gosta muito. A iluminação de palco dos Beatniks é linda, diferente e inovadora, que Antonio Peticov faz com bolhas de óleo na água projetadas sobre a tela. Ao longo da carreira, os Beatniks gravam três compactos, com músicas como Gloria (The Doors), Fire (Jimi Hendrix) e Era Um Rapaz Que Como Eu Amava Os Beatles e Os Rolling Stones. Norival compra sua primeira bateria importada de um baterista brasileiro que havia morado muitos anos na Suécia. O preço é bom, e juntando suas economias com uma soma dada por seus pais, realiza o seu sonho de ter uma Rogers. Na primeira vez que a Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 47 monta no Círculo Militar, o pessoal olha admirado: ela é idêntica à bateria do Spencer Davis Group. Surge arrasando nas domingueiras um fantástico quarteto pauleira: o Som Beat. Eles são músicos da noite, que às vezes tocam em lugares barra-pesada. Aroldo e Fafá tiram um som incrível de suas guitarras Hoffner. José Aroldo Binda nos vocais e guitarra solo, Vicente “Fafá” Ferrer Juan na guitarra base, canta um pouco e também toca bongô. . José Carlos “Carlinhos” Pereira canta muito bem e toca um baixo Phelpa. O Som Beat toca muita coisa do The Who e do Donovan, e apesar de só terem equipamentos Giannini, impressionam pela raça. Lourenço Portela, o primeiro baterista do grupo, é substituído por Dartagnan Navajas, um showman que toca igualzinho ao Keith Moon (The Who). Quando faz sua estréia no Círculo Militar, Norival prova ser um substituto à altura, detonando a bateria e fazendo todas as quebradinhas de John Bohan (Led Zeppelin). Ao longo de sua carreira, o Som Beat grava um único compacto (RCA-1967) com My Generation (The Who) e Sou Tímido Assim, versão em português de Listen People (Herman's Hermits). Os integrantes do Som Beat são gente mais humilde, e sofrem nas guerras de bastidores. Mas são tão bons que o povo os adora, e não dá para excluí-los sem mais nem menos. O empresário do conjunto é o radialista Carlos Alberto “Sossego” Lopes, famoso por vender e fazer manutenção em equipamentos, e dar assessoria para todos os conjuntos. Como assiste todas as domingueiras, e term contato com gente de todos os conjuntos que tocam no Círculo Militar, ele sabe de tudo o que acontece nos bastidores. Certo dia, “Sossego” chega cedo e descobre que todos os falantes das caixas acústicas deles queimaram. Um dos rapazes do conjunto rival vem tirar satisfações, e é posto para correr. Boatos dizem que esse garoto pagou o pato, pois o sabotador o convenceu a tirar Fernando Carneiro de Campos 48 satisfação e ficou olhando de longe. “Sossego” volta para sua fábrica, enche o carro de alto-falantes, e troca o último falante minutos antes de começar o show. Nos Beatniks Norival conhece um brilhante guitarrista. Carlos Eduardo “Tuca” Aun começa a tocar ainda adolescente, quando funda Os Mooners (1964), com o pianista e amigo de infância Maurício Camargo Brito. Mais tarde o nome é traduzido para Lunáticos. A força de conjunto provém de uma novidade, o som de reverber. Os Jet Blacks e The Jordans usam reverber no estúdio, mas não ao vivo. Tuca descobre que o segredo é simples: basta passar o som por uma mola, e do outro lado fica uma cápsula de toca- discos. Ele compra uma mola de órgão Hammond do próprio fabricante, e manda um técnico adapta-la para sua guitarra. Muita gente se impressiona ao ouvir os Mooners tocando esse som ao vivo. Logo eles ficam famosos, sendo convidados a tocar como conjunto de fundo no programa Na Onda do Rock, apresentado por Atílio Riccó e pela adolescente Débora Duarte nas tardes de sexta- feira (TV Tupi-1965). Os Lunáticos acompanham Albert Pavão entre 1965 e 1966, com Tuca na guitarra solo, Maurício Camargo Brito na guitarra base e piano, Armindo “Mindão” Ferreira de Castro no baixo e Tony, depois Romualdo “Adias” Calcagnetia na bateria. O guitarrista inglês David Charles Odams e sua esposa americana Jocelyn Ann Odams vêm morar no Brasil, trazendo na bagagem uma guitarra Fender Stratocaster e um amplificador com câmara de eco de fita, idênticos aos dos Shadows, por sinal seus amigos. Tuca entra no conjunto Os Galaxies, montado pelo casal, e pelos brasileiros Alcindo Maciel e José Carlos de Aquino. Esse conjunto destaca-se em muitas festas de imprensa, e grava um Long Play. Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 49 Tuca ingressa nos Beatniks quando sai Carlos Bogossian. Entre os anos de 1967 e 1968, os Beatniks entram na fase psicodélica, de Rock pesado, tocando The Doors e Jimi Hendrix, fazendo sucesso no circuito underground paulistano. Dentre algumas festas famosas, Os Beatniks tocam na inauguração do Poster Shop do Toninho Peticov. Tuca começa a fazer cursinho em 1968, tentando ingressar na faculdade de medicina ou de odontologia. Ao final do cursinho, seu colega Jorge Pagura o chama para tocar com Os Baobás, um dos grupos mais importantes dos anos 60. Os Baobás é um conjunto de muito sucesso surgido em 1965, tocando em vários programas de televisão. Originalmente chamados de Rubber Souls, trocam de nome a pedido de Ronnie Von para se apresentarem no programa O Mundo do Pequeno Príncipe (TV Record), onde tocam por um bom tempo. Baobá é uma árvore africana, citada no livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, por sinal o livro favorito de todas as candidatas a Miss Brasil. A primeira formação é Renato Motta na guitarra solo, Ricardo Contins na guitarra base e vocal, Carlos Guida no baixo, Jorge Roberto Pagura na bateria e vocal e Arquimedes no pandeiro e vocal. Os Baobás tiveram seis formações diferentes ao longo de quatro anos de vida, e teve o guitarrista Carlos Bogossian e o baixista Arnolpho “Liminha” Lima (Mutantes) entre seus integrantes. Mais adiante, Liminha é substituído por Tico Terpins (Joelho de Porco). Os Baobás gravam vários discos pela Mocambo. O primeiro compacto sai com as músicas Bye Bye My Baby e Pintada de Preto (1966), versão em português de Paint It Black (Rolling Stones). O compacto seguinte, gravado no mesmo ano os torna famosos com o sucesso Happy Together (Turtles). Quando a gravadora descobre Fernando Carneiro de Campos 50 que sua música faz sucesso no rádio, lança o original e traz o sucesso para si. Então os Baobás seguem em frente, gravando outros compactos. Don't Bring Me Down e When Love Comes Knocking (At Your Door) (Monkees) (1967), Light My Fire (The Doors) e Tonight (1967), com “Googa” (Ex-Beatcousins) nos vocais e “Liminha” no contrabaixo. No último compacto temos The Dock Of The Bay (Otis Reding) e Spooky (1968) A gravação final é o LP Baobás (1968), com Ray Mattar nos vocais, Tuca na guitarra, Nescau no contrabaixo, Cláudio Callia nos teclados e Pagura na bateria, reúnindo as gravações de Light My Fire e The dock Of The Bay com gravações inéditas, como Nights In White Satin (Moody Blues) e Undecided Man (Paul Revere & The Raiders). Outro marco na carreira dos Baobás é ganhar o segundo lugar no 1° Festival Universitário da TV Tupi, apresentando a canção O Tigre. Marco Antonio “Nescau” Fernandes Cardoso é o protagonista da primeira propaganda de TV do achocolatado NESCAU, onde aparece acompanhado de uma menina de cada lado, batendo em uma latinha de NESCAU como se fosse um tambor, e cantando o jingle: Nescau tem gosto de festa, dá vontade de brincar. Como o comercial passa na TV muitas vezes por dia, mesmo quem não sabe o seu nome o identifica pela propaganda. Um colega de escola muito gozador começa a chamá-lo de Nescau. O apelido pega, e se dissemina quando “Nescau” começa a tocar. Os Baobás acompanham Caetano Veloso durante seis meses. No Festival da Record de 1968, Caetano canta Alegria, Alegria, e ganha o festival. Gilberto Gil, acompanhado pelosMutantes, apresenta Domingo no Parque. Tempos depois Caetano e Gil são deportados por problemas políticos, acusados injustamente por um famoso radialista de terem desrespeitado a bandeira nacional em uma Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 51 apresentação na televisão. Coincidindo com a época em que ambos foram deportados, à bordo de um vôo retornando de Belém do Pará, o empresário Guilherme Araújo anuncia que está negociando uma tournée dos Baobás na Europa. Mas essa tournée prejudicaria os estudos de todos os rapazes. Devido aos compromissos com os estudos universitários, os rapazes resolvem desmanchar o conjunto. O único jeito que Tuca acha para se obrigar a estudar para valer é vendendo a sua guitarra Fender 63, um gesto que se arrepende, porque essas guitarras se tornam valiosas poucos anos mais tarde. Mas com esse sacrifício Tuca entra na faculdade de odontologia da USP. Por seu turno, Jorge Pagura entra na faculdade de medicina, tornando-se um famoso neurocirurgião depois de formado. Tuca pára de tocar por uns tempos, mas sofre uma recaída com o convite de Marinho Murano para tocar no Código 90, no lugar de “Vermelho” que saíra do conjunto. Os Baobás volta a se apresentar em 2001, com Renato Motta na guitarra solo, Ricardo Contins na guitarra base, Newton Barros Jr no baixo, Cláudio Callia nos teclados e Jorge Pagura na bateria. Fernando Carneiro de Campos 52 Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 53 Watt 69: Um sucesso duradouro. O pessoal do Watt 69 está reunido, acompanhado de suas namoradas e amigas. Acontece uma tempestade cerebral quando uma das meninas dá uma idéia interessante, que grupo topa na hora: Que tal fantasiar os rapazes de mendigos? As moças se divertem pra valer pondo em ação seus talentos artísticos, fazendo uns trajes esfarrapados com uma aparência de embrulhar o estômago, de tão encardidos que aparentam. Antes de começar o show, os rapazes são maquiados para parecerem encardidos, mas capricham muito no perfume. Em contraste, o cantor está impecavelmente vestido, de cartola e smoking. Esse show, ocorrido em 1971 no Círculo Militar é um marco na carreira do conjunto. Em 1965, Mário Cerveira Filho monta um conjunto de garagem com seu irmão e uns amigos da vizinhança. Antônio Carlos “Totaio” Gomes Cardim Cerveira (irmão) na guitarra solo, Sergio Brisa Fróes, na guitarra base, Edmundo Fantozzi, no baixo, e Paulo Eduardo Sartorelli nos vocais. O conjunto recebe o nome Us (Nós). Mário compra uma bateria com o bumbo enorme, e acaba escondido atrás dele. Algum tempo depois, ao ver Mário tocar em shows no Colégio Mackenzie, Lídio Benvenuti (Nenê dos Incríveis), um colega de classe integrante dos Beatniks sugere a Mário que monte um conjunto de verdade. Em sua casa situada na Avenida Cidade Jardim, bem em frente ao edifício Dacon, Mário recebe uma noite a visita de dois rapazes Fernando Carneiro de Campos 54 que atendem ao seu chamado: o guitarrista Sylvio Caruso e Márcio Correa da Silva. Os ensaios são na casa do Sylvio, localizada numa travessa da Avenida Indianópolis. A vizinhança vem em peso, não só para ver os ensaios do Watt 69, mas principalmente os ensaios de um cantor de muito sucesso que aluga parte da casa de Sylvio: ele é Eduardo Araújo, que faz um sucesso arrasador com O Bom. Estamos no final de 1965. Os rapazes vão tirando várias músicas de sucesso, especialmente canções dos Beatles, e ao longo do ensaio vão jogando conversa fora, até que de repente se dão conta que beberam toda uma garrafa de uísque Vat 69 sem perceber. Mário olha pasmo para a garrafa caída no chão, e tem a idéia de fazer um trocadilho entre o Vat do uísque e o Watt de unidade de energia elétrica. Assim o grupo é batizado como Watt’s 69, e mais tarde o nome é simplificado para Watt 69 eliminando o apóstrofo. Ninguém do conjunto tem tanto dinheiro que possa comprar instrumentos importados, sendo obrigados a se virar com guitarras Giannini e aparelhagem nacional. O dono da Gope faz para Mário a primeira bateria preta fabricada por sua firma. Mário adora cantar, mas ainda não temos no Brasil o pedestal articulado, conhecido como girafa. Por fazer questão de cantar, ele pinta um cabo de vassoura de preto, faz uma rosca para atarraxa-lo em um bujãozinho de gás de 5 Kg, e gruda o microfone no topo da haste com fita isolante. O pedestal fica entre os pedais do bumbo e do chimbal, e quem vê de longe não nota que isso é um bujão de gás. O Watt 69 faz seus primeiros shows na boate Saloon, na Rua Augusta, com a formação de Clodinho na guitarrista solo, Sylvio no contrabaixo, Márcio Correa da Silva, vocal e guitarra base, e Mário na baterista. Quando Clodinho sai do conjunto, Carlos Alberto da Silva passa para a guitarra solo, e o Watt 69 passa a Hits Brasil: Sucessos “estrangeiros” Made In Brazil 55 contar com teclados com a entrada de Ignácio. Por essa época Mário não tem nem 16 anos de idade, e para entrar usa o documento de identidade de um amigo, porque o dono da boate jamais permitiria um menor de idade tocar na noite. Volta e meia ele tem de se esconder no banheiro durante as batidas policiais, só podendo começar o show depois que a polícia vai embora. O conjunto toca nessa boate quase todos os fins de semana por quase dois anos, inclusive no dia de Natal e no reveillon. O Watt 69 deixa de tocar na boate Saloon faltando meio ano para Mário chegar à maioridade. O sonho do Watt 69 é tocar nas domingueiras. Mário adora assistir os shows do Colt 45 no Clube Pinheiros. Por ocasião da saída de Márcio e Ignácio, Mário conversa com Dudu França no final de um show, e pergunta se ele conhece algum contrabaixista que queira tocar com o Watt. Dudu indica Zacharias José “Zeca” da Conceição, ex-integrante do Colt 45. Zeca entra como contrabaixista e Sylvio assume a guitarra base. Lazlo “Lotcy” Boglar Júnior entra nos teclados e Roberto “Bob” Rosa é o novo vocalista. O ponto forte desse grupo é a parte vocal. O pessoal do Watt 69 investe muito em equipamentos, ganhando mais no prazer de tocar nos ensaios e no palco, do que dinheiro em si. Mário e Sylvio capricham nos shows, e vestem-se com roupas feitas sob medida por um alfaiate, e a marca registrada do grupo é vestirem calças vermelhas de todos os tipos: lisas, listradas ou xadrezas. Em 1967 o Watt 69 convida o vocalista Jorge Adamo para participar de uma nova fase do conjunto, que enfrenta certa dificuldade para entrar no Círculo Militar. Mas quando essa barreira é vencida, ele se torna muito popular perante um público que adora dançar ao som da parada musical, e logo deslancha nas domingueiras dos melhores clubes. Também passam a fazer shows em várias cidades do interior, chegando a tocar no Rio de Janeiro, Fernando Carneiro de Campos 56 e o mais gostoso de tudo, fazendo shows em transatlânticos. A primeira formação famosa nas domingueiras é Jorge “Bidu” Adamo nos vocais, Marcos “Vermelho” Ficarelli na guitarra solo, Sylvio na guitarra base, Rafael Tartaglio no contrabaixo, Lazlo “Lotcy” Boglar nos teclados e Mário na bateria. Marcos “Vermelho” Ficarelli entra em uma fase em que o conjunto enfrenta algumas dificuldades, sendo importante alguém que chame a atenção, mudando várias características do conjunto. Por pouco não muda até o nome do conjunto, por conta de comentários maldosos insinuando que o nome Watt 69 está fora de moda. Plataforma 7, Colt 45 e Código 90 já não existem mais, e o Watt 69 será o próximo a sumir do mapa. O Watt 69 faz um golpe publicitário, pegando emprestada uma boneca da Mafalda trazida da Argentina por uma amiga. A boneca é engraçada a ponto de fazer chorar de tanto rir, e fica dependurada por semanas a fio num lugar bem
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