Prévia do material em texto
Universidade Potiguar – UNP Alquimy Art Curso de Especialização em Arteterapia Pós-Graduação lato sensu A ARTETERAPIA PROMOVENDO HABILIDADES SOCIAIS EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Vivian Rosa Batista Goiânia, GO 2007 2 VIVIAN ROSA BATISTA A ARTETERAPIA PROMOVENDO HABILIDADES SOCIAIS EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Pesquisa apresentada à UNP – Universidade Potiguar e a Alquimy Art, SP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Arteterapia. Orientadora: Flora Elisa de Carvalho Fussi Goiânia, Go 2007 3 A ARTETERAPIA PROMOVENDO HABILIDADES SOCIAIS EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA A ARTETERAPIA PROMOVENDO HABILIDADES SOCIAIS EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA BATISTA, Vivian Rosa A Arteterapia Promovendo Habilidades Sociais em Pessoas com Deficiência Vivian Rosa Batista – Goiânia; [s.n.], 2007 59 p. Monografia (Especialização em Arteterapia) – UNP, Universidade Potiguar. Alquimy Art, SP. Palavras-chaves: 1. Arteterapia, 2 Habilidades Sociais, 3. Deficiência. Palavras-chaves: Habilidades sociais, Arteterapia, Deficiência. 4 Universidade Potiguar – UNP Alquimy Art A ARTETERAPIA PROMOVENDO HABILIDADES SOCIAIS EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Monografia apresentada pela aluna Vivian Rosa Batista ao curso de Especialização em Arteterapia em 27 de outubro de 2007 e recebendo a avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: ___________________________________________________________ Profa. Flora Elisa de Carvalho Fussi, Orientadora ___________________________________________________________ Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização ___________________________________________________________ Profa. Convidada Msc Anete Maria de Oliveira 5 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos pacientes que me inspiraram a buscar um aperfeiçoamento profissional facilitador do encontro entre mente, corpo e alma. 6 AGRADECIMENTOS Agradeço a todas as pessoas que contribuíram para a realização desta pesquisa: Aos participantes do grupo que tiveram disposição e interesse em participar das oficinas arteterapêuticas.. A todos os professores, principalmente à Flora pela maestria, sabedoria e paciência ao repassarem os conteúdos. Helena Maria, pela amizade sincera e persistência admirável que nos uniu, deixando para trás amigas que desistiram entre elas Regina de Fátima Moreira que agora trilha outros caminhos. Ao Max Luiz da Mota por todo incentivo expresso nas atitudes de amor e que ao final dessa pesquisa já não era mais um namorado, e sim um esposo compreensivo e grande admirador do meu trabalho. Aos familiares, principalmente à minha mãe Zildenê e à avó Ana (in memorian), modelos de garra e vitória em minha vida. Às pacientes: Vitória (in memorian), S. e demais pacientes por tudo que me proporcionaram, pelo amor, a tranqüilidade, a disposição e as descobertas. A todos vocês, muito obrigado por terem chegado aqui comigo e acima de tudo muito obrigado a Deus, fonte de inspiração divina. 7 “Tente de alguma maneira, fazer alguém feliz. Aperte a mão, dê um abraço, um passo em sua direção. Aproxime-se sem cerimônia. Dê um pouco do calor de seu coração. Assente-se bem perto e deixe-se ficar muito tempo, ou pouco tempo. Não conte o tempo de se dar. Deixe o sorriso acontecer. E não se espante se a pessoa mais feliz for você”. (MIRANDA & MIRANDA, 1991) 8 SUMÁRIO RESUMO....................................................................................................09 ABSTRACT................................................................................................10 1. INTRODUÇÃO.......................................................................................11 2. O ENCONTRO COM A ARTETERAPIA: UMA TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL...................................................................16 3. A RELAÇÃO ENTRE HABILIDADES SOCIAIS E SAÚDE................. 21 3.1 – O Processo Criativo Favorecendo o Desenvolvimento de Habilidades Sociais................................................................................ 26 4. A RELAÇÃO ENTRE ARTETERAPIA E DEFICIÊNCIA.................. 32 4.1 – Arteterapia na Atualidade............................................................ 37 5. ARTETERAPIA NO DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES SOCAIS................................................................................................. 41 5.1 – Participantes................................................................................ 44 5.2 – Recursos Desenvolvidos nas Oficinas........................................ 45 5.3 – Procedimentos ................................................................................45 6. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS................................. 53 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................. 56 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................. 57 9 RESUMO A ARTETERAPIA PROMOVENDO HABILIDADES SOCIAIS EM PESSOAS COM DEFICIÊNCIA A pesquisa descreve teorias e técnicas que demonstram a Arteterapia como recurso terapêutico no desenvolvimento de habilidades sociais. O trabalho foi desenvolvido numa instituição de saúde que abriga pessoas com deficiências, localizada em Goiás. Teve por objetivo desenvolver habilidades sociais em indivíduos com déficits nesta área. Para isso foi desenvolvido um trabalho de grupo que constou de participantes adultos, que apresentavam dificuldades de relacionamento interpessoal agravado por uma deficiência física e/ou mental. Depois de levantadas as dificuldades partiu-se para a intervenção, desenvolvida conjuntamente com uma facilitadora. Foram utilizados vários recursos e técnicas, tais como: colagem, expressão corporal, pintura em tela, pintura em papel canson, relaxamento, dança circular, contos e outros. Obteve-se com esta pesquisa, um resultado satisfatório já que os participantes melhoraram, consideravelmente, a qualidade de suas relações desenvolvendo suas habilidades sociais através da criatividade. Independente da abordagem, e das técnicas adotadas ressalta-se, ao termino do estágio e ao concluir esta, que a arteterapia é capaz de proporcionar experiências profundas e resultantes da integração do indivíduo. Palavras-chaves: Arteterapia, Habilidades Sociais, Deficiência. 10ABSTRACT THE ARTETERAPIA PROMOTING SOCIAL ABILITIES IN PEOPLE WITH DEFICIENCY The research describes theories and techniques that demonstrate the Arttherapy as therapeutical resource in the development of social abilities. The work was developed in a health institution that shelters people with deficiencies, located in Goiás. It had for objective to develop social abilities in individuals with déficits in this area. For this a group work was developed that consisted of adult participants, who presented difficulties of interpersonal relationship aggravated by a physical and/or mental deficiency. After raised the difficulties it was broken for the intervention, developed jointly with a therapeutics. Some resources and techniques had been used, such as: glue, corporal expression, painting in screen, painting in paper canson, relaxation, dances to circulate, stories and others. It was gotten with this research, a satisfactory result since the participants had improved, considerably, the quality of its relations developing its social abilities through the creativity. Independent of the boarding, and the adopted techniques it is standed out, to it I finish it period of training and when concluding this that the arttherapy is capable to provide deep and resultant experiences of the integration of the human baing. Word-keys: Arteterapia, Social Abilities, Deficiency. 11 1. INTRODUÇÃO O interesse em pesquisar este assunto partiu da observação de que as relações interpessoais socialmente adequadas favorecem a saúde do indivíduo e de pessoas com quem este se relaciona (amigos, familiares, cuidadores, profissionais da área da saúde). Outro fator foi a realidade observada na prática que comprovou que a deficiência dos participantes do grupo era potencializada devido à dificuldade de se expressarem. Este trabalho fundamentou-se principalmente na abordagem analítica Junguiana e foi complementado por recursos da abordagem cognitivo comportamental, que tem investigado e desenvolvido técnicas bastante eficazes para o desenvolvimento de habilidades sociais. A proposta desta pesquisa foi avaliar a eficácia de um programa de treino em habilidades sociais através da Arteterapia sobre o desenvolvimento de comportamentos socialmente habilidosos em indivíduos com déficits nesta área. Sabe-se que a Arteterapia integra conhecimentos advindos de várias áreas como filosofia, antropologia, artes, psicologia e outras. Trata-se de uma abordagem de atuação terapêutica que compõe teorias gerais e técnicas (expressivas e vivenciais) tais como: desenho, pintura, colagem, música, expressão corporal, visualização, 12 escrita criativa, relaxamento, entre outros, facilitando o desenvolvimento de potenciais criativos, conseqüentemente reduzindo o sofrimento psíquico, favorecendo o processo de cura. Por possuir a formação em psicologia e atuar em uma instituição hospitalar filantrópica que atende pacientes com deficiências, constatei as restrições da profissão e a necessidade de obter recursos para atuar com esta clientela. A pessoa com deficiência apresenta um problema de relacionamento social ou comportamental, devido a sua limitação física, cognitiva ou mental além da dificuldade de expressão e consequentemente de serem compreendidos, necessitando muitas vezes de uma abordagem mais flexível e dinâmica. Tentando alcançar este público, procurei o curso de Arteterapia visando, atender esse meu anseio profissional, já no primeiro módulo tudo indicava que estava no caminho certo: o de possibilitar a auto-expressão e a resolução de conflitos internos destes pacientes deficientes tão excluídos da sociedade. Pessoas que em sua maioria tem uma limitação no nível de comunicação verbal e não verbal, apesar de possuírem potencialidades que lhes permitem readquirir o controle, em maior ou menor grau, sobre suas vidas e além de tudo, atender às necessidades vigentes no processo de viver. Vale ressaltar, que não foi um percurso tão fácil, pois as teorias e vivências atingiam o próprio eu, e como bem relatavam nossas mestras, “antes de praticar com o outro é preciso primeiro vivenciar a técnica” (Allessandrini, 2004). E é realmente vivenciando que se constrói uma 13 compreensão mais completa e humana dos processos psíquicos internos e externos. Foram várias as descobertas vivenciadas ao longo do curso, por isso sempre foi exigido pelos professores que estivéssemos em processo analítico. Essa dica reafirma para os futuros arteterapeutas a importância de jamais atuarem com auto-suficiência e resistência, além de conscientizar que o processo analítico é fundamental para a formação pessoal e profissional. É preciso cautela para não ser tomado pela fantasia de curador, e ignorar o fato de que a verdadeira cura só acontece quando o paciente entra em contato com seu “médico inconsciente” e dele recebe ajuda. A verdade é que nossas próprias feridas, se mal resolvidas, podem de fato influenciar no processo terapêutico, no sucesso do profissional e, principalmente, no processo de cura do paciente (Groesbeck, 1983). Por isso o terapeuta precisa permitir ser analisado e iluminado pelo paciente, pois é lidando com a dificuldade do outro e vice-versa, que entramos em contato com o arquétipo do médico ferido, como explica Jasper (apud Groesbeck 1983), com as seguintes palavras: Só quando o médico tiver sido tocado profundamente pela doença, infectado por ela, mobilizado, amedrontado, comovido, só quando ela tiver se transferido para ele, continuado nele e obtido um referencial em sua própria consciência – só então e só nessa medida poderá lidar com ela eficazmente (p.85). 14 Franz (1999) reforça o que foi citado anteriormente, afirmando que, o processo de cura requer uma superação das próprias feridas, do sentimento de Deus criador, ou da mãe protetora que possui qualidades maternais que cuida dos indefesos e sofredores. Para tornar esta pesquisa mais abrangente trocaria o termo médico por “pessoa”, já que qualquer um pode ser acometido pelo arquétipo de cura, inflar o ego, e quem sabe se tornar um “Semi-Deus”, dotado de tal perfeição angelical, sobrenatural, que seria impossível uma relação real como cita Jung (apud Robertson, 1992). É aí que se instala o problema do terapeuta, do médico, do líder religioso e de qualquer outro ser humano. O agravante é que, só após um talentoso processo analítico, esse ser superior descobrirá sua verdadeira essência humana. Aceitar que o analista apenas ajuda e apóia neste processo de cura, e que não é um Deus Soberano, nem sempre é fácil e indolor, porém torna possível superar a inflação do ego e compreender que não é o responsável pela cura, mas sim um meio facilitador. Ciente do perigo de inflar o ego, e de se deixar dominar pelo sentimento de onipotência, busquei recursos para trabalhar as dificuldades profissionais e também pessoais ao longo deste estudo. E devido a este interessante contexto, busquei abandonar determinados arquétipos ao longo do curso, inclusive o arquétipo do médico ferido que aqui amenizarei, usando o termo “arteterapeuta em formação”. 15 Esta palavra “em formação”, citada por uma das organizadoras do curso, acolhi como parte do meu dicionário da vida, pois realmente foi de grande sabedoria ao nos citar estas palavras. Não sei se para as outras alunas esta frase foi tão significativa quanto para mim, mas a partir daquela data descobri que sou uma “pessoa em formação”, uma filha em formação, umaesposa em formação, uma Psicóloga em formação, uma Arteterapeuta em formação, e se Deus permitir estarei em constante formação até o fim dos dias... Enfim, esta pesquisa aborda um trabalho arteterapêutico com pessoas deficientes que nos levam, de forma mais humana, ao resgate do amor-próprio e da capacidade de facilitar a “cura” de forma amorosa através da ampliação da consciência, como afirma Bernardo (2001). Acredito que esta pesquisa é mais uma contribuição para aqueles que tenham interesse por assuntos como: habilidades sociais, saúde, e atuação com pacientes deficientes, e contribui também para os mais variados estudos na área da Arteterapia. 16 2. ENCONTRO COM A ARTETERAPIA UMA TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL Para compreender melhor o interesse pela arteterapia e a escolha desta pesquisa é importante descrever a trajetória que ocasionou este meio. Foi no curso de psicologia que deparei com a complexidade do ser humano, percebi o quanto era difícil, atingir a sua essência, resgatar a espontaneidade, a autenticidade e a criatividade. Como era difícil enquanto psicóloga, lidar com mecanismos de defesa, anseios, afetos e desafetos, coisas que apenas os cinco anos e meio de formação de teorias e práticas na área não alcançavam. Com o diploma na mão, surgiram as primeiras experiências de atendimento psicológico. Quantas dúvidas! Como e com quem usar aquelas técnicas, com o tempo logo fui descobrindo o caminho. Tentando responder a estas perguntas continuei meu trabalho, que corria muito bem até que, numa bela tarde de sexta-feira, no último horário de atendimento, entrou em meu consultório uma família e me apresentou essa emocionante história que irei relatar, a qual foi primordial para minha busca pela Arteterapia. Iniciei o atendimento com simples palavras: “Bom dia! Vamos?” Entraram pai, mãe e filha (numa cadeira de rodas), essa aqui citada por um nome fictício, Vitória. 17 Nascida em nove de agosto de 1970, graduada em Letras, falava fluentemente inglês, gostava de sair e se divertir, uma jovem como qualquer outra da sua idade, talvez mais menina ainda como relatavam seus pais. Cheia de desejos e expectativas procurou novas oportunidades fora do Brasil, mudou-se para os Estados Unidos para trabalhar e estudar, lá começou uma nova vida, logo conseguiu emprego, amigos e inclusive, um namorado. Apaixonou-se perdidamente, chegaram a ficar noivos, planejando assim uma vida a dois. No entanto, o casamento esperado não aconteceu, pois o noivo resolveu romper a relação... Aqui saímos bruscamente de uma história de romance e entramos numa tragédia... Vitória não se conformou com o término do relacionamento, buscou a pior de todas as soluções para o problema: tentou suicídio com “overdose” de medicamentos, ficou desacordada no seu apartamento, até que seus amigos percebendo sua falta no trabalho resolveram procurá-la e ao arrombar a porta, lá estava ela caída, desacordada no chão do banheiro. A jovem ficou quarenta dias em coma, até que a família conseguiu dinheiro para trazê-la para o Brasil, onde tentaram vários tratamentos e recursos, passando por vários hospitais. Após esta quarentena de dúvidas e diagnósticos, Vitória conseguiu sair do coma, porém, com “lesão encefálica por ingestão de coquetel químico”. 18 Dependendo da localização da lesão, segundo Francisquetti (2005) apresentam-se subdivisões chamadas de anatômicas: a paraplegia (comprometimento de membros inferiores); a triplegia (comprometimento de três membros); e a hemiparesia (quando apenas um lado do corpo é acometido). Em determinados casos ocorre uma alteração denominada de espasticidade, o qual ainda não é totalmente compreendido pela comunidade científica, que mantém os músculos ativos através de movimentos involuntários, os quais, do no ponto de vista da pessoa afetada, podem tornar-se bastante incômodos e, em determinadas situações limitar a vida ativa ou até mesmo impossibilitá-la (Wikipédia, 2007). A partir de extensa avaliação clínica, realizada por vários profissionais da área de saúde, concluíram que a paciente em questão tinha uma lesão cerebral com um quadro de tetraplegia espástica, conceitos estes que já foram detalhados anteriormente. Foi assim que conheci Vitória, uma vida aprisionada em uma cadeira de rodas, presa por faixas para a cabeça e o corpo não caírem e para conterem a espasticidade das pernas. Palavras, não saíam de sua boca, apenas o choro que expressava o aprisionamento da sua alma. Quando olhei nos olhos daquela jovem tinha a certeza de que poderia fazer algo por ela, vários profissionais já haviam desistido, acreditavam que não havia nenhuma função psíquica em funcionamento. E agora? Onde estavam as teorias? Quais técnicas poderiam provar o contrário? Como atender uma pessoa que não verbalizava, não 19 gesticulava?... Essas foram algumas das dúvidas que me afligiram na época. Foi então buscando resposta para essas perguntas que encontrei a Arteterapia. Foi a fala pela arte, o encontro pela expressão e a cura pela criatividade. Foi tudo isso que a arteterapia me proporcionou uma possibilidade a mais de atuação, um recurso a mais para atingir aquilo que muitas vezes para as terapias breves são inatingíveis. Na verdade me possibilitou a oportunidade de ao menos tentar de uma maneira mais criativa me encontrar enquanto pessoa, enquanto profissional e a partir daí, ir de encontro com o outro. A Arteterapia me permitiu estabelecer um vínculo com Vitória e juntas descobrirmos quantas habilidades sociais ela ainda possuía e quantas ainda desenvolveria, foi desta forma que procurei um recurso facilitador para o desenvolvimento de suas habilidades por outros meios que não só a fala, que no seu caso estava limitada a ruídos. Assim aconteceu, na minha vida o encontro da Psicologia, ciência que estuda o comportamento humano e seus processos mentais, com a Arteterapia, meio através do qual cada indivíduo pode encontrar possibilidades de expressão para, através de técnicas e recursos artísticos, elaborar, compreender e externalizar artisticamente seu potencial criativo (base da Arteterapia). Vitória despertou em mim aquilo que estava escondido: a criatividade, a espontaneidade, a arte de ser terapeuta antes escondida no meio das teorias e técnicas. Essa descoberta abriu um leque de 20 oportunidades de atuação para os pacientes de tipologias diversas, principalmente pessoas com deficiência. Iniciou-se a partir de então, o estudo teórico-prático da Arteterapia, a formação de um grupo terapêutico composto apenas por deficientes que, com a ajuda de outra facilitadora, atendia uma média de dois a oito pacientes, chegando até mais em algumas sessões. Foi um trabalho interessante e para saber mais sobre este estudo e os resultados alcançados nessa belíssima trajetória, só concluindo a leitura desta pesquisa. 21 3. A RELAÇÃO ENTRE HABILIDADES SOCIAIS E SAÚDE O termo Habilidade Social (H.S.) relaciona conceitos como assertividade, empatia, competência social, habilidades de comunicação e outros. Uma das definições mais completas sobre o tema é apresentada por Caballo (1996, p.365): O comportamento socialmente habilidoso é o conjunto de comportamentos emitidos por um indivíduo em um contexto interpessoal que expressa os sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo de um modo adequado à situação,respeitando esses comportamentos nos demais (...). Trabalhos focados em habilidades sociais são teoricamente complementados por estudos na área das habilidades cognitivas como: analisar recursos; passos e procedimentos para solução de problemas; tomar decisões, pensar criticamente e desenvolver o auto-conhecimento; habilidades para manejo de estresse, como identificar fontes de estresse, buscar recursos para lidar com estressores de vida; fortalecer a auto- eficácia; controlar impulsividade; manejar ansiedade; lidar com o tempo e corrigir distorções de pensamento que geram estresse. Enfim, ensinar o indivíduo a lidar consigo e com o mundo, além de desenvolver habilidades de adaptabilidade a circunstâncias adversas de vida e prevenir o desenvolvimento de problemas emocionais e comportamentais. 22 Para as pessoas com inabilidade em se expressar e se relacionar, estes comportamentos socialmente habilidosos são fundamentais. Os autores Del Prette & Del Prette (1999) explicitam da seguinte forma: VERBAIS DE CONTEÚDO: fazer, responder perguntas, lidar com críticas, opinar, concordar, discordar, agradecer, auto-revelar, etc. VERBAIS DE FORMA: latência, duração, bradilalia, taquilalia, volume, modulação, transtornos da fala, etc. NÃO VERBAIS: contato visual, sorriso, gestos, expressão facial, postura corporal, contato físico, etc. CONHECIMENTOS PRÉVIOS: sobre a cultura e ambiente, sobre os papéis sociais, auto-conhecimento. EXPECTATIVAS E CRENÇAS: planos, metas, valores pessoais, auto-conceito, auto-eficácia versus desamparo, estereótipos. ESTRATÉGIAS E HABILIDADES DE PROCESSAMENTO: leitura do ambiente, resolução de problemas, auto-observação, auto- instrução, empatia. FISIOLÓGICOS: taxa cardíaca, respostas eletromiográficas, respiração, resposta galvânica da pele, fluxo sanguíneo. OUTROS COMPONENTES: atratividade física e aparência pessoal. Estes comportamentos que incluem tanto aspectos verbais quanto não-verbais influenciam a comunicação, ou seja, a relação humana. Portanto, a inabilidade nesta área prejudica a qualidade de vida, 23 o bem-estar, as interações sociais e favorece desajustes sociais, tais como, timidez, isolamento social e problemas psicossomáticos. Em se tratando de problemas psicossomáticos, Gimenez (1994, p.44) afirma que, “o fato de um paciente somatizar (...), não significa que ele não simbolize, mas sim, que essa simbolização acontece no plano somático” acrescenta também o fato de que seria um grande redutivismo restringir o processo de simbolização ao nível verbal ou abstrato. De acordo com esta teoria, percebe-se que o indivíduo que tem dificuldade para se expressar e o faz de forma somática é porque perdeu a conexão do corpo com seu inconsciente somático, de modo que a parte instintiva, fantasiosa, se desconectou da orgânica. Com base nesta conexão, entre corpo-mente ou psique-soma, Jung (apud Robertson 2002) explicita que quanto maior a cisão entre estes, maior a capacidade do ser humano em adoecer, este adoecimento se evidencia no sintoma físico, que é um símbolo que expressa corporalmente a manifestação contida no inconsciente. O indivíduo faz uma tentativa de integrar a consciência ao instinto reprimido, porém devido à dificuldade de expressão no nível mais consciente, o sintoma corporal se manifesta. Quando este sintoma se manifesta, o indivíduo passa a se queixar de uma doença orgânica, sem se dar conta que o conteúdo desencadeador dessa sensação fisiológica é advinda de um sentimento conflitivo. Jung (apud Robertson 2002) descreveu vários métodos, para trabalhar estes conflitos, nos quais pode se realizar a transição dos conteúdos inconscientes, sintomas orgânicos ou emocionais, para o plano 24 consciente. Dentre estes métodos, que auxiliam o indivíduo na compreensão desta manifestação, encontra-se a Arteterapia, q Fazendo referência à afirmação de Diniz (2002): A Arteterapia se utiliza de técnicas expressivas para a amplificação (desenho, modelagem, pintura, dramatização, caixa de areia, entre outras), leva a esse movimento de circunscrever o símbolo sem interpretá-lo, sem reduzí-lo, ao contrário, amplificando-o (p.145). Por meio da utilização destas técnicas, se torna possível a representação mental, a simbolização do sintoma e conseqüentemente a transformação do todo. Vale ressaltar, que as técnicas e os recursos para o tratamento devem ser escolhidos com muita cautela, para não cair no erro de tratar toda doença como psicossomática, e fazendo uma analogia: tratar um câncer como se fosse uma depressão, ou tratar uma depressão como se fosse um câncer. Estas técnicas são muito úteis para pessoas que apresentam uma limitação genética ou adquirida, ou seja, uma deficiência. Muito embora, os indivíduos com distúrbio e retardo mental, tem acentuado déficits de habilidade social, devido às várias deficiências cognitivas, o que limita a possibilidade de atuação. Dependendo do grau de comprometimento os recursos puramente verbais acabam se tornando disfuncionais para o tratamento dos mesmos. Como grande parte da vida é construída de interações com outros indivíduos, os que evitam contatos e preferem se isolar 25 socialmente são mais propensos aos problemas psiquiátricos, segundo Del Prette & Del Prette (1999), além do fato de que questões emocionais reprimidas e relações sociais insatisfatórias podem facilitar doenças físicas. Essa é a questão que torna o desenvolvimento de habilidades sociais importantes na qualidade de vida, principalmente na vida do deficiente que é tão discriminado e isolado pela sociedade. Ao falar de qualidade de vida e promoção de saúde, percebe-se que este conceito mudou muito. Atualmente o padrão social idealiza e cobra perfis de indivíduos esteticamente perfeitos, com total com controle emocional, facilidade de se relacionar, sensibilidade, empatia, assertividade, inteligência emocional, status social, aparência pessoal entre outros. No entanto, este perfil foge aos padrões tradicionais internalizados, anula a história pessoal ou coletiva do indivíduo, podendo ser fator motivador ou aprisionador. No caso de Vitória, a busca por um padrão social a aprisionou a cadeira de rodas. Aqui faço uma relação da cadeira de rodas com o livro “A Pipa e a Flor” de Rubem Alves (1994). Conta a história de uma flor presa, enterrada ao chão vendo, várias pipas voarem livremente, como libertá- la? E como libertar várias outras rosas presas em seus conteúdos emocionais reprimidos no inconsciente e mal resolvidos? Essa analogia reporta à nossa atuação profissional de promover e facilitar o processo de cura e favorecer a saúde. Por isto, os profissionais precisam estar preparados para saberem como contribuir com seus conhecimentos; seja psicólogo, 26 fisioterapeuta, médico, arteterapeuta, entre outros; de modo a usar adequadamente os recursos para prevenção e promoção de saúde junto ao paciente com ou sem deficiência. Por esse motivo, e outros citados anteriormente, a relação entre corpo-mente, se torna imprescindível no processo de transformação, e as habilidades de se relacionar colaboram muito para este processo. Eis porque é fundamental aprofundar no desenvolvimento de habilidades sociais para a promoção da saúde, e porque esta área tem incitado o desenvolvimento de pesquisas que identifiquem recursos eficazes, por isso as terapias expressivas como a arteterapia, que procura desenvolver a criatividade são fundamentais facilitadores desta correlação. 3.1 O Processo Criativo Favorecendo o Desenvolvimento deHabilidades Sociais Conforme citado anteriormente a criatividade é fundamental para manter a saúde do indivíduo, visto que mantêm a espontaneidade do processo criador que associado a materiais artísticos, como pintura, modelagem, desenho, e outros propiciam efeitos terapêuticos, podendo ser auto-curativas (Philippini, apud Santos 2002). Diante disso entende-se que o homem cria e re-cria o mundo na medida em que dirige um olhar imaginativo sobre ele. É esse modo de olhar que possibilita a fantasia, a imaginação, a criação. Para Jung (apud, 27 Torre 2005), o instinto cultural por excelência abre um tempo e um espaço para a imagem e é esse o original ato criativo do homem. No processo criativo e no ato de criar, de imaginar, de fantasiar, de refletir, de ver através dos fatos, de perceber as imagens além da aparência, enfim nesse relacionamento cultivado com a alma, com as experiências e vivências que o ser humano pode chegar a se conhecer e conseqüentemente desenvolver suas potencialidades e habilidades jamais exploradas. Jung (apud Torre 2005), ao designar a capacidade humana de criar, usou a expressão “instinto criativo”, ressaltando que, este fator psíquico tem uma natureza dinâmica semelhante à dos instintos e, uma relação íntima e profunda com eles, porém não sendo idêntico a nenhum deles. Onde o anseio criativo seria como um complexo autônomo, ou seja, um impulso que brota do inconsciente e vive na alma do homem. Portanto, criar é uma maneira de conhecer e tomar posse de si mesmo, de um modo particular, individual e único. A motivação para criar pode vir de uma necessidade consciente ou inconsciente, de construir ou reconstruir a própria história com imagens que possuem um significado pessoal. Carl Gustav Jung deixou várias contribuições neste contexto, embora encontrasse divergências com a psicoterapia Freudiana tão apreciada naquela época (Maroni, 1988). Um aspecto importante destas divergências refere-se à teoria da sexualidade que na psicoterapia freudiana está em primeiro plano, e na psicoterapia analítica Junguiana, esta é apenas uma das possibilidades da psicoterapia. 28 Trata-se de uma abordagem fundamental para trabalhar pessoas com deficiências e também com problemas de relacionamentos, desenvolvidos por déficits de habilidades sociais, pois os fundamentos desta abordagem não se baseiam apenas na linguagem, mas também no significado das imagens tão fundamentais em um trabalho arteterapêutico. Conforme ressalta Maroni (1988) a linguagem é, fundamental para a comunicação, a sociabilidade e a adaptação, porém, fica claro também que é incapaz de alcançar o que foge do padrão médio da comunicação. Por isso escolhi como fonte de estudo a psicologia analítica Junguiana que valoriza os aspectos como pensamento fantástico, a arte, o lúdico, abordagem que é utilizada como fundamentação teórica para a Arteterapia por trabalhar também a linguagem não verbal, ou melhor aquilo que está além do verbal, do explícito, que muitas vezes não é vislumbrado por um processo analítico puramente verbal. Eis aí uma das grandes contribuições de Jung para a Arteterapia e, de um modo especial, para os pacientes com dificuldades de expressão. A psicoterapia analítica Junguiana tem a capacidade de valorizar o indivíduo por seus aspectos mais amplos, menos racionais, podendo levá-lo a refletir de forma instintiva e não somente verbal, por meio da linguagem, atendendo assim a demanda daqueles que tem linguagem comprometida. É o caso de pacientes com retardo mental, paralisia cerebral, ou qualquer outra deficiência, que afeta as funções da fala, como as citadas anteriormente: bradilalia, taquilalia e outros. 29 No entanto, para se expressar de forma menos racional e mais instintiva, como foi dito anteriormente, é preciso ser criativo. Neste sentido as teorias psicológicas ressaltam que o ser criativo, ou o desenvolvimento da criatividade acontece pelas ações intrínsecas, provenientes do próprio indivíduo. Este ato pode se explicar em variadas abordagens, ora contemplando mecanismos de associação, ora contemplando a criatividade como mecanismo de sublimação, ora como função de auto- relização. O importante é que todas as abordagens têm em comum os processos de conhecimento, atendendo a pessoa na sua dimensão afetiva ou das atitudes, podendo levar a considerações intelectuais ou pessoais da criatividade (Torre, 2005). Robertson (1992) complementa a importância da criatividade, ao se referir ao fato, de que esta pode assumir várias formas, e que é exatamente na relação do consciente com o inconsciente, que algo verdadeiramente novo e criativo aparece, porém é preciso saber como usar essa energia criativa. Ao olharmos ao nosso redor, podemos perceber como criamos meios de utilizar esta energia criativa. Para tanto, produzimos formas, símbolos, experimentos o novo, nos permitimos explorar potencialidades jamais exploradas. Isso pode acontecer através da dança, da pintura, do canto, do conto, da música, da escrita, da leitura, do teatro, principalmente se essas expressões forem espontâneas. Há muita inventividade para lidar com o 30 meio que nos cerca e para com ele nos relacionarmos, haja criatividade, haja recurso... É dessa forma que conteúdos gerados pelo inconsciente são trazidos à consciência por meio da criatividade, da arte, e não só pela linguagem verbal. Um bom exemplo disso são indivíduos que apresentam déficits de comportamentos socialmente habilidosos, timidez, agressividade, dificuldade de expressão de sentimentos, positivos ou negativos, nem sempre em uma sessão terapêutica se evidencia. No entanto, quando uma sessão arteterapêutica se inicia, geralmente com um relaxamento, disponibiliza recursos desbloqueadores e atrativos ao inconsciente, o sujeito acaba se encantando e deixando sua criatividade fluir. Possibilita-se, assim uma oportunidade libertadora de expressão que facilitará o desenvolvimento de suas habilidades sociais, desenvolvendo suas áreas deficitárias, melhorando a qualidade de suas relações, por mais restritas que sejam. Neste mesmo contexto Jung (apud, Robertson 1992) faz distinção entre a arte produto da neurose que segundo ele é permeada de conteúdos pessoais, e a arte, cuja fonte está no inconsciente coletivo. Aquela que é produto da neurose se extingue juntamente com o conflito pessoal, e a arte que é fruto do inconsciente, e consequentemente é mais abrangente, não fica só no nível pessoal, mas atua também em instâncias psíquicas superiores, como a do inconsciente coletivo. 31 É essa teoria do inconsciente coletivo que fundamenta a idéia de que nascemos com uma herança psicológica que somada à herança biológica, são determinantes essenciais do comportamento e da experiência do ser. Enfim, essa experiência precisa ser compreendida não apenas no aspecto pessoal, mas também ao nível das heranças que a determinam, das forças psíquicas, conscientes ou inconscientes que direcionam o criador, o indivíduo a expressar-se de maneira instintiva, emocional, intelectual, espiritual. Ao considerar a teoria do inconsciente coletivo é preciso também considerar que nem tudo é puramente racional, comportamental, ou cientificista, e a arte e a criatividade são recursos que vão além dessas considerações. Aqui, vale finalizar o capítulo refletindo sobre os relatos de Carus, (apud Maroni, 1998): O criativo identifica-se com o inconsciente: toda a criação humana é trabalho do inconsciente. A alma e, portanto, a vida é uma eterna metamorfose, e a criação e destruiçãoexplicam essa contínua transformação (pág. 30). Com base nesses fundamentos percebo que este é o caminho que conduz à realização tanto pessoal quanto profissional. O caminho que nos conduz ao saber, tanto o teórico como o prático. É exatamente aí que a arte se inclui como processo facilitador de processos subjetivos curadores. 32 4. A RELAÇÃO ENTRE ARTETERAPIA E DEFICIÊNCIA. Os primeiros achados da história da humanidade são os desenhos em cavernas, que atribuem significado à espécie humana e compõem a memória cultural responsável pelo registro das espécies. O que determinava a continuidade da história humana era a força de um instinto, ou seja, a arte era fundamental como regra de desenvolvimento mental, não apenas como produto da cultura. Em se tratando de arte, a teoria analítica relata que a influência dominante que a originou foi a necessidade de impor ordem à confusão causada pela inteligência, ou seja, buscar compensação da dor, do sofrimento através da expressão espontânea. Por isso, atividades que relaxam a mente promovem emoções positivas, tais como: cantar, dançar, desenhar, descontrair, conversar, ler, escrever, são ditas criativas ou mesmo artísticas. Surgem a partir de um impulso semelhante a um instinto, que capacita a expressão do inconsciente através de símbolos. Esse processo pode ocorrer por alguma dor, sofrimento, alegria, seja qual forem os sentimentos, estes ativam conteúdos inconscientes. Então, aqueles conteúdos da psique que não foram resolvidos, e que o indivíduo tem enfrentar, formam uma função transcendente, que une o consciente ao inconsciente formando o símbolo. Se tudo isso é possível, fica clara a função transformadora, apaziguadora, apreciadora da arte. 33 E qual o papel da arte? Situando historicamente, a arte é a possibilidade de um contato com a emoção tanto para quem cria, quanto para quem observa. Um exemplo disso é o efeito do teatro, onde o público corresponde emocionalmente à peça apresentada, seja tragédia, comédia, suspense ou outros (Carvalho, 1995). Os primeiros estudos do uso da arte em conjunto com psiquiatria e psicologia datam do final do século XIX, quando em 1876, Max Simon, psiquiatra, publicou pesquisas sobre patologias e manifestações artísticas feitas por doentes mentais. No início do século XX, Sigmund Freud observou a manifestação do inconsciente através das imagens. Foi a partir desta década que Jung começou a utilizar a expressão artística como parte do tratamento psicoterápico, acreditando na função psíquica da criatividade, já citada anteriormente neste estudo. Para Jung (1985) os conteúdos da obra de arte revelam características do indivíduo que a realiza, pois são conteúdos que brotam do inconsciente e que podem ser compreendidas através do lápis, pincel, tinta, aquarela, giz de cera, argila e outros. É através das atividades expressivas que o indivíduo tem a possibilidade de obter um maior conhecimento delas, percebendo tanto seus aspectos positivos como negativos. Esses aspectos podem ser compreendidos através das linguagens – a expressão artística e a verbal – pois uma auxilia, esclarece e enriquece a outra, facilitando a expressão das emoções e a compreensão de seus símbolos e conteúdos. 34 Na transformação da imagem em palavras, ocorre o entendimento cognitivo, capaz de direcionar os esforços. Nesse momento o arteterapeuta enquanto facilitador de oficinas criativas torna-se catalisador deste processo. Pode-se observar, das pesquisas, que tanto para Freud, quanto para Jung a expressão dos conteúdos simbólicos é facilitada pelo uso da arte, porque o inconsciente se revela melhor através de imagens do que por palavras (Maroni, 1998). Este processo é enriquecido pela verbalização dos sentimentos durante a execução da obra, o que possibilita a compreensão das emoções e pensamentos, dando grande valor ao processo arteterapêutico. A Arteterapia trabalha com o simbólico, que é uma forma de energia que se manifesta através de imagens. A energia que está contida no símbolo vem do inconsciente e, através das técnicas expressivas, ela é trazida para o consciente e é trabalhada. Os símbolos quando não verbalizados se expressam por analogias, por metáforas. Dessa forma, o processo simbólico precisa da imagem para que o conteúdo inconsciente seja trazido para o consciente. E para isso são usadas a modelagem, a pintura, a colagem e diversas outras técnicas, visando facilitar a compreensão do significado do símbolo. É exatamente nesta etapa que se insere o arteterapeuta, atuando como facilitador no processo de resiignificação da realidade 35 interna, no caso desta pesquisa atuando especificamente num grupo de pessoas com deficiência. E por falar em deficiência, Amiralian (1986, p.23) complementa que “a maneira de considerar os deficientes está relacionada aos valores sociais, morais, éticos, filosóficos e religiosos”. Para Golineli (2002, p.15) “o portador de necessidades especiais, é todo indivíduo, que apresenta características que fogem dos padrões de normalidade”. Vale ressaltar que não se usa mais a terminologia „portador de deficiência‟ e sim pessoa com deficiência, de acordo com a determinação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na execução da Campanha da Fraternidade do ano de 2006. Enfim, os termos usados antigamente marginalizavam estas pessoas, porém hoje a tendência é suavizar os termos buscando expressões socialmente mais adequadas e positivas. Mesmo assim, com toda esta tendência à inclusão qualquer pessoa com deficiência, ainda encontrará na sociedade barreiras determinantes no seu processo de inclusão. Isso porque ao nascer as estruturas sociais já estão estabelecidas, é preciso então superar para tornar-se parte do grupo social, tarefa esta que não é nada fácil. O que ameniza esta problemática é o fato de que estas estruturas sociais e conceitos estão se modificando ao longo do tempo, assim como a aceitação da sociedade em relação à pessoa com deficiência. A própria história retrata a dificuldade de inclusão destes indivíduos: na Idade Antiga as causas eram consideradas efeitos de 36 forças sobrenaturais; na Idade Média essas pessoas eram consideradas seres possuídos pelo demônio, incorporados de um espírito maligno. No século XX as pessoas com deficiência foram objetos de muitos estudos científicos desenvolvendo opções de tratamento de toda ordem instituindo o modelo médico da deficiência ligada à temática da reabilitação. Nesse contexto as pessoas com deficiências passaram a serem classificadas de acordo com o seu comprometimento físico ou motor, sensorial ou mental. Para o arteterapeuta este comprometimento inexiste, pois suas capacidades, técnicas e habilidades podem ajudar a pessoa com deficiência a explorar e superar sua limitação, sendo considerado um paciente como qualquer outro, lógico que atuando com recursos adequados. Portanto é adequando seus métodos à realidade do outro, que o arteterapeuta proporciona um ambiente acolhedor, de respeito e aceitação, onde elas percebam que, mesmo com limitações, continuam sendo pessoas que podem produzir e criar, o que pode ser de extrema valia em momentos que o paciente [...] se sente deprimido ou inferiorizado. (Francisquetti apud Ciornai, 2005). Trabalhar com reabilitação é penetrar num mundo onde enxergar não quer dizer ver, onde comunicação não se traduz pela compreensão da linguagem, onde tocar não quer dizer sentir, ouvir não quer dizer escutar, ou ainda, caminhar não é andar com ospróprios pés (Francisquetti, 1999, p.54). 37 Por isso, a Arteterapia alcança resultados excelentes com pacientes com dificuldades de expressão, porque é uma abordagem que utiliza além da técnica a sensibilidade de conduzir o processo terapêutico de forma natural, desprovido de julgamentos e cobranças. Assim o sentimento de incapacidade e incompetência passa a não existir, nesse momento as idéias começam a fluir, desencadeando habilidades jamais experimentadas. 4.1 A Arteterapia na Atualidade Atualmente a arteterapia busca embasamento em diversas abordagens teóricas sendo utilizada como método terapêutico em consultórios, escolas, empresas e outras instituições. Possibilita o trabalho com pacientes tanto individualmente como em grupo, bem como no atendimento de famílias e casais e pacientes de todas as idades. Aqui no Brasil dois profissionais desenvolveram um admirável trabalho nesta área, são eles: Osório César e Nise da Silveira. Osório César é seguidor da abordagem freudiana e em 1923, ainda estudante, começa a desenvolver estudos sobre a arte dos internos do Hospital Juqueri. Nise da Silveira, psiquiatra, realizou um trabalho pioneiro quando criou as oficinas de trabalho na Seção de Terapia Ocupacional, em 1946, no Centro Psiquiátrico D. Pedro II, em Engenho de Dentro, Rio 38 de Janeiro, embasada na teoria de C. G. Jung. Ela estudou os mitos e arquétipos e comparou-os com as imagens produzidas pelos pacientes em suas expressões artísticas, percebendo uma grande semelhança entre eles. Nas obras executadas por pacientes, em exposição no Museu do Inconsciente, Rio de Janeiro, evidencia-se a existência do Inconsciente Coletivo, postulado por Jung, pois os indivíduos que realizaram aquelas obras, em sua maioria, eram muitos simples e não tinham escolaridade. O trabalho que Nise da Silveira (apud Wanderley 2002) realizou com os internos no Centro Psiquiátrico provou que o mundo dos doentes mentais pode ser muito rico e as artes possibilitam a comunicação através dos símbolos. Sendo constatado que os pacientes ficaram mais calmos ao conseguir expressar-se, não necessitando de altas doses de drogas para mantê-los quietos. Nise da Silveira é fonte inspiradora para estudar a arte, a doença mental e também as deficiências, seus legados são fundamentais para isso. E se tratando de deficiência, esta é muitas vezes vista como sinônimo de incapacidade. Alguém pode ser considerado totalmente ou parcialmente incapaz de realizar uma atividade, comparando-se com o parâmetro normal de um ser humano. A aceitação do indivíduo diferente ainda é um processo lento, e isso dificulta a sua adaptação ao meio social, cultural, intelectual. Com isso até o seu desenvolvimento pode ser demorado e ter suas etapas identificadas por uma sociedade despreparada para a adaptação do deficiente. 39 Muitos, em função disto, apresentam sua deficiência potencializada, não entraremos aqui em discussões sociais, ou de adaptabilidade, por se tratar de uma pesquisa específica. É fundamental enfatizar aqui a questão da liberdade psicológica. A pessoa livre de controle externo é psicologicamente livre: capaz de aceitar a si mesma pelo que é – fundamental para o deficiente, poder expressar seus impulsos sem reprimi-los, manipular seus conceitos de forma brincalhona, sem sentir-se culpada, e acima de tudo, encarar o desconhecido e o misterioso como um desafio a ser enfrentado. Essa liberdade psicológica é fundamental para qualquer pessoa, mas principalmente para aquela com necessidades educativas especiais, tradicionalmente chamadas de “excepcionais” ou “deficientes”. Na maioria das vezes essa pessoa tem uma limitação no nível de comunicação verbal e não verbal, no entanto, possui potencialidades que lhe permitem readquirir controle (em menor ou maior grau) sobre sua vida e atender às necessidades pertinentes ao processo do viver. O objetivo da arteterapia, para essa clientela, é o auto- conhecimento, ou seja, que o indivíduo tenha um conhecimento de si próprio, dos seus pensamentos e sentimentos, que dessa forma tenha contato com seu mundo interno para conhecê-lo e aceitá-lo, integrando sua personalidade e, a partir disso, adquirir novas aprendizagens e mudanças. Para que isso aconteça, a tarefa do arteterapeuta é fundamental para auxiliar os indivíduos a se perceberem e se compreenderem melhor. Podendo assim, fazerem as escolhas de maneira 40 mais consciente, descobrindo seus potenciais criativos, retomando a espontaneidade e a liberdade de escolha, tomando em suas próprias mãos a direção de suas vidas, passando de agentes passivos a agentes ativos, descobrindo as ferramentas que estão dentro de si e aprendendo a utilizá-las. Carvalho (1995, p. 24) afirma que: Na Arte-terapia o objetivo primordial da utilização da atividade artística é favorecimento do processo terapêutico. (...) a terapia por meio das expressões artísticas reconhece tanto os processos artísticos como as formas, os conteúdos e as associações, como reflexos de desenvolvimento, habilidades, personalidade, interesses e preocupações do paciente. A Arteterapia visa atuar nos processos de desenvolvimento humano por intermédio de recursos expressivos e artísticos, compreendendo as inter-relações presentes na intervenção arteterapêutica, buscando novas saídas para a compreensão da vida, do universo e do ser humano. É através deste recurso que é possível absorver e promover a criatividade de indivíduos ditos “normais” e os “com deficiência”, se é que existe algum ser humano livre de deficiência. 41 5. A PRÁTICA DA ARTETERAPIA NO DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES SOCAIS O interesse em pesquisar este assunto partiu da observação de que as relações interpessoais, socialmente adequadas, favorecem a saúde do indivíduo e com quem, este se relaciona (amigos, familiares, cuidadores, profissionais da área da saúde). Outro fator foi a realidade observada nesta pesquisa comprovando que a deficiência dos participantes do grupo era potencializada devido à dificuldade de se expressarem. Este trabalho fundamentou-se principalmente na abordagem analítica junguiana, complementado por recursos da abordagem cognitivo-comportamental que tem investigado e desenvolvido técnicas bastante eficazes para o desenvolvimento de habilidades sociais. A proposta desta pesquisa foi avaliar a eficácia de um programa de treino em habilidades sociais, por meio da arteterapia no desenvolvimento de comportamentos socialmente habilidosos, em indivíduos com déficits nesta área. As modalidades expressivas utilizam materiais plásticos que tem como característica peculiar à flexibilidade, o que permite dar forma, ou simbolizar processos intrapsíquicos. Quando o indivíduo aprecia o seu desenvolvimento durante o processo de trabalho, constata suas habilidades motoras e cognitivas frente à tarefa realizada resultando na promoção e valorização de sua 42 estima, além de se sentir inserido num campo social, onde contatos sociais são determinados (Urrutigaray, 2004). O fazer arte é terapêutico porque além de possibilitar a integração da personalidade, a maleabilidade dos materiais plásticos, quebra posturas comportamentais cristalizadas, rígidas, formais e repetitivas. No trabalho com deficientes os materiais mais fáceis de serem manuseados, são os secos como lápis, giz de cera, giz pastel, pois facilitam o controle por se tratar de recursos plásticos de textura mais rígida, diferente. Com o desenvolvimentodas oficinas arteterapêuticas, podemos aplicar recursos mais úmidos, mais fluídos, como as tintas, que também são excelentes meios para manifestação das emoções. Os contos de fada segundo Von Franz (1984), por trazerem conteúdos universais, possibilitam o contato com processos internos individuais. Os contos contêm ações centrais, núcleos narrativos, que estabelecem entre si uma relação causal. Entre estas ações, aparecem elementos secundários ou catalíticos, cuja função é manter o suspense. Segue no conto a intervenção de uma força, com a aparição de um conflito, que dá lugar posteriormente a um episódio de resolução desse conflito. Os contos, por possuírem uma aura mágica, refere Fussi (2000), falam ao coração, apresentando os mesmos conteúdos oníricos dos sonhos. Trazendo em suas mensagens as dificuldades da vida, e os caminhos para superá-las. 43 Além dos materiais plásticos, pintura, argila, colagem; das técnicas cognitivas de relaxamento, reestruturação do pensamento; o conto teve fator primordial nos resultados desta pesquisa. Por ser um excelente recurso, principalmente para facilitar o desenvolvimento da empatia, já que o ouvinte se coloca no lugar dos personagens, podendo o arteterapeuta ser facilitador desse desenvolvimento. Para tanto, deve ficar atento à seu objetivo quando escolher um conto, pois relata em prosa, fatos fictícios, que podem trazer identificações. Nesta pesquisa o criativo teve efeito transformador principalmente através do conto, para isso foi utilizado um livro “Os Porquês do Coração” (Conceil, 1995). Foi desta forma que ocorreram as sessões arteterapêuticas, ora apareciam conflitos, ora resolução para eles, ora aparecia a expressão, ora o silêncio, foi assim que a criatividade facilitou o processo de desenvolvimento de habilidades sociais, proporcionando meios para dissolver problemas, conflitos conscientes e inconscientes e encontrar soluções mais humanas, sociáveis e saudáveis. A Arteterapia proporcionou recursos para desenvolver os seguintes fatores: Habilidades sociais; Assertividade; Empatia; Manejo da raiva e impulsividade; Iniciar e manter amizades; Competências individuais; 44 Auto-conceito; Auto-confiança e Criatividade Esta pesquisa se fez relevante devido ao diagnóstico preliminar levantado em entrevista de recrutamento para participação dos grupos, que constataram que dentre os pacientes entrevistados, a maioria apresentava além da deficiência, problemas de relacionamento interpessoal, ocasionados por déficits de habilidades sociais. E, pelo fator de escassez de pesquisas nesta área, principalmente em abordagens relacionadas à arteterapia e abordagem analítica Junguiana. 5.1 Participantes Os participantes eram internos de uma instituição hospitalar do interior de Goiás, com deficiências físicas, com déficits em habilidades sociais, e idade variando de dezoito à quarenta e dois anos. Os grupos eram compostos na maioria das vezes, de oito a dez pacientes, variando o número a cada oficina. Apesar de ter mais de oito participantes nas oficinas, escolhi uma única para relatar o caso, devido ao progresso apresentado ao final dos encontros. Por ser uma moradora da instituição, não receberia alta, como os pacientes da reabilitação, que se internam para tratamento e depois recebem alta, motivo pelo qual variava o número de participantes do grupo. 45 A participante do grupo escolhida para coleta de dados será denominado de S., uma mulher adulta com sintomas de comprometimento cognitivo e paraplegia advinda de uma paralisia cerebral. Institucionalizada, com dificuldades de expressão e demonstração de afeto, pouca sociabilidade e afetividade, além da dificuldade de compreensão e desenvolvimento cognitivo abaixo da normalidade. 5.2 Recursos Desenvolvidos nas Oficinas: Foram vários os recursos desenvolvidos, primeiramente o humano: a pesquisa contou com duas facilitadoras, cada qual direcionando o foco da pesquisa para sua área e abordagem de interesse. Os diversos recursos utilizados: papel sulfite, cartaz, papel canson, tinta (acrílica, aquarela, guache, óleo), cola, contos, retalhos, revistas pincéis, telas, mesas, cadeiras, livros, som, CD, entre outros. 5.3 Procedimentos: O método estudado nesta pesquisa foi o retrodutivo de Garcia (2002), que observa, compreende e descreve o fenômeno, em toda sua abrangência. Antes de iniciar os encontros, fez-se uma divulgação pela instituição através de cartazes e convites informais, para a mobilização de todos para a participação de todos nas oficinas. Posteriormente, fizemos uma reunião para triagem e apresentação da proposta. 46 No primeiro encontro as facilitadoras tinham por objetivo formar o grupo, fazer apresentação, a integração, divulgar o trabalho, esclarecer do que se tratava e combinar regras de contrato terapêutico, tais como: horário, sigilo, ética, respeito, compromisso, participação e expectativas. Participaram deste, oito sujeitos que concordaram com a proposta de trabalho e iniciou-se o grupo com a apresentação e expectativas dos mesmos em relação aos encontros. Tiveram duração de duas horas, sem considerar a hora de preparação e organização. Este encontro por ser voltado à formação do grupo, não utilizou materiais plásticos. No segundo encontro, o objetivo já foi de integração e sensibilização. Os materiais utilizados foram: papel crepom, tinta guache, papel chamex, pincel, lápis de cor, fita crepe, som e CD. Este encontro contou com 12 participantes. Estava previsto oito participantes, porém o encontro foi programado para um local aberto, em uma praça cercada por árvores, um setting muito tranqüilo, que acabou atraindo outros pacientes da instituição, foi preciso acolhê-los, pois estavam interessados e decididos a participar. Foi preciso usar toda flexibilidade arteterapêutica para lidar com o imprevisível. Inicialmente fez-se uma sensibilização ao som de uma música suave e tranqüila que expande o universo interior distensionando o corpo e a mente. Allessandrini (1999) confirma em suas obras que a música ajuda a compor a experiência criadora. Posteriormente foi entregue a cada participante, tiras de papel crepom previamente recortado, em seguida orientado que segurassem a 47 fita de modo que em contato com o vento proporcionasse movimento. “Deixe o vento conduzir o papel, observe o movimento, que sensação você experimenta neste momento... observe as suas emoções...”, diante destas orientações muitos fechavam os olhos e conduziam o papel. Escolhemos esse material, devido ao fato que, o papel pode ser controlado, não explora tanto os conteúdos intrapsíquicos, e mantém uma distância segura demovendo a ansiedade frente a tarefa a ser executada, ou seja, não é uma atividade ameaçadora. Em relação à S. essa se mantinha sempre distante dos demais, justificando que não conseguiria executar a tarefa, embora conseguisse concluí-la. Ao final os integrantes compartilharam as experiências, com palavras chaves: liberdade, paz, viagem, voar, ser livre,... Foi ressaltada a importância de ter concretizado a tarefa, independente do movimento e da entrega. No terceiro encontro utilizou-se aparelho de som e CD, compareceram oito participantes. Este encontro teve como objetivo estimular a percepção corporal, explorar a linguagem corporal e estabelecer uma relação entre psique e corpo (Philippinni apud Artte, 2002). Inicialmente fez-se exercício de respiração e relaxamento, comofoi explicado anteriormente, é de fundamental importância iniciar qualquer terapia expressiva com mobilização dos participantes. Logo após pediu-se que ouvissem a música e criassem movimentos. Os que estavam em cadeiras de roda, paraplégicos, ficaram um pouco tímidos, portanto 48 demoraram um pouco para se soltar, os demais conseguiram soltar os movimentos com mais facilidade. Sabe-se, que o corpo simbólico é o conjunto de significados psicológicos do somático, e é preciso experimentar o campo no qual ele se constitui. Artte (apud Philippini, 2002) complementa em um de seus artigos que a dança aciona o corpo simbólico a partir da verificação dos significados dos sintomas. Ao final, a junção dos movimentos compôs-se uma coreografia, por eles denominada: No Brilho dos Olhos. Ao perguntar sobre o significado deste título dado à dança eles esclareceram: “não pude dançar com o corpo, mas dancei com os olhos (paciente paraplégica)”; “eu vi o brilho no olho do meu amigo e acho que o meu estava brilhando também”; ao perguntar qual o significado disso para eles finalizaram com as seguintes palavras: “eu estou feliz”, “eu posso muito mais mesmo em cadeira de rodas”, “meu olhar expressa meu coração”... OBS.: Esta coreografia foi apresentada em um evento na própria instituição. No quarto encontro os objetivos foram: proporcionar a reflexão de sentimentos. Os materiais usados: som, CD, e um conto (O Rei e o Bobo da Corte). Este conto não está em anexo porque foi contado por uma das facilitadoras que não tinha o texto original. Resumidamente, só para situar, conta a história de um rei que ao lutar perdeu um dedo da mão, e devido à falta deste dedo retornou para o castelo após ser capturado por canibais, que não quiseram sacrificá-lo por não aceitar a 49 sua „imperfeição‟ pela falta do dedo, conclusão da história: o rei perdeu o dedo, mas não perdeu a vida. Neste encontro participaram cinco pessoas. A proposta inicial era de trabalhar com tinta aquarela, no entanto devido ao fato de que uma das participantes (K.) estava recebendo alta e isso os deixou extremamente emotivos. Foi preciso abrir mão da programação inicial e se adaptar ao contexto atendendo as necessidades do momento. A história do Rei e o Bobo da Corte, contada anteriormente, foi o tema central deste encontro, foi o recurso quer proporcionou um momento para reflexão e elaboração de sentimentos, as falas que retratam a profundeza das reflexões foram as seguintes: “K. você vai embora, mas poderá nos visitar sempre que quiser”, “ poderá nos escrever”, “nós poderemos te visitar”, “você está assim por causa da saudade, mas depois você vai ver que é bem melhor você ficar perto da sua família” (esta última frase é da paciente S. que no início, mal se interagia e participava). Este encontro encerrou com a certeza de que por traz de todo mal sempre existe um bem. Foi desta forma que as participantes se despediram de K. com palavras e gestos de afeto. Cada conto de fada fornece um tipo diferente de experiência, além de trabalhar aspectos da psique e do inconsciente coletivo, inerente ao mundo psicológico humano, conforme relata Bianco (1999). No quinto encontro, os objetivos foram: proporcionar a reflexão de sentimentos, e dos padrões de apegos bons ou ruins, para isso 50 disponibilizou-se os seguintes materiais: som, CD, tinta guache, lápis de cor, conto: A Pipa e a Flor (Alves, 1982). Este encontro contou com cinco integrantes. Iniciou-se com uma sensibilização e respiração. Posteriormente, partiu-se para a leitura da história, e em seguida se ofereceu aos participantes, materiais plásticos para expressão de sentimentos e emoções. Dentre os vários recursos oferecidos, eles escolheram tinta e lápis de cor. O lápis integra o montante de materiais secos, utilizados por pacientes que requerem controle de tônus ou até mesmo de emoções. Contudo, conforme afirma Urrutigaray (2004), pode ser uma técnica que expande as tonalidades afetivas, ou libera agressividade, controla a assertividade, possibilitando denotar tensão ou equilíbrio na obra. No final construíram obras belíssimas, espontâneas que representavam explicitamente o desejo de alcançar o equilíbrio. Enfim complementaram com as seguintes falas: “tem hora que eu queria ser a pipa, tem hora que eu queria ser a flor”, “a minha cadeira de rodas é a minha flor”, “queria voar como a pipa”. No sexto encontro, os objetivos foram: favorecer maior integração do grupo e expressão de sentimentos. Os materiais: papel pardo, papel crepon, fita crepe, cola, tesoura, canetinha, lápis e o livro Os Porquês do Coração (Silva, 1995). A acolhida dos participantes aconteceu com um relaxamento. Posteriormente contou-se a história do livro sugerindo uma reflexão, só depois apresentou aos participantes os materiais para a elaboração da obra que deveria ser em grupo. 51 Os participantes escolheram montar os personagens descritos no livro utilizando praticamente todo o material disponível, por meio da colagem. Na arteterapia a colagem representa o estabelecimento de vínculos mais firmes, possibilitando a confiança no grupo, facilitando a exposição e conseqüentemente à integração das partes materiais e psíquicas. Para facilitar a compreensão do leitor, o conto retrata a história de uma menina de seis anos chamada “Mabel”, extremamente curiosa e questionadora. Pelo fato de sempre fazer perguntas indecifráveis a personagem ganha do pai um peixinho chamado Igor, com o qual ela estabelece uma linda relação de amizade, porém este morre deixando a dor da saudade. Foi escolhido este conto, por trabalhar conteúdos como comunicação, amizade, saudade, perdas e até mesmo o luto. Um livro que oferece contexto para várias oficinas, e foi exatamente isto que aconteceu neste grupo, a construção desta história, através de materiais plásticos, se finalizou só após três encontros abordando o mesmo tema. Para não tornar cansativo e repetitivo, não se detalha aqui as demais oficinas. Vale ressaltar que aconteceram, no total nove encontros, que se encerraram com um encontro especial, então denominado pelos próprios pacientes, “churrasco terapêutico”, onde se reuniram todos os participantes que de forma emocionante apresentaram o trabalho final com a confecção da obra. 52 Estes procedimentos foram apresentados de forma sucinta, porém, é justo ressaltar que houve uma troca de vivência muito mais completa, recheada de momentos de descoberta, de oportunidades e principalmente, de superação, não só dos pacientes mas também da facilitadora do processo. 53 6 . ANÁLISE E DISCUSSÃO DE RESULTADOS Para analisar os resultados obtidos nesta pesquisa foi elaborado o Quadro 1, contendo os resultados obtidos pela participante S., que é o caso foco deste estudo. O quadro apresenta as dificuldades inicialmente apresentadas e os resultados obtidos após a intervenção arteterapêutica. Quadro 1. Linha de base e resultados obtidos após intervenção arteterapêutica Dificuldades Iniciais Resultados Finais .Olhar diretamente para outra pessoa enquanto fala. Auto-revelar, lidar com críticas, etc. Usar expressão facial adequada aos sentimentos, principalmente os positivos. Sorrir, apresentar gestos. Expressar sentimentos. Expressar interesse em se relacionar. Pouco interesse pelas atividades. Passou a olhar diretamente para o outro enquanto falava ou ouvia. Adquiriu habilidades de expressão verbal e não verbal, de sentimentos positivos. Aprendeua defender seus direitos e desejos e discordar de forma empática. Passou a ter maior interesse pelas atividades. Participava de todos os encontros. Sorria, falava e se expressava com mais freqüência. 54 A queixa inicialmente apresentada por S. foi a inabilidade de relacionamento, timidez, dificuldade de se expressar. Uma das maiores dificuldades desta paciente era lidar com sua dificuldade de se relacionar, sempre isolada, ela se escondia atrás da deficiência. Tudo era justificado na sua limitação cognitiva e física, “ah! não vou participar não, não dou conta”, “eu nunca vou conseguir pintar”, “não quero falar não, não tenho nada para falar”. Essas expressões deixavam claro sua dificuldade em lidar com pensamentos negativos, de superar sua limitação e se libertar para a vida. No início, S. não demonstrava interesse algum, chegava a mexer com minhas feridas de terapeuta, que sensação de incompetência... quanta vontade de desistir, parecia impossível despertar o interesse naquela jovem. Suas falas eram carregadas de desmotivação e desinteresse, tais como: “Ah! Eu não gosto disso, nem sei pintar”, “ Não gosto de ficar no meio dos outros”, “Não vou colaborar em nada, não dou conta de nada mesmo”, tudo isso carregado de expressões apáticas. Bastou uma segunda oportunidade, e quando ela viu o grupo trabalhando, foi chegando, chegando de mansinho até que de repente, já estava participando da atividade proposta. A situação grupal foi importante, pois lhe proporcionou interações mais adequadas, a auto-revelação, e expressão de sentimentos sem riscos de sofrer críticas, já que no grupo todos eram deficientes. 55 Com esta pesquisa foi possível evidenciar a eficácia das técnicas da arteterapia no favorecimento do desenvolvimento de habilidades sociais. Foi possível confirmar também que quando o indivíduo lida melhor com suas dificuldades pessoais, a observação que tem do meio externo e de si próprio melhora consideravelmente, reduzindo assim seu nível de estresse e apatia, favorecendo o manejo dos mesmos. Percebeu-se ao final, que a arteterapia é um recurso mais humano, e extremamente acessível aos pacientes, com limitações físicas e psíquicas. Como foi citado anteriormente, basta oferecer o recurso e deixar o inconsciente, os instintos e as funções psíquicas agirem, que a obra e a cura acontecem, sendo nós arteterapeutas meros facilitadores, e que honra tenho em ter sido no mínimo facilitadora. 56 7.CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa avaliou a eficácia do desenvolvimento de habilidades sociais em pessoas com deficiência, através da arteterapia. O objetivo foi desenvolver comportamentos socialmente habilidosos em pessoas com déficits nesta área. Ficou comprovado que aquisição de novos comportamentos melhora a qualidade das relações, facilita o desempenho de enfrentamento ao estresse, facilita o auto-cuidado. Conclui-se ao final deste que a criatividade, a liberdade psíquica, a expressão de sentimentos através da arte, torna as relações mais saudáveis, proporciona a qualidade de vida. Foi o que aconteceu com S. ao final desta pesquisa, a mesma relatou se sentir útil, inteligente, e capaz de contribuir com o mundo, mesmo presa a uma cadeira de rodas. O material utilizado, tinta, lápis, colagem, seco ou úmido é importante para dar significado, forma, ou símbolo aos conteúdos intrapsíquicos e indicar o estado emocional interno do indivíduo, desta forma proporcionar-lhe possibilidades de utilizar todo o seu potencial criativo para uma vivência humana socialmente saudável, esta é a primordial finalização deste trabalho. 57 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLESSANDRINI, C. D. Alquimy Art: espaço de construção. In: Allessandrini C. D. (org) Tramas Criadoras na construção de ser si mesmo. São Paulo: Casa do psicólogo, 1999. p.19-29. ALVES, R. A Pipa e a Flor. São Paulo: Loyola, 1986. AMIRALIAN, M.L.T.M. Psicologia do excepcional: temas básicos de psicologia. São Paulo: E.P.U., 1986. ANDRADE, L. Q. Terapias expressivas. São Paulo: Vetor, 2000. ARTTE, G. Marketartigo: o taichi da dança e a dança do tai chi. In: Imagens da Transformação: n.9 – volume 9, 2002 . BIANCO, M.P.F. Alquimy Art: espaço de construção. In: Allessandrini C. D. (org) Tramas Criadoras na construção de ser si mesmo. São Paulo: Casa do psicólogo, 1999. BERNARDO, P. P. A doce medicina: trabalhando a sabedoria da psique na criação de um conhecimento integrado ao auto- conhecimento. 2001. Tese (Doutorado) Instituto de Psicologia-Área Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano, Universidade de São Paulo, São Paulo. CABALLO, V. E. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento - São Paulo: Santos Livraria Editora - 1996. CARVALHO, M.M.M.J. A Arte Cura? Recursos Artísticos em Psicoterapia. Workshop. Livraria, Editora e Promotora de Eventos, 1995. 58 CIORNAI, S. (Org.) Percursos em Arteterapia: Arteterapia e Educação Arteterapia e Saúde. São Paulo: Sumus, 2005. Decreto nº 3.956/01, Art. 1º, Campanha da Fraternidade 2006, Editora Salesiana,2006. DEL PRETTE, A. & DEL PRETTE Z. A. P. Psicologia das Habilidades Sociais: Terapia e Educação - Petrópolis: Vozes - 1999. ___________, Psicologia das Relações Interpessoais: Vivências para o Trabalho em Grupo - Petrópolis: Vozes - 2002. DINIZ, L. Arterapia Na Psicossomática. In: Imagens da Transformação Nº 9 – VOL. 9 – 2002. Rio de Janeiro. FRANCISQUETTI, A. A. Arte-reabilitação com pacientes vítimas de dano cerebral (PC). In: Ciornai S. (org) Percursos em Arteterapia: Arteterapia e educação Arteterapia e saúde: São Paulo: Summus, 2005. FRANZ, M. L. V (1915) A Individuação nos contos de fada. 2° ed. São Paulo: Paulinas, 1985. FUSSI, F. E. C. Conversas em arteterapia. In Imagens da Transformação. Nº7, volume.7, 2000 - Rio de Janeiro: Clinica Pomar. GARCIA, R. O conhecimento em construção: das formulações de Jean Piaget à teoria de sistemas complexos. Porto Alegre: Artmed, 2002. GUARESCHI P., In: CAMPOS, R.H.F. Psicologia social comunitária. Petrópolis, R.J.: Vozes, 1996. 59 GOLINELI, R. & WANDERLEY A. S. Arteterapia na Educação Especial. Goiânia- GO, 2002. GROESBESBECK, C. J. (1983). A Imagem Arquetípica do Médico Ferido. In: Junguiana,nº 1. 72-96. MARONI, A. Jung: individuação e coletividade, 1 ed. - São Paulo: Moderna, 1998. PHILIPPINI, A. Arteterapia: Coleção – Imagens da Transformação, n.9 – volume 9, 2002. Rio de Janeiro. ____________, ARTTE, G. Marketartigo: o taichi da dança e a dança do tai chi, Imagens da Transformação: n.9 – volume 9, 2002 . ROBERTSON, R. Guia Prático de Psicologia Junguiana – São Paulo: Cultrix – 1992. SILVA, C.C. Os Porquês do Coração, São Paulo: Brasil, 1995. SILVA, Conceil Correa da; SILVA, Nye Ribeiro. A colcha de retalhos. São Paulo: Editora do Brasil, 1995, 24 p. (Col. Viagens do Coração). TORRE, S. Dialogando com a criatividade, São Paulo: Madras, 2005. URRUTIGARAY, M. C. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens, 2ª ed. Rio de Janeiro: WAK, 2004. WIKIPÉDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/w/index.php? Title = Paraplegia&oldid = 9733797>. Acesso em 17/07/2007.