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Professor Luiz Figueira Pinto Página 1 UFRRJ / IV - Departamento de Medicina e Cirurgia Disciplina: Obstetrícia Veterinária (IV-332) Professor Responsável: Luiz Figueira Pinto PUERPÉRIO PATOLÓGICO 1. Introdução A ocorrência de puerpério patológico nos grandes animais retarda o início do serviço em cerca de 60 a 80 dias, o que acarreta uma perda na eficiência reprodutiva do rebanho e, conseqüentemente, prejuízo econômico por elevar os custos da produção. As causas dessas afecções no pós-parto estão relacionadas à ocorrência de distocias, tanto maternas quanto fetais. O conhecimento da evolução do parto pode contribuir para a resolução de um puerpério patológico, pois todo fator que contribuir para a não involução uterina e retardar o restabelecimento da função neuro-endócrina do ciclo estral favorece o curso de um puerpério patológico. 2. RETENÇÃO DE PLACENTA a) Introdução A retenção de placenta é uma afecção puerperal bastante comum na exploração de bovinos leiteiros, e de um modo geral incomum nas éguas. Nas cadelas e porcas ocorre conjuntamente com a retenção dos fetos, em uma freqüência variável. A ocorrência de retenção de placenta no puerpério denota um curso patológico do parto, representando um sintoma do transtorno etiológico da distocia que lhe originou e que prejudica o processo natural de involução uterina. Após a expulsão do feto há um período de tempo fisiológico para a expulsão da placenta, especifico para cada espécie animal. O diagnóstico de retenção de placenta só pode ser emitido depois de transcorrido este período de tempo. b) Etiologia Em um puerpério fisiológico a deiscência e a expulsão das secundinas é um processo complexo que inclui uma redução da irrigação sangüínea seguida de retração das estruturas placentárias maternas e fetais, alterações degenerativas e fortes contrações uterinas. A retenção das secundinas é resultado de uma insuficiência nas contrações uterinas após a fase expulsiva do parto ou de uma lesão placentária que afeta a união física entre o endométrio modificado e as vilosidades coriônicas. As principais causas implicadas em sua ocorrência consistem em distensão excessiva do útero, inércias uterinas, parto prematuro, abortos, níveis baixos de estrógenos ou PGF2 α, deficiência nutricional de Professor Luiz Figueira Pinto Página 2 vitaminas (principalmente A e E) e de minerais (principalmente cálcio e selênio), e ainda as infecções uterinas. c) Sintomatologia O principal sintoma de não involução uterina, depois de transcorrido o período fisiológico de expulsão das secundinas, é a eliminação de lóquio patológico com ou sem a insinuação de anexos fetais pela rima vulvar. O lóquio patológico se torna denso, pútrido e fétido, e a sua eliminação suja a região vulvar, a base posterior do úbere, e a cauda do animal, além das instalações físicas, contribuindo para a perda da higiene atraindo moscas e predadores. Na vaca depois de transcorrido mais de 48 horas da expulsão do feto o colo uterino tende a se manter com um discreto grau de dilatação que não permite a passagem de uma mão devido aos baixos níveis de estrogênio e prostaglandinas, o que dificulta a eliminação da placenta retida. Entretanto, pode ocorrer a autocura, sem que se processe qualquer tratamento, entre três a 10 dias, podendo a placenta ser expulsa em forma de uma massa putrefeita. Nos casos de resolução rápida podem ocorrer ligeiras cólicas acompanhadas de esforços expulsivos e uma discreta redução da produção leiteira. Há casos complicados em que a vaca apresenta sintomas moderados a graves, tais como: inapetência, diminuição da ruminação, aumento da temperatura corpórea, discreta taquicardia e taquipnéia, associado a uma queda sensível ou supressão da secreção láctea. Estes animais podem apresentar complicações clínicas como mastite, metrite, peritonite, vaginite necrótica, paresia da parturiente e acetonemia. Nas éguas a retenção das secundinas depois de transcorridos mais de 12 horas pode se complicar em laminite e toxemia severas. As porcas, cadelas, gatas podem apresentar toxemia, ruptura uterina, peritonite e morte. d) Tratamento Há vacas que se curam sem qualquer tratamento, enquanto outras apresentam complicações clínicas sérias. Os procedimentos para resolução da retenção das secundinas nas vacas variam de acordo com o tempo transcorrido após o parto. Nas primeiras 24 a 48 horas deve-se realizar tração moderada, torcendo-se os anexos como uma corda, e promover o descolamento manual da união dos placentomas, seguido de corte da porção exposta. A seguir, se realiza massagem uterina por via retal e lava-se todo o posterior do animal. Este procedimento deve ser conduzido diariamente até a expulsão completa da placenta. O uso de ocitocina ou prostaglandina fica a critério do veterinário responsável. Depois de transcorridos mais de 48 horas do parto pode ser necessário o emprego de estrógenos para se promover a dilatação do colo uterino e a utilização de ocitocina. O acúmulo de liquido no interior do útero torna necessário a realização de infusão uterina, seguido de sifonagem, com uma solução aquosa de KmnO4, ou mesmo água com sabão, para a limpeza do útero, seguidos por Professor Luiz Figueira Pinto Página 3 procedimentos higiênicos e massagem uterina por via retal. Este procedimento é realizado diariamente ate a completa resolução da retenção da placenta. O uso de pessários ou velas uterinas contendo antibióticos fica a critério do veterinário responsável, e o emprego de medicamentos homeopáticos pode ser uma boa opção. 3. INVERSÃO OU PROLAPSO VAGINAL OU UTERINO a) Introdução O prolapso vaginal ou uterino é conseqüente a um relaxamento da fixação destes órgãos na cavidade pélvica, promovendo uma modificação da posição de parte da parede que introspecta pelo próprio órgão e se insinua através da rima vulva. O prolapso vaginal pode ocorrer em toda fêmea durante a gestação e em alguns casos durante o parto. Nas cadelas pode ocorrer durante o cio, havendo uma predisposição racial nos Boxers. O prolapso uterino ocorre após a expulsão dos produtos no parto. Ele sucede em tempo a uma inversão uterina e de acordo com as partes exteriorizadas este pode ser parcial, completo ou total. A morte da fêmea ocorre ocasionalmente por ruptura do meso-ovário e da artéria ovariana. È de ocorrência comum durante a fase expulsiva do parto na vaca e nos pequena ruminante, sendo menos freqüente na porca, e rara nas éguas e na cadela. b) Etiologia Diversos fatores podem estar envolvidos na etiologia dos prolapsos. Em todos os casos encontram-se níveis elevados de estrogênios responsáveis pelo embebimento hormonal e conseqüente amolecimento dos ligamentos pélvicos e genitais. Os principais fatores envolvidos são: predisposição hereditária; retenção de secundinas ou lesões da via fetal mole; mal estado nutricional; estabulação em ambientes com piso em declive acentuado; atonia uterina acompanhada de hipocalcemia e contrações abdominais intensas; extração forçada de fetos enfisematosos; e edema dos órgãos genitais. c) Sintomatologia O prolapso uterino é sempre de ocorrência puerperal, enquanto que o prolapso vaginal na vaca ocorre principalmente na fase prodrômica do parto, e na cadela durante o cio. Na inspeção se observa parte do órgão (vagina ou útero) revertida e situada fora da rima vulvar, expondo a mucosa. O útero pode pender até alcançar o nível dos jarretes, e no inicio a sua mucosa se apresenta avermelhada passando a vermelho escuro mais brilhante e nos casos mais antigos há perda do brilho com ressecamento, podendo apresentar escoriações, rupturas, contaminações e Professor LuizFigueira Pinto Página 4 infecções. Na presença de gangrena uterina a mucosa se torna azulada e sem brilho e as partes necrosadas enegrecidas. A paciente se apresenta com um desconforto abdominal, cólicas e tenesmo, o que limita as suas atividades rotineiras. d) Tratamento Inicialmente se avalia o estado geral da fêmea a fim de se descartar a presença de hemorragias internas, e a seguir se promove um exame obstétrico avaliando-se o tempo e o grau de prolapso, a presença de secundinas retidas, e as alterações da mucosa uterina ou vaginal. A capacidade de recuperação do órgão é surpreendente, mas na ocorrência de gangrena e necrose o único recurso é a amputação do órgão. O tratamento visa repor o órgão em sua posição anatômica original, o que se obtém por meio de massagens e o uso de compressas frias, para redução do edema, seguidas por manobra de retropulsão do órgão. A mucosa deve ser lubrificada para facilitar a sua reposição e sua proteção. No caso de prolapso uterino pode ser necessário um lençol limpo e úmido para apoiar o órgão. Em alguns animais pode ser necessário o emprego de sedativos ou anestesia epidural. Após a redução do prolapso deve ser realizada uma infusão intra-uterina de uma solução aquosa de permanganato de potássio, seguido de sifonagem, para se desfazer a inversão que porventura tenha permanecido. O uso de pessários ou velas uterinas não se faz necessário. Todo este procedimento deve ser realizado com o animal em estação, contido em uma rampa, com os anteriores em declive. A manutenção da situação anatomo-topográfica da vagina e do útero pode ser efetivada por meio das seguintes técnicas: 1. Técnica de Matress: consiste na execução de três pontos de Wolff eqüitativamente distribuído ao longo da rima vulvar. Os pontos são aplicados no centro de cada terço vulvar e apresentam como limites laterais a transição das regiões glabra e pilosa. São empregados um trocater fino, agulha curva cortante ou de Flessa, e fios de sutura inabsorvíveis (nylon). O ponto inferior deve permitir a saída de secreções (urina e lóquio). È a técnica mais comum podendo ser empregada em qualquer espécie. 2. Técnica de Flessa: consiste na oclusão da vulva com o aparelho de Flessa que consiste em três pinos metálicos, tipo parafuso com rosca e porca, e dois trilhos laterais de metal ou plástico para apoio dos pinos. A aplicação dos pinos e trilhos segue as mesmas referências adotadas na técnica de Matress. É recomendada para emprego nas vacas e éguas. 3. Técnica de Bühner: o estreitamento vulvar é promovido por meio de uma ligadura periférica, tipo bolsa de tabaco. Inicialmente penetra-se uma agulha comprida tipo “Gerlach”, em um ponto localizado ligeiramente abaixo e ao lado da comissura vulvar ventral, que segue para cima pelo tecido perivaginal, e sai em um ponto ligeiramente acima e lateral à comissura Professor Luiz Figueira Pinto Página 5 vulvar dorsal. A seguir, coloca-se um fio tipo fita umbilical na extremidade da agulha e o traciona em direção ao furo de entrada da agulha. O fio corre sob o limite da região glabra e pilosa. Repete-se esta operação do lado oposto, pegando-se a extremidade remanescente do fio na porção dorsal da vulva. As duas extremidades do fio são atadas na porção ventral da vulva, comprimindo-a até que a sua abertura permeie de dois a três dedos. Indicada para emprego nas grandes fêmeas. 4. Cervicopexia: consiste na fixação do fórnix vaginal bilateralmente por meio de aplicação de um fio de sutura com “captons” apoiados na pele da região glútea. Recomendado para vacas de alta produção que tenham apresentado recidivas de prolapso uterino ou vaginal. 4 - RUPTURA DE PERÍNEO a) Introdução È um ferimento das porções caudais das partes moles do canal do nascimento caracterizado por uma dilaceração da vulva e vagina atingindo com profundidades variáveis os tecidos adjacentes. Neste sentido, a ruptura do períneo é considerada parcial quando não há comprometimento dos esfíncteres anais e da mucosa retal, e na ruptura total ocorre dilaceração total do períneo formando-se uma “cloaca”, ou seja, uma comunicação caudal do canal vaginal com a luz intestinal. b) Etiologia A ruptura de períneo geralmente é ocasionada por fetos grandes ou na existência de vulvas com retrações cicatriciais, cujos partos cursam com contrações violentas e rápidas, manobras obstétricas mal feitas, parto seco, etc. As rupturas de períneo são comuns em fêmeas primíparas e animais que apresentam má formação. Em eqüinos pode ocorrer ruptura de períneo devido ao feto permanecer em uma posição dorso-pubiana ou lombo-pubiana, e se desviar do eixo pélvico durante a sua expulsão no parto, lacerando o teto vaginal e o períneo. c) Sintomatologia O puerpério segue com graus variados de flogose no canal do nascimento e no períneo podendo ocorrer complicações infecciosas, como o tétano nos eqüinos. A modificação da dimensão e da regularidade da rima vulvar, assim como da modificação de sua disposição vertical para obliqua, favorece a aspiração de ar instalando-se um quadro de pneumo-vagina, pneumo-metra e pneumo-reto, que evoluem para uma vaginite, cervicite e endometrite. A conseqüência inevitável é uma subfertilidade ou infertilidade com diminuição da produtividade. Professor Luiz Figueira Pinto Página 6 e) Tratamento Nos casos recentes, dentro das primeiras 12 horas após o incidente, deve- se promover a cicatrização por primeira intenção. Após este período de tempo deve-se aguardar que ocorra a cicatrização da ferida por segunda intenção, com o uso de curativos diários. Na ruptura parcial do períneo a técnica consiste em uma vulvoplastia (técnica de Carlisk modificada) com reparação da disposição da rima vulvar e da comissura dorsal da vulva. São empregados fios absorvíveis e pontos de Donnati captonados que se estendem da pele perineal até o plano da submucosa no teto vaginal e vulvar. Na ruptura total do períneo emprega-se a técnica de Götze, que consiste em se separar a mucosa retal e vaginal e a aplicação de pontos de Donnati modificados apoiados no septo reto-vaginal, no sentido crânio-caudal. Estes pontos partem da mucosa vaginal em direção à submucosa retal de um lado ao outro e retornam para a mucosa vaginal do lado oposto, transpassando o septo reto-vaginal. A pele perineal pode ser suturada no final com pontos simples e fio inabsorvível. A recuperação do paciente é delicada e requer cuidados especiais com a defecação.
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