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550 Capítulo 56 Valeria Petri Luiza Keiko Matsuka Oyafuso Furunculose e Celulites 5656 INTRODUÇÃO A furunculose e as celulites são condições clínicas inseridas no capítulo das piodermites, definidas como infec- ções cutâneas causadas por microrganismos Gram-positivos, especialmente estreptococos e estafilococos, estes últimos integrantes habituais da flora permanente da pele íntegra. Ocasionalmente, em hospedeiros vulneráveis, essas bactéri- as invadem as diversas camadas da pele e os anexos. Os fu- rúnculos e a furunculose são, pois, piodermites estafilocó- cicas, enquanto as celulites são piodermites estreptocócicas. FURÚNCULOS E FURUNCULOSE DEFINIÇÃO Furúnculos são abscessos estafilocócicos isolados. Furunculose é a condição em que se apresentam furúncu- los múltiplos, recorrentes, isolados ou confluentes. ETIOPATOGENIA Os furúnculos são causados por estafilococos, em ge- ral, Staphylococcus aureus. A furunculose crônica ocorre por auto-inoculação a partir das lesões que abrigam estafilococos. Os principais focos emissores dessas bactérias são as fossas nasais e as pregas inguinais. A disseminação familiar do estafilococo ocorre a partir da pele colonizada de indi- víduos que residem no mesmo domicílio. Em ambiente hos- pitalar podem ocorrer microepidemias de furunculose. FATORES PREDISPONENTES São co-fatores que favorecem o surgimento da furun- culose: alcoolismo, má nutrição, discrasias sangüíneas, diabetes, distúrbios da função neutrofílica, dermatite atópica, imunossupressão induzida pelo HIV, imunossu- pressão iatrogênica, estado de portador do estafilococo nas fossas nasais e contaminação das áreas intertriginosas e perianal. QUADRO CLÍNICO O furúnculo aparece como abscesso agudo peri- folicular circunscrito, arredondado, com supuração cen- tral e formação progressiva de tecido necrótico, elimina- do depois de alguns dias. A massa necrótica eliminada é denominada carnicão. É uma condição bastante dolorosa e os locais de preferência para a instalação dos furúnculos são nariz, pescoço, axilas e região glútea. A denominação antraz é reservada ao agrupamento de dois ou mais furúnculos e não deve ser confundida com a infecção pelo Bacillus anthracis, causador do carbúnculo1 . A multiplicidade e a cronicidade caracterizam o estado de furunculose. TRATAMENTO O furúnculo isolado e a furunculose devem ser tratados com medidas locais e gerais e a intensidade do quadro deve orientar a escolha do tratamento, nos dois casos: 1. Medidas gerais locais: a. Compressas mornas ou calor úmido sobre as lesões; b. Assepsia com água e sabão, com atenção para a la- vagem das regiões axilares e inguinais; 1Também conhecido como pústula maligna, doença de animais domésticos ou silvestres, acidentalmente transmitida ao homem, causando septicemia fatal. Capítulo 56 551 c. Aplicação de clorexidine a 4% ou solução de álco- ol iodado, uma ou duas vezes ao dia (interromper se houver irritação e sensibilização); d. Lavagem freqüente das mãos, mantendo as unhas curtas; e. Troca diária das roupas de uso pessoal e de cama; f. A drenagem cirúrgica dos abscessos pode ser reali- zada quando há flutuação (a critério do médico). 2. Antibioticoterapia tópica: cremes ou pomadas à base de clindamicina, eritromicina, mucipirocina, neomicina ou ácido fusídico, aplicados sobre as lesões duas vezes ao dia (interromper se houver irritação ou sensibilização). 3. Antibioticoterapia sistêmica: clindamicina, dicloxacilina, cloxacilina, rifampicina, eritromicina, cefalosporina. A prevenção da auto-inoculação é feita com as medidas de higiene mencionadas no item d e com a aplicação de antibióticos tópicos (de duas a quatro vezes ao dia) nas narinas dos pacientes e dos familiares residentes no mes- mo domicílio durante pelo menos quatro semanas. A erradicação da condição de portador nasal deve ser con- siderada em casos de persistência da furunculose em um ou mais membros da família e são recomendados os se- guintes esquemas: 1. Rifampicina 600 mg + Cloxacilina 500 mg, quatro ve- zes ao dia, durante dez dias; ou 2. Clindamicina 150 mg/dia, durante três meses. O controle da furunculose hospitalar requer pelo me- nos as medidas higiênicas gerais antes mencionadas nos itens c e d. CELULITES DEFINIÇÃO E ETIOPATOGENIA As celulites, no sentido amplo, são processos infeccio- sos de origem estreptocócica (Streptococcus pyogenes) que comprometem o tecido celular subcutâneo, apresentando- se sob as formas superficial e profunda. Podem assumir gravidade inusitada na ausência do diagnóstico e do trata- mento adequados. ERISIPELA Definição A erisipela é uma forma de celulite superficial aguda, de evolução rápida, usualmente associada a manifestações sistêmicas1 . É uma infecção universal que não tem prefe- rência por sexo ou idade, mas incide em indivíduos parti- cularmente predispostos. Etiopatogenia A erisipela é causada pelo Streptococcus β-hemolítico do grupo A de Lancefield. Compromete, habitualmente, a face e os membros inferiores, em decorrência de microtraumatis- mos por onde se dá a penetração imperceptível do agente. Fatores Predisponentes São suscetíveis os indivíduos obesos, diabéticos e com insuficiência circulatória de extremidades. As soluções de continuidade que favorecem a penetração do agente são comuns: fissuras, escoriações, intertrigos, le- sões micotizadas e maceradas dos interdígitos, lesões erosivas provocadas por herpes simples, estase venosa e linfangiopatias crônicas que resultam em dano tecidual va- riável (fissuração, hiperqueratose e vegetações secundárias). Quadro Clínico A erisipela caracteriza-se pelo aparecimento de sinto- mas e sinais gerais de infecção, como febre e calafrios, si- multaneamente ao comprometimento da pele. A área afetada torna-se eritematoedematosa, quente e dolorosa, apresentando bordas nítidas e estendendo-se com a progressão da doença, acompanhada de adenite sa- télite. A erisipela recidivante é definida por surtos repetidos na mesma localização. Pode haver bolhas, tensas ou flácidas, de conteúdo seroso transparente ou hemorrágico, definin- do do quadro (grave e exuberante) de erisipela bolhosa. Os quadros de linfedema e elefantíase1 são conseqüên- cias dos surtos de erisipela em pacientes vulneráveis e com portas de entrada para fungos e bactérias em soluções de continuidade persistentes da pele. Tratamento É obrigatório o repouso absoluto no leito (principal- mente quando o processo ocorre no membro inferior). Tratamento Tópico Não devem ser recomendados cremes ou pomadas, uma vez que o risco de sensibilização é alto, especialmente em pacientes com erisipela de um dos membros inferiores. Compressas frias de solução boricada ou soro fisiológico e higiene adequada (com água e sabonete) são suficientes. A erisipela do membro inferior requer que o doente mante- nha os pés elevados à noite e, passada a fase aguda, se hou- ver edema vespertino, é indicado o uso de meia elástica, du- rante um período variável, a critério do médico. Tratamento Sistêmico É eficiente a administração da clássica aspirina, em doses antiinflamatórias (250 mg a cada oito horas), asso- ciada ao antibiótico sistêmico de escolha, a penicilina. Re- comenda-se as penicilinas injetáveis de ação rápida (peni- cilina-procaína 600.000 UI) e lenta (penicilina benzatina 1.200.000 UI), simultaneamente, na fase de emergência, para cobertura adequada dos primeiros dias, mantendo com penicilina-procaína a cada 12 horas nos primeiros cinco a sete dias. Pode ser associada sulfa de eliminação 1Antes do advento dos antibióticos, a erisipela era uma ocorrên- cia freqüentemente fatal. 1O quadro extremo e dramático de Elephantiasis nostras é conse- qüente a numerosos surtos de erisipela em pacientes com vulnerabilidade vascular congênita ou familiar. 552 Capítulo56 lenta (sulfadimetoxina) após a fase aguda. Para evitar a re- caída, é conveniente administrar penicilina durante três ou quatro semanas, sob a forma de penicilina de eliminação lenta (penicilina benzatina 1.200.000 UI, uma vez por se- mana, ou sulfadimetoxina, o equivalente de 0,5 a 1,0 g/ dia). Em caso de alergia à penicilina ou à sulfa, pode ser administrada a eritromicina. CELULITE Definição A celulite, em sentido estrito, é definida como proces- so infeccioso e inflamatório supurativo profundo, que compromete, principalmente, o tecido subcutâneo. É uma infecção bacteriana da pele e dos tecidos moles, com envolvimento freqüente das estruturas subjacentes, inclu- sive fáscia, músculos e tendões. Etiopatogenia Geralmente, a infecção é causada pelo Streptococcus pyogenes β-hemolítico do grupo A de Lancefield e, mais raramente, pelo Staphylococcus aureus. Pacientes imunocomprometidos podem apresentar ce- lulites causadas também por bactérias não usuais. O agen- te pode penetrar na pele, a partir do meio externo, através de lesões mínimas ou feridas cirúrgicas, ou pode ser pro- veniente do estado de septicemia. Quando a origem é estreptocócica, a celulite instala-se rapidamente, sendo a extensão do quadro favorecida pela produção de enzimas bacterianas. Quando causada por estafilococo, a evolução da celu- lite é mais lenta. Picadas de insetos, ferimentos com plan- tas ou mordeduras de animais, assim como feridas sujas causadas por outros meios, inclusive cirúrgicos, podem resultar em celulites graves de etiologia bacteriana muito mais variada. Quadro Clínico A celulite, no seu sentido estrito, distingue-se da erisipela por apresentar bordas menos definidas e raras recidivas. O aspecto é semelhante ao da erisipela, com menor intensidade e igual gravidade. Inicialmente, surge eritema, que rapidamente progride para o estado de infiltração depressível da área eritema- tosa, com dor e até limitação dos movimentos. Pode haver eliminação de pus e material necrótico. A necrose, por sua vez, quando ocorre, raramente é superficial, resultando em drenagem por meio de novas úlceras. Quando a celulite apresenta-se como abscesso, há ten- dência à circunscrição e supuração; quando apresenta-se como flegmão, há tendência à difusão do processo. A celu- lite pode complicar-se com linfadenopatia, linfangite, linfedema, gangrena, abscesso metastático e septicemia. Diagnóstico Laboratorial Podem ser necessárias a biópsia e a cultura de tecido em pacientes imunossuprimidos e em outros casos complexos. Usualmente, a cultura da secreção obtida por aspiração é su- ficiente para diagnóstico etiológico e orientação terapêutica. Tratamento O tratamento da celulite é sempre sistêmico e, nos paci- entes previamente sadios e nos casos em que é evidente a origem do processo e a causa estreptocócica, é indicada a administração de penicilina, cefazolina ou vancomicina, associada ou não aos antiinflamatórios não-hormonais. Pacientes que apresentam comprometimento sistêmico devem ser hospitalizados e receber medicação parenteral. A necessidade de desbridamento ou drenagem deve ser discutida com o cirurgião. BIBLIOGRAFIA 1. Bisno AL, Stevens DL. Streptococcal Infections of Skin and Soft Tissues. N Engl J Med 1996; 334:240-5. 2. 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