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20 Bartoneloses

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192 Capítulo 20
Francisco Bonasser Filho
Roberta Schiavon Nogueira
Bartoneloses 2020
INTRODUÇÃO
O número de espécies que compõem a família Barto-
nellaceae, gênero Bartonella, foi acrescido de uma para qua-
torze espécies, e pelo menos cinco delas (B. bacilliformis,
B. henselae, B. quintana, B. elizabethae, B. clarridgeae) são
patogênicas ao homem e têm sido associadas a várias sín-
dromes clínicas.
HISTÓRICO
A primeira descrição de doença relacionada ao gênero
Bartonella ocorreu no Peru no final do século XIX com a
identificação da Bartonella bacilliformis como o agente etio-
lógico da febre de Oroya ou verruga peruana, que se apre-
sentava com doença febril aguda associada com anemia e
posteriormente progredia para uma forma cutânea com
verrugas e nódulos. Existem relatos de descrição de doença
semelhante à verruga peruana nas cerâmicas pré-Incas.
Posteriormente Garcilazo de la Vega, que acompanhava as
tropas de Francisco Pizarro em 1532, descreve doença que
se manifestava pela presença de verrugas que se apresen-
tavam hemorrágicas nas tropas espanholas no Equador.
Entre 1869 e 1873 houve uma epidemia caracteriza-
da por anemia hemolítica e febre, causando aproximada-
mente 7.000 óbitos, recebendo a denominação de febre
de Oroya.
Em 1885, um estudante de medicina, Daniel Alcides
Carrión, inoculou-se com fluido obtido de verruga da fase
crônica de doença. Evoluiu com quadro clínico de febre de
Oroya, vindo a falecer 18 dias após o início da doença.
Deste fato deduziu-se que a febre com anemia era uma fase
evolutiva da verruga peruana. Foi denominada doença de
Carrión em 1896.
Em 1909 foi identificado o agente etiológico por
Barton, sendo designado como Bartonella bacilliformis.
A febre das trincheiras foi a primeira manifestação de
infecção do gênero Bartonella a ser documentada na Euro-
pa. Recebeu essa denominação porque a doença foi rela-
tada durante a I Grande Guerra e atingiu os soldados das
tropas da Alemanha e dos exércitos aliados. Neste perío-
do, foram relatados cerca de um milhão de casos, com
quadro de febre associada a dores nos ossos das pernas,
raramente fatais, que causava prolongado estado clínico.
Houve novo surto durante a II Guerra Mundial, princi-
palmente entre as tropas alemãs, que levaram a infecção
para a Finlândia, Iugoslávia e Noruega.
McNee et al. foram os primeiros a relacionar a impor-
tância dos piolhos como transmissor da febre das trinchei-
ras. Em 1917, Papepenheimer e Muller obtiveram suces-
so ao reproduzir a doença de um paciente com febre das
trincheiras em três voluntários utilizando piolhos prove-
nientes deste pacientes.
Em 1939, Sparrow demonstrou a presença de R.
quintana em carrapatos no norte da África em pacientes
que apresentavam quadro clínico semelhante ao da febre
das trincheiras. Posteriormente, novos relatos de quadro
semelhante foram descritos no Japão, China e México.
Em 1949, Topfer et al. relacionaram a Rickettsia
quintana como o agente etiológico da febre das trincheiras.
Em 1950, Debré et al. descreveram uma nova manifes-
tação de doença que posteriormente seria relacionada ao
gênero Bartonella. A doença da arranhadura do gato é au-
tolimitada, benigna, manifestando-se com adenomegalia
dolorosa. A maioria dos casos ocorria no outono e estava
relacionada com a presença de gatos.
Durante 44 anos, vários agentes foram incriminados
como prováveis causadores da doença da arranhadura do
gato, como Herpesvirus, Pasteurella e Chlamydia. Em 1988
foi isolada uma bactéria proveniente de linfonodo de pa-
Capítulo 20 193
ciente com doença da arranhadura do gato através da co-
loração de Whartin-Starry. Em 1992, este agente foi deno-
minado Afipia felis. Apesar de várias tentativas de recupe-
rar novos isolados de A. felis de pacientes com doença da
arranhadura do gato, não foi possível evidenciar resposta
imune ou celular nos pacientes com o antígeno cultivado
de A. felis. A história da doença da arranhadura do gato
modifica-se após o reconhecimento de uma nova manifes-
tação de doença em pacientes com infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV).
Em 1983, Stoler et al. descreveram uma nova síndrome
relacionada em pacientes com AIDS, a angiomatose bacilar,
que se apresentava como doença com múltiplas lesões cu-
tâneas e subcutâneas, as quais, quando coradas pelo méto-
do de Whartin-Starry, mostravam presença de bacilos. O
quadro clínico resolvia-se com o uso de antimicrobianos.
Embora os achados provenientes da coloração pela
prata e da microscopia eletrônica não possibilitassem uma
diferenciação entre os agentes causadores de angiomatose
bacilar e a doença da arranhadura do gato, várias dúvidas
persistiam para que um único agente fosse definido com
o agente etiológico das duas doenças. Os achados histopa-
tológicos apresentavam nítida diferença entre os dois qua-
dros clínicos, como a formação de granuloma na doença
da arranhadura do gato e proliferação vascular sem forma-
ção de granuloma na angiomatose bacilar.
Através da utilização de técnicas de avaliação do DNA
dessas bactérias constatou-se grande semelhança com a
Rochalimaea quintana, o agente causador da febre das trin-
cheiras.
Slater et al. encontraram em Oklahoma, Estados Uni-
dos, bactéria semelhante à Rochalimaea quintana em pa-
cientes com quadro de bacteremia sem lesões cutâneas.
Em Houston, Estados Unidos, Regnery et al., trabalhan-
do com pacientes infectados pelo HIV que apresentavam
febre de origem indeterminada, isolaram um agente seme-
lhante à Rochalimaea. As amostras isoladas em Oklahoma
e em Houston foram obtidas de pacientes que não apresen-
tavam lesões cutâneas. As amostras isoladas em Houston
(Houston-1) foram identificadas como o protótipo de uma
nova espécie de Rochalimaea através de identificação geno-
típica, incluindo análise do RNA ribossômico. Welch et al.
chegaram à mesma conclusão usando a análise do DNA. Es-
tes isolados foram caracterizados como uma nova espécie,
a R. henselae, assim denominada em homenagem à pesqui-
sadora Diane Hensel, que participou do seu isolamento.
Em 1990, Relman et al. caracterizaram o bacilo atra-
vés de PCR (reação de polimerase em cadeia) utilizando
fragmentos do RNA 16 s obtidos de válvula cardíaca trans-
plantada provenientes de três pacientes com infecção
pelo HIV.
Comparando-se as seqüências de bases amplificadas,
observou-se que o material isolado destes três pacientes
era relacionado filogeneticamente à Rochalimaea quintana.
Perkocha et al., em 1990, documentaram em pacientes
com AIDS uma nova manifestação clínica que se apresen-
tava no fígado, denominada peliose hepática (formação de
lagos venosos dentro do parênquima hepático), e Slater et
al. obtiveram o isolamento de B. henselae, através de hemo-
cultura de pacientes com bacteremia.
Em 1992, Koehler et al., isolaram bacilos diretamente
das lesões cutâneas de pacientes com angiomatose bacilar.
O CDC (Centro de Controle de Doenças dos Estados
Unidos) desenvolveu teste de imunofluorescência indire-
ta para Rochalimaea. Quando foram testadas amostras de
pacientes com doença da arranhadura do gato para este
teste de imunofluorescência, verificou-se que 88% das
amostras eram positivas para Rochalimaea henselae.
Koehler et al. definiram o gato como sendo reservató-
rio da R. henselae, demonstrando a presença da bactéria
através de cultura e PCR de material proveniente de pul-
gas de gatos que apresentavam bacteremia. Em 1993, a R.
henselae foi identificada diretamente de linfonodos de dois
pacientes com doença da arranhadura do gato através de
análise genotípica, ambos os pacientes apresentavam res-
posta aos antígenos de Rochalimaea. A análise genotípica
dos membros do gênero Rochalimaea, quando avaliados os
fragmentos 16 s do RNA ribossômico, leva à conclusão de
que os componentes deste gênero são próximos da
Bartonella bacilliformis, o agente causador dadoença de
Carrión, da febre de Oroya e da verruga peruana. Embora
a B. henselae seja atualmente reconhecida como causado-
ra de doença da arranhadura do gato, bacteremia e endo-
cardite, muitas questões permanecem sem resposta:
1. Quais seriam as explicações para a demora no isola-
mento e identificação da B. henselae? Parte da respos-
ta pode decorrer da dificuldade para seu crescimento
(9 a 40 dias) em cultura, com exigência de exposição
prolongada em atmosfera com gás carbônico.
2. Em pacientes imunocomprometidos, a B. quintana
também causa angiomatose bacilar e atualmente vem
sendo relacionada com casos de febre urbana das trin-
cheiras em moradores de rua. Outra espécie, a B.
elizabethae, foi isolada em um paciente submetido à tro-
ca de válvula aórtica.
3. Estudos controlados em populações sadias identifica-
ram de 4 a 6% de anticorpos para Bartonella por imu-
nofluorescência. Este fato poderia ser indicativo da
ocorrência de infecção subclínica e portanto não diag-
nosticada de doença relacionada a Bartonella?
4. Pergunta-se: qual seria a evolução natural das infecções
por Bartonella em imunocompetentes? Atualmente
sabe-se que as espécies de Bartonella podem causar in-
fecção em pacientes imunossuprimidos e imunocom-
petentes com manifestações clínicas distintas. Estas
questões mostram que a epidemiologia e a história na-
tural das infecções relacionadas ao gênero Bartonella
necessitam de melhores esclarecimentos.
VERRUGA PERUANA
SINONÍMIA
Febre de Oroya, doença de Carrión.
EPIDEMIOLOGIA E MECANISMOS DE TRANSMISSÃO
A verruga peruana é endêmica em áreas do Peru, em
vales de rios com altitudes de 500 a 3.200 m acima do ní-
vel do mar, com relatos em áreas florestais da Colômbia
e do Equador. Estudos sorológicos sugerem que, em áreas
194 Capítulo 20
endêmicas, mais de 60% da população esteja infectada, e
culturas destas populações mostraram aproximadamente
10% de bacteremia em alguma fase. Isto é possível, pois a
maioria das infecções ocorre em crianças que vivem com
pessoas que têm exposições noturnas ao vetor.
Witaker et al. relataram em 1966 doença febril com
anemia associada a elementos semelhantes à B. bacil-
liformis na Tailândia.
Vetor
Lutzomya verrucarum (inseto de hábitos noturnos, com
autonomia de vôo de até 2 km).
Também foram descritos em áreas endêmicas o L.
noguchii e o L. peruensis.
Na epidemia do vale Mantaro, as espécies encontradas
foram a L. pescei e L. bicornutus, sendo a primeira a que
coincide com a área de dispersão da doença, motivo pelo
qual considera-se a L. pescei também como possível agen-
te causador da verruga peruana.
RESERVATÓRIO
Homem doente ou sadio, portador durante longo pra-
zo. Em 1953, Herrer recuperou, após dias, em esquilos,
Bartonella inoculadas por via subcutânea. Com base nestes
achados postula-se a viabilidade de Bartonella em roedo-
res não susceptíveis que tenham sido picados por insetos
contaminados. São desconhecidos outros reservatórios e
não há outros estudos que confirmem esta hipótese.
AGENTE ETIOLÓGICO
Bartonella bacilliformis, identificada por Alberto Barton
em 1905.
Bacilo Gram-negativo, móvel, polimórfico, endoglobu-
lar, aeróbico, variando de 0,25 µ a 0,5 µ de largura e 1 µ a
3 µ de comprimento. Cresce em ágar-sangue e cora-se por
Giemsa, Leishman e similares.
A gravidade do quadro possui relação direta com a
porcentagem de hemácias parasitadas e o número de bac-
térias por hemácia.
IMUNOPATOGENIA E H ISTOPATOLOGIA
A verruga peruana, ou doença de Carrión, possui dois as-
pectos clínicos distintos: a primeira fase febril, com anemia
grave, e a segunda caracterizada por erupção verrucosa.
A primeira fase caracteriza-se por invasão da B.
bacilliformis, que utiliza seu flagelo polar para mover-se,
aderir-se e invadir as hemácias, com posterior replicação
nos vacúolos. Esta espécie induz a produção de um fator
estimulador de células endoteliais e células sangüíneas.
Nesta fase, a Bartonella encontra-se no sangue periférico,
especialmente nas hemácias, na forma baciliforme no iní-
cio; depois, durante a evolução do quadro, tornam-se mais
numerosas as formas cocóides.
Strong et al. descreveram Bartonellas em protoplasmas
de células endoteliais, sendo chamadas de “células de
Strong”.
A anemia grave tem origem fundamental na fagocito-
se do complexo hemácia-Bartonella, principalmente ao
nível dos gânglios. Não há trabalhos que evidenciem a
ação hemolítica direta da bactéria. A anemia hemolítica
deve-se a intensa eritrofagia, que destrói as células do sis-
tema retículo-endotelial, caracterizando uma hemólise
extracelular. Ocorre também um distúrbio na síntese de
hemoglobina e redução na vida média da hemácia devi-
do a sua maior fragilidade relacionada diretamente ao
parasitismo celular.
Ocorre declínio das mesmas até não serem mais obser-
vadas em lâminas de sangue periférico, coincidindo com
a melhora da febre.
O uso de antimicrobiano causa rápida transformação
de formas bacilares em formas cocóides.
Na fase verrucosa não se observa Bartonella no exame
direto de sangue periférico, e seu isolamento se dá através
de hemoculturas. Há alguns relatos de isolamento a partir
da verruga. O protoplasma dos histiócitos possui elemen-
tos semelhantes a corpos de inclusão denominados
“clamidozoários”. As verrugas caracterizam-se por proli-
feração angioblástica. A observação mais comumente en-
contrada caracteriza-se por grande neoformação vascular,
proliferação fibroblástica entre os capilares, com organis-
mos extracelulares no interstício fibrilar e não no citoplas-
ma. Pode-se encontrar verrugas em vísceras, incluindo
eixo neural.
QUADRO CLÍNICO
Período de Incubação
É considerado de 21 dias, geralmente após exposição
noturna em áreas endêmicas, com média de 60 dias, po-
dendo chegar a extremos de uma a trinta semanas.
Sinais e Sintomas
As duas formas da doença de Carrión ocorrem seqüen-
cialmente, algumas vezes com um período assintomático
entre elas. A primeira fase, conhecida como “febre hemá-
tica”, “febre de Oroya”, “febre grave de Carrión” , instala-
se abruptamente com febre, calafrios, mal-estar generali-
zado, anorexia e cefaléia. Encontram-se também artralgia,
mialgia, sonolência, anorexia, dispnéia. Casos severos po-
dem levar a miocardite, convulsão, delírio, insuficiência
respiratória aguda e evoluir para anasarca, com derrame
em órgãos fechados como o pericárdio.
O sinal mais importante é a palidez cutaneomucosa,
traduzindo a intensidade da anemia. Em casos graves, com
grande número de hemácias invadidas pela Bartonella,
pode-se perder cerca de 300.000 a 400.000 Hm por dia,
com hematócrito inferior a seis. Podemos encontrar icte-
rícia, hepatomegalia e/ou esplenomegalia e hipertrofia
ganglionar.
Esta primeira fase caracteriza-se por alta mortalidade
com índices de 40% na era pré-antibiótica e 8% em pa-
cientes atualmente hospitalizados. Gray et al. relataram
recentemente mortalidade de 88% em uma área rural do
Peru. Este período febril tem duração variável entre sete e
28 dias, com média de 15 dias.
Capítulo 20 195
A segunda fase, a fase eruptiva, é a verruga propriamen-
te dita. Geralmente inicia-se após duas semanas, podendo
durar anos. Aparecem formações cutâneas de tamanho e
número variáveis, principalmente na cabeça e extremidades
distais; algumas vezes podem ocorrer no nariz, conjuntiva
e mucosa oral. Esta fase eruptiva-crônica pode ocorrer em
pacientes sem precedentes de bartonelose aguda (Fig. 20.1).
São observados três tipos mais comuns:
• Erupções miliares: muito abundantes, com dimensões
reduzidas.
• Nodulares: pouco maiores.
• Mulares: quando crescem excessivamente.
Não é raro encontrar erupção também em mucosas e
subcutâneo. Podem ocorrer febrícula e dores osteoarticu-
lares durante o surto.
Características das Verrugas
Geralmente são rosadas, de cor pálida ou vermelho-vi-nho, indolores e sangrantes. As maiores tendem a ser
pediculadas e com pele sã entre elas. Podem durar sema-
nas a meses, desaparecem por atrofia e reabsorção ou se
destacam e caem, sem deixar seqüelas.
Infecção durante a gestação pode causar infecção trans-
placentária, abortamento, morte fetal e/ou materna.
COMPLICAÇÕES, EVOLUÇÃO, PROGNÓSTICO,
LETALIDADE
Alta letalidade na fase febril aguda anemiante.
É comum o aparecimento de infecções associadas,
principalmente por Gram-negativos, como as salmonelas
(S. typhimurium e typhi), geralmente no final do período
febril ou após, sendo em uma grande maioria dos casos a
causa do óbito.
Encontram-se relatos de reativação de processos infeccio-
sos crônicos como malária, tuberculose, toxoplasmose, ameba,
pneumocistose, herpesvírus, hepatite B e histoplasmose.
D IAGNÓSTICO
Os dados epidemiológicos são essenciais para o diag-
nóstico.
Dados Específicos
Isolamento da Bartonella: pesquisa em sangue periféri-
co; podendo ser pesquisado em gota espessa, em casos de
baixo parasitismo (Fig. 20.2).
Hemocultura: pouco valor diagnóstico, devendo sempre
ser solicitado para afastar infecção associada.
Provas sorológicas:
i. Elisa: sensibilidade de 95%.
ii. Western-blot: próximo a 100%.
iii. Imunofluorescência indireta (IgG e IgM).
iv. Hemaglutinação indireta: provas de aglutinação têm
alta positividade na fase eruptiva, assim como o isola-
mento a partir de verrucomas.
Dados Inespecíficos
Leucocitose moderada em até metade dos casos, raramen-
te leucopenia, anemia hemolítica, trombocitopenia, aumen-
to das enzimas hepáticas, aumento de bilirrubinas com pre-
domínio de indireta, aumento do urobilinogênio fecal.
TRATAMENTO
O cloranfenicol constitui a droga de escolha, principal-
mente pela ação também contra as salmonelas. Outros an-
timicrobianos com ação para Bartonella: doxiciclina, ma-
crolídeos, penicilina, fluorquinolonas, estreptomicina,
eritromicina.
Tempo de terapia antimicrobiana: no mínimo uma sema-
na, geralmente três semanas.
Suporte clínico: correção de distúrbios hidroeletrolíti-
cos, suporte ventilatório, controle de infecções associadas.
PREVENÇÃO E PROFILAXIA
Controle do vetor em áreas endêmicas com inseticidas.
Evitar passeios noturnos para áreas endêmicas.
FEBRE DAS TRINCHEIRAS
SINONÍMIA
Febre dos cinco dias, febre quintana, doença de His-
Werner, febre de Wolhyian.
Reconhecida com a primeira infecção relacionada ao
gênero Bartonella, foi descrita na Rússia durante a I Guer-
ra Mundial, quando causou uma epidemia com um milhão
de casos.
O agente etiológico é a Bartonella quintana, que é trans-
mitida pelo piolho humano (Pediculus humanis).
A B. quintana é uma bactéria Gram-negativa, arredon-
dada, medindo 0,3 a 0,5 micras de largura e 1 a 1,7 micra
de comprimento. Cresce em ágar-sangue enriquecido com
aminoácidos, soro fetal bovino. Utiliza como fonte de ener-
gia succinato, piruvato, glutamina. O crescimento é esti-
mulado pela presença de CO
2
, apresentando colônias ru-
gosas, profundamente distribuídas no meio, e se dá em 12
a 14 dias, porém podem ser necessários até 45 dias. Tem
genoma com 1.700 kb.
O reservatório natural é desconhecido. O piolho huma-
no tem sido relacionado com o único vetor, embora a re-
lação entre o vetor e a B. quintana não seja conhecida.
As manifestações clínicas da infecção por B. quintana
não têm sido reproduzidas em animais de laboratório,
embora Mooser tenha induzido bacteremia em macacos
Rhesus.
EPIDEMIOLOGIA
Os humanos são os únicos hospedeiros nos quais a B.
quintana causa doença. Sua transmissão está relacionada ao
piolho humano. Rocha Lima descreveu o encontro da B.
quintana no lúmen do intestino do piolho em localização
extracelular, sugerindo que a B. quintana seja comensal
para o piolho.
196 Capítulo 20
A B. quintana é encontrada no sangue dos pacientes
durante o curso febril da febre das trincheiras, podendo
a infecção persistir após o desaparecimento dos sintomas.
Embora apresente ocorrência em surtos, a doença foi
considerada uma doença do passado, cuja importância
médica desapareceu com o abandono das técnicas mili-
tares que deram nome à doença. Relatos recentes mos-
tram uma reemergência das infecções por B. quintana,
como as descritas nos Estados Unidos e na França, em
Marselha onde foi descrito em paciente morador de rua
quadro de febre recidivante associado com dor nas per-
nas e cefaléia e desidratação. Posteriormente este pacien-
te apresentou recidiva do quadro e sorologia positiva para
B. quintana.
QUADRO CLÍNICO
O período de incubação varia entre 15 e 25 dias; o qua-
dro clássico corresponde a doença febril aguda acompa-
nhada por cefaléia e dor nos ossos longos das pernas. O
período prodrômico pode durar dois dias, a cefaléia é
mais freqüentemente retro-orbitária e ocorre congestão
conjuntival. As áreas dolorosas são relacionadas com en-
volvimento dos músculos, tendões e ossos. A esplenome-
galia é encontrada no período febril.
A febre é periódica e o intervalo entre os cursos de
febre varia de quatro a oito dias, sendo o mais freqüen-
temente encontrado o período de cinco dias, que dá
nome à doença (febre quintana). Cada episódio de febre
é menos severo que o anterior, embora em alguns casos
a dor nas pernas torne-se mais persistente. São observa-
das máculas eritematosas ou pápulas medindo 1 cm ou
menos no abdômen, tronco e região dorsal. Ocorre leu-
cocitose e anemia, que pode ser observada em pacien-
tes crônicos.
Os quadros persistem por quatro a seis semanas; um
pequeno número de casos evolui para cronicidade, quan-
do se manifestam cansaço, cefaléia, dor articular, irritabi-
lidade, depressão, sudorese, diminuição da temperatura
das extremidades, emagrecimento e anemia. Podem ocor-
rer dispnéia, precordialgia e distúrbios de ritmo cardíaco.
DIAGNÓSTICO
1. Isolamento em meio de cultura em meio especial como
ágar-chocolate e ágar-sangue de carneiro. São incuba-
das em meio com 5% de dióxido de carbono a 35oC
com culturas brancas e profundamente aderidas. Man-
ter o cultivo por 45 dias.
2. Cultivo em cultura de células, utilizando-se amostras
de tecido.
3. Sorologia: imunofluorescência, hemaglutinação, ELISA,
reação de fixação do complemento.
4. Identificação genotípica: seqüenciamento do gene 16 S
RNA r, a citrato sintetase e hibridização do DNA.
TRATAMENTO
A doença apresenta curso clínico autolimitado e os an-
tibióticos de escolha são o cloranfenicol ou a tetraciclina,
que mostram resposta efetiva após dois dias de uso.
DOENÇA DA ARRANHADURA DO
GATO
INTRODUÇÃO
Síndrome clínica subaguda, caracterizada por linfoade-
nopatia regional após inoculação cutânea, geralmente de
curso longo, dois a três meses, com resolução espontânea.
O contato com gato geralmente está presente.
AGENTE ETIOLÓGICO
Bartonella henselae: 84 a 95% dos pacientes demons-
tram anticorpo para B. henselae.
TRANSMISSÃO
Inoculação cutânea, freqüentemente reconhecida pos-
teriormente pelos pacientes e/ou médicos. Em grandes séries,
87 a 99% dos pacientes tiveram contato com gatos, dos quais
57 a 73% confirmaram arranhadura e/ou mordida pelo ani-
mal. Na maioria dos estudos, os gatos são jovens, com ida-
de média de seis meses de vida. Há raros casos em que não
se consegue evidenciar contato com gatos, porém apresen-
tavam ferimentos por cães, lascas de madeira, alfinetes, an-
zóis de pesca, espinhos de cactos, ouriço ou porco-espinho.
Há séries de trabalhos evidenciando alta parasitemia
por B. henselae em gatos, caracterizando-a como uma
zoonose.
A transmissão de gatos para humanos faz-se através de
arranhaduras e/ou mordidas, enquanto, entre felinos, atra-
vés do vetor, a pulga do gato, Ctenocephalides felis.
EPIDEMIOLOGIA
Em várias séries de doença da arranhadura do gato nos
Estados Unidos, a sazonalidade foi demonstrada, ocorren-do principalmente no outono e no inverno, provavelmen-
te por maior aquisição de novos animais nesta época. Nos
países tropicais como o Brasil, este fato não foi evidencia-
do. A doença é mais comum entre crianças, principalmen-
te na faixa etária dos dois aos 14 anos de vida.
A incidência americana é de aproximadamente 9,3 por
100.000 pacientes/ano, com 2000 casos necessitando de
hospitalização.
PATOLOGIA
Os achados patológicos do sítio de inoculação primá-
rio e dos gânglios são semelhantes. Ambos apresentam ne-
crose central avascular, circundada por linfócitos, com al-
gumas células gigantes e histiócitos. Há três estágios
evolutivos de comprometimento ganglionar, podendo co-
existir no mesmo período. Inicialmente há alargamento
generalizado do linfonodo, com enlargamento do córtex e
hipertrofia dos centros germinativos, predomínio de linfó-
citos e granulomas epitelióides contendo células gigantes
de Langerhans. Posteriormente os granulomas tornam-se
mais densos, com infiltrados de leucócitos polimorfonu-
cleares, e inicia-se necrose central caseosa. Finalmente a
cápsula no nódulo pode romper-se, resultando reação in-
flamatória e comprometimento de substâncias adjacentes.
Capítulo 20 197
QUADRO CLÍNICO
Após período de incubação (três a 30 dias), geralmente
entre o sétimo e 12o dias, podem surgir pequenas pápulas
não-pruriginosas, avermelhadas, de 2 a 5 mm de diâmetro,
no sítio de inoculação, que geralmente passa despercebi-
do pelo paciente. Em análise retrógrada, este achado está
presente em até 93% dos casos. Estas lesões persistem até
o desenvolvimento de linfadenopatia, geralmente entre
uma a quatro semanas. Há relatos de aumento dos gânglios
uma semana até dois meses após exposição (Fig. 20.3).
A linfadenopatia crônica é o sinal marcante da doença
da arranhadura do gato e geralmente está presente sem
linfangite associada, acometendo em cerca de 80% dos ca-
sos, em ordem decrescente, as cadeias axilar, cervical,
submandibular, pré-auricular. Menos comumente atingem
a cadeia epitroclear, femoral e inguinal. Os gânglios são
sensíveis e a pele encontra-se hiperemiada, endurecida e
quente. Pode ocorrer supuração em 10 a 15% dos casos.
A duração da linfadenopatia é de quatro a seis sema-
nas, raramente até 12 meses ou mais.
Ocorre febre baixa em 1/3 a 2/3 dos pacientes duran-
te vários dias, com poucos casos de Tax > 38-39°C.
Astenia, fadiga, anorexia e cefaléia são comuns, embora
muitos pacientes encontrem-se bem apesar do aumento gan-
glionar. Outros sintomas encontrados raramente são dor ab-
dominal, náuseas, vômitos, esplenomegalia, mialgia, artralgia.
Outras alterações descritas: alterações de pele em até
5% dos casos (rash maculopapular, erupções vesiculares,
eritema nodoso, eritema multiforme, urticária, púrpura e
vasculite leucocitoclástica).
D IAGNÓSTICO
Antes de a etiologia ser estabelecida, um somatório de
alterações era usado para diagnóstico. A versão atualmen-
te em uso baseia-se nos critérios de Carithers “Regulamen-
to dos 5”(Tabela 20.1):
ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
Específico
Sorologias: Elisa, IFI (84-88% sensibilidade e 94-96%
de especificidade).
Aumento de quatro vezes no título de anticorpos (IgM
seguido de IgG) entre sorologias pareadas colhidas entre 10
a 14 dias.
Títulos de IgM > 1:16 sugere infecção recente, enquanto
nível de IgG > 1:256 sugere infecção corrente ou passada.
Pode ocorrer reação cruzada entre B. henselae, quintana,
Chlamydia sp e Coxiella burnetii.
A confirmação por cultura é difícil.
Uso de técnicas de PCR: alta especificidade e sensibi-
lidade (16S rRNA).
Histopatologia: impregnação pela prata (Wharthin-
Starry).
Inespecífico
Pode ocorrer leucocitose e raramente eosinofilia.
TRATAMENTO
Várias drogas têm sido usadas com sucesso, porém o
tempo ideal de início e de uso ainda permanece em aber-
to devido ao fato de a doença da arranhadura do gato tra-
tar-se de doença autolimitada.
A terapia é indicada na tentativa de reduzir a dor e a
possibilidade de complicações da doença.
Após duas a três semanas de início de terapia sem me-
lhora, considerar troca para azitromicina, cotrimoxazol ou
quinolona.
As penicilinas, cefalosporinas não são ativas contra B.
henselae.
A duração usual da terapia é de três a seis semanas.
Em casos de neurorretinites e comprometimento do
sistema nervoso central (SNC), os agentes de penetração no
SNC com combinação de duas drogas devem ser de esco-
lha, tais como doxiciclina ou azitromicina, possivelmen-
te em combinação com rifampicina, claritromicina, novas
fluorquinolonas (Tabela 20.2).
APRESENTAÇÕES ATÍPICAS E COMPLICAÇÕES
Pode ocorrer adenopatia persistente por seis a 24 me-
ses em 20% dos casos.
Cerca de 5 a 10% dos casos podem apresentar-se de for-
ma atípica, como as abaixo citadas:
• Hepatite granulomatosa ou granulomas em baço e ossos:
há relatos de osteomielite com lesões líticas ao RX, as-
sociada a doença sistêmica e com inoculação direta
através de arranhadura de gatos, com isolamento de B.
henselae a partir destas lesões. As lesões líticas caracte-
rizam-se por dor localizada, sem eritema.
• Síndrome oculoglandular de Parinaud: ocorre por conta-
minação dos olhos através das próprias mãos do pa-
ciente (sítio de inoculação). Apresenta-se com conjun-
tivite granulomatosa indolor associada a alargamento
ganglionar.
• Encefalopatia: manifestação grave, rara (cerca de 2 a
4%), que ocorre nas seis primeiras semanas após a lin-
foadenopatia. Manifestações que se caracterizam por
cefaléia, agitação psicomotora, convulsões, alterações
neurológicas com paralisia de pares cranianos, hemi-
paresia, mielopatia, afasia e ataxia. Há relatos de défi-
cit intelectual persistente. LCR geralmente normal ou
Tabela 20.1
Critérios de Carithers
Critérios Pontos
Linfoadenopatia regional 1 ponto
Contato com gatos (geralmente jovens) 2 pontos
Sítio de inoculação 2 pontos
Teste cutâneo positivo 2 pontos
Fortemente sugestivo: total de 5 pontos.
Diagnóstico definitivo: total de 7 pontos.
198 Capítulo 20
raramente apresentando discreto aumento de proteínas
e de células PMN (polimorfonucleares).
• Neurorretinite: o paciente apresenta um quadro seme-
lhante ao da influenza, com ou sem aumento ganglio-
nar, seguido de redução da acuidade visual, geralmente
com resolução espontânea, exceto em imunodepri-
midos. É comum a presença de papiledema na fun-
doscopia. O diagnóstico pode ser feito através de so-
rologias e alguns casos com biópsia de retina e histo-
patologia.
• Púrpura trombocitopênica, anemia hemolítica, pneu-
monia e/ou derrame pleural, artrite, sinovite, tireoidi-
te, uretrite.
DIAGNÓSTICO D IFERENCIAL
O diagnóstico diferencial é feito com outras patologias
que cursam com aumento ganglionar e doença sistêmica,
tais como: tuberculose, linfoma, leucemia, doenças fúngi-
cas, AIDS, sífilis, linfogranuloma venéreo, tularemia,
brucelose, mononucleose, etc.
ANGIOMATOSE BACILAR
DEFINIÇÃO
É uma doença proliferativa vascular, mais freqüente-
mente descrita em pacientes com AIDS que apresentam
contagem de células CD4+ menores que 100 por mm3 e em
pacientes submetidos a quimioterapia por tumores de li-
nhagem hematológica, com imunossupressão após trans-
plante renal e cardíaco.
Em 1998, Camargo relatou um caso de angiomatose
bacilar associado com síndrome retroviral aguda. As mani-
festações clínicas são descritas como tumores cutâneos, que
podem envolver fígado, baço, ossos e sistema nervoso cen-
tral ou ainda se manifestar com febre e bacteremia sem le-
sões cutâneas. Os agentes etiológicos relacionados são bac-
térias do gênero Bartonella, a B. henselae e B. quintana.
EPIDEMIOLOGIA
As descrições iniciais dos casos de angiomatose bacilar
foram relacionadas com contato com gato, através de mor-
dedura ou arranhadura.
Koehler et al. identificaram B. henselaeem hemocultu-
ras colhidas de gatos de estimação de quatro pacientes com
diagnóstico de angiomatose bacilar. Um estudo em São Fran-
cisco, Estados Unidos, avaliou bacteremias em gatos de es-
timação, e em 61 casos encontrou 25 (41%) com a presen-
ça de B. henselae. Da mesma forma, gatos de outras regiões
dos Estados Unidos mostravam-se infectados. Childs et al.
avaliaram gatos em Baltimore, e 15% das amostras exami-
nadas apresentavam anticorpos para B. henselae.
Koehler et al. isolaram B. henselae de pulgas provenien-
tes de gatos com bacteremia, mostrando a pulga do gato
(Xenopsilla cheopis) com sendo potencial vetor de transmis-
são de B. henselae entre os gatos e dos gatos para o homem.
Os fatores de risco para infecção por B. quintana e B.
henselae são diferentes. Não foram identificados reservató-
rios animais para a B. quintana. Alguns casos de angioma-
tose bacilar causados por B. quintana foram descritos em
pacientes moradores de rua e que apresentavam infestação
por piolhos, condições inicialmente descritas para os qua-
dros de infecção por B. quintana, a chamada febre das trin-
cheiras. Alguns casos de bacteremia, endocardite, angio-
matose bacilar e peliose hepática causados por B. quintana
têm sido descritos em pacientes que apresentam situação
econômica desfavorável e infestação por piolhos, sugerin-
do que estas condições possam ser importantes para trans-
missão de infecção por B. quintana.
QUADRO CLÍNICO
1. Manifestações cutâneas: são descritas lesões angiomato-
sas, verrucosas, papulares e pedunculadas. Embora as
lesões mais freqüentemente sejam eritematosas, podem
se apresentar hiperceratósicas, secas e escarificadas.
Podem ocorrer nódulos subcutâneos, dolorosos, ou in-
filtrados do tecido subcutâneo com eritema local e for-
mação de tumores cutâneos. Apresentam-se com febre,
emagrecimento, anorexia, cefaléia.
2. Ossos: as lesões ósseas são freqüentemente dolorosas e
localizam-se no rádio, na fíbula ou na tíbia, e obser-
vam-se celulite e dor nestes ossos. A maioria dos casos
é diagnosticada inicialmente por exames radiológicos,
que mostram lesões líticas e posteriormente são sub-
metidas a biópsia.
3. Linfonodos: acompanham muitas vezes as lesões cutâ-
neas; raramente fistulizam.
4. Peliose e esplenite: peliose hepática (formação de lagos
venosos dentro do parênquima hepático) tem sido des-
crita em pacientes em fase final de neoplasias ou após
terapia com esteróide. As lesões inicialmente foram
Tabela 20.2
Esquemas de Tratamento para a Doença de Arranhadura do Gato
Droga Doxiciclina Eritromicina Azitromicina Claritromicina Ciprofloxacina
Dose adulto 100 a 200 mg VO Base - 250 mg 500 mg no 1o dia, seguidos de 250 a 500 mg 500 a 750 mg
2 × dia por 15 4 × dia VO 250 mg até o 5o dia (repetir 2 × dia 2 × dia
ou mais dias Succinato - 40 mg se sintomas não resolverem)
4 × dia VO
Dose pediátrica < 8 anos – não Succinato- 1o dia: 10 mg/kg, seguidos 7,5 mg/kg 2 × dia Não recomendado
recomendado 30-50 mg/kg/dia de 5 mg/kg até o 5o dia
> 8 anos – não estabelecida (não exceder 250 mg)
Capítulo 20 199
descritas através de tomografia computadorizada como
lesões hipodensas dentro do parênquima hepático. São
observados aumentos de fosfatase alcalina e das amino-
transferases, com valores de cinco a 10 vezes os valo-
res normais.
A esplenomegalia também é diagnosticada e freqüen-
temente é associada com progressiva pancitopenia.
5. Miosite.
6. Comprometimento visceral: tem sido descrito com lesões
anais, orais, pulmonares, gástricas. As manifestações no
sistema nervoso central podem se apresentar como
quadros psiquiátricos como demência, meningite as-
séptica, neurorretinite, encefalopatia e paralisia de ner-
vos cranianos com lesões causando efeito de tumores
intracranianos à tomografia.
D IAGNÓSTICO
1. Sorologia: detecção de IgG e IgM direcionados para an-
tígenos de B. henselae e B. quintana; IFA e EIA.
2. Histopatológico: as amostras de biópsia de pele ou le-
sões subcutâneas podem apresentar proliferação
lobular dos pequenos capilares sangüíneos. São obser-
vados neutrófilos, e podem demonstrar agregados nu-
cleares que correspondem a ninhos de bactérias quan-
do coradas com Whartin-Starry. As lesões endoteliais
são protuberantes e raramente as bactérias são encon-
tradas dentro de células. O infiltrado inflamatório apre-
senta linfócitos e neutrófilos com áreas de necrose. As
lesões da peliose se apresentam com capilares dilata-
dos e alargados, císticos, penetrando nos parênquimas
hepático e esplênico. Pode ocorrer reação cruzada en-
tre B. henselae e B. quintana quando submetidas a
imuno-histoquímica com antígenos específicos para
cada espécie. Permanece indeterminada a causa da an-
giogênese que ocorre na angiomatose bacilar, uma vez
que a B. henselae não produz fatores capazes de estimu-
lar a angiogênese. Da mesma forma quando se analisa
a fisiopatogenia das doenças relacionadas com B.
quintana, os fenômenos relacionados à angiogênese
não são explicados, uma vez que os pacientes que apre-
sentam febre das trincheiras e endocardites não apre-
sentam proliferação dos capilares
3. Hemoculturas: quando semeadas em ágar-sangue enri-
quecido com CO
2
 a 5% em temperatura de 30 a 37ºC,
necessitam de 45 dias para o crescimento, o que difi-
culta o diagnóstico com o isolamento em cultura. Pode
ser utilizado laranja acridina, que, sendo fluorescente,
estabeleceria interação com o DNA da bactéria e estes
isolados seriam semeados posteriormente em ágar-cho-
colate até que seu crescimento fosse visível.
4. Cultura em células: Kohler utilizou co-cultivo em célu-
las endoteliais de biópsia de paciente com angiomato-
se bacilar para isolar B. quintana.
5. Reação de polimerase em cadeia (PCR): esta técnica tem
sido utilizada para demonstrar a presença do DNA de
Bartonella em amostras, especialmente quando o cres-
cimento é difícil ou lento. Relman desenvolveu os
primers iniciais que utilizavam fragmentos de 296 pa-
res de bases do gene 16 S do RNA ribossômico (rDNA).
Koehler et al. utilizaram estes primers para demonstrar
a presença de espécies de Bartonella em isolados de
pacientes com angiomatose bacilar que apresentavam
B. quintana em alguns casos e B. henselae em outros ca-
sos, que foram confirmados por testes mais específi-
cos com hibridização DNA-DNA. Tem sido utilizada
amplificação do gene da citrato sintetase com poste-
rior seqüenciamento ou análise através do polimorfis-
mo de fragmento longo (RLFP) para distinguir as es-
pécies de Bartonella. Estes testes não são
comercialmente disponíveis.
DIAGNÓSTICO D IFERENCIAL
Hemangioma, sarcoma de Kaposi, verruga peruana, gra-
nuloma piogênico.
TRATAMENTO
O tratamento com antimicrobianos está claramente
indicado. Embora o tratamento para os casos de peliose
hepática não tenha sido sistematizado, a experiência ad-
quirida durante o tratamento dos pacientes em São Fran-
cisco apresentou resposta efetiva com o uso de doxiciclina
ou eritromicina. Outros antimicrobianos como tetracicli-
na, minociclina ou azitromicina podem ser utilizados com
sucesso. Os esquemas recomendados são:
1. Lesões cutâneas:
– Eritromicina 500 mg VO 4 ×/dia por oito semanas ou
– Doxiciclina 100 mg VO 2 ×/dia por oito semanas.
2. Osteomielite e peliose hepática:
– Eritromicina 500 mg VO 4 ×/dia 16 semanas ou
– Doxiciclina 100 mg VO 2 ×/dia por 16 semanas
3. Recorrências:
Considerar a possibilidade de manter os esquemas te-
rapêuticos em pacientes HIV + por toda a vida.
BACTEREMIA
Pacientes com infecção por HIV que apresentam angio-
matose bacilar ou peliose hepática ou sem lesões focais
podem apresentar bacteremia por Bartonella. Slater et al.
descreveram três pacientes imunossuprimidos (dois HIV+
e um transplante de medula óssea) que desenvolveram bac-
teremia por B. henselae. Febre prolongada e algumas vezes
recidivante associada comperda de peso foi observada
nestes pacientes.
Spach et al. descreveram um surto de bacteremia por B.
quintana em Seattle, Estados Unidos. Três destes pacientes
apresentavam perda de peso de mais de 9 kg. Foi observa-
da febre em sete pacientes, e um apresentava hipotermia.
A B. quintana foi isolada em 34 amostras de hemocultura
dos 10 pacientes. Foi utilizado Bactec não-radiométrico
aeróbico como meio de cultura. A identificação foi realiza-
da através de imunofluorescência e hibridização do DNA.
Todos os pacientes eram residentes em Seattle, sendo
oito moradores de rua, dos quais seis aceitaram realizar o
teste para HIV, que resultou negativo. Foi observada esple-
nomegalia em dois pacientes; três referiam recente conta-
to com gato (arranhadura), cinco apresentavam escabiose
200 Capítulo 20
e um apresentava presença de piolhos. Foram realizados
estudos ecocardiográficos em cinco pacientes, que foram
normais em quatro; o outro paciente apresentava vegeta-
ção em válvula aórtica, que revelou presença de B.
quintana através de PCR depois de retirada cirúrgica.
Os pacientes não apresentavam sintomas relacionados
com febre das trincheiras como exantema, dor nos ossos
longos das pernas e cefaléia.
A febre das trincheiras clássica é transmitida por pio-
lhos através do contato próximo entre as pessoas. Nos ca-
sos estudados, foi predominante a presença de moradores
de rua e alcoolismo, condições estas que propiciam falta
de higiene e contato próximo, facilitando a presença de
piolhos, que foi identificado em somente um dos pacien-
tes estudados.
Os isolados de hemocultura eram similares e não foi
possível distinção entre os achados, mesmo utilizando-se
de PCR e análise por RFLP. Destes isolados, quatro apresen-
tavam padrão semelhante ao observado em São Francisco
(Estados Unidos) notificados por Koehler et al.
Os pacientes foram tratados com vancomicina, ceftria-
xone, cefuroxime, nafcilina, penicilina associado com gen-
tamicina; alguns pacientes receberam azitromicina após;
desta forma não foi possível estabelecer qual o melhor es-
quema de tratamento.
ENDOCARDITES
As bactérias do gênero Bartonella relacionadas com
quadros de endocardite são a B. quintana, B. elizabethae e
B. henselae.
Raoult et al. descreveram casos de endocardite bacte-
riana em pacientes com hemoculturas negativas que apre-
sentaram diagnóstico de endocardite por bactérias do gê-
nero Bartonella. Foram avaliados 22 pacientes que
apresentavam endocardite bacteriana e haviam sido subme-
tidos a cirurgia cardíaca valvular, e a identificação dos iso-
lados era proveniente do material colhido destas válvulas.
Foram identificados cinco casos de endocardite por B.
quintana e quatro por B. henselae, e em 13 desses não foi
possível a identificação da espécie, somente o gênero foi
definido como Bartonella. A análise epidemiológica dos ca-
sos mostrava com dados relevantes que os pacientes eram
moradores de rua, 8/22, apresentavam história de contato
com gatos, 3/22, e alcoolismo, 10/22, e 1 era infectado pelo
HIV. A idade dos pacientes era em média de 47 anos e 17
eram do sexo masculino. Os resultados de hemocultura
foram positivos em cinco dos casos; um isolamento foi fei-
to através de cultura de material proveniente da válvula
cardíaca retirada e cultivada em células endoteliais. A con-
firmação em seis casos foi possível através do PCR do gene
da citrato sintetase em material obtido de válvula retirada.
O trabalho de Raoult et al. mostra que as infecções por
Bartonella são responsáveis por 3% dos casos de endocar-
dite bacteriana com hemocultura negativa. Os relatos de
literatura mostravam 11 casos previamente descritos a este
relato. Raoult et al. haviam descrito a relação entre infec-
ção por Chlamydia e infecção por Bartonella em casos que
inicialmente foram identificados como sendo de endocar-
dite por Chlamydia e que em reavaliação posterior foram
confirmados como sendo de etiologia por Bartonella.
O isolamento de bactérias do gênero Bartonella em cul-
tura é muito difícil, e a sorologia e a amplificação do DNA
por PCR em válvula são os melhores métodos diagnósticos
para os casos de endocardite. Raoult et al. encontram B.
quintana como o agente mais freqüente de endocardite
nesta série entre os moradores de rua e B. henselae entre os
pacientes que relatavam contato com gatos, mostrando re-
lação entre os possíveis vetores destas bactérias.
Drancourt et al. descreveram três pacientes com quadro
de bacteremia por B. quintana e que evoluíram posterior-
mente para quadros de endocardite. Todos apresentavam
perda de peso de 12 a 15 kg, e os exames laboratoriais
apresentavam trombocitopenia e elevação da velocidade
de hemossedimentação em dois pacientes. Foram relata-
dos comprometimento de válvula mitral em 1/3, aórtica
em 1/3 e mitral e aórtica em 1/3 dos casos. Todos os pa-
cientes foram submetidos a cirurgia para troca de válvula
cardíaca.
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