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Patogenia As infecções bacterianas da pele podem ser resultado de uma patologia cutânea primária ou representar uma manifestação cutânea secundária à infecção de outro órgão. Com isso, as bactérias podem causar lesão na pele de duas formas: a. Supurativa: quando ocorre proliferação bacteriana diretamente no tecido cutâneo; b. Não supurativa: quando ocorre apenas uma reação de hipersensibilidade aos antígenos bacterianos. Etiologia Apesar de inúmeros agentes diferentes já terem sido descritos como causadores das infecções de pele e tecido subcutâneo, os principais envolvidos em pacientes imunocompetentes são os cocos Gram-positivos Staphylococcus aureus e Streptococcus pyogenes. Para diferenciá-las, como sempre na Dermatologia, a descrição da lesão vai ser o nosso ponto de partida. É claro que nem sempre os dados clínicos serão suficientes. Nesse caso, poderão ser necessárias avaliações complementares, como aspiração por agulha, biópsia ou exploração cirúrgica a fim de obter material para análise e cultura. Impetigo O impetigo contagioso é a infecção bacteriana mais comum da infância. Pode se apresentar nas formas bolhosa e não bolhosa (crostosa). A forma crostosa, responsável por 70% dos casos, é representada por máculas eritematosas, que evoluem para vesicopápula (ou mesmo bolha superficial), que rapidamente dessecam, formando crostas melicéricas típicas do impetigo, muitas vezes localizadas na face (ao redor de nariz e boca) e extremidades. Estudos mostram que, nos últimos quinze anos, o Staphylococcus aureus ultrapassou o estreptococo. Além disso, mesmo naqueles onde o S. pyogenes é agente causador do impetigo, há uma grande probabilidade de colonização simultânea pelo estafilococo, o que proveria implicações no tratamento da infecção devido à presença de penicilinases no meio extracelular. Contudo, o Harrison coloca o S. pyogenes como principal agente do impetigo crostoso. Manifestações Clínicas O desenvolvimento das lesões leva 10-14 dias e é iniciado a partir de abrasões leves e picadas de insetos, que servem como porta de entrada. Pode haver bolhas na primeira fase, mas depois aparecem as crostas. As formas causadas pelos estafilococos ocorrem geralmente isoladas e surgem através da contaminação da pele a partir de secreção de mucosa nasal contaminada, enquanto as formas causadas pelos estreptococos podem ocorrer em epidemias e neste caso ocorre colonização da pele previamente à lesão cutânea, que é favorecida por soluções de continuidade. Aqueles provocados pelo Streptococcos pyogenes (sorotipos 1, 4 12, 25 e 49) correm o risco de 5% de complicar com a glomerulonefrite pós-estreptocócica. Risco este inalterado pelo tratamento com antibióticos. Infecções de pele e partes moles O curso clínico é geralmente benigno e autolimitado, tendendo a cura sem deixar cicatriz após duas semanas mesmo sem tratamento. Tratamento O tratamento inicial envolve cuidados locais como limpeza, remoção de crostas e aplicação de compressas molhadas. Para pacientes saudáveis, com poucas e superficiais lesões sem sintomas sistêmicos, antibióticos tópicos como mupirocina 2% e ácido fusídico podem ser prescritos. A penicilina benzatina e a penicilina V oral eram os tratamentos classicamente empregados. Para a cobertura dos dois patógenos, o exemplo clássico é o uso de cefalexina por dez dias. Outra droga indicada seria a dicloxacilina. Impetigo Bolhoso Atualmente, a classificação do impetigo em bolhoso e não bolhoso está sendo cada vez menos utilizada, pois apenas o isolamento na cultura é capaz de definir com precisão o agente etiológico: estafilo x estrepto. Segundo alguns livros e provas, ainda devemos considerar esta diferença, mas perceba que, independentemente do diagnóstico, o tratamento é o mesmo! Consideraremos como causado pelo S. aureus fagotipo II, que contém uma toxina esfoliativa clivadora da epiderme. As lesões são mais comuns no período neonatal e podem coalescer e formar grandes placas, principalmente no pescoço e na face. Como são muito superficiais, não deixam cicatrizes. Em contraste ao impetigo não bolhoso, as lesões podem surgir em pele íntegra, não sendo necessário trauma prévio. O tratamento antibiótico deve consistir em antiestafilocócico administrado via oral, sendo o mesmo do impetigo crostoso. Síndrome da pele escaldada ou Síndrome de Ritter A Síndrome da Pele Escaldada Estafilocócica (SSSS) é considerada parte de um espectro de infecções causadas por toxinas esfoliativas estafilocócicas que inclui o impetigo bolhoso e a síndrome do choque tóxico. A SSSS pode ocorrer em qualquer idade, mas é geralmente encontrada em crianças abaixo de cinco anos, incluindo neonatos. Outros fatores de risco bem explicitados são a imunodepressão e a insuficiência renal. O micro-organismo causador é o Staphylococcus aureus fagotipo II, que produz toxinas chamadas de esfoliatina (A e B). Manifestações Clínicas O estafilococo infecta ou coloniza um sítio distante da pele, como a faringe ou a conjuntiva, e após alguns dias a toxina atinge a circulação sanguínea, causando lesão na pele à distância. Comumente há um pródromo com irritabilidade, febre e dor de garganta, podendo haver também rinorreia ou conjuntivite purulenta. A característica clínica principal é a presença de febre e um rash eritematoso, inicialmente na cabeça, tornando-se difuso em 48h. Posteriormente a pele adquire uma aparência enrugada, o que dá origem a bolhas flácidas que rapidamente se rompem, originando retalhos em fitas. Uma vez que a toxina é excretada via renal, adultos com IRC e prematuros são mais comumente afetados. A toxina provoca descamação, com clivagem superficial da pele, entre camada granulosa e o estrato córneo, através ruptura das ligações desmossômicas intercelulares. O líquido presente nas bolhas é claro e não apresenta colonização estafilocócica (lembre-se de que a toxina é produzida à distância). Sinal de nikolsky está presente: descolamento da pele sã quando é realizada com polegar uma pressão lateral à lesão. Tratamento É uma doença autolimitada que desaparece em quatro a sete dias, sem deixar cicatriz devido à provável produção de anticorpos contra as esfoliatinas. O tratamento consiste na realização de curativos e cuidados locais para evitar infecções cutâneas secundárias e na erradicação da colonização estafilocócica com antimicrobianos com espectro adequado (ex.: oxacilina). Além do uso de algum antimicrobiano com cobertura antiestafilocócica, costuma ser recomendado o uso de clindamicina para neutralização das toxinas. A taxa de mortalidade varia em torno de 3% nas crianças, mais de 50% nos adultos e quase 100% nos adultos com doença sobrejacente. Foliculite Uma pústula ao redor do folículo, geralmente circundada por um anel eritematoso. Manifestam-se como uma pequena induração eritematosa adjacente ao folículo piloso (2 a 5 mm) e, geralmente, possuem uma pústula central. É dividida da seguinte forma: superficial (ostiofoliculite) e duas formas profundas (sicose e hordéolo). A forma superficial, também chamada de impetigo de Bockhart, é representada por pústula folicular que rompe, formando crosta (apresentação mais comum). A sicose é a formação de pústula maior, mais dura, centralizada por pelo na região da barba. O hordéolo é a infecção profunda das glândulas de Meibomius, presentes na pálpebra. O Staphylococcus aureus é responsável pela maioria dos casos, o que torna os pacientes atópicos bastantes susceptíveis, já que apresentam uma maior taxa de colonização por este germe. Existem ainda diversos outros agentes capazes de causar foliculite. Destacam-se as enterobactérias, responsáveis pela foliculite perioral e perinasal em pacientes portadoresde acne ou rosácea tratados com longos cursos de antibióticos, e os fungos (Candida e Malassezia furfur), causadoras de lesões similares em imunodeprimidos, usuários crônicos de corticoides e diabéticos. Tratamento Compressas mornas e suspensão da depilação do local. Foliculites superficiais podem ser tratadas com sabonetes de triclosan ou clorexidina. Em algumas formas resistentes, é aconselhado o uso de antibióticos e antifúngicos tópicos. O uso de antibióticos sistêmicos não se encontra indicado, a não ser em caso de foliculites difusas ou recorrentes. Furúnculo, Carbúnculo (Antraz) O furúnculo é a complicação natural da foliculite, sendo também uma supuração do folículo piloso. No entanto, o acúmulo de material purulento não se restringirá às camadas mais superficiais da pele, atingindo a derme e o subcutâneo. Nódulos eritematosos, dolorosos e de limites bem definidos. Nessas lesões é mais comum haver flutuação central. A expansão desse mesmo processo infeccioso em áreas de pele espessa e inelástica (ex.: dorso, nuca e pescoço), pode levar a formação de múltiplos furúnculos e um acometimento maior do tecido subcutâneo. Essa lesão é conhecida como carbúnculo ou antraz, cuja superfície apresenta múltiplos pontos de drenagem e ocasionalmente, ulceração. O quadro clínico é mais exuberante, estando presentes febre, sintomas sistêmicos e leucocitose. Celulite e bacteremia são complicações possíveis, bem como a osteomielite e a endocardite. O principal é o mesmo da foliculite – Staphylococcus aureus. Furúnculos recorrentes em região anogenital podem ser causados por bactérias anaeróbias. IMPORTANTE Atentar para a furunculose recorrente. Alguns indivíduos apresentam furúnculos de repetição e, ao contrário do que se possa imaginar, a maioria deles não apresenta qualquer anormalidade metabólica ou imunológica. O maior fator de risco é a colonização das narinas anteriores pelo Staphylococcus aureus. Tratamento Furunculose não complicada: aplicação de compressas mornas e prescrição de sintomáticos para dor. Furúnculos grandes ou complicados, nos carbúnculos e nas lesões em face: a drenagem deve ser realizada. Um antibiótico oral com cobertura para S. aureus é comumente iniciado (ex.: cefalexina, clindamicina, dicloxacilina) e mantido até que não haja mais evidência de inflamação local. As indicações para antibioticoterapia sistêmica podem ser resumidas às seguintes condições: furúnculos ao redor do nariz, dentro das narinas e no canal auditivo externo; lesões grandes e recorrentes; lesões com celulite ao redor; lesões não responsivas aos cuidados locais. IMPORTANTE Na furunculose recorrente, além do tratamento convencional com antibióticos e de orientações para melhora da higiene pessoal, a administração de mupirocina intranasal ou pomada de bacitracina durante os primeiros 5 dias de cada mês provou reduzir a colonização e a recorrência da infecção em 50%. Alguns artigos recentes indicam também o uso de ácido fusídico 2x/dia por 28 dias, enquanto outros provam eficácia com uso em 5 dias. Deve-se orientar também a lavagem e troca de roupas e roupas de cama, bem como a troca diária de curativo por outros novos, com a finalidade de evitar a autoinoculação. Erisipela A erisipela é uma variante mais superficial da celulite. Trata-se primariamente de uma infecção da derme com significativo envolvimento linfático, caracterizada pelo início abrupto de edema, eritema e calor. Os aspectos mais marcantes são as margens bem definidas, principalmente quando se encontra ao longo do sulco nasolabial, a aparência brilhosa, a progressão rápida e a dor intensa. Bolhas superficiais flácidas podem aparecer no segundo ou terceiro dia de doença, mas a extensão para tecidos mais profundos raramente ocorre. Causada pelo Streptococcus pyogenes e, ocasionalmente, pelos estreptococos dos grupos B, C e D. A erisipela é mais comum em idosos, nos debilitados e naqueles com linfedema ou úlcera crônica e a gravidade pode variar muito, dependendo da sua localização. Após um período de incubação de 2-5 dias, ocorre o início abrupto de febre alta (popularmente: “febre de Santo Antônio” ou “fogo de Santo Antão”) e calafrios, tornando o paciente toxêmico. O linfedema pode ocorrer como sequela, especialmente quando há erisipela de repetição (elefantíase nostra). Tratamento O edema pode permanecer por um tempo, mesmo depois do tratamento apropriado, quando a febre, a dor e o eritema já apresentaram melhora. Após 5-10 dias ocorre descamação local. Durante 10-14 dias → Casos graves/toxêmicos: Penicilina G cristalina 1-2 milhões U 4/4h OU ceftriaxone 1 g/24h OU cefazolina 1-2 g 8/8h. → Casos leves/moderados: Penicilina G procaína 600000 U 12/12h ou Penicilina V oral 500 mg 6/6h OU amoxicilina 500 mg 8/8h. → Alérgicos à penicilina: Eritromicina 500 mg VO 6/6h. → Nos casos de erisipela de repetição, está indicada a profilaxia antibiótica, com objetivo de evitar o linfedema: Penicilina G benzatina 1.200.000 U IM 4/4 semanas. Em situação de dúvida, é prudente estender o espectro dos antimicrobianos de forma a cobrir S. aureus. Boas opções aqui seriam a oxacilina e cefalosporinas de 1ª geração. Celulite A celulite é uma infecção da derme profunda e do subcutâneo, cursando, assim como a erisipela, com uma área eritematosa geralmente extensa. No entanto, o eritema é mais claro (rosa) que o da erisipela (vermelho) e as margens não podem ser definidas com facilidade. Em infecções severas, vesículas, bolhas, pústulas ou necrose tecidual podem ocorrer, assim como linfangite e envolvimento de linfonodo regional. Causada mais comumente pelo Streptococcus pyogenes ou S. aureus. É caracterizada por um pródromo de febre, calafrio e mal- estar, seguido pelos sintomas locais de dor, eritema, edema e calor. As crianças normalmente apresentam celulite na cabeça e região cervical, já nos adultos, as extremidades são mais frequentemente afetadas. Quando causada pelo Staphylococcus aureus, a celulite espalha- se centripetamente a partir de um ponto central de infecção, como um abscesso, foliculite ou corpo estranho (por exemplo, um cateter intravascular). Em contraste, a celulite causada pelo Streptococcus pyogenes espalha-se mais rapidamente e de modo difuso, frequentemente associada à linfangite e febre. Complicações são raras, mas podem incluir glomerulonefrite aguda, linfadenite e endocardite bacteriana subaguda. Danos aos vasos linfáticos podem levar a celulite de repetição. Tratamento Durante 10-14 dias → Casos graves: Oxacilina 2 g IV 4/4h OU cefazolina 1 g 8/8h OU nafcilina 1-2 g 6/6h. → Casos leves/moderados: Cefalexina, cefadroxil, eritromicina OU clindamicina OU dicloxacilina. → Casos de celulite purulenta geralmente são causados pelo MRSA. Assim, esses pacientes devem ser tratados ambulatorialmente com clindamicina, SMX + TMP ou doxiciclina, de acordo com o perfil local de sensibilidade do MRSA comunitário. → Casos graves devem ser internados para receber vancomicina ou linezolida IV. Ectima Assim como o impetigo, é caracterizada por lesões crostosas de pele. A diferença é que a lesão se estende até a derme e deixa uma ulceração superficial, com posterior formação de crosta dura, seca e aderente. A localização mais comum é nas pernas. Pode ser causada pelo S. aureus e/ou estreptococos do grupo A. Tratamento O tratamento inicial envolve cuidados locais como limpeza, remoção de crostas e aplicação de compressas molhadas. Para pacientes saudáveis, com poucas e superficiais lesões sem sintomas sistêmicos, antibióticos tópicos como mupirocina 2% e ácido fusídico podem ser prescritos. A penicilina benzatina e a penicilina V oral eram os tratamentos classicamente empregados. Para a cobertura dos dois patógenos,o exemplo clássico é o uso de cefalexina por dez dias. Outra droga indicada seria a dicloxacilina. Hidradenite Supurativa A hidradenite supurativa é uma infecção crônica e de difícil tratamento das glândulas apócrinas. Sua infecção normalmente promove a formação de um abscesso subcutâneo. Como esse processo ocorre cronicamente, é comum encontrarmos diversos trajetos fistulosos adjacentes e muitas retrações cicatriciais. As áreas mais frequentemente acometidas são a axila, a genitália e a região perianal. Muitas bactérias foram relacionadas com essa infecção, como o S. aureus, estreptococos não hemolíticos, E. coli, Proteus, Pseudomonas e germes anaeróbios. A hidradenite é mais comum em mulheres e na raça negra. A doença perianal predomina no sexo masculino. Tratamento É baseado no emprego de calor local, na drenagem dos maiores abscessos e na retirada dos fatores de risco. O uso de antibióticos é controverso, mas é frequentemente empregado. Abcesso Os abscessos cutâneos são supurações da derme e do subcutâneo que não mantêm relação direta com os folículos pilosos. São lesões eritematosas, dolorosas, bem circunscritas, cercadas por um halo de tecido inflamatório e possuem uma flutuação central. Assim como os furúnculos e carbúnculos, podem estar associados a adenopatia local e drenar espontaneamente. Podem ser causados por infecção cutânea direta, estados de bacteremia (ex.: endocardite) e ainda ser estéreis, em 5% dos casos. Os abscessos infecciosos são os mais comuns e podem ser polimicrobianos ou causados por um só agente, sendo o mais o comum o S. aureus (respondendo por 25 a 50% dos abscessos). Por mais que o diagnóstico seja clínico, o emprego de ultrassonografia permite a visualização do acúmulo de líquido no subcutâneo, além da presença das suas septações características. Tratamento O tratamento consiste basicamente na drenagem do abscesso, sendo a antibioticoterapia somente empregada nos casos complicados.
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