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O Direito de Lage é fato consumado

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O Direito de Lage é fato consumado, mas, de início, uma crítica deve ser feita: trata-se de uma modificação tão grande no  Direito Brasileiro que não deveria ter sido implantada por meio de Medida Provisória.  Desejável seria que houvesse acontecido um amplo debate no Congresso Nacional,  com a participação de todos os segmentos da sociedade que direta ou indiretamente  serão afetados por tão grande novidade. 
Em uma norma realmente útil e necessária, embarcou de carona este novo direito sobre  o bem imóvel; revolucionário em sua concepção, tão parecido com a Propriedade que  com ela quase se confunde, mas que guarda grande diferença em relação a ela.  
O cidadão comum, diferentemente do profissional que lida com o direito, não tem a  obrigação de saber que até a edição da MP 759 existia no Código Civil a previsão e  regulamentação sobre diversos tipos de direitos sobre bens e coisas. O legislador civil,  de fato, dedicou um capítulo único e especial aos denominados Direitos Reais (cf. art.  1225 a 1510 ). 
Este novo tipo de direito real, que recebeu a denominação de Direito de Laje, está relacionado a um bem imóvel e ao uso do espaço aéreo sobre ele, mas não se limita apenas a esta característica básica, pois é obrigatório para sua configuração que possua acesso independente para a via pública.  De fato, este novo direito sobre imóvel, de modo algum se confunde com qualquer outro tipo, principalmente com o maior de todos: a propriedade plena. 
O artigo 1229 do Código Civil, ao definir com absoluta precisão o alcance e os limites do direito de propriedade é especialmente esclarecedor sobre o tema em análise e, por tal motivo segue adiante transcrito:
‘’Art.1229. A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas por terceiros a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.’’
O direito de laje, como o inteligente leitor já deve ter percebido, é menos do que o direito de propriedade, mas, inevitavelmente, dele não se pode dissociar.
O proprietário pode usar e dispor do direito que a lei lhe garante sobre o espaço aéreo e o subsolo de sua propriedade e, somente porque existe tal garantia legal, é que se torna possível conceber a existência deste novo tipo de direito – o direito de laje.
A primeira e evidente constatação sobre os limites e características do Direito de Laje, portanto, é que ele, sendo menos do que o direito de propriedade, ao ser regularmente constituído deverá representar uma forma de limitação do primitivo direito do qual deriva.
O proprietário, ao realizar o desdobramento de sua propriedade, com a criação de um direito de laje, deverá transmitir para terceiro, seus direitos de uso (e também o de fruição e disposição) sobre parte ou a totalidade do espaço aéreo existente sobre sua propriedade imóvel, mas a uma altura que ainda lhe permita a utilização do solo e/ou do subsolo.
Constituído o direito de laje, o bem imóvel até então existente, sofrerá uma modificação tão grande em sua configuração, que se torna realmente necessária uma profunda alteração em sua descrição. A propriedade imóvel que existia até então, não mais existirá, surgindo em seu lugar duas novas formas de domínio sobre uma fração da superfície do planeta, duas unidades imobiliárias autônomas.
O direito de laje não se confunde e não pode coexistir com o direito da plena propriedade convencional.
Mas este tipo de situação não é novidade para o direito.
Há muito tempo já se admite uma forma especial de propriedade, conhecida como propriedade horizontal, exatamente por ser limitada em seu aspecto vertical e que não contempla espaço aéreo e nível inferior. Trata-se da conhecida figura da unidade autônoma em condomínio edilício, ou seja: apartamentos, vagas de garagem, salas ou boxes comerciais em edifícios transformados em condomínio, segundo as regras da lei.
DA DENOMINAÇÃO DAS PARTES SOB O NOVO DIREITO
Parece mesmo ser necessária uma nova e adequada denominação para aquele que se coloca no papel de dono do espaço aéreo de um imóvel (o titular do direito de laje sobreposta) e daquele que se coloca na situação de quem igualmente possui direitos sobre o mesmo espaço terrestre, mas limitado ao solo e subsolo.
Por falta de melhor opção, sugere-se denominar a unidade autônoma titular de um direito de laje acompanhado de sua qualificadora:  Laje Sobreposta.  É com esta denominação que a situação é conhecida pela população em geral e a denominação simples Laje  não parece suficientemente esclarecedora de uma situação de direito tão especial. Laje, de fato, pode denominar pura e simplesmente a cobertura de uma edificação ou a divisão entre pavimentos de uma mesma edificação, inclusive de condomínio edilício (embora mais comum seja a denominação pavimento ou andar)
O uso de termo residência sobreposta é comum em muitas regiões do país. Quem desconhece o termo é porque nunca de se dispôs a consultar detidamente a seção de Classificados de Imóveis de algum jornal de boa circulação em qualquer cidade de média ou grande população  
O titular do direito, ou o dono da Laje Sobreposta poderia, em uma denominação mais técnica e muito útil para o cadastramento junto à municipalidade, para fins de cobrança de IPTU e Taxas devidas pelo uso do solo urbano (coleta de Lixo, iluminação e manutenção de vias públicas) e também para o registro imobiliário e eventuais negócios jurídicos que venha a realizar (a constituição de hipoteca ou alienação fiduciária, por exemplo) ser denominado como Proprietário Horizontal em Sobreposição ou simplesmente como “Proprietário de Laje em Sobreposição”.
Na medida em que o texto legal não definiu a correta denominação do titular deste novo tipo de direito sobre imóvel, o que se sugere então, neste primeiro momento e, evidentemente, sujeito a críticas e aperfeiçoamento, é a denominação acima.
Se, de um lado, ou mais precisamente, em um pavimento superior, acima, existe um titular de Laje Sobreposta por outro lado, em um pavimento diverso, existe outro cidadão que é igualmente titular de direitos sobre o solo e subsolo daquele mesmo espaço da superfície terrestre. Este cidadão, por não manter em sua esfera patrimonial o pleno domínio sobre o espaço aéreo acima do imóvel, não se confunde com um proprietário convencional.
A posição singular deste cidadão, que igualmente detém direitos sobre o mesmo imóvel, demanda sua correta denominação e identificação, inclusive para que a municipalidade possa correta e adequadamente cadastrar e identificar a sua unidade imobiliária autônoma, dele cobrar sua parcela de responsabilidade no custeio das taxas de uso e ocupação de solo e ainda efetuar a cobrança de imposto predial e territorial urbano.
A ciência da geologia possui uma denominação técnica que pode vir a ser adotada para corretamente identificar este proprietário de imóvel inferior à Laje Sobreposta.
É termo de uso muito pouco usual, mas de significação inquestionável: abaixo daquilo que está sobreposto existe o que está sotoposto.
Muito provavelmente a denominação sotoposta (em oposição à sobreposta) não será incorporada ao uso comum da população. O cidadão possivelmente continuará a usar a mesma denominação que usa na atualidade, ou seja, antes da regularização deste novo tipo de direito: o imóvel que está abaixo da casa sobreposta existente, será simplesmente denominado como térreo.
Entretanto, como acima referido, existe uma necessidade prática de realizar a correta identificação dos diferentes titulares de direito sobre o mesmo imóvel. No mínimo, para finalidade de cadastro e tributação pela municipalidade, mas também para efeitos de contratação formal e registro imobiliário deste novo tipo de direito real..
Uma denominação possível e de boa precisão técnica seria, portanto, proprietário horizontal sotoposto (ou em sotoposição).
Mesmo parecendo difícil epouco prático é importante considerar a possibilidade de utilizar uma denominação adequada à situação singular do imóvel no qual exista a propriedade horizontal do tipo Laje Sobreposta regularmente instituída e registrada no registro imobiliário. A denominação “proprietário térreo” é claramente incompleta para definir e corretamente indicar a situação jurídica da propriedade compartilhada do imóvel existente abaixo de uma laje sobreposta a ele.
O ESSENCIAL ACESSO PARA VIA PÚBLICA
Situação que merece grande reflexão e criação de alguma forma de solução prática, talvez até mesmo alguma norma positivada, é a correta definição e demarcação de como se dará o necessário acesso à via pública para o titular da laje sobreposta.
O acesso exclusivo à via pública é requisito expresso e necessário para a instituição desta forma nova e especial de domínio conjunto sobre a propriedade de um imóvel.
O parágrafo 3º do referido artigo 1510-A, exige que a laje sobreposta e a propriedade sotoposta possuam isolamento funcional e acesso independente, para que assim possam ser consideradas como tal.
A adequada definição da testada do imóvel para a via pública é um aspecto singular que de modo algum poderá ser ignorado pela municipalidade que venha e regularmente aprovar o desdobramento de um imóvel na forma ora em análise. Além desta importante especificação cadastral e tributária, o acesso exclusivo (ou independente, no dizer do texto legal) para a via pública, irá representar para o habitante do imóvel em sobreposição, um endereço único, seu endereço de correspondência, sua identificação singular perante a sociedade.
DIFERENÇAS ENTRE O DIREITO DE SUPERFÍCIE E LAJE
Doutrinadores diversos levantaram uma forma de polêmica, desnecessária no entender deste autor, contra esta nova forma de direito real por entendê-lo como novidade desnecessária, uma vez que a propriedade em projeção vertical, há muito, já está prevista em nosso ordenamento, sob a forma do Direito Real de Superfície.
Deveras, quando se tratar de propriedade de imóvel urbano, já previu o Estatuto da Cidade a possibilidade de, diferentemente da regra geral constante do Código Civil, criar-se um direito de superfície com prazo por tempo indeterminado e transmissível a herdeiros ou sucessores.
De fato, o direito de superfície sobre projeção vertical de um imóvel urbano e constituído com prazo de validade por tempo indeterminado em muito se assemelha ao novo direito (de laje em sobreposição), mas dele se diferencia por uma característica fundamental: na laje sobreposta existem unidades imobiliárias autônomas de titularidades distinta daquela originalmente existente.
Além disso, assim como ocorre com o condomínio edilício, para que o direito de laje possa existir, é necessária a existência de alguma edificação sobre o solo, ao passo que, o direito de superfície pode se referir unicamente a terreno sem benfeitoria alguma.

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