Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 mestres da arte brasileira. Uma vida dedicada ao amor e à solidariedade. Desenhista, pintor, gravurista, ceramista e escultor. Um dos maiores 2 3 Curadoria Renato Magalhães Gouveia CAIXA Cultural Recife 11 de agosto a 27 de setembro de 2015 90 YEARS OF ABELARDO DA HORA: LIFE AND ART 4 A CAIXA é uma empresa pública brasileira que prima pelo respeito à diversidade, e mantém comi- tês internos atuantes para promover entre os seus empregados campanhas, programas e ações voltados para disseminar ideias, conhecimentos e atitudes de respeito e tolerância à diversidade de gênero, raça, orientação sexual e todas as demais diferenças que caracterizam a sociedade. A CAIXA também é uma das principais patrocinadoras da cultura brasileira, e destina, anualmente, mais de R$ 60 milhões de seu orçamento para patrocínio a projetos culturais em espaços próprios e espaços de terceiros, com mais ênfase para exposições de artes visuais, peças de teatro, espetácu- los de dança, shows musicais, festivais de teatro e dança em todo o território nacional, e artesanato brasileiro. Os projetos patrocinados são selecionados via edital público, uma opção da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de produtores e artistas de todas as unidades da federação, e mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa em patrocínio. A exposição “Abelardo da Hora 90 anos: vida e arte” celebra a trajetória do renomado escultor pernambucano, considerado pela crítica especializada o maior escultor expressionista do Brasil. Trata-se da primeira retrospectiva após seu falecimento ocorrido em setembro de 2014, que apre- senta ao público esculturas, esboços, estudos, pinturas e maquetes, dispondo de maneira didática seu processo criativo e convidando o espectador a entender as motivações do artista de vanguarda, educador e militante. Desta maneira, a CAIXA contribui para promover e difundir a cultura nacional e retribui à socieda- de brasileira a confiança e o apoio recebidos ao longo de seus 154 anos de atuação no país, e de efetiva parceira no desenvolvimento das nossas cidades. Para a CAIXA, a vida pede mais que um banco. Pede investimento e participação efetiva no presente, compromisso com o futuro do país, e criatividade para conquistar os melhores resultados para o povo brasileiro. Caixa Econômica Federal Caixa Econômica Federal 5 CAIXA is a Brazilian state-owned company that stands out in its respect to diversity, keeping internal committees with employees and carrying out campaigns, programs and actions aimed at disseminating ideas, information and a respectful and tolerant attitude towards diversity of gen- der, race and color, sexual orientation, and all the other differences embedded in a plural society. CAIXA is also one of the main sponsors of Brazilian arts and culture, and invests over 60 million reais annually in cultural projects, presented either in its own venues or elsewhere, with an em- phasis on exhibitions of visual arts and Brazilian handicraft, theater plays, musical concerts, as well as theater and dance festivals all over the country. Projects are selected on a competitive and public process, an option CAIXA has made not only to democratize access by producers and artists from the whole country, but also to give transpar- ency to the use of the company’s funds. The exhibition “90 years of Abelardo da Hora: Life and Art” celebrates the career of renowned artist from Pernambuco, considered by critics the greatest expressionist sculptor of Brazil. This is the first retrospective after his death occurred in September 2014, presenting to the public sculp- tures, sketches, studies, paintings and models, offering in a didactic way his creative process and inviting the viewer to understand the avant-garde artist’s motivation, educator and militant. With this project, CAIXA contributes to promote and disseminate Brazilian culture as means of retribution to Brazilian society for the trust and support granted to CAIXA over its 153 year long history of presence in the country and effective partnership in the development of our cities. For CAIXA, life asks for more than just a bank: it asks for investment and participation in the present, commitment to the future of the country, and creativity to achieve the best results for Brazilian people. Caixa Econômica Federal 6 A exposição das obras do artista Abelardo da Hora oferece ao visitan- te a oportunidade de sentir a força que provem de uma Obra de Arte em toda sua grandiosidade. Nela não se encontrará sequer o sinal do progresso utilíssimo da tecnologia que tanto bem vem fazendo à huma- nidade, muito embora a rapidez com que se desenvolve chega a anes- tesiar os malefícios que junto, por ventura, possam estar nos trazendo. A Arte que, em boa hora, a Caixa Econômica Federal hoje está apre- sentando, coloca o espectador diante de uma realidade que já comple- tou 5.000 anos de existência. A obra de Abelardo é por demais conhecida neste e em muitos países. É forte e, ao mesmo tempo, carregada de uma delicadeza indescrití- vel. Basta ver “A Fome e o Brado” e “Os Meninos do Recife”, fazendo par com a sensibilidade das linhas da “Copacabana”. Os primeiros são uma denúncia do mundo absurdo em que vivemos e não só o de hoje. No entanto, a figura alongada, pele acetinada da “Copacabana” ou os desenhos com a alegria dos “Hora de Brincar” nos remetem à linda visão do futuro que todos almejamos. O íntimo da obra do artista aqui se revela não apenas nesses exemplos contraditórios apresentados. Esta exposição quer contá-lo como perso- nagem completo: educador por excelência, desenhista, pintor, grava- dor. Na escultura segue o mesmo trajeto e ainda vai ao barro, reproduz no gesso, faz com suas próprias mãos as fôrmas, atinge ao destino multidimensional, desenforma, chega até o bronze, corrige imperfei- ções da fundição, prepara as pátinas negras, douradas, esverdeadas e a obra de Arte se faz viva. Quantas lições se tiram disso... Trabalha só, incansavelmente, mais de oitenta anos de vida sem interrupção, caminha em linha reta em direção ao objetivo. E alcança de tal maneira que, ao findar, até ele se sente agradecido e feliz. Nesta exposição se procurou mostrar poucas peças dentre as cente- nas que já produziu. Realçou os caminhos que percorreu, interessou fazer com que o público se dê conta de que, ao ver uma escultura de bronze ou cimento, há um longo percurso que foi trilhado. Na vida, para que permaneça, nada se faz num piscar de olhos. É preciso ser como Abelardo, ter objetivo sempre, lutar por ele que a Obra surgirá. Que esta exposição tenha além da visão das peças, o mérito de buscar um sentido educativo: apresentar a obra de Arte e o caminho para se chegar lá. Reafirma-se, antes de tudo, o grande educador que Abelardo foi, con- forme atestam seus acompanhantes. Agradecimento à Diretoria da Caixa Econômica Federal que está mos- trando ao público a Obra de Arte e, oportunamente, acrescentando a preocupação com a visão educadora que tanto nos tem faltado. Renato Magalhães Gouveia São Paulo, 5 de fevereiro de 2015. 7 The exhibition of pieces from the artist Abelardo da Hora offers the visi- tors an opportunity to feel the strenght coming from a Work of Art in all its grandiosity. In it you will not find any signs of the very useful tech- nological progress, that is so good to humanity, though the swiftness in which it develops is able to anesthetize the harms that might come along with it. The Art that, in good time, Caixa Econômica Federal presents today puts the spectators before a reality of 5000 years of existence. Abelardo’s work is well known here and in many other countries. It is strong and, at the same time, filled with indescribable delicacy. Just see “A Fome e o Brado” and “OsMeninos do Recife”, matching the sensitiv- ity of the lines of “Copacabana”. The first are a denunciation of the ab- surd world we live in and not only today’s world. However, the elongated figure with satin skin of “Copacabana” or the joyful sketches of “Hora de Brincar” (Playtime) refer to the beautiful vision of future we all wish for. The intimate part of the artist’s work is revealed here not only in these contradictory examples. This exhibition aims to depict him as a full char- acter: educator by excellence, designer, painter, engraver. In sculpture he follows the same path and also uses clay, reproduces on plaster, makes the molds with his own hands, reaches the multidimensional destination, unmmolds, gets to brass, corrects imperfections in casting, prepares the black, golden, greeny patinas and the work of Art is then alive. So many lessons we can learn out of all this... He works alone, rest- lessly, over eighty years of life without interruptions; he walks a straight line towards his goal and reaches it in a way that in the end, makes him feel thankful and happy. This exhibition aimed to show few pieces among hundreds he pro- duced. It highlighted the paths he went to, and wanted to get the audi- ence to realize that by seeing a brass or cement sculpture, a long way was traveled. For something to remain in life, it cannot be done in a flash. One has got to be like Abelardo, to always have a goal, fight for it and the Work will come. May this exhibition have, besides the viewing of the pieces, the merit of pursuing an educational sense: introduce the work of Art and the path to get there. It reaffirms, first and foremost, the great educator Abelardo was, as at- tested by his followers. Our thanks to the Board of Caixa Econômica Federal that is showing the Work of Art to the public and has timely added the concern of an educational view, something we miss dearly. Renato Magalhães Gouveia São Paulo, February 5th, 2015. 8 Faço a minha arte respondendo a uma necessidade vital. Como quem ama ou sofre, se alegra ou se revolta, aprova ou denun- cia e verbera. Fruto das coisas que a vida ensina. Reflexo da convivência social e fixação de elementos sedimentados pela cultura da humanidade no seu itinerário histórico-social. Tenho compromissos fundamentais com a cultura brasileira e com o povo da minha terra. A minha arte é feita dos meus sentimentos e de meus pensa- mentos: nunca os separo. A marca mais forte do meu trabalho tem sido, entretanto, o sofrimento e a solidariedade. A tônica é o amor: o amor pela vida, que se manifesta também pela repul- sa violenta contra a fome e a miséria, contra todos os tipos de brutalidades, contra a opressão e a exploração. Arte pela vida em favor da vida. Às vezes grito violentamente nos ouvidos dos brutos e dos antropoides monstruosos que forjam as guerras e as discriminações. Mas às vezes canto: as vitórias da minha gente, o amor da minha gente, as belezas da vida. Não faço arte para os colegas verem nem para os críticos. Faço arte para mim e para a minha gente. Acho que o grande apelo atual da humanidade é a paz, o entendimento, a solidariedade e o amor, enfim. Pretendo que a minha arte seja mais uma voz a reforçar esse apelo. 9 I do my art in response to a vital need. Like someone who loves or suffers, gets happy or rebels, approves or denounces and punishes. It is the result of the things life teaches us. A mirror of the social consciousness and the fixation of elements sedimented by the culture of mankind in its social-historical itinerary. I have essential commitments to the Brazilian culture and the people from my homeland. My art is made of my feelings and my thoughts: I never tear them apart. The strongest feature of my work has been, however, the suffering and solidarity. Love is the core: love for life, also expressed by the violent repulse against hunger and misery, against all sorts of brutalities, against oppression and exploitation. Art for life in favor of life. Sometimes I yell violently in the ears of the brute and of the monstrous anthropoids that forge wars and discriminations. Nevertheless, sometimes I sing: I sing the victories of my people, the love of my people, the beauties of life. I don’t do art for my peers to see nor for the critics. I do art for myself and for my people. I think the great current appeal of mankind is peace, understanding, solidarity and finally, love. I intend my art to be one more voice strengthening this appeal. 10 O menino Abelardo Era 31 de julho de 1924 quando a Vida resolveu expor uma das suas obras mais inquietas: Abelardo Germano da Hora, quarto entre os sete filhos do casal Severina e José Germano da Hora. Nascido na Usina Tiúma, em São Lourenço da Mata, zona canaviei- ra de Pernambuco, Abelardo mudou-se para o Recife ainda criança, quando seu pai foi trabalhar como chefe de tráfego na Usina São João da Várzea, de propriedade de Ricardo Brennand, um industrial que viria a ser de grande importância para sua carreira profissional. Após o curso primário, Abelardo pensou em estudar Mecânica na Es- cola Industrial (hoje Etepam - Escola Técnica Estadual Professor Aga- menon Magalhães), mas como não havia vagas, terminou inscrito em Artes Decorativas, juntamente com o irmão Luciano. Logo no primeiro ano, destacou-se ao ponto de chamar a atenção do famoso professor Álvaro Amorim, que bradou ao colega Edson de Figueiredo: “venha ver um verdadeiro escultor”. Este episódio foi o seu passaporte para uma bolsa de estudos na Es- cola de Belas Artes. Escola de Belas Artes Aos quinze anos, formado em Artes Decorativas, Abelardo matriculou- -se no curso de Escultura da Escola de Belas Artes, ministrado pelo professor português Casimiro Correia, que o convidou a trabalhar em sua empresa de estuques, especializada em forros para tetos, onde executou inúmeras peças de adereços e ornamentos para igrejas e edi- fícios particulares da cidade. Foi também aluno de Fédora do Rego Monteiro, Antonio Baltar e Mu- rillo La Greca, a todos surpreendendo pela precocidade e desenvoltura. Um ano antes de ser formar, Abelardo foi eleito presidente do Diretório Estudantil, onde desenvolveu o gosto pela política, o que o fez pensar que um artista não podia deixar de refletir sobre a realidade à sua volta. Sendo assim, pleiteou junto à direção uma nova forma de estudar De- senho e Pintura, através de excursões a diferentes pontos da cidade, para que os alunos pudessem estabelecer contato com novas figuras, lugares e paisagens. Vamos acabar com esse negócio de ficar só desenhando e pintando dentro da escola e vamos desenhar e pin- tar a vida lá fora – bradava Abelardo. Uma de suas últimas excursões foi à Usina São João da Várzea, do doutor Ricardo Brennand. Um passeio que mudaria a sua vida. 11 Usina São João da Várzea Na Usina São João da Várzea, antigo local de trabalho de seu pai, um grupo de estudantes desenhava às margens do açude, quando um Buick preto estacionou. De dentro dele saiu doutor Ricardo Brennand, curioso com toda aquela movimentação. Apresentando-se como estudante e presidente do Diretório Estudantil da Escola de Belas Artes, Abelardo cumprimentou o empresário, que achou o seu sobrenome familiar. Ao ouvir o nome de José Germano, Ricardo Brennand, além de reconhecer o ex-funcionário, viu também que aquele rapazote tinha algo de especial, ao ponto de prometer cons- truir uma oficina de cerâmica artística para Abelardo desenvolver jarros e pratos decorativos. Em janeiro de 1942, três meses depois do encontro, o motorista de Ricardo Brennand foi à sua residência avisar que “a oficina de Abe- lardo estava pronta”. Seu José Germano foi informado que seu filho, a partir daquele momento, passaria a morar na Usina, dividindo umdos quartos da Casa Grande, com três dos quatro filhos de Ricardo: Cor- nélio, Jorge e Francisco – este último, influenciado pelo novo hóspede, viria a se tornar um artista renomado. Novas andanças Após quatro anos com os Brennand, no início de 1946, foi para o Rio de Janeiro, onde trabalhou em uma fábrica de manequins de lojas. Du- rante o período, usava a garagem de Abelardo Rodrigues para produzir a obra que intencionava inscrever no Salão Nacional de Belas Artes: a peça A Família representava a saudade dos familiares que ficaram em Pernambuco. Infortunadamente, o Salão, que acontecia desde o Império, foi sus- penso por ordem do presidente Eurico Gaspar Dutra. Críticos de arte e jornalistas, com quem Abelardo se encontrava no Vermelhinho, bar vizinho ao Museu Nacional de Belas Artes, começaram a esbravejar contra o governo, que estava dando as costas para um importante pro- grama cultural. Aquilo ficou marcado na cabeça de Abelardo e o cancelamento do evento fez com que decidisse voltar ao Recife. O seu descontentamen- to ficou registrado na primeira página do Jornal do Brasil: Escultor de Pernambuco volta decepcionado com a não realização do Salão Nacional de Belas Artes. Com um novo ânimo, o retorno ao Recife trouxe uma firme decisão: organizar os artistas locais para cumprir o livre exercício da arte. 12 Primeira exposição Três meses após o seu retorno ao Recife, em janeiro de 1947, Abelar- do já se articulava com o meio intelectual, engajava-se em ações do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e começava a preparar as escultu- ras expressionistas da sua primeira exposição individual, entre elas A Fome e o Brado, na qual mãe e filhos miseráveis agonizam, enquanto uma mão erguida clama por mudança. A exposição aconteceu em abril de 1948, na Associação dos Empre- gados do Comércio de Pernambuco, localizada no centro do Recife. O local transformou-se em ponto de encontro de poetas, escritores, jornalistas, professores etc., tamanha a repercussão política do evento, trazendo a Abelardo o reconhecimento como artista e comunista. E foi na sua primeira exposição que Abelardo conheceu Margarida, uma jovem estudante de Direito. Seu sincero interesse pelas obras fez com que o artista lançasse mão de um convite: Aqui era para ter mais um trabalho meu, mas eu ainda estou terminando. Você quer ir lá na minha casa? É aqui pertinho. Margarida foi e deixou dona Severina ansiando por uma nora tão en- cantadora. Seis meses depois os dois estavam casados e viveram jun- tos por 62 anos, até a morte de Margarida em 17 de novembro de 2010. Abelardo, o mestre Em 1952, já pai de três meninas, Abelardo concebe o Atelier Coleti- vo com o propósito de promover cursos livres de desenho, música e teatro, que rompiam com os padrões acadêmicos vigentes na Escola de Belas Artes. O Atelier transformou-se em um formador de vários ar- tistas da época, consolidando Abelardo como Mestre de uma geração e influenciando nomes como Gilvan Samico, José Cláudio, Wellington Virgolino e Aluísio Magalhães, entre outros. Em uma sala emprestada do Liceu de Artes e Ofício, Abelardo ensina- va de graça e sonhava em formar desenhistas, pintores e escultores com consciência política, propagadores de uma arte com raízes brasi- leiras. Como ele mesmo dizia: Na luta de trabalho constante no seio do povo, a gente aprende e a gente transmite. Muitas foram as casas do Atelier, até que em 1954 Abelardo mudou- -se para a Rua do Sossego, 307, tornando o local sua residência e oficina-escola. Este mesmo endereço, em 2004, daria espaço ao Ins- tituto Abelardo da Hora, OSCIP credenciada pelo Ministério da Justiça e Ministério da Cultura, com o objetivo de preservar e disponibilizar ao público a obra do artista, promovendo a cultura em todas as camadas sociais – bandeira que levantou durante toda a sua vida. 13 Movimento de Cultura Popular A década de 60, apesar das adversidades, trouxe também o Movimen- to de Cultura Popular, que Abelardo, agora pai de sete filhos (cinco meninas e dois meninos), ajudou a criar quando era chefe da Divisão de Parques e Jardins e da Guarda Municipal, na primeira gestão de Miguel Arraes na Prefeitura do Recife. Com suas novas atribuições, as atividades do Atelier Coletivo foram transferidas para o MCP, que tinha como proposta “ampliar a politiza- ção das massas, despertando-as para a luta social”, o que ia de encon- tro ao sonho de Abelardo de alcançar um maior número de pessoas com o seu trabalho de educador de arte, tendo sempre como fim o bem-estar social. Abelardo fazia parte do conselho da direção, junto com o maestro Ge- raldo Menucci e o teatrólogo Luiz Mendonça. Eles representavam a área de formação cultural. O trabalho de alfabetização de crianças e adultos tinha à frente o jovem educador Paulo Freire, um dos idealiza- dores do MCP. Em 1962, no auge do MCP, que contava ainda com intelectuais e artis- tas como Francisco Brennand, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, José Cláudio e Aloísio Falcão, Abelardo criaria “Meninos do Recife”, uma série de 22 desenhos a bico de pena, que retratava a situação de miséria das crianças de rua, eternizadas em um poema escrito por ele, poeta bissexto: MENINOS DO RECIFE São habitantes anônimos Dessa cidade alagada, De limo e pedra formada Sob marés Submersa. Em lodo, em lama inconsistente, Consubstanciada. Vasto poço de afogados, Habitação de mitos e de fantasmas. Imenso pasto de pestes. Cidade desabrigada. Habitantes desse pântano, Sem escrituras, sem títulos. Submetidos ao ócio que gera a fome e o vício E um calendário implacável De misérias e imprevistos. São apenas habitantes Dessa cidade alagada, Atirados sobre a lama, Sob as marés da desgraça. 14 A volta e a despedida Com o Golpe de 1964, Abelardo é afastado da Prefeitura e detido mais uma vez - foram mais de 70 prisões políticas ao longo da vida. Só não foi morto porque era cunhado de Augusto Lucena, que tinha sido eleito vice-prefeito do Recife, na chapa de Pelópidas Silveira e, com a cassa- ção do titular, assumido a Prefeitura. Depois disso, a situação de Abelardo no Recife ficou insustentável. A falta de condições de trabalho fez com que fosse morar em São Pau- lo - lá atuou como cenógrafo da TV Tupi, indicado pela amiga Lina Bo Bardi, casada com Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São Paulo (MASP). Em 1968, de volta ao Recife e aos braços de sua Margarida e dos filhos, começa a trabalhar na empresa de pesca do irmão Luciano. Os anos foram passando e, aos poucos, Abelardo retoma as suas ativida- des no ateliê e conclui o curso de Direito na Faculdade de Olinda – ele nunca exerceu a profissão de advogado. Ao retornar ao circuito de ex- posições, espalha a beleza de sua arte em diversas cidades brasileiras e no mundo. Em plena atividade artística e ainda comemorando os seus 90 anos, Abelardo da Hora é internado em agosto de 2014, com um quadro grave de pneumonia, vindo a falecer na manhã de 23 de setembro. Abelardo deixa um acervo demais de 1.800 obras, entre esculturas, tapeçarias, cerâmicas e desenhos, e um conselho a todo jovem artista: Faça da sua arte um meio de vida fundamental. Como a alimenta- ção. Ele tem que fazer arte constantemente. Não pode parar, é feito bicicleta, se parar, cai. 15 16 Abelardo, the boy On July 31st, 1924 Life decided to show one of its most restless works: Abelardo Germano da Hora, the fourth of seven children of Severina and José Germano da Hora. Abelardo was born at Tiúma Mill, in São Lourenço da Mata, a sugar- cane-growing region in the state of Pernambuco and then, in his child- hood, he moved to Recife while his father worked as a head of traffic at São João da Várzea Mill, whose owner Ricardo Brennand, a manufac- turer,would be very important for his professional career. After middle school, Abelardo considered studying Mechanics at Escola Industrial (currently called Etepam - Technical State School Professor Agamenon Magalhães), but as there were no vacancies, he ended up enrolled in Decorative Arts, along with his brother Luciano. Right in the first year, he stood out so much to the point that he caught the attention of famous professor Álvaro Amorim, who exclaimed to his colleague Edson de Figueiredo: “come and see a true sculptor” This episode was his passport to a scholarship at Escola de Belas Artes (Fine Arts School). Escola de Belas Artes At the age of fifteen, with a degree in Decorative Arts, Abelardo enrolled in the Sculpture course of Escola de Belas Artes, taught by the Portu- guese professor Casimiro Correia. Mr. Correia invited him to work in his stucco company, specialized in lining for ceilings, where he made countless finery and ornament for churches and private buildings in the city. He was also a student of Fédora do Rego Monteiro, Antonio Baltar and Murilo La Greca, surprising them all with his precocity and resourceful- ness. One year before getting his degree, Abelardo was elected presi- dent of the Students’ Union, where he developed his appreciation for politics and made him think that artists could not escape reflecting upon the reality that surrounds them Therefore, he requested that the Board allowed for a new way of study- ing Design and Painting, with tours to different areas of the city, so that students could be in contact with new figures, places and landscapes. Let’s put an end to sketching and painting only inside the School and let’s sketch and paint life outdoors - exclaimed Abelardo. In one of his last tours, they visited São João da Várzea Mill. It belonged to Doctor Ricardo Brennand. That tour would change his life. São João da Várzea Mill At São João da Várzea Mill, the place where his father used to work, a group of students was sketching by the dam, when a black Buik parked there. From inside, Doctor Ricardo Brennand came out curious about all that stir. Introducing himself as a student and president of the Students’ Union of Escola de Belas Artes, Abelardo greeted the entrepreneur, who found his last name somewhat familiar. When he heard the name of José Ger- mano, Ricardo Brennand recalled his former employee. He also noticed something special about that lad, to the point of promising to build a workshop of decorative pottery so that Abelardo could create jugs and decorative dishes. In January 1942, three months after they met, Ricardo Brennand’s driv- er went to his house to tell him “Abelardo’s workshop was ready”. Mr. José Germano was informed that from that moment on his son was going to live in the Mill, sharing one of bedrooms of the Main House with three of the four children of Ricardo: Cornélio, Jorge and Francisco - the latter, influenced by the new guest, would become a renowned artist. New horizons After four years living with the Brennands, in the beginning of 1946, he went to Rio de Janeiro, where he worked at a factory of shop manne- quins. During this time, he used Abelardo Rodrigues’ garage to produce the work he intended to submit at Salão Nacional de Belas Artes (Fine 17 Arts National Exhibition): the piece called A Família (The Family) repre- sented the longing feeling from his family in Pernambuco. Unfortunately, the Exhibition, that had occurred since the Empire years, was suspended by order of President Eurico Gaspar Dutra. Art critics and journalists who Abelardo used to meet at Vermelhinho, a bar next to Museu Nacional de Belas Artes (National Museum of Fine Arts), started to vociferate against the government for it was turning its back to such an important cultural program. That really affected Abelardo and the cancellation of the event made him return to Recife. The front page of Jornal do Brasil newspaper reg- istered his dissatisfaction: Pernambuco sculptor to return home dis- appointed with the cancellation of Salão Nacional de Belas Artes. With renewed cheer, his return to Recife also brought a firm decision: organize local artists for the free exercise of art. First exhibition Three months after returning to Recife, in January 1947, Abelardo was already in touch with the intellectual milieu. He engaged into actions of the Brazilian Communist Party (PCB) and prepared expressionist sculp- tures for his first individual exhibition, among them A Fome e o Brado (The Hunger and the Cry), in which a mother and her miserable children agonize, while a raised hand cries for changes. The exhibition took place at Associação dos Empregados do Comércio de Pernambuco (Association of Commercial Employees of Pernambu- co), located downtown Recife, in April 1948. The place became a meet- ing point for poets, writers, journalists, professors etc. given the political repercussion of the event, which resulted in Abelardo’s recognition as an artist and a communist. Moreover, it was during his first exhibition that he met Margarida, a young Law student. Her honest interest for his pieces of work made him invite her: “I was supposed to have another piece here, but I am still finishing it. Would like to go to my house? It’s near here.” And so Margarida went and caused dona Severina to long for such a lovely daughter-in-law. Six months later they were married and lived togheter for 62 years, until Margarida’s death on November 17th, 2010. Abelardo, the master In 1952, Abelardo, then father of three girls, creates the Atelier Coletivo (Collective Studio) in order to promote free courses of sketching, music and drama, that broke with the current academic standards from Es- cola de Belas Artes. The Atelier became a place were many artists from that time studied, consolidating Abelardo as Master of a generation and influencing names such as Gilvan Samico, José Cláudio, Wellington Virgolino and Aluísio Magalhães, among others. In a borrowed room from the Liceu de Artes e Ofício (School of Arts and Craft), Abelardo used to teach for free and dreamed of educating de- signers, painters and sculptors with political awareness, disseminators of art with Brazilian roots. As he used to say: In the constant struggle of work in the middle of the people, we learn and we transmit. The Atelier had many different addresses, until Aberlardo moved to Rua do Sossego, 307, in 1954, and made it his home and studio-school. This very address, in 2004, would host Instituto Abelardo da Hora (Ab- elardo da Hora Institute), an OSCIP (Public Interest Non-Governmental Organization) accredited by the Ministry of Justice and the Ministry of Culture, aiming to preserve the artist’s work and make it available to the public, promoting culture in all social levels - something he advocate for Popular culture movement Despite its adversities, the 60’s also brought the Movimento de Cultura Popular - MCP (Popular Culture Movement), that Abelardo, now father of seven children (five girls and two boys), helped create when he was Head of Parks and Gardens Division and of the City Guard, in the first administration of Miguel Arraes as mayor of Recife. Because of his new attributions, the activities of Atelier Coletivo were transfered to MCP, that proposed to “broaden the politization of the 18 masses, awakening them for the social struggle”, something that match- es Abelardo’s dream of reaching a greater amount of people with his work as art educator, aiming social welfare. Abelardo was part of the Board of Directors, along with conductor Ger- aldo Menucci and playwright Luiz Mendonça. They represented the area of cultural education. The young educator Paulo Freire, one of the creators of MCP, led the work related toliteracy of children and adults. In 1962, in the peak of MCP, which also counted with intellectuals and artists such as Francisco Brennand, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, José Cláudio and Aloísio Falcão, Abelardo created “Meninos do Recife” (“Boys of Recife”), a series of 22 sketches made with pen and ink. They portrayed the miserable situation of homeless kids, eternal- ized for him in a poem that he, an occasional poet, wrote: BOYS OF RECIFE Anonymous inhabitants Of this flooded city, Made of slime and stone Under tides Submerged. In sludge, in inconsistent mud, Embodied. Vast well of drowned ones, Dwelling of myths and ghosts. Immense pasture of plagues. Homeless city. Inhabitants of this swamp, With no deeds, with no titles. Submitted to the idleness that leads to hunger and addiction The return and the farewell With the Coup of 1964, Abelardo is dismissed from the City Hall and is arrested once again - he was arrested for political reasons over 70 times throughout his life. They did not kill him just because he was the brother-in-law of Augusto Lucena, who had been elected vice-mayor of Recife, in the list of Pelópidas Silveira and who, with the impeachment of the main candidate, was sworn in as mayor. Later, Abelardo’s situation in Recife became untanable. The lack of working conditions made him go to São Paulo to live - there he worked as set designer at TV Tupi, thanks to a reccomendation of his friend Lina Bo Bardi, who was married to Pietro Maria Bardi, director of MASP (São Paulo Museum of Art). In 1968, back to Recife and in the arms of his Margarida and children, he begins to work at his brother’s fishing company. The years went by and, little by little, Abelardo resumes his activities at the studio and finishes his Law studies at Faculdade de Olinda (Olinda College) - he never worked as a lawyer. Back to the exhibition circuit, he spreads the beauty of his art in many different cities in Brazil and abroad. While still working full time as an artist and also still celebrating his 90th birthday, Abelardo da Hora is hospitalized in August 2014, with severe pneumonia. He died in the morning of September 23rd. Abelardo left a collection of over 1800 pieces of work, including sculptures, tapestry, pottery and sketches, and a piece of advice to every young artist: Turn your art into an essencial livelihood. Just like nutrition. He must do art constantly. He cannot stop, just like riding a bicycle, if you stop, you fall. And a ruthless calendar Of miseries and unforeseen events. They are just inhabitants Of this flooded city, Shoved against the mud, Under the tides of misfortune. 19 TESTIMONIALS 20 ABELARDO E GUAIANASES É notável como Abelardo da Hora incentivou a formação de artistas em nosso estado, principalmente nas décadas de 40, 50 e 60, períodos que abrigaram a Sociedade de Arte Moderna de Pernambuco, o Atelier Coletivo e o Movimento de Cultura Popular, todos com a marca desse mestre em seus alicerces. Estou certo de que, sem as iniciativas de Abelardo, vários talentos teriam se perdido. Esse norte tenaz beneficiou gerações de artistas em nosso estado. O exemplo das iniciativas de trabalho em conjunto e as reuniões em torno de um determinado interesse artístico continuaram, nas décadas seguintes, beneficiando o surgimento e a formação dos novos artistas em Pernambuco. Entre as mais importantes eu destaco a Oficina Guaianases de Gravura, que funcionou primeiramente em Recife e, depois, em Olinda. Partindo de um ateliê de litografia próprio, muito bem equipado e ativo, os artistas João Câmara e Delano abriram generosamente as portas do espaço para os que quisessem conhecer, aprender e desenvolver os recursos dessa técnica. Naquele tempo, eu tinha 18 anos. Essa oportunidade foi definitiva no peso da minha escolha profissional e no desenvolvimento do meu trabalho. A convivência com poéticas diferentes da minha, artistas mais experientes e suas relações no circuito institucional, o mercado de arte e tudo mais começou pra mim na Oficina Guaianases. GIL VICENTE ABELARDO E GUAIANASES It is remarkable to see how Abelardo da Hora encouraged the education of artists in our state, mainly in the 40’s, 50’s and 60’s. Such periods held the Sociedade de Arte Moderna de Pernambuco (Pernambuco Modern Art Society), the Atelier Coletivo and the Movimento de Cultura Popular, all of them with the imprint of this master on their foundations. I am sure that, without Abelardo’s iniciatives, many talents would have been lost. This tenacious beacon benefitted generations of artists in our state. His example of joint work initiatives and the meetings around a certain artistic interest continued in the following decades, benefitting the appearance and education of new artists in Pernambuco. Among the most important ones, I would like to highlight Oficina Guaianases de Gravura (Guaianases Engraving Workshop), that opened first in Recife and, later, in Olinda. The artists João Câmara and Delano kindly opened the of their own well-supplied and active litography studio for those who wanted to know, learn and develop the resources of this technique. Back then, I was 18. That was my definite chance in the weight of my professional choice and development of my work. Living with inspirations different from mine, with artists more experienced than I and following their relations in the institutional circuit, the art market and everything else started for me at Oficina Guaianases. GIL VICENTE TATUAGEM NA ALMA Ele foi um homem que amou as mulheres e as homenageou divinamente em enormes esculturas de concreto armado, plenas de sinuosidade, sensualidade e beleza. Essas mulheres gigantes e voluptuosas ficavam espalhadas pela cidade e tatuaram minha alma já na infância. Sua obra também tem uma grande preocupação social e cultural. Ele retratou divinamente a dignidade e dor dos mais fracos, assim como exaltou maracatus, passistas, bumba meu boi, ricos personagens da nossa cultura pernambucana. Em 2008, tivemos o prazer de fazer a cenografia do carnaval do Recife em sua homenagem. Ele foi generoso em abrir sua obra e me conceder total liberdade de interpretação. Pude mergulhar nas suas criações para criar minhas próprias versões de cada personagem seu, sem qualquer tipo de restrição. Meu viva a Abelardo da Hora! JOANA LIRA 21 A TATTOO IN MY SOUL He was a man who loved women and he paid a divine tribute to them with enormous sculptures made of reinforced concrete that were full of sinuosity, sensuality and beauty. These giant and voluptious women were spread all over the city and tattooed my soul back in my childhood. His work also brings a great social and cultural preoccupation. He portrayed divinely the dignity and pain of the weakest, as well as exalted maracatus (a performance related to a carnival tradition), dancers, bumba meu boi (a folk theatrical tradition) and other rich characters of Pernambuco’s culture. In 2008, we had the pleasure of creating Recife’s carnival scenography in a tribute to him. He was generous enough to open up his work and give me total freedom of interpretation. I could then delve into his creations in order to make my own versions of each of his characters, with no restrictions. Cheers to Abelardo da Hora! JOANA LIRA Sempre admirei em Abelardo da Hora sua vocação e capacidade de trabalho em toda extensão do fazer artístico. Do barro ao bronze, do papel ao nanquim, da argamassa à pátina. Abelardo tudo dominava e o fazia com paixão e energia de jovem, mesmo quando já maduro e carregado da sabedoria da muita idade. E não era só um artista. Era um Mestre e um Humanista, no sentido de que ensinava, organizava ações culturais públicas e políticas,solidarizava-se com movimentos de resgate e justiça social. Sua invenção e criatividade alongavam-se num arco capaz de cobrir desde o retrato denunciador da feiura econômica e amoral da exploração do homem até a beleza poética das formas vivas sensuais. Nesse contínuo de humanidade, viveu Abelardo e nele inscreveu o legado de sua arte honesta, sincera e generosa. JOÃO CÂMARA FILHO I have always admired Abelardo da Hora, his calling and ability to work to the full extent of artistic practice. From clay to brass, from paper to India ink, from mortar to patina. Abelardo mastered everything and worked with the same passion and vitality of when he was young, even in his mature and full of wisdom years. And he was not just an artist. He was a Master and a Humanist, in a sense that he taught, organized public and political cultural events, sympathized with rescue and social justice movements. His invention and creativity stretched into an arch that was able to cover from the accusing portrait of economic and amoral ugliness of the exploitation of a man to the poetic beauty of sensual living shapes Abelardo lived in this continuo of humanity and imprinted in it the legacy of his honest, sincere and generous art. JOÃO CÂMARA FILHO ABELARDO DEPOIS DE MORTO A sua presença é mais forte agora do que quando estava vivo. Hoje mesmo queria abandonar um quadro que não conseguia resolver a contento e o ouvir dizer: “valoriza teu trabalho” E isso só tem força por vê-lo trabalhar incansavelmente, sem nenhuma queixa, muitas vezes em condições adversas, até sem um mínimo de espaço físico para trabalhar. Como quando esculpia na pedra a belíssima figura que vi muitos anos depois na casa de Cid Sampaio, no Monteiro. Não posso desmerecer essa confiança, além de um desrespeito a mim próprio. “Levanta o pé!”. Fico sem ter idade, nos meus oitenta e três anos, que só existem no calendário, como os noventa dele. Abelardo nunca teve velhice, nunca teve doença, nunca teve morte. Ele costumava dizer que antes de ele morrer descobririam a eliminação da morte, uma espécie de vacina. Mal sabia ele que já estava vacinado, que a morte, com ele, topou foi osso! JOSÉ CLÁUDIO 22 ABELARDO AFTER HIS DEATH His presence is stronger now than when he was alive. Today I felt like giving up on a paiting that I could not solve satisfactory and I could hear him saying: “treasure your work”. And this is only meaningful because I saw him work restlessly, with no complaints, often times under adverse conditions, even without any minimum physical space to work. Just like when he sculped out of the stone the marvelous figure I saw many years later in Cid Sampaio’s residence, in Monteiro. I cannot demerit such trust, besides it would be desrespectful to myself. “Stand up!”. I get ageless, in my eighty-three years of life, which exist only in the calendar, just like his ninety. Abelardo never got old, never got sick, never got dead. He used to say that before he dies someone would discover the elimination of death, a kind of vaccine. He hardly knew he was already vaccinated, that death had a hard time with him! JOSÉ CLÁUDIO ABELARDO DE TODAS AS HORAS Criei este título, em 1988, quando organizei e fui curador, como Coordenador do Patrimônio Histórico e Preservação do Acervo Cultural da Fundação de Cultura Cidade do Recife, de uma exposição retrospectiva, comemorando 40 anos de atividades artísticas de Abelardo da Hora, na Galeria Metropolitana de Arte Aloísio Magalhães. Junto com o jornalista Ronildo Maia Leite, editamos um livro com esse mesmo título e lançamos no final da exposição. Em toda a história da cultura pernambucana, provavelmente não encontraremos alguém com um caminhar tão coerente como o de Abelardo da Hora que, ao contrário da maioria dos artistas, que tendem a se acomodar com a consagração, Abelardo era de todas as horas, estava sempre disposto a colaborar com os movimentos culturais de Pernambuco, sendo fundador/ participante da maioria deles: Sociedade de Arte Moderna do Recife, Atelier Coletivo, Galeria de Arte do Recife, Movimento de Cultura Popular, Clube da Gravura e Associação dos Artistas Plásticos Profissionais de Pernambuco, entre outros. Abelardo de todas as gerações e das lutas pela democratização da cultura em nosso Estado. PAULO BRUSCKY ABELARDO OF ALL TIMES I came up with this title, in 1988, when I organized and was the curator, as Coordinator of Historical Heritage and Preservation of the Cultural Collection of Fundação de Cultura Cidade do Recife (Cidade do Recife Cultural Foundation), of a retrospective exhibition, celebrating the 40th anniversary of artistic activities of Abelardo da Hora, at Galeria Metropolitana de Arte Aloísio Magalhães (Aloísio Magalhães Metropolitan Art Gallery). Along with journalist Ronildo Maia Leite, we published a book with this very same title and launched it at the end of the exhibition. We will probably not find anyone in the entire history of Pernambuco’s culture with such a coherent path as Abelardo da Hora. Differently from most artists, who tend to settle with success, he was Abelardo of all times, always willing to collaborate with the cultural movements of Pernambuco, being founder/ participant in most of them: Sociedade de Arte Moderna do Recife, Atelier Coletivo, Galeria de Arte do Recife (Art Gallery of Recife), Movimento de Cultura Popular, Clube da Gravura (Engraving Club) and Associação dos Artistas Plásticos Profissionais de Pernambuco (Association of Professional Plastic Artists of Pernambuco), among others. Abelardo of all generations and all struggles for the democratization of culture in our state. PAULO BRUSCKY 23 24 Portrait of Margarida Chinese ink on paper, 1950 Retrato de Margarida Aguada de nanquim sobre papel, 1950 Self-portrait Chinese ink on paper, 1950 Autorretrato Aguada de nanquim sobre papel, 1950 25 Torre de Iluminação Cinética da Praça da Torre Projeto de escultura, 1959 Kinetic lighting tower (sketch), 1959 Maquete da Torre de Iluminação Cinética da Praça da Torre Model of kinetic light tower Com o golpe militar, uma de suas obras pioneiras do espaço dinamismo do Brasil – a Torre de Iluminação Cinética do bairro da Torre – foi considerada subversiva e destruída pelos milita- res, que o acusavam de introduzir “mensagens ocultas” e de ter recebido dinheiro pela peça. O mensageiro, nas palavras de Abelardo a um coronel, era o vento e a obra havia sido doada à Prefeitura. With the military coup, one of his pioneer pieces from the space dynamism in Brazil - the Torre de Iluminação Cinética (Kinetic Light Tower) in Torre neighborhood - was considered subersive and was destroyed by the military, who acused him of introdu- cing “hidden messages” and of being paid for the piece. The messenger, in the words of Abelardo to a colonel, was the wind and the piece had been donated to the Municipality. 26 Enterro de Camponês Gravura em gesso, 1953 Burial peasant Plaster engraving, 1953 Incêndio no Pátio do Paraíso Xilogravura, 1953 Fire in Paradise Courtyard Wood engraving, 1953 Bestas Desenho, 1969 Beasts Drawing, 1969 Frevo group Drawing, 1973 Grupo de Frevo Desenho, 1973 27 Vestais Projeto de escultura, sem data Vestal Sculpture project, undated Couple dancing Drawing, the 80’s Casal Dançando Desenho, década de 80 Mulher Encostada Desenho, sem data Woman leaning Drawing, Undated Mulher Sentada Desenho, sem data Seated Woman Drawing, Undated 28 Série Meninos do Recife Bico de pena, 1962 Children of Recife, Series Pen and ink, 1962 29 Série Danças Brasileiras de Carnaval Bico de pena, 1963/1966 Brazilian CarnivalDances, seriesPen and ink, 1963/1966 Time to play, series Chinese ink and acrylics on paper, 2004 Série É Hora de Brincar Aguada de nanquim e acrílica sobre papel, 2004 30 A Fome e o Brado Bronze, 1947 Hunger and Shout Bronze, 1947 Mãe com Filho Doente Cimento com banho de ácido, 1979 Mother with sick son Polished concrete, 1979 Shanty boy Bronze, 1969 Menino do Mocambo Bronze, 1969 31 “Estela” for women and abandoned children Polished concrete, 1978 Estela para Mulheres e Crianças Abandonadas Cimento com banho de ácido, 1978 Mother with dead daughter Concrete with acid bath, 2013 Mãe com Filha Morta Concreto com banho de ácido, 2013 32 Lollipop Vendor Bronze, 1962 Menino do Pirulito Bronze, 1962 The Striker Bronze, 1991 O Artilheiro Bronze, 1991 33 Voluptuousness Bronze, 1949 Volúpia Bronze, 1949 Aurora II Bronze, 1994 Aurora II Bronze, 1994 Casal Bronze, 2013 Couple Bronze, 2013 34 Nega Fulô Bronze, 1952 Nega Fulô Bronze, 1952 Mariane Bronze, 1975 Mariane Bronze, 1975 Breaststroke woman Bronze, 1973 Mulher de Bruços Bronze, 1973 35 Aurora I Bronze, 1975 Aurora I Bronze, 1975 Mãe-d’água Bronze, 1996 Mother of the waters Bronze, 1996 Figure of woman Bronze, 1983 Figura de Mulher Bronze, 1983 36 37 Abelardo, mestre mestríssimo Assim o definiu Gilberto Freire, e não poderia ter feito de outra maneira. Uma das principais características de um mestre é conhecer profunda- mente o seu ofício e só assim poder transmiti-lo aos demais. Esse homem, apesar de franzino, construiu uma obra gigantesca - em todos os sentidos. Para cada peça um esboço, seguido de uma ma- quete em barro. A miniatura vinha sempre acompanhada de uma am- pliação, ainda em barro, sobre um esqueleto de madeira normalmente feito de travas. Nele montava-se o barro, que era esculpido durante dias até conseguir a curva perfeita, o olhar mais dengoso, as linhas mais expressivas. Desse processo todo Abelardo era o autor. Seu ajudante de muitos anos, Carlos, se encarregava de bater os pregos, preparar o barro e mantê-lo úmido durante os dias em que a obra estava sendo trabalha- da pelo mestre. Depois o ajudava a montar a fôrma e retirá-la. Quase sempre em gesso. A matriz em barro muitas vezes era destruída. Pe- sar? Não. Era parte do processo, tudo ainda estava em construção. No molde as enormes mulheres ou seus monumentos grandiosos ga- nhavam um novo esqueleto, agora mais robusto, para suportar o peso que lhes aguardava. Eram feitos de ferro, dobrados e serrados, lá mes- mo em seu ateliê, sob os olhos dele, para não escapar nada de seu controle. Depois de devidamente armadas, as fôrmas cobertas de cera recebiam o cimento e esperavam o tempo para saírem de seus casulos de gesso. Depois de prontas em cimento, Abelardo as lixava, acertava as imper- feições e as encerava até ficarem perfeitas. Algumas eram banhadas em ácido para que o acabamento ressaltasse a expressividade de sua obra. Era um artista artesão, como poucos. E, como poucos, ensinou o seu fazer artístico. Aberlardo, master great master That is how Gilberto Freire defined him and it could not have been any different. One of the main features of a master is acquiring a deep knowledge of his craft and only then be able to transmit it to others. This man, though thin, built a giant work - in all senses. For every piece a sketch, followed by a clay model. The miniature was always followed by a larger model, still in clay, under a wooden structure normally made with beams. On it, he set the clay that was sculpted for days until he achieved the perfect curve, the most captivating look, the most expres- sive lines. Abelardo was the author of the entire process. Carlos, his assistant for many years, was in charge of hitting nails, preparing the clay and keep- ing it moist during the days the work was being made by the master. Then, he would help him set up the mold and remove it. It was usually in plaster. The matrix in clay was often times destroyed. Sorrow? No. It was part of the process. Everything was still under construction. In the mold the huge women or their grand monuments gained a new structure, now more robust, in order to bear the weight that was to come. They were made of iron, were folded and sawed there in his studio, under his eyes, so that nothing would go out of his control. After being duly reinforced, the molds covered in wax would receive the ce- ment and wait the necessary time to come out of their plaster cocoons. After they were ready in cement, Abelardo would sand them, correct im- perfections and polish them until they were perfect. Some were bathed in acid so that the finish would highlight the expressiveness of his work. He was a craftsman artist, like few others. And, like few others, he taught his artistic practice. 38 Ficha Técnica | Technical Sheet Produção | Production Instituto Abelardo da Hora Produção Executiva / Coordenação Geral Executive Producer / General Coordinator Abelardo da Hora Filho Curadoria | Curator Renato Magalhães Gouveia Acervo | Collection Instituto Abelardo da Hora Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães - MAMAM Direção de Arte | Art Direction Daniel da Hora Design Gráfico | Graphic Design Luciana Oliveira Cenografia | Scenography Eduardo de Souza Textos | Texts Creatto Comunicação Estratégica Tradução | Translation Rita Felippi Fotografia | Photography Henrique Santos | Thomas Baccaro Assessoria de Imprensa | PR Aponte Transportadora | Transportation Transportadora Fink/Frey Projeto de Seguro | Insurance Project Afinitté Corretora de Seguros Seguradora do Projeto | Insurance ACE Seguros S/A Impressão | Printing Companhia Editora de Pernambuco CEPE Presidenta da República | President Dilma Vana Rousseff Ministro da Fazenda | Ministry of Economics Joaquim Levy Presidenta da CAIXA | CAIXA President Miriam Belchior 39 40 D is tri bu iç ão g ra tu ita . C om er ci al iz aç ão p ro ib id a. CAIXA Cultural Recife Avenida Alfredo Lisboa, 505, Bairro do Recife, Recife/PE - CEP: 50.030-150 Galeria 1 Fone: (81) 3425-1915 / 3425-1900 facebook.com/CaixaCulturalRecife Baixe o aplicativo CAIXA Cultural ApoioProdução Patrocínio Codigo ISBN
Compartilhar