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1 ABDOME AGUDO INFLAMATÓRIO – SINOPSE Prof. Dr. José Eduardo Gonçalves 1. Conceitos Iniciais A dor abdominal aguda representa uma das causas mais comuns de atendimento nos serviços de emergência. Ela pode ou não estar associada a uma lesão traumática do abdome. Conceituamos abdome agudo não traumático como uma síndrome caracterizada por dor abdominal que se instala de forma aguda, subitamente ou progressivamente, de intensidade moderada ou grave, à qual se associam comumente outras manifestações locais e gerais, necessitando tanto de um diagnóstico quanto de uma terapia clínica ou cirúrgica rápida. O abdome agudo não traumático pode ser classificado segundo sua etiopatogenia em cinco tipos: Inflamatório, Perfurativo, Obstrutivo, Vascular e Hemorrágico. Cada um dos tipos tem particularidades clínicas e de exames subsidiários que geralmente auxiliam a identificar sua natureza¹. Assim sendo: a)Inflamatório: é caracterizado por dor de média intensidade que se acentua progressivamente, acompanhado de febre, íleo adinâmico, sinais de irritação peritoneal (descompressão brusca dolorosa) e hemograma infeccioso. b)Perfurativo: é caracterizado por dor súbita e de forte intensidade com rápida progressão para todo o abdome, contratura generalizada da parede abdominal (abdome em “tábua”) e presença de pneumoperitônio na radiografia simples de abdome. c)Obstrutivo: dor em cólica, náuseas e vômitos, parada de eliminação de gases e fezes, distensão abdominal e na radiografia simples de abdome presença de distensão gasosa e níveis líquidos. d)Vascular: início e evolução rápida dos sintomas caracterizados por cólica abdominal difusa, distensão abdominal, sudorese, hipotensão, instalação de colapso circulatório e história pregressa de angina mesentérica (claudicação abdominal), doença cardíaca ou aterosclerótica. e)Hemorrágico: dor abdominal de início súbito, abdome flácido, doloroso difusamente com sinais discretos de irritação peritoneal, sem defesa ou contratura, sinais e sintomas sistêmicos de hipovolemia (palidez cutaneomucosa, sudorese, taquicardia, hipotensão). Podemos observar abaixo alguns exemplos relacionando os tipos de abdome agudo não traumático e sua respectiva etiopatogenia ² : a) Inflamatório: colecistite aguda, apendicite aguda, pancreatite aguda, diverticulite aguda (doença diverticular do cólon, divertículo de Meckel), colangite aguda, abscessos intra-cavitários, epiploite, linfadenite mesentérica, gastroenterocolite, pielonefrite, doença inflamatória pélvica (DIP). b)Perfurativo: perfuração de neoplasias do trato gastrointestinal, perfuração de divertículos de cólon,ulcera péptica perfurada, perfuração por corpo estranho, perfurações associadas à doença de Crohn, amebíase ou febre tifóide. c) Obstrutivo: aderências intestinais (bridas), doenças neoplásicas gastrointestinais, obstrução do piloro, intussuscepção, bezoares, fecaloma, volvo, hérnias internas ou de parede abdominal, doenças funcionais (íleo adinâmico). d) Vascular: isquemia intestinal, embolia ou trombose mesentérica, aneurismas de aorta, infarto esplênico. e)Hemorrágico: ruptura de aneurismas, endometriose, ruptura espontânea de vísceras parenquimatosas (fígado, baço), gravidez ectópica rota, hemorragia pós-operatória, cisto ovariano hemorrágico. 2 Nesta discussão os comentários serão referentes exclusivamente ao abdome agudo não traumático de natureza inflamatória. Particularmente sobre quatro de suas principais causas: apendicite aguda, colecistite aguda, pancreatite aguda e diverticulite aguda. 1. Apendicite Aguda A apendicite aguda é a causa mais comum de abdome agudo inflamatório. O apêndice contém tecido linfóide o qual após o nascimento vai aumentando sua densidade progressivamente, ocorrendo sua maior concentração na segunda década da vida. Coincidentemente, a incidência de apendicite aguda também é maior neste período. Logo, admite-se que há uma correlação entre a hiperplasia linfóide e a patogênese da apendicite aguda ³. A obstrução da luz apendicular na maioria dos casos é a causa inicial da apendicite aguda. Uma vez obliterada sua luz há um represamento de muco secretado pela mucosa apendicular. Em decorrência, ocorre um aumento súbito da pressão intraluminar seguido de colapso venocapilar submucoso, ulceração isquêmica da mucosa e penetração intramural das bactérias da flora colônica. O processo inflamatório decorrente da invasão bacteriana pode estender até sua serosa dando causa a denominada apendicite agudo supurativa. Esta por sua vez pode progredir, levando à necrose e perfuração do apêndice com disseminação do processo infeccioso para toda cavidade abdominal com septicemia e morte se não tratada em tempo e adequadamente. Outras causas podem levar a obliteração da luz do apêndice: fecalitos, corpos estranhos, vermes e neoplasias. No jovem,o fator obstrutivo principal é a hiperplasia linfóide e nos lactentes e adultos predominam fecalitos. Nos apêndices tópicos o primeiro, mais freqüente e importante sintoma da apendicite aguda é a dor abdominal, inicialmente em região periumbelical ou epigástrica para depois localizar-se na fossa ilíaca direita. A temperatura raramente se eleva acima de 38 ºC. Quando este limite é ultrapassado geralmente sugere apendicite aguda complicada ou outra doença inflamatória. A dor à palpação abdominal é o achado mais freqüente do exame físico, existindo sinais propedêuticos que reforçam a suspeita diagnóstica, tais como os sinais de: a) Blumberg:-descompressão brusca dolorosa no ponto de McBurney (fossa ilíaca direita); b) Rovsing –compressão da fossa ilíaca esquerda com aumento da dor na fossa ilíaca direita; c) Dumphy- dor à percussão da fossa ilíaca direita ou aumento da dor neste quadrante quando se solicita para o doente tossir; os sinais de Lenander (diferença de temperatura retoaxilar), do obturador e do psoas são elementos adicionais para reforçar a hipótese diagnóstica. Portanto, a hipótese diagnóstica baseia-se fundamentalmente na história e no exame físico. Como em todo abdome agudo eles continuam sendo os principais elementos tanto para sua detecção como para o diagnóstico da respectiva causa. No tocante exames subsidiários, o Hemograma geralmente apresenta uma leucocitose moderada (até 18.000 leucócitos/mm³) com desvio celular à esquerda. Na apendicite aguda a tomografia computadorizada tem mais precisão diagnóstica que a ultrasonografia. O tratamento é cirúrgico e consiste na remoção do apêndice inflamado (apendicectomia)10. A complicação pós-operatória mais frequente é a infecção da parede abdominal, seguida pelo abscesso intra-cavitário. As formas mais complicadas de apendicite aguda geralmente ocorrem nos extremos da vida, ou seja, em crianças ou idosos. Dentre suas complicações encontramos: pileflebite, abscesso hepático e fístula estercorácea (fecal). 2. Colecistite Aguda Outra causa de abdome agudo inflamatório é a colecistite aguda calculosa. A maioria das colecistites agudas (90 % a 95%) ocorre devido à obstrução do ducto cístico por cálculo 4. Via de regra, são doentes portadores de colecistopatia crônica calculosa que após um período de cólica biliar (> 6 h) desenvolvem um surto agudo inflamatório. A impactação de um cálculo no ducto cístico leva a um represamento de bile no interior da 3 vesícula biliar com consequente aumento de sua pressão intraluminar, seguido de colapso venocapilar submucoso, ulceração isquêmica da mucosa agravada por lesão química tóxica (lisolecitina da bile) e finalmente penetração bacteriana intramural. Havendo progressão do processo infeccioso, poderá ocorrer empiema, gangrena e até mesmo perfuração do órgão para vísceras vizinhas ou para a cavidade abdominal dando início à sepsis.Logo, conclue-se que a inflamação da vesícula biliar é inicialmente química e secundariamente bacteriana. Por vezes, o cálculo biliar ao invés de impactar-se no ducto cístico, migra para o interior do cóledoco podendo deflagrar um quadro de colangite aguda (tríade de Charcot- dor, febre e/ou calafrios e icterícia) ou até mesmo pancreatite aguda biliar. No tocante ao quadro clínico da colecistite aguda o sintoma mais importante é a dor no quadrante superior direito, contínua, de forte ou moderada intensidade. Ao exame físico observamos dor e interrupção do movimento respiratório durante a palpação deste quadrante (sinal de Murphy) 5. A síndrome dolorosa pode ser acompanhada por sintomas adicionais tais como: náuseas, vômitos, febre, icterícia (20% dos casos). Os exames laboratoriais podem expressar: leucocitose, elevação da fosfatase alcalina e/ou gama GT e transaminases (TGO/TGP). Comumente não há alteração nos níveis de bilirrubina. Porém, ainda que raramente, podemos ter associado à colecistite aguda a Síndrome de Mirizzi, que ocorre quando cálculos maiores impactam no infundíbulo e/ou ducto cístico, comprimindo ou fistulando no ducto hepático comum. Nessas circunstâncias, poderemos encontrar hiperbilirrubinemia 6. Com relação ao diagnóstico por imagem o ultra-som abdominal é o exame de escolha, sendo o espessamento da parede vesicular (igual ou >4mm) o achado sugestivo mais freqüente de colecistite aguda. Vale a pena ressaltar que a gangrena vesicular é a complicação mais comum da colecistite aguda, acometendo principalmente pacientes imunodeprimidos como os diabéticos, doentes renais crônicos, ou portadores do vírus HIV. O tratamento cirúrgico consiste na colecistectomia, sendo na maioria das vezes possível de ser realizada por via vídeolaparoscópica 4,5,7,12. 3. Pancreatite Aguda A Pancreatite Aguda é outra doença importante associada ao abdome agudo inflamatório. A coledocolitíase é sua principal causa (pancreatite aguda biliar). Todavia, outras situações podem provocar um processo inflamatório agudo pancreático, tais como: ingesta alcoólica abusiva (segunda causa mais frequente), hiperlipidemia, hipercalcemia, drogas(diuréticos, antiinflamatórios), infecções (parotidite epidêmica, coxsackievírus), parasitoses, traumatismos ou cirurgias abdominais, pâncreas divisum (anomalia congênita), etc 6,11. Ao redor de 10% são idiopáticas. A patogênese da pancreatite aguda varia de acordo com a causa que a produziu. No caso específico da pancreatite aguda biliar ela inicia-se com a ativação intra-acinar da tripsina, a qual a seguir ativa outras enzimas pancreáticas que por sua vez promovem a autodigestão ou autólise enzimática da glândula. Este processo, inicialmente químico, poderá levar à necrose da glândula com liberação de citocinas inflamatórias (bradicinina, serotonina, calicreína, etc.), as quais determinam uma SIRS (resposta inflamatória sistêmica) ³.O tecido necrótico poderá infectar-se secundariamente levando o doente à septicemia com falência de múltiplos órgãos. Esta forma de pancreatite está associada com a migração de um cálculo da vesícula biliar (colelitíase), geralmente pequeno o suficiente (< 5 mm) para passar pelo ducto cístico 8. Logo, conclui-se que, quanto mais largo for o ducto cístico e menores forem os cálculos no interior da vesícula biliar, maior será a chance do doente desenvolver a doença. De forma sintética podemos resumir sua apresentação clínica em: náuseas, vômitos, desidratação, dor abdominal aguda predominando no andar superior do abdome (em “faixa”) associada ou não à icterícia. A distensão abdominal, geralmente atribuída ao íleo adinâmico, também pode estar presente. Nos quadros mais graves 4 (necrose pancreática) poderão associar-se instabilidade hemodinâmica, taquicardia, febre, sudorese, confusão mental e coma. Nessas circunstâncias, alguns sinais ao exame físico podem ser evidenciados: Gray-Turner (equimose/flanco), Cullen(equimose/peri- umbelical). Laboratorialmente, os níveis de amilase e lipase podem estar aumentados, entretanto a amilasemia embora seja o exame diagnóstico mais usado não tem valor prognóstico. A lipasemia tem maior sensibilidade e especificidade e permanece mais tempo elevada. No tocante ao diagnóstico por imagem, a ultra-sonografia tem baixa sensibilidade sendo a tomografia computadorizada considerada o melhor exame não somente para avaliar sua gravidade como para determinar seu prognóstico (Classificação de Balthazar).O tratamento é essencialmente clínico, com repouso alimentar, reposição hídrica e analgesia, A cirurgia está indicada quando há infecção do pâncreas necrosado, sendo considerado o melhor método para este diagnóstico a biópsia aspirativa guiada por tomografia computadorizada. 4. Diverticulite Aguda Outra doença que pode provocar abdome agudo inflamatório é a diverticulite aguda, sendo considerada a complicação mais comum da doença diverticular dos cólons. A doença diverticular dos cólons é frequente acima dos 50 anos de idade e vai progressivamente aumentando sua incidência em faixas etárias mais avançadas. Ela pode apresentar-se de duas formas: hipertônica ou hipotônica. Em sua forma hipertônica os divertículos se concentram mais no cólon sigmóide e no cólon descendente, e a diverticulite aguda é sua principal complicação. Portanto, as diverticulites agudas ocorrem mais topograficamente no cólon esquerdo. Diferentemente, na forma hipotônica os divertículos não somente existem no sigmóide mas também em outros segmentos do cólon. A hemorragia (enterorragia maciça) é sua principal complicação 9. A diverticulite aguda inicia-se após o óstio do divertículo ser ocluído por concreções fecais ou resíduos alimentares. Segue-se então represamento de sua secreção com infecção secundária cuja apresentação e gravidade é variável (classificação de Hinchey) : inflamação leve peridiverticular (Hinchey I), abscesso pélvico (Hinchey II), peritonite purulenta (Hinchey III) ou peritonite fecal (Hinchey IV) 5. Deduz-se do exposto que sua expressão clínica é multiforme e depende da localização do divertículo, podendo evoluir desde sintomatologia dolorosa localizada (geralmente quadrante inferior esquerdo) até dolorimento abdominal difuso, acompanhado de febre, vômitos e queda no estado geral. Os exames laboratoriais podem apresentar leucocitose e aumento da proteína C reativa (PCR). No RX simples do abdome eventualmente aparece pneumoperitônio nos casos de perfuração. A Tomografia computadorizada é o melhor método para estabelecer com precisão o diagnóstico e determinar a gravidade da doença. O tratamento clínico consiste basicamente na reposição hidroeletrolítica e na antibioticoterapia de largo espectro. Quando há falha do tratamento clínico ou ocorre perfuração ou sepsis a cirurgia esta indicada, comumente sendo realizada à ressecção do segmento lesado e colostomia (colectomia esquerda com colostomia terminal e fechamento do coto distal - Cirurgia de Hartmann)10 . 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