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Teoria Cinética dos Gases Notas de Aulas Prof. Antonio F Fortes II Semestre de 2008 1 A natureza atômica da matéria A observação de uma reação química, como por exemplo a de síntese da água a partir de hidrogênio e oxigênio, revela que estes gases, às mesmas pressões e temperaturas, combinam-se sempre em proporções fixas: (2 volumes) (1 volume) (2 volumes) 2H2 + O2 → 2H2O Amedeo Avogadro, em 1758, entendeu que estas proporções fixas implicam que os volumes de hidrogênio, oxigênio e vapor de água devem conter sempre o mesmo número de moléculas destes gases. É esta a base conceitual da teoria atômica da matéria, da qual a teoria cinética dos gases, devida a Ludwig Boltzmann, é a formulação clássica segundo a mecânica newtoniana. 2 Modelo cinético de um gás ideal Segundo Boltzmann, as moléculas constitutivas de um gás são partículas rígidas em movimento térmico perpétuo, colidindo elasticamente entre si e com as paredes de um volume V que as contenha, não havendo outro tipo de interação que não sejam as colisões elásticas. v F V Av vx vx x dx Figura 1: Pressão de um gás confinado. Na colisão mostrada esquematicamente na figura, cada molécula que atinge o pistão é refletida com a mesma velocidade, de modo que, na média, cada mo- lécula do gás que entra em um determinado volume Adx sai deste volume com a mesma energia cinética. Neste estado, o gás está em equilíbrio térmico. As- sim, se v é a velocidade de uma molécula de massa m, a variação do seu momento linear na direção x depois de uma colisão contra o pistão deve ser 2mvx, devido à reflexão da molécula pelo pistão. O trabalho da força F sobre o gás é dW = −Fdx = −pAdx = −pdV, significando que a pressão p é o resultado das colisões de todas as moléculas contra as paredes do cilindro e contra o pistão, que se desloca com velocidade constante e sem atrito sob o efeito da força F = −pA. Sendo elásticas, as colisões não produzem calor, de modo que todo o trabalho de compressão converte-se em energia cinética das moléculas. Não há portanto troca de calor, e a compressão é adiabática. Neste caso, a primeira lei da termodinâmica para a compressão do gás resulta em dW = −dU. Se o volume V contém N moléculas, a densidade do gás será n = N/V , e o número de moléculas que atinge o pistão no tempo t será n(vxtA). Logo, a força F deve ser F = (nvxA)(2mvx) = variação do momento linear unidade de tempo . Daí, p = F A = 2mnv2x. Como vx varia muito de uma molécula para outra, a pressão expressa em termos do valor médio 〈v2x〉 será p = mn〈v2x〉, porque sendo v2x positivo, a média para todas as moléculas do gás soma indistintamente todos estes valores, quer as moléculas estejam atingindo ou sendo refletidas pelo pistão. Daí porque dividir o resultado final por dois. Estando em equilíbrio térmico, não deve existir direção preferencial no volume de gás, o que implica em que a pressão deva ser independente da direção, isto é, 〈v2x〉 = 〈v2y〉 = 〈v2z 〉 = 1 3 〈v2〉. Daí, p = mn 〈v2〉 3 = 2 3 n〈mv 2 2 〉 = 2 3 N V 〈mv 2 2 〉 ∴ pV = 2 3 〈Nmv 2 2 〉 = 2 3 U, onde U = 〈Nmv2/2〉 é a energia cinética total das moléculas do gás, denominada energia interna. Esta forma encontrada para pV é estritamente válida apenas para gases monoatômicos. Nos gases com mais de um átomo, existe oscilação dos átomos na molécula, e esta energia de oscilação da molécula não está computada na expressão acima. 2 Fazendo 2/3 = γ − 1, onde γ = 5/3(em termodinâmica, γ é denominado coeficiente adiabático, por estar associado ao processo adiabático), tem-se pV = (γ − 1)U ∴ U = pV (γ − 1) . Substituindo esta expressão para a energia na primeira lei da termodinâmica, tem-se −pdV = 1 γ − 1(pdV + V dp) ∴ γpdV = −V dp, ou dp p = −γ dV V . Integrando, pV γ = constante. Este resultado concorda de forma notável com experimentos realizados com gases reais monoatômicos para baixos valores da pressão, o que valida a equação de estado de um gás ideal. Nesta equação, pV = nℜT = m M ℜT = m mM ℜ NA T = m mM kT = NkT, onde mM = M/NA é a massa de uma molécula do gás, NA = 6, 02 × 1023 é o número de Avogadro e k = ℜ/NA = 1, 38 × 10−23J/oK é a constante de Boltzmann. Daí, a energia cinética média de apenas uma molécula de um gás monoatômico à temperatura T será 3 2 pV N = 3 2 kT. A velocidade rms(root mean square), ou velocidade média quadrática, de uma molécula em termos da temperatura do gás pode então ser colocada na forma vrms = √ 〈v2〉 = √ 3kT mM . 3 Lei de Boltzmann Para um gás em equilíbrio mecânico sob a ação da gravidade, foi visto que a pressão cresce com a altura segundo dp = −ρgdx. Se além desta condição de equilíbrio o gás está a uma temperatura To uniforme, a sua pressão obtida da equação de estado de um gás ideal será p = ρRTo ∴ dp = RTodρ, onde R = ℜ/M , M a massa molecular do gás. Substituindo este resultado na equação do equilíbrio mecânico, dx = − (ℜTo Mg ) dρ ρ ∴ ρ ρo = e−mM gh/kTo , 3 onde h = x − xo. A razão das densidades em T e To é por definição igual a n/no, e o numerador na expressão do expoente é a energia potencial gravitacional da molécula de gás entre as alturas x e xo. Este é um resultado de validade geral denominado lei de Boltzmann, não restrito à energia potencial gravitacional da molécula, mas função da energia potencial E(r) da molécula responsável pela coesão molecular do gás, ou pelo arranjo espacial das moléculas do gás: n = noe −E/kT . Na figura 2 esta energia potencial e a correspondente força de coesão em um gás estão plotadas qualitati- vamente como função da distância intermolecular r. E F Repulsão Atração Força intermolecular Energia potencial r r r o r o d 2E dr 2 = 0 Figura 2: A energia potencial das moléculas de um gás e a força de coesão intermolecular, que diminui com r−7 e depois com r−8 para r → ∞, mudando de sinal no equilíbrio estável quando r = ro ≈ 3− 4. Pela lei de Boltzmann, se kT ≫ |E|, o que significa um gás a al- tas temperaturas, o gás tende a ficar muito rarefeito e a força de coesão intermolecular é pequena. Quando kT ≈ |E|, o gás tem densidade mais alta devido ao aumento das forças de coesão intermolecular. Valores da distância intermolecular menores que ro podem resultar na liquefação do gás. Da forma como foi deduzida, a lei de Boltzmann calcula a densidade de um gás como uma funcão do valor médio da energia potencial da molé- cula. Logo, como em um gás mais denso a probabilidade de encontrar uma molécula do gás com uma energia potencial igual a E1 é maior que em um gás mais rarefeito, a lei de Boltzmann também descreve a probabilidade de encontrar uma molécula do gás com uma dada energia potencial E1, isto é, n1 = noe −(E1−Eo)/kTo . 4 4 Distribuição de velocidades em um gás, de Maxwell No modelo mecânico do gás a conservação da energia implica que a energia potencial calculada ao longo de uma coordenada x é igual à energia cinética da componente de velocidade de cada molécula do gás na direção x, isto é, mMgx = 1 2 mMv 2 x. Com isto, a lei de Boltzmann também calcula a velocidade vx de uma molécula de gás com a energia potencial correspondente à altura x. Estando o gás em equilíbrio térmico, as velocidades das moléculas serão exatamente as mesmas em toda a extensão do gás. Logo, o que muda ao longo da altura x é o número n de moléculas com a mesma energia cinética: quanto maior o valor de x, menor o número de moléculas com esta energia cinética. Desta forma, a lei de Boltzmann calcula a distribuição de velocidades das moléculas do gás de acordo com n no = e−mMu 2/2kT , onde a componente vxfoi substituída por u dado que a completa simetria do gás em equilíbrio térmico torna equivalentes as componentes vx, vy e vz, e exatamente o mesmo resultado seria obtido para as demais direções. Ocorre entretanto que a velocidade correspondente a uma determinada temperatura do gás é um va- lor médio, de modo que em cada temperatura sempre existirá uma distribuição de velocidades entre as moléculas do gás. Assim, se φ(u) é a função densidade destas velocidades no gás, o número médio de moléculas por unidade de volume e com velocidades no intervalo (u+ du) será φ(u)du. Logo, para todas as velocidades possíveis, que variam de −∞ a +∞, a função φ(u) deve satisfazer ∫ +∞ −∞ φ(u)du = 1. Com esta função densidade, o fluxo de moléculas com velocidades no intervalo (u+ du) será uφ(u)du. Assim, todas as moléculas do gás com velocidades maiores que u devem satisfazer a mesma função, de tal forma que ∫ ∞ u uφ(u)du = Ce−mMu 2/2kT , onde C é uma constante de proporcionalidade. Diferenciando a equação acima, φ(u)du = Ce−mMu2/2kTdu ∴ φ(u) = Ce−mMu2/2kT , 5 onde C = CmM/kT . Para determinar esta constante, tem-se em primeiro lugar que o valor da integral de e−x 2 pode ser obtido como segue. Seja I = ∫ +∞ −∞ e−x 2 dx. Daí, sucessivamente, I2 = ∫ +∞ −∞ e−x 2 dx ∫ +∞ −∞ e−y 2 dy = ∫ +∞ −∞ ∫ +∞ −∞ e−(x 2+y2)dxdy = ∫ +∞ 0 e−r 2 2pirdr = pi ∫ +∞ 0 e−tdt = pi ∴ I = √ pi. Voltando à definição de φ(u), é possível obter agora o valor da constante C, isto é, ∫ +∞ −∞ φ(u)du = 1 = C ∫ +∞ −∞ e−mMu 2/2kTdu = C √ 2kT mM √ pi ∴ C = √ mM 2pikT = √ M 2piℜT . −3 −2 −1 0 1 2 3 0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4 e(M/RT)u φ(u) −2 −1 0 1 2 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 Φ(u) e(M/RT)u Figura 3: Funções densidade e distribuição normal de velocidades das moléculas de um gás ideal. O gráfico de φ(u) é a conhecida “curva do sino”(bell curve), que descreve a função densidade normal, ou “curva de Gauss”, de uma variável estocástica. Sua integral é a função distribuição normal, i.e, Φ(u) = ∫ u −∞ φ(u)du. 6 Processos estocásticos de variáveis com distribuição normal ocorrem em outras disciplinas científicas, como em biologia(e.g. fotossíntese), em medicina(e.g. carcinogênese), em ciências sociais(e.g. crescimento populacional), em economia(e.g. preços de títulos na bolsa de valores) e em vários domínios da engenharia. Generalizando para as três direções x, y e z, a função distribuição de velocidades de um gás ideal é, então, f(vx, vy, vz)dvxdvydvz = f(vx)dvxf(vy)dvyf(vz)dvz. Com a velocidade v dada por v2 = v2x + v 2 y + v 2 z , as velocidades das moléculas no intervalo entre v e v + dv estarão agora distribuídas no “volume” 4piv2dv(no espaço de velocidades), e não mais ao longo de uma única direção, de modo que a fração de moléculas com estas velocidades deverá ser redefinida tridimensionalmente como F (v)dv = 4piv2f(v)dv = 4pi ( M 2piℜT )3/2 v2e−Mv 2/2ℜT dv ∴ F (v) = 4pi ( M 2piℜT )3/2 v2e−Mv 2/2ℜT . A figura abaixo mostra o gráfico de F (v) e os módulos relativos da velocidade mais provável v¯, da velocidade média 〈v〉 e da velocidade média quadrática vrms, que mantêm entre si a relação v¯ < 〈v〉 < vrms. 0 _ v 0 F(v) v<v> vrms Figura 4: Distribuição de Maxwell de velocidades das moléculas de um gás ideal. ⊎ ⊎ ⊎ ⊎ 7
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