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AIDS e Infecções Oportunistas

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AIDS E INFECÇÕES OPORTUNISTAS
Rebecca Noguchi - Anotações de Aula
INTRODUÇÃO
	O curso da AIDS se resume em infecção seguida, após cerca de 6 semanas, de uma fase aguda (com possível síndrome aguda pelo HIV), latência clínica e, após 5 a 10 anos em média, entrada do paciente nos sintomas constitucionais e nas doenças oportunistas.
	A síndrome aguda pelo HIV corresponde a sintomas como faringite, exantema e linfonodomegalia (assemelhando-se a uma "virose"). A latência clínica é um período no qual progressivamente temos o aumento da carga viral no organismo e diminuição dos níveis e TCD4.
	
CICLO DE INFECÇÃO
	A infecção de uma célula alvo pelo HIV começa com a adesão do vírus ao receptor CD4 da célula-alvo, relacionando-se à presença de um co-receptor específico. A compreensão do processo de fusão do vírus às células abriu novas possibilidades para a criação de medicamentos ARV (inibidores de entrada e de fusão). Após a fusão, o HIV entra na célula e o RNA viral é liberado, passando pelo processo de transcrição reversa que o converte em DNA para que possa interagir com a célula. Os inibidores de transcriptase reversa são uma classe de ARVs (englobam o famoso AZT) que foram os primeiros medicamentos anti-HIV e que continuam sendo essenciais. Esses inibidores podem ser análogos de nucleosídeos ou não-análogos de nucleosídeos, com base na estrutura e na maneira como eles inibem a transcriptase reversa.
	Uma vez que o material genético do HIV foi convertido em DNA, o DNA viral então entra no núcleo, onde se integra ao material genético da célula, processo catalisado pela enzima integrase, o que se relaciona aos medicamentos inibidores da integrase. Depois de integrar o material genético do HIV ao do hospedeiro, o HIV pode ficar latente por muitos anos.
	A ativação da célula alvo faz com que o DNAviral seja transcrito em RNAm, sendo assim traduzido em proteínas virais. O novo RNA viral forma o material genético da próxima geração de vírus (o RNA viral e as proteínas virais se estruturam junto à membrana para formar um novo vírus). Uma das proteínas do HIV é a protease, necessária no processamento de outras proteínas do HIV, e os inibidores de protease são alguns dos mais potentes medicamentos ARV que existem. Após a estruturação na superfície da célula, o vírus se desprende dela e fica livre para infectar uma nova célula alvo. 
	Os medicamentos, portanto, podem conter ou diminuir a evolução do ciclo de infecção, mas ainda não são capazes de erradicar o vírus do organismo de pessoas já infectadas.
ESQUEMAS PRINCIPAIS DE TARV
	Preferencial: 2 ITRN + ITRNN
	Alternativo: 2ITRN + IP/r
	Tratamento antigamente era indicado a partir de TCD4 abaixo de 350, porém atualmente já está sendo recomendado a partir de 500.
	Para a escolha do medicamento ideal deve-se considerar a adesão do paciente, número de comprimidos por dia, toxicidade imediata, e, em longo prazo, comorbidades e iso concomitante de outros medicamentos. Levar em conta também a durabilidade do esquema e potência dos medicamentos utilizados.
-- Inibidores da Transcriptase Reversa Análogos de Nucleosídeos (ITRN): 
	Zidovudina (AZT), Lamivudina (3TC), Abacavir (ABC), Didanosina (DDI), Estavudina (d4T), Tenofovir (TDF).
-- Inibidores da Transcriptase Reversa Não-Análogos de Nucleosídeos (ITRNN):
	Nevirapina (NVP), Efavirenz (EFV), Entricitabina (FTC).
-- Inibidores de Protease:
	Amprenavir (APV), Ritonavir (RTV - /r), Saquinavir (SQV), Lopinavir (LPV), Fosamprenavir (FPV), Darunavir (DNV), Azatanavir (ATV).
-- Inibidores de Fusão:
	Enfurvitide (T-20)
-- Inibidores de CCR5 (receptor de membrana):
	Maraviroc, Vicriviroc
-- Inibidores de Integrase:
	Raltegravir 
EFEITOS ADVERSOS DOS MEDICAMENTOS
	Os efeitos adversos dos medicamentos ARV devem ser considerados para a escolha do tratamento ideal, de acordo com a profissão e necessidades do paciente em questão. Os principais efeitos adversos de cada medicamento são:
·	Tenofovir: alterações renais.
·	Efavirenz: alterações mentais e psicológicas.
·	Abacavir: reações de hipersensibilidade, relacionadas ao HLA-B.
·	Nevirapina: alergia, síndrome de Steven-Johnson, hepatotoxicidade. Hipersensibilidade comum entre Nevirapina e Efavirenz.
·	Zidovudina: anemia, neutropenia, anemia com macrocitose (a análise do hemograma do paciente é, inclusive, uma prova de adesão do mesmo ao tratamento).
·	Lamivudina: pancreatite.
·	Estavudina: neuropatia periférica e pancreatite.
·	Didanosina: neuropatia periférica e pancreatite (caso utilizada junto com a Estavudina, aumenta muito o risco de ambas condições).
·	Indinavir: hiperbilirrubinemia, granuloma ungueal.
·	Ritonavir: utilização como "booster", alterações de TGI.
·	Lopinavir/ritonavir: "coletra", diarreia intensa.
·	Atazanavir: icterícia.
·	IPs no geral (exceto Atazanavir): aumento de colesterol e triglicerídeos.
INFECÇÕES OPORTUNISTAS
1.	Síndromes Respiratórias: No HIV, o principal agente de pneumonia é o Streptococcus pneumoniae. O Pneumocystis jiroveci tem participação importante principalmente em pacientes com imunodeficiência de TCD4 abaixo de 200. 
	A tuberculose não respeita níveis de TCD4, podendo ser desenvolvida até mesmo em TCD4 maior que 1000. Contudo, o TCD4 pode definir os tipos de infecção. Por exemplo, pacientes com TCD4 baixo não costumam ter a tuberculose cavitária, mas sim outros tipos de micobacteriose, principalmente as micobacterioses atípicas. O Rhodococcus equi é um agente de infecção semelhante à tuberculose, então também deve ser considerado, embora mais raro. 
	A pneumocistose é uma condição respiratória importante e de principalmente TCD4 abaixo de 200. O tratamento dela é feito com Bactrim, de 6h/6h, IV, por 21 dias (podendo ser VO após melhora do quadro). A morte do pneumocisto gera resposta inflamatória muito intensa, por isso é indicada a associação com corticoides. A Predinisona é indicada (2x/dia, por 5 dias VO, dose de 1-2mg/kg/dia, e em seguida mudar para meia dose por mais 5 dias) ou pode-se fazer uso da Hidrocortisona (5-10 mg/kg/dia, IV, 6h/6h, 5-10 dias). Um tratamento alternativo no caso de paciente alérgica ao Sulfametoxazol é a Dapsona (principalmente usada em profilaxia) e Piritamidina.
	O tratamento da tuberculose no HIV é pelo esquema RIPE basicamente, mas lembrando da interação entre a Rifampicina e o TARV. No uso da Rifampicina, pode ser utilizado principalmente o EFV, SQV e RTV. A Rifampicina é um medicamento que atua contra micobactérias em espaço intracaseoso, intracavitário ou intratrabecular, e esquemas sem Rifampicina duram, no mínimo, 1 ano (no caso do TARV interagir com a Rifampicina, trocá-la por Estreptomicina, fazendo o tratamento da turberculose ser mais longo). Ter atenção também com a Síndrome da Reconstituição Imune (o paciente melhora a nível de TCD4 e piora a clínica da infecção oportunista). Iniciar o TARV após 30 dias do início do tratamento da tuberculose.
	O peso do indivíduo deve ser sempre muito respeitado e considerado na escolha do tratamento, pois é relevante tanto em questão de dose quanto de toxicidade sistêmica.
2.	Síndromes Neurológicas: As principais doenças oportunistas neurológicas são a Toxoplasmose, Criptococose Meníngea, CMV, Herpes, Leucoencefalopatia Multifocal Progressiva, etc.	
	A meningite criptococócica ocorre principalmente em níveis de TCD4 abaixo de 100 e gera edema, podendo levar a quadro de HIC. Porém, sinais focais são pouco frequentes. Há quadro subagudo, cefaleia, febre, letargia e pode ou não ter rigidez de nuca. O tratamento é feito principalmente com Anfotericina B, mas também pode ser feito com Fluconazol.
	A Neurotoxoplasmose apresenta sinais focais, podendo inclusive simular a clínica de um AVE, e deve ser tratada com Sulfadiazina + Pirimetamina + Ácido Folínico por 3 a 6 semanas. A profilaxia secundária é o mesmo esquema em dose menor. A profilaxia primária é com Bactrim.
3.	Síndromes Oculares: As principais manifestações são retinite por CMV, por Toxoplasmose, por Pneumocistose, por Tuberculose e por Herpes Vírus.O tratamento da retinite por CMV (histopatológico com inclusões celulares em "olho de coruja") é feito com Ganciclovir.
4.	Síndromes Dermatológicas: Os principais exemplos de manifestações dermatológicas são a dermatite seborreica, foliculite pustular eosinofílica, escabiose, psoríase, ictiose, reativação de herpes zoster, herpes simples, molusco contagioso, herpes genital e histoplasmose. CMV e Sarcoma de Kaposi também devem ser considerados.
	O tratamento da histoplasmose é feito com Anfotericina B ou Itraconazol. A bactéria Bartonella pode causar a chamada "Angiomatose Epitelioide Bacilar", que deve ser tratada com macrolídeos e tetraciclina, podendo ser clinicamente confundida com o Sarcoma de Kaposi (envolvimento cutâneo e mucoso, raro em mulheres).
5.	Síndromes Digestivas: Os quadros digestivos incluem diarreia (de urgência, líquida, podendo levar à desnutrição), esofagite (por cândida, HSV, CMV), dores abdominais (perfuração intestinal, obstrução, enterites, pancreatite, acidemia lática), entre outros. 
	O tratamento para coccidios é reconstituição imune (TARV). A isosporíase pode ser tratada com o Bactrim. Outras condições englobam o Sarcoma de Kaposi e doenças hepatobiliares.
6.	Síndromes Cardiovasculares: Manifestações cardiovasculares como miocardiopatias pelo próprio HIV, por fármacos (principalmente IPs que aumentam os níveis de triglicerídeos), por Sarcoma de Kaposi, por Criptococose, por doença de Chagas e por Toxoplasmose. Pode haver também derrames pericárdicos importantes, percardite, endocardite trombótica não bacteriana e outras cardiopatias gerais.

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