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O conhecimento jurídico à luz da lógica e da Teoria da Argumentação

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O conhecimento jurídico à luz da lógica e da Teoria da Argumentação
A formulação dos discursos argumentativos põe em xeque a coercitividade de normas monocráticas, que não admitem outros enfoques na observação dos fatos. Esta Unidade vai apresentar uma síntese sobre a Teoria da Argumentação proposta por autores que se voltaram para a dialetização dos conteúdos, ultrapassando os limites estratificados de certas normas. 
Toda construção discursiva requer clareza e coerência na exposição de ideias. Daí a importância de uma pesquisa sobre os estudos argumentativos, especialmente no campo das ciências jurídicas, quando a necessidade do uso de um discurso racional deve obedecer à elaboração pertinente dos temas apresentados, para que o diálogo entre as partes ocorra de modo satisfatório. 
Theodor Viehweg
O jusfilósofo Theodor Viehweg (1907-1988) procedeu a uma rigorosa investigação sobre o uso e o modo de expor as ideias nos discursos do Direito. Nessa pesquisa, Viehweg buscou sustentação no Órganon, de Aristóteles — que contém seis tratados sobre a organização e estrutura do raciocínio —, destacando a teoria dos argumentos dialéticos: os Tópicos. 
Topos, topoi, do grego, refere-se a lugar, disposição de temas ou de palavras, fonte de argumentação, matéria de um discurso. No tratado Tópicos, Aristóteles examina os discursos dialéticos, aqueles que dizem respeito ao confronto racional de ideias, na busca de um consenso a partir de opiniões geralmente aceitas por aqueles que participam de um debate.
Viehweg resgata o termo tópica, a fim de ressaltar as condições sob as quais são elaborados os discursos jurídicos a partir de uma realidade dada. De acordo com Eduardo Bittar (2016, p. 506):
“A tópica faz uso dos “lugares comuns”, ou seja, daquelas ideias e pensamentos que são aceitos, de forma consensual, pelos integrantes da situação comunicacional como primeiros argumentos que tornam possível o início do diálogo. O pensamento, por meio da tópica, oferece a possibilidade desses [sic] “lugares comuns” serem superados pelo exercício comunicacional”.
Assim, na retomada das investigações aristotélicas sobre os discursos dialéticos, Viehweg procede à adaptação do tratado Tópicos, do século IV a. C., para o discurso jurídico contemporâneo, até porque certos relatos possuem mais de uma opinião, não havendo comprovação científica formal que sustente determinados casos.
Chaïm Perelman
O pensamento de Chaïm Perelman (1912-1984) possibilita uma reflexão crítica sobre as questões contemporâneas, a partir do exame sobre o alcance das práticas argumentativas nas diversas áreas do conhecimento. Filósofo, professor de lógica, moral e metafísica, Perelman era também doutor em Direito e, em suas obras, é patente o seu vínculo com a jurisprudência. 
A teoria da argumentação perelmaniana tem como característica principal da atividade argumentativa a capacidade de instaurar um novo modelo de discursividade dialógica que, a exemplo da retórica clássica, de base aristotélica, considera as condições relacionadas à comunicação interpessoal. 
Ao centrar sua crítica no positivismo de Comte e no racionalismo cartesiano, Perelman observa que o sistema de René Descartes (1596-1650) impõe uma adesão irrestrita ao conceito de verdade evidente, inspirado na geometria, que não admite contestação. Essa visão estaria ligada à lógica demonstrativa — instrumento auxiliar na construção formal do raciocínio, independentemente de conteúdos específicos. Isso significa que a crítica ao cartesianismo decorre do padrão de evidência do more geometrico (de base matemática), ao contrário do que, segundo Perelman, deve ser a argumentação dialética, onde os temas são livremente debatidos. 
Segundo Perelman, não é o caso de se invalidarem as provas demonstrativas, mas é preciso levar em conta outros tipos de prova que não se enquadram, necessariamente, em normas e regras pré-estabelecidas. A esse respeito, Eduardo Bittar complementa (2016, p. 514): 
“A princípio, há que se dizer que Perelman possui, entre outros, um objetivo muito claro, jamais negado ou desmentido em seus escritos: declarar guerra ao positivismo jurídico. Essa missão de dizer que o raciocínio jurídico não obedece às regeladas mecânicas do raciocínio exato (matemático, mecanicista, rigoroso...) e que o Direito não se resume à lei destacam a força de atuação de seu pensamento, uma vez que suas obras desdobraram-se nas vertentes mais variadas do conhecimento para provar a impropriedade do pensamento positivista”.
	A passagem da retórica aristotélica para a Nova Retórica perelmaniana significa resgatar a importância dos discursos retóricos na prática argumentativa, ao considerar que a discursividade retórica visa a conseguir a adesão do interlocutor a partir da escolha de argumentos convincentes e eficazes, técnicos ou psicológicos. A Nova Retórica amplia seu campo para vários tipos de conhecimento e para a diversidade de auditório que se pretende atingir. Conforme explica Perelman (1998, p. 216):
“O raciocínio judiciário tem de ser matizado segundo os auditórios aos quais se dirige, segundo a matéria tratada, segundo o ramo do Direito: compreende-se que a hierarquia de valores estabelecida pelas cortes e tribunais não seja a mesma em Direito Internacional, em Direito Civil e em Direito Penal, em Direito Fiscal e em Direito Comercial”.
A Nova Retórica de Perelman vem complementar dialeticamente a atividade argumentativa na reprodução dos discursos filosóficos ou jurídicos. Vale destacar ainda que o estudo das técnicas capazes de provocar ou aumentar a adesão do auditório possibilita a reavaliação do emprego dos argumentos. É o que ressalta Perelman (1996, p. 370):
“Quanto mais precisa for a ordem jurídica determinada pelo legislador, mais ela corresponderá, efetivamente, à ordem política e social à qual deve aplicar-se, mais reduzido será o papel do juiz na aplicação do texto e menor sua parte na elaboração do Direito. Mas, se os textos não forem redigidos com precisão, ou se deixarem de corresponder à ordem política e social ambiente, assistiremos ao primado do pragmatismo, ao triunfo do espírito sobre a letra”.
Robert Alexy
	O alemão Robert Alexy (1945) elabora sua Teoria da Argumentação Jurídica propondo uma teoria do discurso racional que justifique a prática do Direito, sem deixar de considerar os princípios axiológicos que podem ser interpretados conforme cada caso concreto. Segundo Danilo Marcondes (2015, p. 136-137):
“Alexy entende que a argumentação jurídica é um caso especial do discurso prático geral. Em ambos a preocupação é estabelecer o que é proibido, obrigatório ou permitido, ou seja, estabelecer respostas normativas para questões práticas. Mas o discurso jurídico é um caso especial, já que sua pretensão de correção combina critérios críticos ou ideais (que englobam critérios morais) com critérios fáticos ou reais estabelecidos pelo sistema jurídico de um determinado lugar (por exemplo: leis, precedentes e outros documentos jurídicos)”.
	Alexy sustenta que o raciocínio jurídico deve analisar as questões relativas aos objetos próprios do Direito, valorizando, assim, um modelo de interpretação que corresponda à área jurídica, pois as argumentações jurídicas devem ser sempre retomadas. O valor dado à interpretação tem por base a busca de uma verdade jurídica, considerando a importância da argumentação para que se possa chegar corretamente a um entendimento racional. Para Eduardo Bittar (2016, p. 582):
“[...] Alexy irá enxergar o Direito, considerando que: a aplicação do Direito depende do exercício da razão prática; a razão prática não se exerce sem a importante tarefa da interpretação; a interpretação depende, para seu exercício concreto, de argumentos, sendo que os argumentos jurídicos constituem caso especial da argumentação prática geral”.

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