Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Universidade de Bras´ılia Departamento de Matema´tica Prof. Celius A. Magalha˜es Ca´lculo III Notas da Aula 20∗ Domı´nios Rxy, Rxz e Ryz A integral dupla sobre um domı´nio D ⊂ R2 pode ser calculada no caso em que D e´ a regia˜o entre os gra´ficos de func¸o˜es de uma varia´vel. Analogamente, para um domı´nio Q ⊂ R3, espera-se que a integral tripla possa ser calculada no caso em que Q e´ a regia˜o entre os gra´ficos de func¸o˜es de duas varia´veis. E esse e´ de fato o caso, como sera´ visto a seguir. Primeiro Exemplo Considere o so´lido Q no primeiro octante limitado pelo plano P de equac¸a˜o 2x + 5y + z = 10, conforme figura ao lado, e com densidade constante δ0. O plano P intercepta o plano Oxy ao longo da reta 2x + 5y = 10. Indicando por D o triaˆngulo no plano Oxy limitado por essa reta e pelos eixos, o so´lido Q pode ser des- crito como a regia˜o entre os gra´ficos das func¸o˜es zi : D → R, com i = 1, 2, onde z1(x, y) = 0 e z2(x, y) = 10−2x−5y. De fato, com essa notac¸a˜o Q pode ser descrito como Q = {(x, y, z) ∈ R3; (x, y) ∈ D e z1(x, y) ≤ z ≤ z2(x, y)}. 5 2 10 2x+ 5y = 10 D z2(x, y) Por esse motivo a regia˜o Q e´ dita da forma Rxy, em que a variac¸a˜o de z depende das varia´veis independentes (x, y). Como Q tem densidade constante, e e´ fa´cil calcular seu volume, e´ fa´cil tambe´m cal- culara a sua massa M , e isso sem integrais. Mas, para o ca´lculo do centro de massa, a integral e´ inevita´vel. Por exemplo, a coordenada x do centro de massa seria dada por x = 1 M ∫∫∫ Q x δ0 dxdydz caso ja´ se soubesse calcular integrais triplas sobre Q. O problema fica enta˜o reduzido a saber como calcular essas integrais. Nesse sentido, e´ claro que e´ importante usar o que ja´ se sabe para integrais triplas sobre paralelep´ıpedos. 5 2 10 Considere enta˜o o paralelep´ıpedo Q̂ = [0, 5]×[0, 2]×[0, 10], como ilustra a figura, e com densidade δ̂ : Q̂→ R dada por δ̂(x, y, z) = { δ0, se (x, y, z) ∈ Q 0, se (x, y, z) 6∈ Q E´ claro que Q ⊂ Q̂. Ale´m disso, eles teˆm a mesma densi- dade nos pontos em comum, e a densidade de Q̂ se anula fora de Q. Assim, os dois so´lidos teˆm as mesmas propriedades. A diferenc¸a e´ que, sendo um paralelep´ıpedo, ja´ se sabe como calcular integrais triplas sobre Q̂. Como os momentos de massa de Q e Q̂ sa˜o os mesmos, define-se por exemplo o momento de massa de Q em relac¸a˜o ao plano Oyz como sendo∫∫∫ Q x δ0 dxdydz = ∫∫∫ Q̂ x δ̂(x, y, z) dxdydz em que a integral do lado direito pode ser calculada como segue. ∗Texto digitado e diagramado por Ange´lica Lorrane a partir de suas anotac¸o˜es de sala Indique por D̂ = [0, 5]× [0, 2] a base de Q̂, e observe que a base D do so´lido Q e´ tal que D ⊂ D̂. Ale´m disso, com o auxilio da figura acima, e´ fa´cil ver que a densidade se anula na regia˜o fora de D, e essa regia˜o pode ser desconsiderada na integral. Usando enta˜o integrais iteradas, o que pode ser feito no paralelep´ıpedo Q̂, da´ı segue-se que∫∫∫ Q̂ x δ̂(x, y, z) dxdydz = ∫∫ D̂ (∫ 10 0 x δ̂(x, y, z)dz ) dxdy = ∫∫ D (∫ 10 0 x δ̂(x, y, z)dz ) dxdy Na integral interna do lado direito, para cada (x, y)∈D fixo, z varia de 0 a 10, passando pelo gra´fico da func¸a˜o z2(x, y) = 10 − 2x− 5y. Mas a densidade tambe´m se anula se z > z2(x, y), conforme ilustra a figura, e da´ı segue-se que∫∫∫ Q̂ x δ̂(x, y, z) dxdydz = ∫∫ D (∫ 10 0 x δ̂(x, y, z)dz ) dxdy = ∫∫ D (∫ z2(x,y) 0 x δ̂(x, y, z)dz ) dxdy 5 2 10 z2(x, y) Finalmente, a u´ltima integral do lado direito so´ inclui pontos da regia˜o Q, onde a densi- dade δ̂ e´ constante e igual a δ0. Chega-se assim a` conclusa˜o de que∫∫∫ Q x δ0 dxdydz = ∫∫∫ Q̂ x δ̂(x, y, z) dxdydz = ∫∫ D (∫ z2(x,y) 0 x δ̂(x, y, z)dz ) dxdy = ∫∫ D (∫ z2(x,y) 0 x δ0 dz ) dxdy O resultado final e´ que, sendo Q uma regia˜o Rxy da forma Q = {(x, y, z) ∈ R3; (x, y) ∈ D e z1(x, y) ≤ z ≤ z2(x, y)}. as integrais sobre essa regia˜o podem ser calculadas iteradamente como∫∫∫ Q x δ0 dxdydz = ∫∫ D (∫ z2(x,y) z1(x,y) x δ0 dz ) dxdy Perfeito! Agora ja´ se pode calcular as integrais necessa´rias para se obter o centro de massa. Lembrando da expressa˜o de z2(x, y) = 10− 2x− 5y, obte´m-se que∫∫∫ Q x δ0 dxdydz = ∫∫ D (∫ z2(x,y) 0 x δ0 dz ) dxdy = δ0 ∫∫ D x(10− 2x− 5y) dxdy Ja´ o domı´nio D, limitado pelos eixos e pela reta 2x+5y = 10, pode ser descrito na forma Rx como D = {(x, y) ∈ R2; 0 ≤ x ≤ 5 e 0 ≤ y ≤ (10− 2x)/5}, e da´ı segue-se que∫∫∫ Q x δ0 dxdydz = δ0 ∫∫ D x(10− 2x− 5y) dxdy = δ0 ∫ 5 0 (∫ (10−2x)/5 0 x(10− 2x− 5y) dy ) dx = 2 5 δ0 ∫ 5 0 x(5− x)2 dx = 125 6 δ0 Ca´lculo III Notas da Aula 20 2/6 Finalmente, como o volume de Q e´ dado por V = (a´rea da base×altura)/3 = 50/3, segue-se que a massa e´ M = δ0V = 50δ0/3 e a coordenada x e´ dada por x = 1 M ∫∫∫ Q x δ0 dxdydz = 3 50 125 6 = 5 4 Ca´lculos ana´logos mostram que y = 1/2 e z = 5/2. A figura ao lado ilustra a posic¸a˜o relativa do centro de massa. Veja que, em raza˜o da geometria do so´lido, o centro de massa esta´ mais pro´ximo da origem do que se podia imaginar de in´ıcio. Caso Geral O caso geral segue de perto as ideias introduzidas acima. De fato, uma regia˜o Q ⊂ R3 e´ dita na forma Rxy se existe um domı´nio D ⊂ R2 e func¸o˜es zi : D → R, i = 1, 2, tais que Q pode ser descrita na forma Q = {(x, y, z) ∈ R3; (x, y) ∈ D e z1(x, y) ≤ z ≤ z2(x, y)} A figura ao lado ilustra a definic¸a˜o. Abreviadamente diz-se que Q e´ uma regia˜o entre dois gra´ficos. E´ claro que na˜o ha´ nada de muito especial em relac¸a˜o a`s coordenadas x e y, e definic¸o˜es ana´logas valem para regio˜es da forma Rxz e Ryz. A regra e´ que o sub´ındice indica as varia´veis independentes, e a outra e´ a varia´vel dependente. y x z1(x, y) z2(x, y) D Considere agora a questa˜o de definir o que seja a integral de uma func¸a˜o f : Q → R. Para isso escolhe-se um paralelep´ıpedo Q̂ = [a1, a2]× [b1, b2]× [c1, c2] de modo que Q ⊂ Q̂ e defini-se uma nova func¸a˜o f̂ : Q̂→ R por f̂(x, y, z) = { f(x, y, z), se (x, y, z) ∈ Q 0, se (x, y, z) 6∈ Q E´ claro que f e f̂ possuem as mesmas propriedades, com a diferenc¸a de que f̂ esta´ definida em um paralelep´ıpedo. Como ja´ se sabe como calcular integrais em paralelep´ıpedos, faz sentido a definic¸a˜o Definic¸a˜o 1. A func¸a˜o f e´ integra´vel sobre Q se f̂ for integra´vel sobre Q̂ e, nesse caso,∫∫∫ Q f(x, y, z) dxdydz = ∫∫∫ Q̂ f̂(x, y, z) dxdydz O pro´ximo resultado e´ bastante razoa´vel e a sua demonstrac¸a˜o segue essencialmente os mesmos passos apresentados na sec¸a˜o anterior. Teorema 1. Se Q ⊂ R3 e´ da forma Rxy e f : Q → R e´ uma func¸a˜o cont´ınua, enta˜o f e´ integra´vel sobre Q e, ale´m disso,∫∫∫ Q f(x, y, z) dxdydz = ∫∫ D (∫ z2(x,y) z1(x,y) f(x, y, z) dz ) dxdy Analogamente para os casos em que Q e´ da forma Rxz ou Ryz. Ca´lculo III Notas da Aula 20 3/6 Esse teorema e´ uma o´tima not´ıcia, pois diz que uma integral tripla pode ser reduzida a uma integral dupla por meio de uma integral iterada. E´ de se esperar que esse padra˜o valha para dimenso˜es maiores, e pode-se imaginar que uma integral em quatro dimenso˜es possa ser reduzida a uma integral tripa por meio de uma integral iterada! Argumentos como esse sa˜o muito usados em Estat´ıstica, onde o nu´mero de varia´veis em geral e´ grande. Uma vez definida a integral, todas as aplicac¸o˜es associadas a ela seguem naturalmente. Por exemplo, e´ claro que o volume de Q e´ a integral V = ∫∫∫ Q dxdydz. Tambe´m pode ser calculada a me´dia, ou mesmo a me´dia ponderada, de func¸o˜es definidas em Q. Os pro´ximos exemplos ilustram essas propriedades. Exemplo 1. Calcule o centro de massa do hemisfe´rio Q supondo densidade constante δ0,onde Q = {(x, y, z) ∈ R3; x2 + y2 + z2 ≤ R2 e z ≥ 0} com raio R > 0. D R/2 Soluc¸a˜o. Indicando por D = {(x, y) ∈ R2; x2 + y2 ≤ R2} o disco de raio R, e´ claro que o hemisfe´rio e´ a regia˜o entre os gra´ficos das func¸o˜es zi : D → R, onde z1(x, y) = 0 e z2(x, y) = √ R2 − x2 − y2. Logo, Q e´ uma regia˜o Rxy e pode ser descrita como Q = {(x, y, z) ∈ R3; (x, y) ∈ D e 0 ≤ z ≤ √ R2 − x2 − y2} Em relac¸a˜o ao centro de massa (x, y, z), como o hemisfe´rio tem densidade constante, e´ claro que x = y = 0. Ja´ em relac¸a˜o a z, como o hemisfe´rio tem uma maior quantidade de massa abaixo do plano z = R/2, espera-se que z < R/2. Veja a figura acima. E, de fato, calculando o momento de massa Mxy em relac¸a˜o ao plano Oxy, obte´m-se que Mxy = ∫∫∫ Q z δ0 dxdydz = δ0 ∫∫ D (∫ √R2−x2−y2 0 z dz ) dxdy = 1 2 δ0 ∫∫ D (R2 − x2 − y2) dxdy Ora! Ja´ se conhece as mudanc¸as de coordenadas para as integrais duplas. Usando enta˜o as coordenadas polares segue-se que Mxy = 1 2 δ0 ∫∫ D (R2 − x2 − y2) dxdy = 1 2 δ0 ∫ 2pi 0 (∫ R 0 (R2 − r2)r dr ) dθ = 1 4 piR4δ0 D R/2 z Finalmente, como a massa do hemisfe´rio e´ M = 2 3 piR2δ0, a coordenada z e´ igual a z = Mxy/M = 3 8 R. Como 3 8 < 4 8 = 1 2 , a expectativa inicial, de que o centro de massa estaria abaixo da metade do raio, estava correta. Veja a figura acima. � Exemplo 2. Calcule o centro de massa do cone Q de raio da base R > 0, altura H > 0 e densidade constante δ0 > 0. Soluc¸a˜o. Novamente, e´ claro que o cone e´ a regia˜o entre os gra´ficos das func¸o˜es z1(x, y) = H R √ x2 + y2 e z2(x, y) = H definidas no disco D de raio R. Veja a figura abaixo. Assim, o cone e´ uma regia˜o Rxy e pode ser descrita na forma Q = {(x, y, z) ∈ R3; (x, y) ∈ D e H R √ x2 + y2 ≤ z ≤ H} Como no caso do hemisfe´rio, por simetria e´ claro que x = y = 0. Ca´lculo III Notas da Aula 20 4/6 z1 z2 D O ca´lculo da coordenada z e´ mais interessante. Calculando o momento de massa Mxy em relac¸a˜o ao plano Oxy, obte´m-se que Mxy = ∫∫∫ Q z δ0 dxdydz = δ0 ∫∫ D (∫ H H R √ x2+y2 z dz ) dxdy = δ0 2 H2 R2 ∫∫ D (R2 − x2 − y2) dxdy Em seguida, usando mais uma vez as coordenadas polares, segue-se que Mxy = δ0 2 H2 R2 ∫∫ D (R2 − x2 − y2) dxdy = δ0 2 H2 R2 ∫ 2pi 0 (∫ R 0 (R2 − r2)r dr ) dθ = 1 4 piH2R2δ0 Como a massa do cone e´ M = 1 3 piR2Hδ0, a coordenada z e´ enta˜o igual a z = Mxy M = 3 4 H . A primeira observac¸a˜o e´ que z > H/2, o que esta´ de acordo com o fato do cone ter uma maior quantidade de massa acima do plano z = H/2. Veja a figura ao lado. A segunda observac¸a˜o e´ bastante curiosa: z na˜o depende do raio R! De outra forma, e olhando novamente a figura ao lado, a altura z na˜o se altera com a mudanc¸a do raio. Assim, fixada a altura H , chega-se a` conclusa˜o surpreendente de que z = z(R) e´ uma func¸a˜o descont´ınua da varia´vel R! H/2 z R De fato, o caso em que R = 0 corresponde ao de um fio homogeˆneo de comprimento H , cujo centro de massa e´ H/2, e portanto z(0) = H/2. Assim, a func¸a˜o z(R) e´ dada por R z H 2 3H 4 z(R) = 3 4 H, se R > 0 1 2 H, se R = 0 O gra´fico desta func¸a˜o esta´ ilustrado ao lado, e esse e´ mesmo um fato surpreendente. � Exemplo 3. Calcule o centro de massa do so´lido Q de densidade δ0 que e´ limitado pelas superf´ıcies y = 4− x2, y = 2− x, z = 4 + x2 e z = 0. Soluc¸a˜o. O primeiro passo e´ descrever o so´lido em uma das treˆs formas poss´ıveis. Para isso observe que a equac¸a˜o y = 4−x2, que corresponde a uma para´bola no plano Oxy, no espac¸o corresponde a um cilindro parabo´lico, como ilustra a Fig.1 a seguir. Da mesma forma para as equac¸o˜es y = 2− x e z = 4 + x2, que correspondem a`s Fig.2 e Fig.3. Fig.1 Fig.2 Fig.3 x y z Ca´lculo III Notas da Aula 20 5/6 A partir das Fig.1 e Fig.2 percebe-se que as duas superf´ıcies determinam uma regia˜o no plano Oxy, regia˜o que esta´ ilustrada na Fig.4 abaixo. Indicando por D essa regia˜o, ela pode ser descrita como segue: as curvas y = 2 − x e y = 4 − x2 se interceptam nos pontos de abscissas x = −1 e x = 2; como a reta esta´ abaixo da para´bola no intervalo [−1, 2], segue-se que D e´ da forma D = {(x, y) ∈ R2; −1 ≤ x ≤ 2 e 2− x ≤ y ≤ 4− x2}. Veja a Fig.5 Fig. 4 Fig. 5 Fig. 6 −1x 2 2− x 4− x2 D Finalmente, acrescentando a superf´ıcie z = 4+ x2, o so´lido Q tem o aspecto ilustrado na Fig.6, e pode ser descrito na forma Rxy por Q = {(x, y, z) ∈ R3; (x, y) ∈ D e 0 ≤ z ≤ 4 + x2} Pronto! Com essa descric¸a˜o a massa do so´lido e´ dada por M = ∫∫∫ Q δ0 dxdydz = ∫∫ D (∫ 4+x2 0 δ0 dz ) dxdy = δ0 ∫∫ D (4 + x2) dxdy = δ0 ∫ 2 −1 (∫ 4−x2 2−x (4 + x2) dy ) dx = δ0 ∫ 2 −1 (4 + x2)(2 + x− x2) dx = 423 20 δ0 O restante dos ca´lculos e´ semelhante, e um pouquinho trabalhoso. Por exemplo, x = 1 M ∫∫∫ Q x δ0 dxdydz = 1 M ∫∫ D (∫ 4+x2 0 x δ0 dz ) dxdy = 1 M δ0 ∫ 2 −1 x(4 + x2)(2 + x− x2) dx = 252 423 ≈ 0, 5957 Da mesma forma para as outras coordenadas, cujos valo- res sa˜o y ≈ 2, 2796 e z ≈ 2, 4225. A figura ao lado ilustra a posic¸a˜o do centro de massa, e de la´ percebe-se que os ca´lculos esta˜o bastante razoa´veis. � Ca´lculo III Notas da Aula 20 6/6
Compartilhar