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Obesidade e Exercício

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Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.161-62, set. 2006. Suplemento n.5. • 161
XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física
dos países de língua portuguesa
Obesidade e Exercício
José Augusto Rodrigues dos SANTOS
 Faculdade de Desporto, Universidade do Porto, Portugal
Nos dias de hoje a obesidade é um grave problema epidemiológico,
responsável directa por uma séries de patologias (e.g. diabetes mellitus
tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão, problemas ósteo-
articulares) e com profundas implicações económicas nos países
ocidentais. Actualmente, no mundo, existem cerca de 150 milhões
de obesos e perto de 250 milhões de pessoas com excesso de peso,
e o panorama tende a piorar segundo todos os observatórios
epidemiológicos. O problema é grave a vários níveis, sendo-o também
ao nível da auto-estima das pessoas. Atentemos nos lógicos
sentimentos de revolta da jovem australiana quando viu o seu governo
impedi-la de adoptar uma criança por ser demasiado gorda. Foi-lhe
dito que não reunia condições motoras e comportamentais para
funcionar adequadamente no seu papel de mãe adoptiva. Terrível
libelo social contra a obesidade.
Hoje em dia é difícil de discernir qual é o inimigo número
um da saúde pública - o tabaco ou a obesidade.
De acordo com um estudo que coligiu dados de 3.457
voluntários e levado a cabo entre 1948 e 1990, as pessoas que
apresentam excesso de peso aos 40 anos de idade, têm uma redução
de pelo menos 3 anos na esperança de vida quando comparadas
com as pessoas magras. Parece que ser gordo na meia-idade é tão
mau como fumar. Segundo o estudo, mulheres obesas não fumadoras
perdem em média 7.1 anos de vida, enquanto os homens, nas mesmas
condições, perdem 5.8 anos. O Dr. Serge Jabbour, director-clínico
no hospital da Universidade Thomas Jefferson, Filadélfia, afirma
que ter excesso de peso aos 30-40 anos, mesmo que se perca peso
mais tarde, comporta um elevado factor de risco de morrer mais
cedo. O fumar piora a situação, já que uma mulher obesa-fumadora
morre 7.2 anos mais cedo que uma com peso normal e 13.7 anos
mais cedo que uma não-fumadora com peso normal. Nos homens,
o panorama é idêntico.
Mulheres obesas têm 100 vezes mais possibilidades de
desenvolver diabetes tipo 2 que as que apresentam peso normal.
O risco nos homens obesos é de 45 vezes superior ao dos homens
normo-ponderais.
Hoje em dia, afirma-se que a obesidade, de tão expandida
que se encontra, representa um desvio evolucionário na forma
corporal humana. Assim sendo, nada augura de bom para o
futuro da humanidade, já que esse cenário tem a doença e a
redução da esperança de vida como horizonte.
Muitas nações, não só ocidentais, já registam mais de 20% da
população como clinicamente obesa e cerca de metade
apresentando excesso de peso. A obesidade começa a ganhar
foros de pandemia em países como a China e Índia, até aqui
pouco tocados por esta verdadeira doença metabólica.
A obesidade pandémica é o resultado da abundância em
alimentos ricos em energia, consumidos em excesso a partir de
campanhas publicitárias agressivas e dum estilo de vida
sedentário que tem a televisão e o computador como formas
prevalentes de preenchimento dos tempos livres.
Normalmente, a obesidade está ligada à acumulação
energética derivada do consumo excessivo de nutrientes que
ultrapassam as necessidades diárias do sujeito. O Professor
Willem van Mechelen, suportado por uma série de estudos
levados a efeito na Holanda e Estados Unidos da América, afirma
que a falta de exercício é a causa mais importante para o aumento
do número de pessoas sofrendo de excesso de peso ou obesidade.
Pensamos que o mais importante não é o exercício físico por si
só mas a filosofia de vida que corresponde às pessoas activas e
que têm na prática desportiva uma forma de melhoria da sua
qualidade de vida.
O estilo de vida adoptado pelas sociedades mais evoluídas
desemboca num sedentarismo patológico que é muito mais
nefasto que os eventuais excessos alimentares. Pensamos que o
desporto, por si só, não resolve o problema do excesso ponderal
e da obesidade, pois nenhum programa desportivo pode
contrariar os défices culturais que conduzem a comportamentos
inadequados em termos nutricionais.
Hipocinésia ou excesso de calorias? Qual o factor
determinante da obesidade?
O conceito tradicional de que o problema do excesso ponderal
deriva directamente do balanço positivo do aporte calórico é
questionado por alguns autores. Assim, parece que alguns
alimentos apresentam um superior potencial “engordante” que
outros. Num estudo com obesos em regime de restrição de
gorduras visando a redução do peso corporal, o grupo que
ingeriu amêndoas num regime de dieta moderada em gorduras,
perdeu mais peso que o grupo cuja dieta era baixa em gorduras
mas sem amêndoas. Assim, parece que o tipo de gordura tem
efeito metabólico específico que se pode reflectir na sua
capacidade de assimilação. No caso das amêndoas coloca-se a
hipótese, de, em virtude do seu alto teor em fibras, as respectivas
gorduras não serem totalmente absorvidas.
Existem sobejas evidências científicas sobre a base genética
de muitos tipos de obesidade.
Uma questão crítica na regulação do peso corporal diz
respeito à forma como o tamanho das reservas de gordura é
assinalada e registada pelo cérebro e outros orgãos. Malgrado a
sua expressão genética seja locus-específica o que torna difícil a
validação absoluta da sua produção, parece ser a leptina o sinal
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XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física
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que relaciona o cérebro e os adipócitos. A hormona leptina,
responsável pela inibição do apetite quando aumenta a gordura
corporal, quando sofre mutações genéticas está associada à obesidade
em algumas pessoas. Desvios genéticos ou hormonais são causas
comprovadas de obesidade. A pulsão básica para o alimento
determina apetências muito fortes que podem ser difíceis de controlar
uma vez instalada a disfunção nutro-comportamental. A pulsão pelo
alimento é tão forte como a pulsão para a bebida quando se tem
sede, e, por isso, não pode ser subestimada.
Se isto é verdade, as pessoas gordas não devem ser criticadas pelo
seu exagerado apetite, já que algumas estão geneticamente
tendenciadas a sentir fome. Parece, assim, que a predisposição para o
excesso ponderal é o resultado da nossa herança genética que, em
períodos de escassez de alimentos, induziu os nossos predecessores
a desenvolver os genes de obesidade que lhes permitiam armazenar
energia para os períodos de fome.
Os mesmos genes que permitiram a subsistência dos nossos
ancestrais em períodos de fome são hoje, nas sociedades de
abundância, a causa fundamental da obesidade pandémica e do cortejo
de doenças que lhe está associada. Seria bom que os genes que
comandam o armazenamento energético, por mutação genética
acelerada, desaparecessem da matriz básica da espécie humana.
Embora a falta de exercício seja uma das causas principais do
excesso ponderal e obesidade, a sua importância tem de ser
relativizada. O exercício, quer pelo aumento da massa magra
que induz a elevação do metabolismo basal quer pelo efeito
deplector de energia, ajuda mas não resolve o problema da
obesidade. Senão vejamos. Um cidadão português ou brasileiro,
na meia-idade, sedentário, sem excessos ponderais, tem em média
10 kg de gordura acumulada. Isto corresponde a um
armazenamento de 100.000 kcal no tecido adiposo, sob a forma
de triglicerídeos. Um sujeito obeso poderá aumentar muitas vezes
esta reserva energética. Se atentarmos que para a realização de
uma maratona (42.195 m de esforço) se gastam entre 2200 a
2400 kcal, vemos que a luta contra o excesso de peso pelavia do
exercício físico, é uma luta perdida pela impossibilidade de, em
tempo útil, promover um balanço energético negativo eficaz.
Acresce que um sujeito com excesso de peso apresenta limitações
motoras, pelo que o panorama se agrava.
O exercício físico muito prolongado e de baixa intensidade é a
melhor forma de queimar as calorias armazenadas sob a forma de
gordura; exercícios mais intensos mobilizam em maior quantidade
as reservas musculares e hepáticas de glicogénio.
Os lípidos para utilização durante o exercício encontram-se nos:
triglicerídeos do adipócito (a principal reserva), triglicerídeos
musculares e triglicerídeos circulantes, primariamente lipoproteínas
de muito baixa densidade (VLDL) produzidas no hepatócito bem
como quilomícrons que transportam os lípidos pós-prandiais.
Os triglicerídeos musculares são quantitativamente limitados
(10-40 mol/kg/peso húmido) e, embora sejam utilizados parece
que sofrem reesterificação mesmo durante o esforço que pode
estar relacionada com a exagerada mobilização dos triglicerídeos
do adipócito. Em termos de excesso ponderal estas reservas são
para nós dispiciendas pela reduzida quantidade de gordura que
comportam, embora possam funcionar como charneira
metabólica, pois ainda subsistam dúvidas sobre se os ácidos
gordos circulantes são directamente oxidados na mitocôndria
ou se sofrem antecipadamente uma reesterificação intramuscular.
Embora, nenhum estudo evidencie uma deplecção selectiva das
reservas de gordura em função da especificidade do exercício, importa
referir que essas reservas não são mobilizadas da mesma forma e no
mesmo timing. Assim, as gorduras drenadas pela veia-porta, cuja
posição topográfica é mais favorável à mobilização, entram
directamente no fígado em concentrações mais elevadas. O fígado
transformará os ácidos gordos em excesso em VLDL que podem
ser ou oxidados no músculo, ou transformar-se em LDL
(lipoproteínas de baixa densidade) que se podem acumular nos tecidos
ou nas paredes dos vasos. Os triglicerídeos transportados nas VLDL
devem ser antecipadamente hidrolisados antes de entrarem nos
músculos, o que é feito através da lipoproteína-lipase localizada no
endotélio capilar. Esta enzima actua fortemente no músculo e coração
numa situação de jejum enquanto que numa situação pós-prandial,
actua a nível do adipócito para facilitar a captação dos lípidos exógenos.
Importa referir que as tentativas de aumentar a disponibilidade
das gorduras para oxidação através de drogas (cafeína, heparina,
carnitina) não encontraram justificação a nível da investigação
científica.
Conjugando dieta adequada e energético-restritiva com o
exercício, surge, a muitas pessoas a questão da melhor forma de
levar a efeito o exercício físico. Defendemos o exercício
prolongado e de baixa intensidade como o meio mais eficaz
para queimar as gorduras supérfluas, mas antes temos de atentar
na condição muscular e articular do sujeito. A obesidade
corresponde a sobrepeso que, em situações de exercício
prolongado pode ser muito agressivo para os músculos e
articulações. Um programa de redução ponderal por exercício
aeróbio começa, no nosso entender, pelo reforço muscular que
potencia os mecanismos protectores das articulações,
principalmente na coluna, joelhos e tornozelos.
Numa situação pós-prandial, os carbohidratos da refeição
induzem uma descarga pancreática de insulina. A insulina é a
mais importante hormona contra-reguladora da lipólise. Estimula
a fosfodiesterase que promove a clivagem do AMPc em AMP,
evitando a estimulação da hormona lipase-sensitiva pelo AMPc
condicionando, assim, a hidrólise dos triglicerídeos. A
concentração de insulina é suprimida durante o exercício, mas,
após uma refeição rica em carbohidratos, essa supressão não é
conseguida e o efeito anti-lipolítico desta hormona prolonga-se
no tempo.
A partir destes dados, defendemos a possibilidade de, em
certas condições, os sujeitos obesos ou com excesso de peso se
poderem exercitar em jejum, desde que a intensidade do exercício
seja reduzida e a quantidade de exercício progressivamente
aumentada.

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