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Resumo de hanseniase

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Introdução – Definição e epidemiologia
A hanseníase (antigamente chamada de lepra – denominação em desuso pela conotação estigmatizante) é uma infecção crônica, granulomatosa, curável que tem como agente etiológico o Mycobacterium leprae (bacilo de Hansen - BH). Algumas características:
É um bacilo álcool-ácido resistente (BAAR – não podendo ser corado por Gram, mas por Ziehl-Neelsen);
É um parasita intracelular obrigatório com predileção pelas células da pele, mucosa nasal e sistema nervoso periférico (célula de Schwann – glia);
É um micro-organismo de elevada infectividade, porém baixa patogenicidade (poucos indivíduos infectados adoecem);
Possui uma diferenciação morfológica importante com o bacilo da tuberculose (BK), que se refere ao fato de o bacilo de Hansen, quando em grande quantidade, formar aglomerados conhecidos como globias, no citoplasma dos macrófagos;
O bacilo de Hansen não pode ser cultivado in vitro, o que dificulta seu estudo; 
Possui uma multiplicação extremamente lenta (divisão binária a cada 14 dias), justificando a apresentação insidiosa da doença, na faixa de anos;
Mantém preferência para partes mais frias do corpo.
Uma das principais características clínicas da doença é o aparecimento de máculas hipocrômicas hipo/anestésicas. Entretanto, na dependência da forma clínica, podem-se observar uma miríade de lesões elementares, como pápulas, placas, nódulos, tubérculos e infiltrações, geralmente eritematosos.
A histopatologia mostra que o bacilo se localiza nas partes profundas da derme.
Com a evolução da doença (se não tratada), as manifestações dermatológicas e neurológicas se associam a deformidades, incapacidades e mutilações, que estigmatizam o doente.
O Brasil ocupa a segunda posição em número de casos novos anuais de hanseníase, perdendo apenas para Índia. Entretanto, tanto a prevalência de hanseníase quanto o coeficiente de detecção geral apresentam importantes variações regionais e estaduais. As regiões Sul e Sudeste apresentaram apenas média endemicidade, o que reflete um grau de eliminação da doença como problema de saúde pública. Já nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste encontra-se alta endemicidade e coeficientes bem mais elevados.
A taxa global de incidência da hanseníase parece estar diminuindo lentamente. As mudanças relativas à incidência ocorrem muito lentamente (no decorrer de décadas), e refletem uma adequada profilaxia e controle da doença. Isso significa que muitos novos casos continuarão a aparecer por muitos anos, de modo que os serviços de diagnóstico e tratamento precisam ser mantidos em níveis adequados.
Por outro lado, a prevalência está caindo rapidamente em todo o mundo, especialmente graças à poliquimioterapia e à redução do tempo de tratamento.
Um fator epidemiológico relevante é a taxa de detecção da doença em menores de 15 anos, que reflete focos ativos de infecção e transmissão recente.
Transmissão e Patogênese
Aspectos fundamentais sobre a transmissão da hanseníase:
O homem é considerado o único reservatório natural do bacilo, apesar do relato de animais selvagens infectados (tatus e macacos);
Pacientes portadores de formas multibacilares (alta carga de bacilos) são a principal fonte de infecção. O papel dos paucibacilares (baixa carga de bacilos) e, especialmente, dos portadores sadios, na transmissão da hanseníase, não está bem definido;
As vias aéreas superiores são consideradas a principal via de eliminação e inoculação do bacilo. Secreções orgânicas como leite, esperma, suor e secreção vaginal podem eliminar bacilos, mas não possuem importância na disseminação da hanseníase. 
Atinge pessoas de todas as idades, de ambos os sexos, embora ocorra apenas raramente em crianças abaixo de 5 anos de idade.
Existe uma predisposição genética à infecção pelo BH, determinada por fatores imunológicos relacionados à capacidade dos macrófagos em destruir o bacilo ou simplesmente deixa-lo se multiplicar. Isso explica a distribuição em famílias e comunidades com antecedentes comuns.
Os fenótipos HLA-DR2 e HLA-DR3 se relacionam com a forma paucibacilar, enquanto que o fenótipo HLA-DQ1 se relaciona com a forma multibacilar da doença.
O período de incubação é longo, indo de 2 a 5 anos, o que reflete a lenta taxa de multiplicação do bacilo.
Embora se diga que o bacilo de Hansen tenha predisposição pela pele e sistema nervoso periférico, tem tendência a se disseminar sistematicamente em formas mais graves (multibacilar), nas quais o agente não encontra resistência à sua multiplicação.
A imunidade humoral é ineficaz contra o BH (que se aloja no interior das células). A defesa, portanto, depende da imunidade celular, e da capacidade dos macrófagos em fagocitar e destruir os bacilos. 
Na forma paucibacilar (lesões tuberculoides), há predomínio do braço Th1 e IL-2, IFN-γ e TNF-α, de modo que a forte imunidade celular impede a proliferação do BH. Já na forma multibacilar (lesões lepromatosas ou virchowianas), o predomínio é de linfócitos T supressores e do braço Th2, produzindo IL-4, IL-5 e IL-10. A fraca imunidade celular favorece sua disseminação.
Um aspecto interessante da hanseníase tuberculoide é que a imunidade celular exacerbada pode se tornar lesiva ao organismo, causando lesões cutâneas e neuronais. Na verdade, a hipostesia cutânea característica da hanseníase, decorrente de uma neurite – destruição de fibras nervosas periféricas, se deve à agressão provocada pelos macrófagos, e não pelos bacilos. É por isso que a neurite, tanto ramuscular (pequenos filetes na área da lesão de pele) quanto truncular (troncos de nervos, de fato) é mais grave na hanseníase tuberculoide, o que predispõe a maior grau de incapacitação.
Existe um antígeno produzido pelo BH, chamado de PGL-1, que fornece resistência à atividade oxidativa dos macrófagos. Este antígeno leva à formação de anticorpos anti-PGL-1, cuja sorologia vem sendo tentada como método de diagnóstico.
Classificação e clínica
Classificação de Madrid (a mais utilizada no Brasil): virchowiano, tuberculoide, indeterminado e dimorfo.
Classificação de Ridley e Jopling (mais utilizada em estudos): tuberculoide (TT), dimorfo-tuberculoide (DT), dimorfo-dimorfo (DD), dimorfo-virchowiano (DV) e virchowiano (VV).
Classificação operacional da OMS, que simplifica o tratamento: quando até 5 lesões, é classificado como paucibacilar, e quando apresenta mais de cinco lesões, é classificado como multibacilar. Entretanto, se o paciente tiver menos de 5 lesões, mas com baciloscopia positiva, é considerado multibacilar.
	HANSENÍASE INDETERMINADA
- Aparecimento de mancha (s) hipocrômica (s) anestésicas, anidróticas, com rarefação de pelos e bordas imprecisas. Pode ser também eritemato-hipocrômicas. 
- As lesões são únicas, ou em pequeno número.
- É uma forma de hanseníase paucibacilar, com baciloscopia negativa.
- Não há comprometimento de troncos nervosos nesta forma clínica, apenas de ramúsculos nervosos cutâneos na área da lesão elementar. A sensibilidade é perdida na ordem: térmica, dolorosa e tátil.
- É considerada a manifestação inicial da hanseníase, podendo evoluir para cura ou outra forma clínica (tuberculoide ou lepromatosa), ao longo de meses ou anos.
- Histologia: infiltrado perivascular e perineuronal.
 
	HANSENÍASE TUBERCULOIDE
- Surge a partir da HI não tratada nos pacientes com boa resistência, caracterizando a forma clínica de contenção da multiplicação bacilar. A baciloscopia é sempre negativa.
- Principal manifestação: placa eritematosa, bem delimitada, anestésica, anidrótica, sem pelos, com bordas micropapulosas e assimétrica. Pode ser única, ou em pequena quantidade (menor que 5). A área da pele pode também ser eritemato-hipocrômica.
- Pode haver acometimento de troncos nervosos, com déficit sensitivo-motor, espessamento neural e graus variados de dor. Um espessamento neural (linha) emergindo de uma placa (círculo) caracteriza o sinal da raquete. Os principais nervos acometidos na hanseníase e suas síndromes são: 
1. N. ulnar (mão em garra e atrofia dos interósseos),n. mediano (mão em benção), déficit combinado de n. ulnar e n. mediano (mão simiesca ou garra completa) e n. radial (queda de punho).
2. N. facial (lagoftalmo – fechamento incompleto da pálpebra) e n. trigêmeo (perda de sensibilidade coreana).
3. N. fibular comum (queda do pé) e n. tibial posterior (mal perfurante plantar – ulceração crônica na região plantar por redução da sensibilidade à dor – e deformidade em garra dos artelhos).
- Existem outras formas menos comuns de hanseníase paucibacilar: a variante infantil e a forma neural pura.
- Variante infantil: ocorre em crianças de 1 a 4 anos, paucibacilares, conviventes com portadoras de formas multibacilares. Também chamada de hanseníase nodular infantil, caracteriza-se por uma lesão tuberonodular, geralmente única, na face, que sofre involução espontânea deixando uma cicatriz atrófica;
- Forma neural pura: não se encontram lesões cutâneas, mas há espessamento do tronco nervoso, com dano neural precoce e grave. O nervo mais acometido é o n. ulnar, seguido pelo n. mediano.
	HANSENÍASE VIRCHOWIANA / LEPROMATOSA
- É a forma multibacilar da hanseníase, correspondendo ao polo de baixa resistência imunológica ao bacilo. Pode evoluir a partir da forma indeterminada ou se apresentar como tal desde o início.
- Na pele, as manifestações são variadas e incluem máculas, pápulas, placas, nódulos e tubérculos, eritematosos. São numerosos (> 5) e surgem simetricamente. Também ocorre infiltração difusa (aumento de celularidade inflamatória), mais acentuada na face e extremidades (regiões mais frias). Há rarefação de pelos nos membros, cílios e cauda da sobrancelha (nesse caso chamada de madarose).
- O padrão de infiltração da face e pavilhão auricular, com madarose sem perda de cabelo é chamado de fácies leonina (parece a de um leão ou leoa).
- Existe um subtipo de hanseníase virchowiana conhecido como lepromatose difusa (ou de Lucio), em que não há nódulos ou outras formações sólidas, apenas infiltração difusa. Por isso também é chamada de lepra bonita.
- Ocorre comprometimento nos ramúsculos da pele na área da lesão. Entretanto, a neurite de troncos nervosos, que se dá em polineuropatia, só ocorre tardiamente, já que não é proporcional à baciloscopia.
- Sinais precoces de hanseníase virchowiana são: obstrução nasal, rinorreia serossanguinolenta e edema de membros inferiores.
- Muito importante lembrar do acometimento sistêmico da HW. O micro-organismo pode ser isolado de qualquer tecido ou órgão, com exceção do pulmão ou sistema nervoso central:
1. Testículos: atrofia e diminuição da produção de testosterona, com aumento dos hormônios hipofisários, queda de libido e giencomastia.
2. Bulbo olhar: insensibilidade à córnea pode levar ao trauma e infecção. Pode ocorrer também glaucoma e catarata.
3. Miscleânea: hepatoesplenomegalia e linfanodomegalia (aumento, dor e febre). Suprarrenais: insuficiência adrenal. Medula óssea: anemia. Rim: insuficiência renal (causa mais comum de óibto)
- A baciloscopia é fortemente positiva e a histopatologia mostra globias na derme.
 
	HANSENÍASE DIMORFA / BORDERLINE
- Este é grupo é marcado pela instabilidade imunológica, sem polarização, o que faz com que haja grande variação em suas manifestaçãos clínicas, seja na pele, nos nervos ou no comprometimento sistêmico.
- As lesões tendem a ser numerosas, sendo uma forma multibacilar (com mais de cinco lesões e baciloscopia geralmente positiva). A morfologia das lesões mescla aspectos de HV e HT. 
- A infiltração assimétrica da face e dos pavilhões auriculares é bastante sugestiva de HD. Lesões neuronais são precoces, assimétricas e, com frequência, levam a incapacidades físicas.
- A instabilidade imunológica faz com que episódios reacionais sejam frequentes nestes pacientes.
- Subdivide-se em:
1. Dimorfa-tubercoloide: marcada por placas ou manchas eritematosas, porém de maior extensão, mais numerosas ou com lesões satélites. Maior comprometimento de troncos nervosos A distribuição é assimétrica. A baciloscopia é negativa ou discretamente positiva.
2. Dimorfa-dimorfa: comum a ocorrências de lesões com aspecto esburacado, foveolar ou “em queijo-suíço”) – área central hipocrômica ou aparentemente normal, com borda interna bem delimitada e borda externa espessada imprecisa, com uma cor ferruginosa. A baciloscopia é geralmente positiva. As reações tipo 2 são comuns, repetitivas e evoluem indefinidamente em surtos subentrantes.
3. Dimorfa-virchowiana: predominam placas, nódulos e infiltrações eritematosas. As lesões são difusas, porém não tão polimórficas como na hanseníase virchowiana.
 
Hanseníase reacional
Os surtos reacionais são definidos como processos inflamatórios imunomediados que se intercalam no curso crônico da hanseníase. Podem chamar mais atenção que os próprios sintomas, pela riqueza de sinais e sintomas. Às vezes são a primeira manifestação da doença.
Resultam da destruição do bacilo e liberação de partículas antigênicas, o que leva a uma exacerbação da imunidade.
Existem evidências de diversos fatores desencadeantes, como infecções, estresse físico e estresse emocional, traumatismo, vacinação, gravidez e puerpério.
Os quadros podem anteceder o diagnóstico, ocorrer durante o tratamento, ou após a alta (quando devem ser diferenciados das recidivas).
Quadro segundo causa, forma acometida, manifestações clínicas e comprometimento sistêmico:
	REAÇÃO TIPO 1 (REVERSA)
	REAÇÃO TIPO 2 (ERITEMA NODOSO HANSÊNICO)
	- É considerada reação mediada pela imunidade celular (hipersensibilidade tipo IV).
	- É considerada reação mediada pela imunidade humoral (hipersensibilidade tipo III, deposição de imunocomplexos nos tecidos e vasos). 
	- Pode ocorrer nas formas tuberculoide e, especialmente, dimorfa.
	- Pode ocorrer na forma dimorfa e na forma virchowiana. 
	- Exacerbação das lesões pré-existentes, que se tornam edemaciadas, eritematosas, infiltradas e brilhantes;
- Podem surgir novas lesões eritemato-infiltrativas
- As neurites mostram-se frequentes e graves, causando dor, espessamento, dano funcional e grande risco de sequelas e incapacitações. Entretanto, pode ser também do tipo silenciosa (apenas dano funcional, sem dor e espessamento).
	- As lesões preexistentes permanecem inalteradas;
- Surgimento de formações sólidas (pápulas, nódulos e placas) eritematosas e dolorosas, espontaneamente ou à palpação. Estão localizadas em qualquer região da pele;
- As lesões podem ulcerar e evoluir para eritema nodos necrosante.
	- Acometimento sistêmico não é frequente, mas pode ocorrer febre baixa e leucocitose.
	- Frequente acometimento sistêmico, inclusive com aumento de citocinas pró-inflamatórias;
- Pode evoluir com febre alta e prolongada, astenia, mialgia, náuseas, dor articular, hepatoesplenomegalia, linfadenomegalia, uveíte, orquite e glomerulonefrite. No laboratório: leucocitose, anemia, VHS elevado, proteína C elevada, anemia e títulos altos de fatores reumatoides (como FAN).
	
	
Fenômeno de Lucio: é uma reação, que normalmente ocorre antes do tratamento, em alguns poucos pacientes com hanseníase virchowiana (especialmente na lepra bonita de Lucio). 
Surgem lesões maculares equimóticas necróticas que se ulceram. Em lesões generalizadas, o paciente pode se comportar como um grande queimado. 
Trata-se, fundamentalmente, de um processo trombótico oclusivo, caracterizado por trombose de pequenos vasos da derme, resultando em ulceração, inflamação, e infecções secundárias. 
Glicocorticoides e talidomida, medicamentos úteis para as reações hansênicas tipo I e II, são inúteis para o fenômeno de Lucio. O tratamento é de suporte e antibioticoterapia.
Recidiva
Situação em que o paciente adequadamente tratado com a poliquimioterapia desenvolve sinais ou sintomas da doença. É um evento raro naqueles tratados corretamente, e geralmente ocorre após 5 anos de alta. 
É importante saber diferenciar se o aparecimento das lesões deve à recidiva ou a uma reação hansênica. Isso repercute diretamente no tratamento, jáque as reações são tratadas com glicocorticoides ou talidomida, e as recidivas com um novo ciclo de poliquimioterapia.
Nos pacientes multibacilares, basta verificar a baciloscopia, que se mostra positiva na recidiva.
Nos pacientes PB, muitas vezes é difícil distinguir a recidiva da reação reversa, de modo que os seguintes critérios clínicos são bastantes úteis:
	CARACTERÍSTICAS
	REAÇÃO HANSÊNICA REVERSA
	RECIDIVA
	Intervalo de tempo
	Ocorre geralmente durante a poliquimioterapia ou nos primeiros 6 meses após seu término.
	Ocorre normalmente muitos anos depois da terminada da quimioterapia.
	Velocidade de aparecimento
	Rápida, inesperada.
	Lenta, gradual, insidiosa.
	Condição geral
	Às vezes febre e mal-estar geral.
	Em geral, sem distúrbios sistêmicos.
	Lesões antigas
	Podem se tornar eritematosas, brilhantes, quentes e dolorosas, com infiltração.
	Menos vividez. Algumas podem apresentar bordas eritematosas.
	Lesões novas
	Em geral várias.
	Poucas
	Ulceração das lesões
	Podem se ulcerar.
	Raramente.
	Neurite
	Grave envolvimento neuronal, com espessamento, dor e disfunção somatossensorial.
	Menor envolvimento neuronal, podendo ser um único nervo, e muito lentamente.
	Resposta a esteroides
	Excelente. A reação regride dentro de alguns meses.
	Não é importante. Novo esquema de PQT.
Prevenção de incapacidades
Incapacidade: qualquer impedimento, limitação da atividade ou restrição de participação que afete uma pessoa. 
Na hanseníase, é muito importante graduar a incapacidade, aplicando-se uma escala de 0 a 2 para o grau de incapacidade de cada olho, mão e pé:
Grau 0: nenhuma incapacidade;
Grau 1: perda de sensibilidade nas mãos ou pés, o que significa lesão de troncos nervosos. É um fator de risco para úlceras plantares, e os pacientes devem usar sapatos apropriados e ter mais cuidados com os pés. É uma parte fundamental de um serviço de hanseníase de boa qualidade;
Grau 2: incapacidade ou lesão visível. Inclui: incapacidade de fechar os olhos, hiperemia por úlcera ou uveíte, diminuição da acuidade visual, feridas e úlceras em mãos e pés, manifestações de fraqueza muscular, reabsorção óssea, etc.
A principal forma de prevenir a instalação de incapacidades físicas é o diagnóstico e tratamento precoces. 
A prevenção pode ser realizada por meio de técnicas simples e orientação do paciente para a prática regular do autocuidado.
No SUS, é fornecido: colírio para reposição de lágrimas, soro fisiológica para ressecamento do nariz e óleos para lubrificar e hidratar a pele.
Diagnóstico
Considera-se um caso de hanseníase a pessoa que apresenta um ou mais dos seguintes sinais cardinais:
Mancha ou área de pele com alteração de sensibilidade;
Acometimento de nervo periférico, com espessamento, associado a alterações sensitivas, motoras ou autonômicas;
Baciloscopia positiva.
Portanto, o diagnóstico da hanseníase é essencialmente clínico e epidemiológico. Tem como objetivo identificar lesões ou áreas com alteração de sensibilidade, ou comprometimento de nervos periféricos.
Exame dos nervos periféricos: procura-se espessamento (por palpação) e déficits motores e sensitivos. 
É avaliada a sensibilidade térmica, dolorosa e tátil. Para a térmica, usamos tubos de ensaio (um quente e outro frio). Para a dolorosa, usamos uma agulha. Para a tátil, usamos um pedaço de algodão, cuja extremidade foi enrolada de forma a ficar afunilada (detalhe: não se deve escorrer o algodão sobre a pele, apenas um leve toque). 
A baciloscopia é muito útil, por seu de fácil execução e baixo custo. Deve ser feito com a coleta de linfa em pelo menos quatro locais (lóbulos das orelhas direita e esquerda, cotovelos direito e esquerdo) e em local de lesão cutânea suspeita. A coloração é feita pelo método de Ziehl-Neelson, e o resultado se dá pelo índice baciloscópico (IB), numa escala que vai de 0 a 6+. 
A baciloscopia se mostra negativa (IB = 0) nas formas tubercoloide e indeterminada, fortemente positivo na forma virchowiana e revela resultado variável na forma dimorfa (em geral, moderadamente positivo).
Em caso de dúvida, pode-se lançar mão de testes simples complementares:
Teste da histamina: coloca-se uma gota de histamina e, com uma agulha fina, escoria-se a pele. É esperado que ocorra a tríplice reação de Lewis: a) eritema inicial no local da picada, de no máximo 1 cm, 20 a 40 segundos após a picada; b) eritema secundário (reflexo), entre 3 cm a 5 cm, aproximadamente 1 minuto, devido à vasodilatação arteriolar por ato reflexo axônico; c) surgimento de pápula, 2 a 3 minutos após a escarificação. É útil para identificar manchas hipocrômicas hansenianas iniciais, pois nesta falta o eritema secundário. Não se realiza na raça negra devido à dificuldade de visualização da tríplice de Lewis.
Teste da pilocarpina: injeção intradérmica de pilocarpina. Normalmente ocorre sudorese na área picada, 2 minutos após. Nas lesões hansênicas, ocorre anidrose. De preferência, deve-se comparar com uma área saudável simétrica.
Existe também a reação de Mitsuda, hoje em desuso. Possibilita a classificação da doença (paucibacilar ou multibacilar) e a definição prognóstico. Não possui valor diagnóstico, pois é encontrado de forma positiva na população sã, que já teve contato com o bacilo, e não desenvolveu a doença por apresentar boa imunidade.
O teste é feito por meio da aplicação intradérmica da lepromina ou mitsudina (solução de bacilos mortos). Depois de 28 a 30 dias, pode ocorrer uma reação de formação de pápula ou nódulo, ulcerante ou não. Uma formação maior que 5 mm é considerado Mitsuda positivo, o que sugere boa imunidade celular.
O antígeno glicolípide fenólico 1 (PGL-1) é específico do M. leprae e leva à formação de anticorpos. Os títulos de IgM se correlacionam com a forma clínica e atividade da doença. Ocorrem níveis aumentados de anti-PGL-1 na HV, que tendem a desapercer com o tratamento. Essa correlação é menos evidente no caso da HT.
A técnica de identificação do BH por PCR tem sido estudada em centros de pesquisa.
Tratamento
O tratamento da hanseníase é feito com a poliquimioterapia (PQT), relativamente bem-sucedida. Nem a questão da recidiva, nem a resistência a drogas têm sido problemas significativos, e os esquemas atuais são bem tolerados.
A definição do esquema antimicrobiano para hanseníase depende da classificação operacional do caso (segundo a OMS), isto é: o esquema para as formas paucibacilares (até 5 lesões – correspondendo às formas clínicas indeterminada e tuberculoide) é diferente do esquema para as formas multibacilares (mais de 5 lesões – correspondendo às formas clínicas dimorfa e virchowiana).
A PQT é distribuída em blisteres (cartelas), convenientes para o tratamento de cada quatro semanas (1 mês). Existem cartelas para crianças, com as mesmas drogas em dosagens menores, tabeladas. Entretanto, para crianças e adultos com peso inferior a 30 kg, e crianças menores de 10 anos, a dose exata deve ser ajustada com base no peso corporal.
	ESQUEMTA TERAPÊUTICA PAUCIBACILAR
	ADULTO
	- Rifampicia: dose mensal (primeiro dia) de 600 mg, supervisionada;
- Dapsona: dose mensal (primeiro dia) de 100 mg, supervisionada, e dose diária (27 dias) de 100 mg autoadministrada.
	CRIANÇA
	- Rifampicia: dose mensal (primeiro dia) de 450 mg, supervisionada;
- Dapsona: dose mensal (primeiro dia) de 50 mg, supervisionada, e dose diária (27 dias) de 50 mg autoadministrada.
	Duração: 6 doses. Critério de alta: tratamento está concluído com 6 doses em até 9 meses.
	ESQUEMA TERAPÊUTICO MULTIBACILAR
	ADULTO
	- Rifampicina: dose mensal de 600 mg supervisionada.
- Dapsona: dose mensal de 100 mg supervisionada e dose diária de 100 mg autoadministrada.
- Clofazimina: dose mensal de 300 mg supervisionada, e dose diária de 50 mg autoadministrada.
	CRIANÇA
	- Rifampicina: dose mensal de 450 mg supervisionada;
- Dapsona: dose mensal de 50 mg supervisionada, e dose diária de 50 mg autoadministrada.
- Clofazimina: dose mensal de 150 mg com administração supervisionada,e dose diária de 50 mg autoadminstrada em dias alternados.
	Duração: 12 meses. Critério de alta: tratamento está concluído com 12 doses em até 18 meses.
No final, os pacientes deverão ser submetidos ao exame dermatológico, à avaliação neurológica simplifacada e do grau de incapacidade física, antes de receber alta. Pacientes MB que excepcionalmente não mostrarem melhora clínica, apresentando lesão ativa, são encaminhados a um serviço de referência local, para se verificar a melhor conduta.
Existem tratamentos substitutivos em centros de referência, para pacientes impossibilitados de usar os esquemas tradicionais.
Situações especiais
Hanseníase de HIV/AIDS: a rifampicina nas doses utilizadas não interfere com os inibidores de protease. Portanto, o esquema segue intacto. Entretanto, existe a possibilidade de maior gravidade das reações hansênicas.
Hanseníase e tuberculose: o esquema terapêutico da tuberculose (600 mg diários) segue mantido, adicionando-se os medicamentos específicos para cada esquema da hanseníase, nas doses e tempos previstos. Ou seja: PB, adiciona-se dapsona; MB, adiciona-se dapsona e clofazimina.
Hanseníase e gravidez e aleitamento materno: não há contraindicação. O recém-nascido pode apresentar pele hiperpigmentada pela clofazimina, ocorrendo regressão da pigmentação com a parada da poliquimioterapia.
Efeitos colaterais
De forma geral, são medicamentos bem tolerados nas doses utilizadas, com poucos efeitos colaterais. Um dos mais importantes é a coloração escura, avermelhada da pele e da urina, em pacientes que utilizam clofazimina. Entretanto, após terminar o tratamento, a cor regressa lentamente ao normal.
Tratamento das reações hansênicas
A ocorrência de reações hansênicas não contraindica o início da PQT, não implica sua interrupção e não é indicação de reinício de PQT se o paciente já houver concluído o tratamento.
Além da farmacoterapia, é importante: imobilizar o membro afetado com tala gessado, em caso de neurite associada, monitorizar a função neural sensitiva e motora, e promover medidas de prevenção de incapacidades (como informatização sobre o autocuidado).
Neurites refratárias ao esquema tradicional para reações hansênicas poderão necessitar de tratamento cirúrgico.
Tratamento da reação tipo 1: prednisona (glicocorticoide) 1,0-1,5 mg/kg/dia. 
Tratamento da reação tipo 2: prioritariamente com talidomida (100-400 mg/dia). Na impossibilidade de uso de talidomida (especialmente em mulheres grávidas ou com alto risco de engravidar), a corticoterapia é indicada (1,0-1,5 mg/kg/dia). Outra opção, sob vigência de contraindicação à talidomida, é a pentoxifilina (1200 mg/dia), associada ou não ao glicocorticoide.
Nos casos de reação hansênica crônica ou com surtos muito frequentes, que normalmente voltam tão logo a dose seja reduzida ou retirada, recomenda-se avaliar a coexistência de fatores desencadeantes.
Se melhorar, pode-se diminuir a dose do fármaco. Se piorar, e o estado reacional estiver grave, pode ser necessário internação hospitalar.
Profilaxia
O diagnóstico precoce da doença, tratamento com a poliquimoterapia e reconhecimento imediato dos quadros reacionais é fundamental não só para a prevenção das incapacidades como para interrupção da cadeia de transmissão.
BCG: proteção superior a 50% para todas as formas clínicas, a qual é aplicada para todos os contatos intradomiciliares do caso diagnosticado. Consideram-se os conviventes nos últimos cinco anos. Depois do exame dermatoneurológico, segue-se a aplicação de BCG:
- Sem cicatriz: prescrever uma dose;
- Com uma cicatriz de BCG: prescrever uma dose;
- Com duas cicatrizes de BCG: não prescrever dose.
Fonte: Diretriz Básica do MEDCURSO. Sugiro a todos lerem por lá, e depois virem para cá. Alguns detalhes complementei pelo AZULAY

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