Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FICHAMENTO Santos, Boaventura de Souza; Por uma concepção multicultural dos direito humanos. Coimbra, 1997 Identificação do Aluno Nome Matrícula Turma HELSON NUNES DA SILVA 201710214 T3B Identificação da Disciplina Código e Descrição Fichamento Professor DIR117 – DIREITOS FUNDAMENTAIS Número 1 Gabriel Marques Por uma concepção multicultural dos direitos humanos O artigo dedica-se a refletir sobre a concepção multicultural dos direitos humanos, em um contexto em que o autor considera que os direitos humanos estão sendo invocados como parte integrante das políticas progressistas e emancipatórias. Para tanto, Boaventura apresenta as TENSÕES DIALÉTICAS que informam a sociedade ocidental moderna, conforme segue: • Regulação social x emancipação social • Estado x sociedade civil • Estado-nação x globalização Regulação social x emancipação social Enquanto até o final dos anos 70, as crises da regulação social suscitavam o fortalecimento das políticas de emancipação social, atualmente ambas são simultâneas e alimentam uma a outra. Isso porque a política de direitos humanos tornou-se uma política reguladora e igualmente uma política emancipadora, criando essa dupla crise, cujo desejo é ser superado. Estado x sociedade civil O Estado moderno, por mais que queira se apresentar como minimalista, é maximalista, fato reforçado pela atuação da sociedade civil que auto-reproduz por meio de leis e regulações, sempre dentro das regras democráticas de direito. � Os direitos humanos estão no cerne dessa tensão, pois enquanto a primeira geração de direitos (civis e políticos) foi concebida por uma luta da sociedade civil contra o Estado – considerado seu principal violador potencial, a segunda e terceira gerações (direitos sociais, econômicos, culturais, etc.) pressupõem que o Estado é seu principal garantidor. � Nesse sentido, o texto faz uma vinculação com os assuntos abordados em sala de aula, na medida em que na primeira geração, pretende-se o absenteísmo estatal com pretensão de liberdade de direitos fundamentais, enquanto que na segunda e terceira gerações, busca-se a atuação positiva do Estado para assegurar a promoção dos direitos fundamentais. Estado-nação x globalização Diante de uma intensificação da globalização e considerando que tanto a regulação quanto a emancipação social dos Estados-nação deverão ser deslocadas para o âmbito global, é que se analisa a tensão, que repousa no fato de tanto as violações dos direitos humanos como as lutas em defesa deles continuarem a ter dimensão nacional, e, por outro lado, no fato de as atitudes perante os direitos humanos se assentarem em pressupostos culturais específicos. FICHAMENTO Santos, Boaventura de Souza; Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. A política dos direitos humanos é, basicamente, uma política cultural. Assim, como cada cultura (também religião) é específica, como poderão os direitos humanos serem, ao mesmo tempo, culturais e globais? Boaventura fecha o bloco asseverando que pretende justificar uma política progressista de direitos humanos com âmbito global e legitimidade local. Acerca das globalizações Para o autor, o discurso sobre globalização é a história dos vencedores contada por eles próprios. A vitória é tão absoluta que os perdedores simplesmente desaparecem de cena. Assim define globalização como o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo, e ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival. Implicações mais importantes: • Não existe globalização genuína – na medida em que não existe condição global para a qual não consigamos encontrar uma raiz local. • Compreensão tempo-espaço – em que pese alguns atores contribuírem para a globalização, tal como os camponeses da Bolívia e Colômbia que cultivam coca (cultura mundial das drogas), eles permanecem presos (“localizados”) em seu próprio espaço como sempre estiveram. • Competência global requer, por vezes, acentuação da especificidade local – lugares turísticos que têm que manter seu caráter exótico e tradicional para permanecerem atrativos do ponto de vista global. Modos de globalização: • Localismo globalizado – determinado fenômeno local é globalizado com sucesso (atividade mundial de multinacionais, transformação da língua inglesa em padrão mundial, globalização do fast food americano ou da música popular. • Globalismo localizado – Práticas e imperativos transnacionais nas condições locais, desestruturadas e reestruturadas, de modo a responder a esses imperativos transnacionais (uso turístico de tesouros históricos, dumping ecológico ou comprar de lixo tóxico por países do terceiro mundo produzido por potenciais mundiais capitalistas). • Cosmopolitismo – organizações transnacionais na defesa de interesses percebidos como comum, longe das formas predominantes de dominação. • Patrimônio comum da humanidade – temas que por sua natureza são tão globais como o próprio planeta, o que faz recorrer ao direito internacional (proteção da camada de ozônio, preservação da Amazônia, da Antártica, da biodiversidade e dos fundos marinhos, exploração do espaço – lua, planetas, satélites, etc. Em resumo, o globalismo localizado e o localismo globalizado se afiguram em GLOBALIZAÇÃO DE-CIMA-PARA-BAIXO ou HEGEMÔNICA; enquanto que o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade, em GLOBALIZAÇÃO DE-BAIXO-PARA-CIMA ou CONTRA HEGEMÔNICA. Direitos humanos como guião emancipatório A tese de Boaventura é que enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado – uma forma de globalização de-cima- para-baixo (hegemônica), sendo assim, inevitavelmente um INSTRUMENTO DO CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES (arma do ocidente contra o resto do mundo). FICHAMENTO Santos, Boaventura de Souza; Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. Para funcionarem como uma globalização cosmopolita de-baixo-para-cima (contra-hegemônica), teriam que ser fundadas em legitimidade local, com CONCEPÇÃO MULTICULTURAL. O MULTICULTURALISMO seria a pré-condição de uma relação equilibrada e mutualmente potencializadora entre a competência global e a legitimidade local, já que os direitos humanos não podem ser considerados universais. A propósito, segundo o autor, apenas a cultura ocidental tem a pretensão de considerar os direitos humanos, conforme preconizados por ela, como universais. As culturas europeia, asiática e africana tendem a considerar os seus valores máximos como os mais abrangentes, mas não universais. Dentre esses pressupostos, claramente de viés ocidental, estão: i) existe natureza humana universal que pode ser definida racionalmente; ii) a natureza humana é essencialmente superior ao restante da realidade; iii) o indivíduo possui uma dignidade absoluta e irredutível, que tem que ser protegida das interferências da sociedade e do Estado; iv) a autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica. Com a criação de ONGs, normalmente de concepção anticapitalista, foram se formando discursos e tendências anti-hegemônicas, com propostas de concepções não ocidentais, fundada em diálogos interculturais. A tarefa central dessa política emancipatória consistiria em transformar a concepção de localismo globalizado (de-cima-para-baixo) em um projeto cosmopolita (de-baixo-para- cima). Premissas de transformação: • Superação do debate entre universalismo e relativismo cultural Universalismo e relativismo são atitudes filosóficas incorretas. Contra o universalismo deve-se existir DIÁLOGOS INTERCULTURAIS. Contra o relativismo, deve-se desenvolver critérios para distinguir políticaprogressista de política conservadora. Boaventura fala em transformar a competição atual em uma competição por valores ou exigências MÁXIMOS, e não por valores MÍNIMOS. Quais seriam esses valores mínimos? Os direitos fundamentais? • Todas as culturais concebem a dignidade da pessoa humana, mas nem todas a concebem em termos de direitos humanos. • Todas as culturas são INCOMPLETAS E PROBLEMÁTICAS nas suas concepções de direitos humanos. A incompletude provém da própria existência de uma pluralidade de culturas, pois se cada cultura fosse tão completa quanto se imagina, só existiria uma cultura. Boaventura considera que aumentar a consciência dessa incompletude é uma das tarefas mais cruciais para a construção de uma concepção multicultural de direitos humanos. • Todas as culturas têm versões diferentes de dignidade humana, algumas mais amplas, outras nem tanto; algumas mais abertas, outras, não; algumas com ciclos de reciprocidade mais largos. o No ocidente, entre liberais (civil e político) e marxistas (social, econômico, cultural), qual possui o ciclo de reciprocidade mais largo? • Todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica: i) princípio da igualdade (hierarquia entre estratos sociais, hierarquia entre cidadão e estrangeiro; ii) princípio da diferença (hierarquia entre etnias, raças, religiões, sexos, orientações sexuais); Atenção Nem todas as igualdades são idênticas e nem todas as diferenças são desiguais. FICHAMENTO Santos, Boaventura de Souza; Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. Com essas premissas de um diálogo intercultural sobre a dignidade humana, é possível que se alcance uma concepção mestiça de direitos humanos, uma concepção que, em vez de recorrer a falsos universalismos, se organiza como uma constelação de sentidos locais, mutuamente inteligíveis, constituindo-se em redes de referências normativas capacitantes. Hermenêutica diatópica Compreender determinada cultura a partir dos topoi de outra cultura pode revelar-se muito difícil, senão impossível, uma vez que os topoi se afiguram em lugares comuns retóricos abrangentes de determinada cultura, funcionando como PREMISSAS DE ARGUMENTAÇÃO, que não são mais discutidos, dada sua evidência. Boaventura propõe despromover os topoi de premissas de argumentação para simples argumentos, e valer-se da HERMENÊUTICA DIATÓPICA para guiar no diálogo intercultural. � A HERMENÊUTICA DIATÓPICA baseia-se na ideia de que os topoi de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incompletos quando a própria cultura a que pertençam, mas não tem por objetivo alcançar a completude, pretendendo, em verdade, AMPLIAR AO MÁXIMO A CONSCIÊNCIA DE INCOMPLETUDE MÚTUA através de um diálogo que se desenrole com um pé em uma cultura e outro, noutra. Apresenta, então, exemplos de três hermenêuticas diatópicas, com base nas seguintes culturas: • Topos de direitos humanos na cultura ocidental; • Topos do dharma na cultura hindu; • Topos da umma cultura islâmica; Dharma x Ocidente Um mundo onde a noção de dharma seja central e quase onipresente, não haverá preocupação em encontrar o direito de um indivíduo contra outro ou dele perante a sociedade, mas antes se avaliará o caráter dharmico (correto, verdadeiro, consistente) diante do complexo teantropocósmico total da realidade. Para o dharma, os direitos humanos são incompletos, na medida em que não estabelecem a ligação entre a parte (o indivíduo) e o topo (o cosmos). O dharma alega que no ocidente a natureza não possui direitos, nem gerações futuras possuem direitos, pois para a concepção de direitos humanos, só é assegurado direito a quem se pode exigir deveres. Por outro lado, na visão ocidental o dharma também é incompleto, dado o inviesamento fortemente não dialético a favor da harmonia, ocultando injustiças e negligenciando o valor do conflito como caminho para uma harmonia mais rica. Além disso, o dharma não estaria preocupado com os princípios de democracia, liberdade e autonomia, permitindo que o indivíduo se tornasse frágil diante do cosmos. Por fim, o dharma não se preocuparia com o sofrimento humano (dimensão individual irredutível), sendo que não são as sociedades que sofrem, mas, sim, os indivíduos. Umma x Ocidente Vista a partir do topos de umma, a incompletude dos direitos humanos individuais reside no fato de, com base, neles, ser impossível fundar os laços de solidariedade coletiva sem as quais nenhuma sociedade pode sobreviver ou prosperar. Assim, no ocidente, haveria dificuldade de aceitar direitos coletivos de grupos sociais ou povos (minorias étnicas, mulheres, crianças, povos indígenas, etc.). Por outro lado, do ponto de vista do ocidente, a umma valoriza mais os deveres em detrimento dos direitos, e, assim, tende a perdoar desigualdades que seriam inadmissíveis (homens x mulheres; muçulmanos x não-muçulmanos). FICHAMENTO Santos, Boaventura de Souza; Por uma concepção multicultural dos direitos humanos. Avaliação diatópica das três culturas. A hermenêutica diatópica nos mostra que a fraqueza fundamental da cultura ocidental consiste em estabelecer dicotomias muito rígidas entre o indivíduo e a sociedade, tornando-se VULNERÁVEL AO INDIVIDUALISMO. De igual modo, a fraqueza fundamental das culturas hindu e islâmica deve-se ao fato de nenhuma delas reconhecer que o sofrimento humano tem uma dimensão individual irredutível, a qual só pode ser adequadamente considerada numa sociedade não hierarquicamente organizada. Síntese. O reconhecimento de incompletudes mútuas é condição sine qua non de um diálogo intercultural. A hermenêutica diatópia desenvolve-se tanto na identificação local como na inteligibilidade translocal das incompletudes. A hermenêutica diatópica exige uma produção de conhecimento coletiva, interativa, intersubjetiva e reticular, oferecendo um amplo campo de possibilidades para os debates que estão ocorrendo nas diferentes regiões culturais do sistema mundial sobre os temas gerais do universalismo, relativismo, multiculturalismo, pós-colonialismo, quadros culturais da transformação social, tradicionalismo e renovação cultural. � Dilema Que possibilidades de diálogo intercultural existem quando uma das culturas em presença foi moldada por maciças e prolongadas violações dos direitos humanos perpetradas em nome da outra cultura? O dilema é o seguinte: dado que, no passado, a cultura dominante tornou impronunciáveis algumas das aspirações à dignidade humana por parte da cultura subordinada, será agora possível pronunciá-las no diálogo intercultural sem, ao fazê-lo, justificar e mesmo reforçar a sua impronunciabilidade? Imperativos • Das diferentes versões de uma dada cultura, deve ser escolhida aquela que representa o CÍRCULO MAIS AMPLO DE RECIPROCIDADE DENTRO DESSA CULTURA, a versão que vai mais longe no reconhecimento do outro. • Das duas versões de direitos humanos existentes na cultura ocidental – liberal e marxista – A MARXISTA DEVE SER A ADOTADA, pois amplia para os domínios econômico e social a igualdade que a versão liberal apenas considera legítima no domínio político. • Uma vez que todas as culturas tendem a distribuir pessoas e grupos de acordo com dois princípios concorrentes de pertença hierárquica, e, portanto, com concepções concorrentes de igualdade e diferença, as pessoas e os grupos sociais têm o DIREITO A SER IGUAIS QUANDO A DIFERENÇA OS INFERIORIZA, e o DIREITO A SER DIFERENTES QUANDO A IGUALDADADE OS DESCARATERIZA. Conclusão O autor afirma que os direitos humanos são uma espécie de esperanto que dificilmente poderá tornar-se uma linguagem padrão da dignidade da pessoa humana nas diferentes regiões do globo. Assim, acredita que a HERMENÊUTICADIATÓPICA seria competente para transformar os direitos humanos numa política cosmopolita que seja capaz de unir línguas nativas de emancipação, tornando-os mutualmente inteligíveis e traduzíveis.
Compartilhar