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Capítulo 16 157 Marcelo Luiz Abramczyk Doenças Exantemáticas 1616 INTRODUÇÃO Doenças exantemáticas correspondem a um grupo ex- tenso de patologias em que a erupção cutânea (rash cutâ- neo) é o achado clínico predominante. Dentre as etiologias mais freqüentemente observadas na prática médica, temos as patologias infecciosas e as pa- tologias alérgicas, muitas vezes de difícil diagnóstico dife- rencial. Doenças reumatológicas também podem se apresentar com quadro de exantema cutâneo. Nosso enfoque principal será relacionado às enfermi- dades infecciosas. ETIOLOGIA Diversos são os agentes infecciosos responsáveis pelas doenças exantemáticas. Algumas doenças, como a doença de Kawasaki, não apresentam etiologia infecciosa bem estabelecida. As doenças exantemáticas clássicas eram em número de seis, assim definidas: • primeira doença: sarampo; • segunda doença: escarlatina; • terceira doença: rubéola; • quarta doença: doença de Duke (exantema viral); • quinta doença: eritema infeccioso; • sexta doença: exantema súbito (roséola infantil). Com o desenvolvimento da medicina e o avanço dos métodos diagnósticos diversos, outros agentes foram iden- tificados em doenças exantemáticas. Devido à diversidade de agentes infecciosos relaciona- dos aos exantemas é mais conveniente classificar os pa- cientes com febre e exantema conforme as características das erupções cutâneas. APRESENTAÇÃO CLÍNICA DO EXANTEMA E AGENTE ETIOLÓGICO PROVÁVEL • lesões purpúricas ou petéquias – meningoccemia – estafilococcemia – infecções por pneumococos – infecção por Pseudomonas aeruginosa – febre maculosa – febre purpúrica brasileira – infecção por echovírus – infecção por coxsackievírus – infecção por adenovírus – varicela hemorrágica – endocardite subaguda – leptospirose – febres hemorrágicas outras (dengue, febre amarela) – síndrome luva-meia papular purpúrica • lesões vesiculares – herpes simples – varicela – herpes-zoster – erupção variceliforme de Kaposi – doença mão-pé-boca 158 Capítulo 16 • exantemas maculopapulares ou eritematosos – escarlatina – síndrome do choque tóxico estreptocócico (S. pyogenes) – estafilococcias (síndrome do choque tóxico e sín- drome da pele escaldada) – eritema infeccioso – rubéola – exantema súbito – enterovirose – mononucleose – micoplasma – citomegalovírus – febre tifóide – sífilis secundária – sarampo – dengue – infecções fúngicas – doença de Lyme – ricketioses – infecção primária pelo HIV – doença de Kawasaki – exantema laterotorácico unilateral – síndrome de Gianotti-Crosti • exantemas urticariformes – micoplasma – enteroviroses – mononucleose – adenovírus EPIDEMIOLOGIA Conforme podemos observar, há vários agentes infec- ciosos relacionados às doenças exantemáticas, algumas sem maior gravidade e outras potencialmente fatais se não diagnosticadas precocemente. Assim, pacientes com febre e exantema necessitam de pronta avaliação clínica. Embora em algumas situações o diagnóstico clínico seja claro, em muitas ocasiões há dificuldade em se esta- belecer o diagnóstico preciso. Alguns dados epidemiológicos são fundamentais no diagnóstico diferencial das diversas doenças exantemáticas infecciosas. Na avaliação de todo paciente com exantema é funda- mental identificar se ocorreu contato com outras patolo- gias infecciosas, viagens recentes ou contato com animais; observar cuidadosamente os antecedentes vacinais, período de incubação e pródromos da doença; perguntar sobre in- gestão de alimentos diferentes e água de local inapropriado; averiguar a estação do ano, uma vez que determinadas doen- ças são mais prevalentes em determinadas estações; e ava- liar possibilidade de alergia medicamentosa ou alimentar. Em estudo realizado no Rio de Janeiro durante surto de sarampo, foram avaliados sorologicamente, para rubéola, sarampo, dengue, parvovírus B19 e herpesvírus tipo 6, 327 pacientes com doenças exantemática maculopapular. Ob- teve-se confirmação sorológica em 71% dos casos; a prin- cipal patologia observada foi dengue (33%), seguida pela rubéola (20%), exantema súbito (9%), sarampo (6,7%) e herpesvírus tipo 6 (2%). Todos os pacientes apresentavam exantema similar ao do sarampo. Os autores concluíram que a diversidade de aspectos clínicos das doenças exan- temáticas dificultam diagnóstico puramente clínico. Em estudo realizado na Finlândia em 993 crianças va- cinadas contra sarampo e rubéola com doença exantemá- tica aguda, foi observado que apenas 5,9% das crianças apresentaram sarampo ou rubéola. Outro agente viral foi identificado em 32% dos casos, sendo os mais freqüentes parvovírus (20%), enterovírus (9%) e adenovírus (4%); 300 crianças menores de quatro anos foram investigadas para herpesvírus tipo 6 e em 12% das crianças foi identificado esse agente. Os autores concluíram que doenças exantemá- ticas em crianças vacinadas contra rubéola e sarampo fre- qüentemente são causadas por outros agentes. Em outro estudo realizado na Inglaterra, avaliando 195 crianças com exantema morbiliforme vacinadas contra rubéola e sarampo, foi obtida confirmação laboratorial em 48% das crianças. O principal agente infeccioso identifica- do foi o parvovírus B19 (17%), seguido pelo estreptococos do grupo A (15%), enterovírus (5%), adenovírus (4%) e estreptococos do grupo C (3%). Não foi observado ne- nhum caso de sarampo ou rubéola. FISIOPATOLOGIA Os principais mecanismos pelos quais os microrganis- mos podem lesar a pele são: a. disseminação sangüínea com agressão direta da epi- derme ou derme através de invasão e multiplicação na pele; b. ação de toxinas; c. reação imunológica; d. dano ao endotélio vascular. Assim, temos na varicela e na infecção pelo herpes sim- ples a lesão direta na pele como o principal mecanismo fi- siopatológico do exantema. Na escarlatina e na estafilo- coccia o principal mecanismo é através da produção de toxinas. No eritema infeccioso o principal mecanismo en- volvido é o de reação imunológica. Nas meningocce- mia, endocardite subaguda e febre maculosa ocorre dano endotelial com vasculite. PRINCIPAIS DOENÇAS VIRAIS EXANTEMÁTICAS SARAMPO Doença exantemática viral causada por RNA vírus da família paramixovírus com período de incubação de sete a 14 dias. É caracterizada por pródromos marcantes com febre elevada, tosse, coriza e conjuntivite com duração de três a quatro dias, seguida de exantema maculopapular con- fluente que se inicia em região retroauricular com progres- Capítulo 16 159 são em 24 a 36 horas para tronco e extremidades. Carac- teristicamente a febre persiste por dois a três dias após apare- cimento do exantema, e após este período a persistência de quadro febril sugere complicações. As manchas de Köplik (vesículas esbranquiçadas com halo eritematoso na mem- brana mucosa do pré-molar), clássico sinal do sarampo, ini- ciam-se 24 a 48 horas antes do exantema e permanecem por dois a quatro dias após seu aparecimento (Figs. 16.1 e 16.2). Apresenta alta contagiosidade e morbidade, principal- mente em imunossuprimidos e desnutridos, e a insuficiên- cia respiratória decorrente da pneumonite pelo vírus ou da infecção bacteriana pulmonar secundária é a principal causa de óbito. O período de contagiosidade se estende de dois a qua- tro dias antes do exantema até dois a cinco dias de seu apa- recimento. A transmissão ocorre por via respiratória. O diagnóstico de infecção aguda é confirmado através de sorologia (presença de anticorpo IgM específico ou aumento importante do anticorpo IgG ou soconversão dentro de qua- tro dias do exantema e após duas a quatro semanas) ou por isolamento viral em urina, sangue ou nasofaringe. A sensibilidade dos diversos métodos de detecção de IgM é variável, sendo os mais realizadosELISA-captura e imunofluorescência. A pesquisa de anticorpo IgM pode ser negativa nos primeiros dias da doença, permanecendo po- sitiva por cerca de um mês após o quadro. As principais complicações infecciosas bacterianas são pneumonia e otite média aguda. Não há tratamento específico. Em algumas situações recomenda-se uso de vitamina A. A Organização Mundial de Saúde e a Unicef recomen- dam utilização de vitamina A para todas as crianças que habitam locais onde a deficiência de vitamina A seja pro- blema de saúde pública reconhecido. A utilização da vitamina A em países em desenvolvi- mento tem sido associada à diminuição da morbidade e da mortalidade relacionadas ao sarampo. Suplementação com vitamina A deve ser considerada nas seguintes situações: • pacientes de seis meses a dois anos hospitalizados de- vido a complicações relacionadas ao sarampo; • pacientes maiores de seis meses com sarampo e algum fator de risco, como imunodeficiência, evidência clíni- ca de deficiência de vitamina A e má absorção intesti- nal ou desnutrição. As doses preconizadas são: • crianças entre seis meses e dois anos: 100.000 UI dose única; • crianças maiores de dois anos: 200.000 UI dose única. Há poucos estudos em menores de seis meses. As doses preconizadas podem ser repetidas no dia seguinte. Crianças saudáveis hospitalizadas devem permanecer em precauções por aerossóis até quatro dias após o apare- cimento do exantema; pacientes imunossuprimidos devem ser isolados durante todo o período de internação. A vacinação contra o sarampo pode resultar em medi- da preventiva caso realizada até 72 horas após o contágio em susceptíveis sem contra-indicações à vacina. Caso não seja possível realizar a vacinação pode-se uti- lizar da gamaglobulina padrão, que pode ser aplicada até seis dias após o contato em pacientes susceptíveis com o objetivo de prevenir ou atenuar o curso da doença. A dose recomendada é de 0,25 mL/kg IM (máximo 15 mL) em imunossuprimidos, em prematuros a dose recomendada é de 0,5 mL/kg. Lactentes menores de cinco meses em geral apresentam proteção parcial ou total contra o sarampo devido à passa- gem de anticorpos maternos durante a gestação; caso a mãe desenvolva sarampo eles devem receber imunoglobulina. RUBÉOLA Doença exantemática viral com período de incubação de 14 a 21 dias e período de contagiosidade desde pouco antes do aparecimento do exantema até cinco a sete dias de seu aparecimento. Aproximadamente 25 a 50% das infecções são assinto- máticas. É caracterizada por pródromos menos intensos que os observados no sarampo com febre e cefaléia e aparecimen- to do exantema macular com duração de um a dois dias, que se inicia no pescoço e face e se propaga para o tron- co, seguido por descamação fina. Simultaneamente ao exantema pode ser observado enantema micromacular e petequial no palato mole e úvula (manchas de Forschei- meir). A característica marcante da rubéola é engurgita- mento ganglionar suboccipital, retroauricular e cervical posterior. O diagnóstico definitivo de infecção primária é confir- mado por sorologia (detecção de IgM ou aumento de an- ticorpo IgG ou soroconversão entre fase aguda e de conva- lescença) ou por isolamento viral em secreções nasais. O teste de inibição de hemaglutinação, antes o mais utilizado, hoje em dia tem sido suplantado por testes so- rológicos igualmente ou mais sensíveis, incluindo agluti- nação em látex, imunofluorescência e testes imunoenzi- máticos. A detecção de anticorpo IgM pode ser negativa nos pri- meiros dias da doença. O ELISA-captura de IgM é um dos principais testes sorológicos para confirmação de infecção aguda, podendo ocorrer resultado falso-negativo nos pri- meiros dias da doença. Pode ocorrer artralgia, porém a maior preocupação é a rubéola na gestante, que pode ocasionar graves proble- mas ao feto. DOENÇA DE DUKE Os vírus (enterovírus, echovírus e coxsackie) são as causas mais comuns de exantemas infecciosos. Muitas ve- zes são diagnosticados como exantemas virais. Os sinto- mas mais característicos são febre, vômitos, diarréia, linfoadenomegalia e odinofagia. O exantema pode aparecer em qualquer momento da doença, sendo mais freqüente em crianças; é geralmente generalizado e eritematopapular, podendo se apresentar também como exantema vesicular, urticariforme e mesmo petequial, com envolvimento da planta do pé e palma da 160 Capítulo 16 mão. Usualmente o exantema desaparece sem deixar pig- mentação ou descamar. ERITEMA INFECCIOSO O agente etiológico do eritema infeccioso é o parvoví- rus B16. A doença se inicia em alguns casos (cerca de 10%) pre- cedida de febre baixa, mal-estar e odinofagia, seguidas pelo aparecimento do exantema, que se desenvolve em três estágios. Inicialmente ocorre eritema facial constituído de pápulas avermelhadas rapidamente confluentes, formando, em horas, placas avermelhadas, ruborizadas e levemente edematosas simetricamente na região malar, dando o as- pecto de “face esbofeteada”, característico da doença, com duração de cerca de quatro dias (Fig. 16.3). Após dois dias do início do aparecimento do eritema na face, inicia-se eritema rendilhado nas extremidades, que se estende para o tronco e nádegas, com duração de seis a 14 dias. As erupções podem desaparecer e posteriormente rea- parecer em sítios previamente afetados na face e no corpo durante as próximas duas a três semanas (fase da recorrên- cia), sendo os principais fatores desencadeante febre, emo- ções e exposição ao sol. O exantema recrudesce sem des- camação ou pigmentação. Em pacientes não imunossuprimidos não é necessário isolamento, pois o exantema ocorre devido a mecanismos imunológicos; entretanto, em pacientes imunossuprimidos e portadores de anemia falciforme é recomendado isola- mento respiratório. Em gestantes a infecção pelo parvoví- rus pode ser causa de aborto e hidropisia fetal. EXANTEMA SÚBITO Doença causada pelos herpesvírus tipos 6 e 7. O her- pesvírus tipo 6 foi inicialmente identificado em 1986 com agente causal do exantema súbito; posteriormente, em 1990, o herpesvírus tipo 7 também foi identificado como agente causal desse mesmo exantema. Hidaka et al., avaliando 49 soros de pacientes com diag- nóstico clínico de exantema súbito, observaram aumento de título de herpesvírus 6 em 73,5% dos casos, de herpes- vírus 7 em 10,2%, e não observando alteração em 16,3% dos casos. Caracteriza-se por febre elevada com duração de dois a cinco dias, seguida pelo aparecimento de exantema ma- culopapular difuso. O surgimento do exantema caracteris- ticamente coincide com a recrudescência da febre. Pode ocorrer diarréia leve, tosse e coriza. Okada et al., avaliando 43 casos de exantema súbito com confirmação pelo herpesvírus tipo 6, observaram: fe- bre com duração média de 3,2 dias; duração média do exantema por 3,6 dias; na maioria dos casos o exantema se iniciou no abdome ou no dorso; exantema principal- mente com características do exantema do sarampo; e em dois pacientes foi observada diarréia. Asano et al., avaliando 176 crianças com diagnóstico clínico inicial de exantema súbito e posterior confirmação etiológica pelo herpesvírus tipo 6, observaram que a febre ocorreu na grande maioria dos casos (98%) com duração média de 4,1 dias; que o exantema durou em média 3,8 dias; a diarréia leve ocorreu em 60%, tosse em 50%, ade- nomegalia cervical em 31%, abaulamento de fontanela em 26% e crise convulsiva em 8%. O diagnóstico pode ser realizado por sorologia ou pes- quisa genética (reação de cadeia de polimerase). A complicação mais observada é a convulsão, geral- mente decorrente do aumento rápido da temperatura (con- vulsão febril), porém, recentemente, o vírus no líquor tem sido detectado através de reação de cadeia de polimerase (PCR), sendo aventada a hipótese de que ação direta do ví- rus possa invadiro SNC durante a fase aguda da doença. ENTEROVIROSES Os enterovírus não-pólio são RNA vírus que incluem 23 coxsakievírus do grupo A, 6 coxsackievírus do grupo B, 29 echovírus e 4 enterovírus. Crianças apresentam pródromos variados com febre, faringite ou diarréia, seguidos de aparecimento de exante- ma de características variáveis, podendo ser maculopapu- lar, vesicular, urticariforme ou petequial. A síndrome mão-pé-boca é uma doença exantemática, geralmente causada pelo coxsakie A 16 ou pelo enteroví- rus 75, caracterizada pela presença de pápulas, vesículas ou petéquias nas palmas das mãos e plantas dos pés e ve- sículas em orofaringe. Em surto ocorrido em Taiwan, em 1998, pelo entero- vírus 71, foram observados os aspectos clínicos de 97 in- fecções em crianças: síndrome mão-pé-boca ocorreu em 79% das crianças; vesículas e eritema nas nádegas e mem- bros ocorreu freqüentemente; houve comprometimento neurológico em 35% das crianças, com nove casos fatais. O diagnóstico definitivo pode ser realizado através de isolamento viral em espécimes obtidas de orofaringe ou fezes; os enterovírus podem ser recuperados no sangue durante a fase aguda da infecção e eventualmente em ma- teriais de biópsia. Aumento na titulação de anticorpos neu- tralizantes entre a fase aguda e de convalescença (após duas a quatro semanas) pode ser usado para confirmação diag- nóstica. Outra possibilidade diagnóstica é a pesquisa de enterovírus através de técnica genética (PCR) particular- mente no líquor em casos de encefalite. V IROSES RESPIRATÓRIAS Ocorrem mais freqüentemente em pré-escolares. Ocor- rem pródromos caracterizados por sintomas respiratórios. O exantema geralmente é maculopapular, sendo importan- te diagnóstico diferencial com alergia a drogas. MONONUCLEOSE É doença de amplo espectro causada por DNA vírus da família herpesvírus. Os sinais clássicos são amigdalite membranosa, adenomegalia e febre prolongada, com pre- sença de linfocitose atípica no hemograma, mais freqüen- temente na segunda semana de doença. O período de incubação estimado é de 30 a 50 dias. O exantema macu- Capítulo 16 161 lopapular não é muito freqüente, mas um fato interessan- te é o aumento de sua freqüência com uso de ampicilina. O diagnóstico da infecção aguda baseia-se em exames so- rológicos. Testes de pesquisa de anticorpos heterófilos são freqüentemente negativos em crianças menores de quatro anos, podendo ser detectados em até 90% dos casos em crianças maiores e adultos. Pesquisa de anticorpos específicos, detectados por imu- nofluorescência ou ELISA, são úteis no diagnóstico de mo- nonucleose com anticorpos heterófilos negativos ou casos atípicos. A pesquisa de anticorpo IgM anticapsídeo viral (VCA-IgM) está indicada para diagnóstico de infecção agu- da, persistindo por dois meses; anticorpos IgG anticapsídeo viral (VCA-IgG) aparecem na fase aguda persistindo por toda a vida. A presença de anticorpo antinuclear (EBNA) não está presente até semanas a meses do início da infecção, não sen- do útil para detecção de infecção aguda, porém sua presen- ça no início da suspeita clínica afasta infecção aguda. PRINCIPAIS DOENÇAS BACTERIANAS ESCARLATINA É doença exantemática de etiologia bacteriana (Strep- tococcus pyogenes) causada por toxina da bactéria. O exantema consiste em micropápulas avermelhadas que dão consistência áspera à pele, inicia-se no pescoço e se dis- tribui para o resto do corpo, com duração de cinco a seis dias e posterior descamação que pode durar até seis semanas (Fig. 14.1A e B). O paciente pode apresentar os clássicos sinais de Filatoff (exantema poupando região perioral), exantema mais acentuado nas dobras e língua em framboesa. O diagnóstico é clínico, laboratorial (hemograma com leucocitose, neutrofilia e eosinofilia) e a identificação do S. pyogenes (hemocultura ou teste rápido em swab de amígdala). O período de contágio é de 24 horas após início do tra- tamento adequado. O antibiótico de escolha é a amoxicilina (50 mg/kg/ dia) por dez dias; em pacientes alérgicos à penicilina pode- se utilizar macrolídeos. FEBRE MACULOSA É doença infecciosa aguda, de gravidade variável trans- mitida por carrapato da espécie Amblyoma cajennense, com maior incidência na primavera e no verão. O agente etiológico Rickettsia rickettsii é uma bactéria Gram-negativa intracelular obrigatória. O carrapato é en- contrado com freqüência no cavalo e no boi. O estado bra- sileiro com maior número de casos é Minas Gerais, haven- do relatos no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia. No estado de São Paulo, até a década de 1980, os casos eram provenientes de Mogi das Cruzes, Diadema e Santo André. A partir de 1987 vários casos foram confirmados em Cam- pinas e São João da Boa Vista. Até julho de 2002, no esta- do de São Paulo foram confirmados 76 casos com letalidade em 46% deles. Em 2002 foram confirmados os primeiros casos em Piracicaba. A doença se inicia com febre com duração de duas a três semanas, mialgia e cefaléia; o exantema, sinal bem su- gestivo da doença, é mais tardio, iniciando-se entre o 3.º e o 5.º dia da doença, como máculas eritematosas no tor- nozelo e punhos, progredindo para tronco, face, pescoço, palmas das mãos e plantas dos pés; o exantema evolui para maculopapular, podendo progredir para petéquias, lesões hemorrágicas e necrose (Fig. 16.5). O diagnóstico laboratorial específico pode ser realiza- do de forma direta, através do isolamento direto da bacté- ria a partir do sangue e tecidos, e indiretamente através de métodos sorológicos; o mais utilizado é a reação de imu- nofluorescência indireta, e a amostra sangüínea é coleta- da após o 7.º dia da doença, lembrando que os anticorpos aumentam em geral após a segunda semana. As drogas de escolha para o tratamento são as tetraci- clinas (tetraciclina – dose: 25 a 50 mg/kg/dia de oito em oito horas e doxiciclina – dose: 100 mg a cada 12 horas) e cloranfenicol na dose de 50 a 100 mg/kg/dia a cada seis horas. Lembrar que as tetraciclinas não podem ser utiliza- das em crianças menores de oito anos e gestantes. As principais medidas profiláticas são: evitar contato com carrapato; conhecer as áreas consideradas endêmicas; retirar os carrapatos com calma e não esmagar com as unhas. Até o momento não existem estudos conclusivos sobre eficácia da antibioticoprofilaxia para expostos. MICOPLASMA Os sintomas respiratórios podem estar associados a exantema eritema-maculopapular confluente em tronco e dorso, ou a exantema urticariforme. OUTRAS DOENÇAS DOENÇA DE KAWASAKI É doença febril aguda de etiologia desconhecida mais freqüente em crianças menores de quatro anos. O diagnóstico é basicamente clínico e altamente sus- peito na presença de cinco de seis sintomas, a saber: febre por mais de cinco dias; exantema polimorfo mais eviden- te em tronco sem padrão definido; hiperemia conjuntival bilateral asséptica; adenomegalia não supurativa bilateral; alteração de extremidades (na fase aguda edema endurado dos dedos da mão e do pé com hiperemia; a partir da se- gunda semana ocorre descamação membranosa das pon- tas dos dedos); alteração de mucosa oral (lábios hipere- miados, ressecados e com fissuras); língua semelhante à da escarlatina. A complicação mais temida é o aneurisma coronaria- no que ocorre em cerca de 10% dos pacientes. Na presen- ça de aneurisma coronariano são necessários apenas qua- tro dos sintomas mencionados. Na primeira semana observa-se no hemograma anemia e leucocitose com desvio à esquerda, as plaquetas encon- tram-se normais e há aumento do VHS; a partir da segun- da inicia-se a plaquetose. O tratamento inclui utilização da aspirina na dose an- tiinflamatória na primeira semana, e na dose antiagregante (3 a 5 mg/kg/dia), após a primeira semana, por dois me- ses ou enquanto perdurar o aneurisma, e gamaglobulina endovenosa dose única (2 g/kg em seisa oito horas) ou fra- 162 Capítulo 16 cionada (400 mg/kg/dia por cinco dias) devendo ser rea- lizado até 10.º dia da doença; atualmente tem-se preferi- do utilizar a gamaglobulina em dose única. S ÍNDROME DE G IANOTTI-CROSTI (OU ACRODERMATITE PAPULAR DA CRIANÇA) Erupção caracterizada por pápulas simétricas, de úni- ca forma na face extensora das extremidades, nádegas e região malar com tamanho de 1 mm a 10 mm e duração de 15 a 20 dias. Sinais acompanhantes podem incluir he- patomegalia, adenomegalia e esplenomegalia. Tem sido associada a diversos agentes infecciosos, sen- do os mais comumente reportados o vírus da hepatite B, Epstein-Barr vírus, citomegalovírus e coxsackie; em outros casos, infecções por parainfluenza, parvovírus B19 e vírus sincicial respiratório têm sido confirmados. Imunizações também têm sido associadas a essa pato- logia, incluindo vacina contra influenza, difteria, coquelu- che, pólio e tuberculose, e mais recentemente vacinação contra caxumba, sarampo e rubéola. Em muitos casos não se identifica agente causal. O tratamento é sintomático. EXANTEMA LATEROTORÁCICO UNILATERAL Exantema da infância, foi inicialmente descrito por Brodemer e DeProst em 18 crianças com idade média de 23,3 meses que desenvolveram erupção unilateral em re- gião axilar. O exantema tipicamente se inicia na axila e permanece com predomínio unilateral, geralmente pou- pando face, planta dos pés e palmas das mãos; pode ser eczematoso ou escarlitiforme; dissemina-se centrifuga- mente em duas semanas com resolução espontânea em quatro semanas. Pode ter sintomas associados como febre, coriza, tosse, conjuntivite e diarréia. Não foi estabelecido agente etiológico; devido à idade precoce de aparecimento, aos sintomas associados e à pre- sença de casos em familiares tem sido sugerida uma etio- logia viral. Exames laboratoriais geralmente se encontram nor- mais, exceto por discreta linfocitose. O tratamento é sintomático local e com anti-hista- mínico se houver presença de prurido. S ÍNDROME LUVA-MEIA PAPULAR PURPÚRICA Exantema agudo de extremidades mais freqüente em adultos jovens, mas tem sido relatado em crianças. Ocorre mais freqüentemente na primavera e no verão, sendo caracterizado por edema doloroso ou purpúrico si- métrico das mãos e pés que gradualmente evolui para pá- pulas purpúricas ou petéquias. Sintomas sistêmicos in- cluem anorexia, febre e artralgia. Manifestações da mucosa podem incluir petéquias em palato duro, erosões em orofaringe e vesículas. No hemograma, linfopenia discreta é comum. Vários vírus, como coxsackie e citomegalovírus, têm sido propostos como agentes etiológicos, mas apenas o parvovírus B19 foi confirmado por biópsia. Evidência atuais suportam a teoria de que esta patologia é uma doença viral exantemática associada a parvovírus. Diferente do que ocorre no eritema infeccioso, em que os pacientes não são considerados transmissores quando do aparecimento do exantema, pacientes com esta doen- ça são considerados transmissores quando da presença do exantema. DIAGNÓSTICO D IFERENCIAL DAS DOENÇAS EXANTEMÁTICAS Em vista do grande número de patologias infecciosas associadas a exantema é fundamental anamnese minuncio- sa e exame físico completo. Alguns dados podem auxiliar no diagnóstico da doen- ça exantemática e devem ser valorizados, como idade, pro- cedência, viagens recentes, antecedentes vacinais, contato com doentes, uso de medicamentos, manifestações prodrômicas, antecedentes pessoais, contato com animais, contato com enchente, alimentação, condições de moradia. Em relação ao exame físico deve-se observar presença de hepatomegalia, esplenomegalia ou adenomegalia, ava- liar estado geral e hemodinâmica, avaliar sinais e sintomas de envolvimento neurológico, pulmonar, renal e observar sinais característicos de determinadas patologias. BIBLIOGRAFIA 1. Asano Y, Yoshikawa T, Suga S, et al. Clinical features in infants with primary human herpesvirus infection (exanthem subitum, Roseola infantum). Pediatrics 1994; 93: 104-8. 2. 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