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PRESIDENTE DA REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL Itamar Franco MINISTRO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO Murilio de Avellar Hingel SECRETÁRIO EXECUTIVO Antonio José Barbosa ENCONTRO LATINO-AMERICANO SOBRE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES — Olinda, 27/9 a 1/10/1993 ANAIS ENCONTRO LATINO-AMERICANO SOBRE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES Olinda (PE) - 27 de setembro a 1 de outubro de 1993 PROMOÇÃO Ministério da Educação e do Desporto Secretaria de Educação Fundamental Departamento de Políticas Educacionais COOPERAÇÃO UNESCO Escritório no Brasil Institute for Education/UIE - Hamburgo APOIO DEMEC/PE Prefeitura de Olinda Prefeitura de Recife Secretaria de Educação Cultura e Esporte de Pernambuco Encontro Latino-Americano sobre Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores (l993:Olinda) Anais do Encontro Latino-Americano sobre Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores/Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. — Brasília. 1904. 38lp. 1.Educação de adultos. 2.Educação do trabalhador. CDU: 374 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ENCONTRO LATINO-AMERICANO SOBRE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS TRABALHADORES — ANAIS Brasília 1994 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS \ DIRETOR-GERAL Divonzir Arthur Gusso COORDENADORIA DE PESQUISA Margarida Maria Sousa de Oliveira GERÊNCIA DO SISTEMA EDITORIAL Arsenio Canísio Becker TRADUÇÃO DE TEXTOS Waldemar De Gregori SUBGERÊNCIA DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÃO Tânia Maria Castro SUBGERÊNCIA DE DISSEMINAÇÃO E CIRCULAÇÃO Sueli Macedo Silveira REVISÃO Antonio Bezerra Filho Gislene Caixeta José Adelmo Tânia Maria Castro Maria Ângela Torres Costa e Silva DIGITAÇÃO Carla Vianna Prates Mima Amariles Beraldo DIAGRAMAÇÃO ELETRÔNICA Cell Rosalia Soares de Melo Francisco Edilson de Carvalho Silva Hermes Oliveira Leão INEP Campus da UnB - Ala Sul Asa Norte 70910-900 - Brasília-DF Fax(061)273-3233 À memòria de Iracema Lima Pires Ferreira, Secretária de Educação de Olinda, cujo empenho foi decisivo para a realização do Encontro Latino-Americano de Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores nessa cidade. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 9 ABERTURA Discurso do Senhor Ministro da Educação e do Desporto Murilio de Avellar Hingel ................................................................................................. 11 Discurso do Senhor Diretor da Oficina Regional da Unesco para a América Latina e Caribe José Rivero .......................................................... 17 CONFERÊNCIAS PERSPECTIVAS GERAIS — Anos 90: as Novas Tarejas da Educação dos Adultos na América Latina Vanilda Paiva ............................................................................................ 21 — Mudanças nas Concepções Atuais de Educação de Adultos Juan Eduardo García-Huidobro .................................................................................... 41 — Tendências Atuais da Educação de Jovens e Adultos no Brasil Sérgio Haddad ................................................................................................................... 86 A EDA E OS PROCESSOS PRODUTIVOS — Necessidades Educacionais de Camponeses e Indígenas Adultos na América Latina Sylvia Schmelkes ...................................................................................109 — Educação de Adultos em Áreas Urbanas Marginalizadas Jorge Rivera P ...........................................................................................134 — Educação e Trabalho: a Experiência do SENAI na Qualificação de Adultos Elenice M. Leite .....................................................................................187 — Educação e Processo Produtivo no Brasil Osvaldo Vieira do Nascimento ................................................................. 216 TEMAS COMPLEMENTARES — O Analfabetismo Funcional na América Latina: Algumas Caracterís ticas a Partir de uma Pesquisa Regional M. Isabel Infante R ................................................................................... 220 — Heterogeneidade Cultural e Educação: Encruzilhadas e Tendências Ruth Moya ............................................................................................. 247 — Educação de Adultos: um Espaço para o Desenvolvimento e Forta lecimento das Mulheres dos Setores Populares Mirian Zúñiga E........................................................................................ 288 — Experiências Populares de Educação de Adultos e Formação de Educadores Alfredo Ghiso ........................................................................................... 304 — Educação de Adultos e Heterogeneidade Cultural Hugo Lovisolo ...................................................................................... 314 PAINÉIS n° 1 — Educação do Trabalhador .............................................................. 325 na 2 —A Participação dos Segmentos Sociais na Educação de Jovens e Adultos ...................................................................................................... 331 ns 3 — Educação a Distância e Educação Continuada de Jovens e Adultos no Brasil .......................................................................................... 338 nº 4 — Perspectivas da Ação Governamental em Educação de Jovens e Adultos no Brasil.......................................................................................... 346 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ...................................................... 351 RELAÇÃO DE PARTICIPANTES................................................................ 357 APRESENTAÇÃO Os textos aqui presentes constituem uma significativa con- gregação de múltiplos pontos de vista — teórico-metodológicos, de abrangência sócio-espacial e de práticas sociais — sobre a educação básica de jovens e adultos. Seu conjunto corresponde, de modo ímpar, aos propósitos de uma importante parceria entre organizações latino-americanas e internacionais, que levou à realização — em junho de 1993, em Olinda (Cidade- Patrimônio Histórico da Humanidade, situada no Estado de Pernambuco, Brasil) — do Encontro Latino-Americano sobre Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores. Evento que teve por escopos: (a) fazer um balanço dos movimentos recentemente ocorridos nesta área e (b) iluminar os novos horizontes que se abrem para seu desenvolvimento. com efeito, desde 1992 o Escritório Regional de Educação da UNESCO para a América Latina e o Caribe (OREALC) e o Escritório do UNICEF na Venezuela e o Instituto de Educação da UNESCO (UIE), em Hamburgo (Alemanha) já vinham promovendo estudos nessa direção. De igual modo. no Brasil, avançavam pesquisas e reflexões sobre este tema, multiplicaram-se iniciativas de movimentos sociais atendendo variadas clientelas; e o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) retomava sua consideração no âmbito do seu Plano Decenal de Educação para Todos, em correspondência com os princípios e resoluções da Conferência Mundial de Jomtien. Oportunos momentos de comunicação entre dirigentes e pes- quisadores envolvidos nestas linhas de ação — em particular no âmbito das atividades setoriais de Educação em que se associaram o Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) — ensejaram a gênese daquela parceria. O Encontro propiciou a oportunidade para que a discussão dos documentos resultantes daqueles estudos e reflexões se realizassearticuladamente com a exposição e debate de alguns dos mais relevantes movimentos de educação de jovens e adultos em curso no Brasil. Vem a ser, integrando as perspectivas da reflexão, da praxis e das políticas públicas. Os temas do analfabetismo, analfabetismo funcional, educação popular, educação para e no trabalho, ensino elementar, educação nos movimentos sociais e políticas públicas de educação de adultos e de trabalhadores foram postos na perspectiva dos emergentes conceitos de educação básica, de desenvolvimento de competências cognitivas e sociais e de universalização das oportunidades de satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Congruentemente, os debates e encaminhamentos das várias questões envolvidas — as de caráter teórico-conceitual, de currículos e metodologias, de estratégias políticas e de atribuições de responsa- bilidades decisórias e alocativas aos atores envolvidos, entre várias outras — foram conduzidas nas perspectivas do pluralismo democrático, da multiplicidade de poderes de iniciativa, da necessidade das alianças e parcerias sociais, das exigências de flexibilidade, versatilidade e sustentabilidade político-social e de alternância e permanência dos programas de educação de jovens e adultos. Registrando os trabalhos realizados naquele Encontro, este volume reúne suas conferências, exposições, debates e resultados. Após as falas de Abertura do Sr. Ministro da Educação e do Desporto e do Sr. Diretor da Oficina Regional da UNESCO para a América Latina e Caribe, figuram as Conferências fundadas nos estudos patrocinados pela OREALC, UNICEF e UIE, pertinentes às perspectivas gerais, aos processos produtivos e aos demais temas que complementam a educação de adultos. Seguem-se os relatórios-síntese dos Painéis e dos debates que eles propiciaram, cobrindo as várias dimensões do tema: a educação dos trabalhadores, o protagonismo dos movimentos sociais, as iniciativas inovadoras e as perspectivas das ações governamentais. Ao cabo, o texto das Conclusões e Recomendações aprovadas na Sessão Plenária Final do Encontro dão uma boa medida do grande esforço realizado e da sua pertinência e abrangência. Elas cobrem — de acordo com a metodologia adotada — as dimensões da política pública, das questões pedagógicas e de formação dos educadores e da produção de conhecimentos e informações. Dezenove recomendações e várias moções apontam caminhos para ulteriores encaminhamentos desta importante temática. com o que, as organizações promotoras e de apoio acreditam haver alcançado os escopos propostos e realizado seu papel no debate público desta transcendente área educativa. Divonzir Arthur Gusso INEP ABERTURA Discurso do Senhor Ministro da Educação e do Desporto Murilio de Avellar Hingel A realização deste Encontro Latino-Americano de Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores suscita, neste exato momento, algumas considerações, pelo fato de se inserir em uma circunstância muito especial. Em primeiro lugar, porque o Brasil está hoje envolvido nas discussões finais relativas ao seu Plano Decenal de Educação para Todos, que pretende apresentar, juntamente com outros oito países, numa conferência internacional a ser realizada em Nova Delhi, na índia, em dezembro de 1993, sob o patrocínio da UNESCO, da UNICEF, do PNUD e do Banco Mundial. O Brasil participa de um conjunto de países ditos em desen- volvimento e mais populosos do mundo, ao lado da China, índia, Pa- quistão, Bangladesh, Indonésia, Egito, Nigéria e México. uma vez que esses nove países compreendem mais da metade da população da Terra e justamente porque países em desenvolvimento, eles concentram em si os maiores índices de analfabetismo e os maiores índices de im-produtividade dos sistemas educativos. Mas o Brasil está disposto a enfrentar, na próxima década, com superação daquela que se denominou de "década perdida", o desafio da educação dentro de um planejamento que represente não só a integração dos diversos níveis de governo, mas, acima de tudo, a integração do poder público com a comunidade em geral. Porque o Brasil entende hoje que não há como vencer os desafios dos fins do século 20 sem resolver os problemas fundamentais da educação, entre os quais a universalização da oferta da educação básica e a melhoria da qualidade dessa educação básica. Então, este Encontro se insere dentro desta preocupação do Plano Decenal de Educação para Todos e, quando se diz educação para todos, se está querendo dizer educação sem qualquer tipo de exclusão, educação capaz de incorporar aqueles grupos que ainda não tiveram acesso à oferta de educação, especialmente educação de boa qualidade. E neste esforço, evidentemente, o Brasil dá uma importância muito grande à educação de jovens e adultos. No Plano Decenal de Educação para Todos, a prioridade não poderia deixar de ser a criança. É a criança o objetivo maior das preocupações do Plano, uma vez que o atendimento integral as ne- cessidades da criança há de ser a garantia da formação plena, de forma que problemas que ainda afligem a sociedade brasileira, como o problema do analfabetismo, sejam estancados na sua origem, na sua própria razão de ser. Não estamos querendo dizer com isso que não é importante investir na alfabetização de jovens e adultos, mas estamos querendo reafirmar que é mais importante investir na criança porque é a maneira mais segura de nos resolvermos o problema da educação. Portanto, a prioridade é a criança, através de um programa como o PRONAICA — de atenção integral à criança e ao adolescente; da multiplicação da oferta de educação pré-escolar; da garantia de matricula no ensino de 1º grau, no ensino fundamental; da perspectiva de conclusão do 1º grau para atingir o mínimo de escolaridade exigido pelo tempo atual. Contudo, justamente porque a prioridade é a criança, é importante a educação de jovens e adultos. Não há aí nenhuma contradição. Na verdade, nessa afirmativa, há todo um conteúdo a ser considerado, a ser aprofundado. Em primeiro lugar, porque estamos num Encontro que não trata da alfabetização de jovens e adultos, mas da educação de jovens e adultos. E evidente que a educação de jovens e adultos trará um reflexo imediato à melhoria das condições de vida da própria criança. Não precisamos ir muito longe, se imaginarmos que o investi- mento na educação das mulheres trará um benefício pronto às crianças. Isto está reconhecido internacionalmente, porque os estudos demonstram que, quando a mulher está alfabetizada ou educada, o atendimento que ela vai oferecer a seus filhos será de outro nível, e a criança se beneficiará de ações quase imediatas. Por exemplo, um reflexo quase direto da educação da mulher é a redução da mortalidade infantil. Portanto, a criança é o grande objetivo desta ação em benefício da educação das mulheres. Mas o mesmo não se pode dizer a todos os jovens e adultos trabalhadores, porque é claro que as condições de vida resultantes da educação de jovens e adultos trabalhadores também se reverterão na melhoria das condições de vida da sociedade em geral e, portanto, a criança se beneficiará. Fica muito difícil, por exemplo, imaginarmos um programa de atenção integral à criança e ao adolescente sem a participação das famílias e da comunidade, porque este programa só é viável pela conjugação de esforços dessas três agências educativas: família, comunidade e escola. Por conseguinte, a educação de jovens e adultos proporcionará condições para melhor entendimento dessa junção de esforços, e, de novo, a criança será integralmente beneficiada. É claro que, quando se fala da educação de jovens e adultos, há preocupação com o reflexo dessa educação no que se refere à melhoria da produtividade, que é o anseio de todos os países, inclusive dos paísesdesenvolvidos, e muito mais dos países em desenvolvimento. Entretanto, não posso deixar de colocar aqui o que afirmei por ocasião de um seminário sobre qualidade na educação recentemente realizado em Brasília e que, de certa maneira, vai se complementar com as palavras do professor José Rivero. É que na educação de jovens e adultos devo ter presente essa dimensão da produtividade, mas, inquestionavelmente, me parece que há outra dimensão, que nós não podemos perder de vista, que é a dimensão social, a dimensão não apenas do homem que trabalha, produz e contribui para a melhoria das condições de vida dele e do grupo a que pertence, mas também temos que pensar na elevação do homem como cidadão, especialmente no fortalecimento da democracia como forma segura de melhoria das condições de vida em termos de eqüidade, especialmente num país que padece tanto desta pecha, desta mancha que é a sua péssima distribuição de renda. Portanto, essas duas dimensões devem estar presentes quando se trata de política de educação de jovens e adultos. Por fim, nesse particular, gostaria de registrar também que o Estado, pelo menos no que concerne ao governo federal, assume a sua responsabilidade em relação à educação de jovens e adultos, e entende que essa responsabilidade deve ser compartilhada com a sociedade civil, através de movimentos capazes de uma grande mobilização. Por isso, o Ministério da Educação e do Desporto prefere trabalhar na educação de Jovens e adultos com as prefeituras, com os estados e com os movimentos como a UNEB, como a Confederação das Mulheres do Brasil, como a Força Sindical, como a Central Geral do Trabalho e com outras organizações que tenham programas específicos. Portanto, é uma rara felicidade que este Encontro se realize no momento em que discutimos o Plano Decenal de Educação para Todos. Mas uma outra circunstância deve ser assinalada: é que o Encontro é latino-americano e, em nenhum outro momento recente no Brasil, o governo federal, sob a orientação do presidente Itamar Franco, tem demonstrado maior preocupação nessa aproximação com os nossos vizinhos. Porque, na verdade, a história demonstra que sempre estivemos geograficamente muito próximos, mas em ações relativas ao desenvolvimento do continente, à integração de ações educacionais estivemos muito distantes. E infelizmente muito distantes, o que nos enfraqueceu como continente. É sintomático registrar que nas viagens Internacionais que o presidente da Republica fez uma única foi fora do continente latino-americano: todas as outras estiveram voltadas para o continente latino-americano. É importante mencionar que o presidente da República enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei tornando obrigatório o ensino de Espanhol nas escolas brasileiras de 1º e 2º graus. É importante assinalar que no campo da educação já vamos para várias reuniões de caráter latino- americano, tanto em relação aos países do Mercosul como recentemente em relação aos países do pacto amazônico, e agora, já neste Encontro, reunindo toda a América Latina. Porque nós temos muitas experiências importantes, precisamos melhorar a nossa capacidade de intercâmbio, o nosso entendimento, porque num mundo em que os blocos tendem a se fortalecer, sob todas as razões, é importante que a América Latina se lembre dessa circunstância e esqueça das mágoas e erros do passado e se integre fortemente, porque tem muito mais em comum do ponto de vista da cultura, da língua, da história, da geografia. uma terceira circunstância feliz deste Encontro é o fato de realizar- se no Nordeste, porque no Nordeste, onde se concentra 30% da população brasileira, é onde se concentram os maiores problemas de desenvolvimento e os maiores problemas no campo educativo. In- felizmente, quando vamos examinar os dados estatísticos, eles são sempre desfavoráveis ao Nordeste, são desfavoráveis em termos de acesso à escola de 1º grau . O Brasil já está oferecendo acesso à escola de 1º grau a cerca de 87% das crianças entre sete e 14 anos de idade. Mas quando se analisa o Nordeste, essa oferta cai para 77%. Isto quer dizer que há uma diferença muito grande em relação ao próprio índice nacional, significando que há outras regiões, particularmente o Sul e o Sudeste, que apresentam um quadro diferente. Também, quando vamos verificar a situação da educação no Nordeste em termos de escolaridade mínima, vamos perceber que o índice é igualmente negativo. E é negativo também quando se fala de anal- fabetismo e de oferta, no sentido de propiciar a população o domínio do conhecimento. Ainda recentemente, e isto é importante para os presentes, estava participando de uma solenidade em Fortaleza, Ceará, e falava do esforço que o Ministério da Educação faz no sentido de destinar aos estados do Nordeste e aos seus municípios um maior número possível de recursos para compensar as desigualdades regionais existentes em nosso país. Mas um professor da UFC, hoje deputado, pediu a palavra e disse que isso não era o suficiente, uma vez que, na distribuição do conhecimento, o Nordeste estava em situação muito desfavorável, e aqueles que detivessem o controle e o domínio do conhecimento evidentemente estariam assegurando para si níveis mais rápidos de desenvolvimento. Tanto é essa a compreensão que o próprio MEC está muito interessado em fortalecer EUS instituições de ensino superior do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste, por entender que este é um esforço importante. É claro que estamos falando de duas universidades que se situam entre as menores do Brasil, mas estamos falando também das generalidades do problema, o que implica reconhecer que o Nordeste precisa de um tratamento especial, o que demonstra a felicidade de se escolher o Nordeste como o centro de realização deste Encontro. Certamente aqui, no Nordeste, devemos concentrar nossos esforços gerais, como o faz o governo federal, numa tentativa de equilbração federativa, numa tentativa de reduzir distâncias, numa tentativa de assegurar à região um lugar compatível com a sua importância demográfica, concentrando 30% de nossa população. Finalmente, não deixa de ser uma quarta circunstância excepcional o fato deste Encontro estar se realizando em Olinda, primeiro porque Olinda é um patrimônio da humanidade declarado pela UNESCO, portanto, merece todas as homenagens. É uma cidade do mundo. Curiosamente, nesta cidade, associaram-se o Ministério da Educação e do Desporto e agências internacionais, entre as quais a UNESCO, justamente pelo seu Instituto, com sede em Hamburgo. É curioso lembrar que Hamburgo também é uma cidade livre, do mundo, que pela tradição teutònica, conservou este estatuto e com muita honra e com muito brilho. Olinda é mais ou menos assim, uma cidade livre, pertencente a uma tradição, a uma história grandiosa no que diz respeito à educação. Portanto, todas as conjunções são favoráveis para que este Encontro seja realmente produtivo. Nada disso foi previamente estabelecido ou combinado, mas estamos a perceber que quando as pessoas querem trazer contribuição, querem discutir assuntos relevantes, as medidas adotadas são tão felizes que levam a essas conjunções aqui mencionadas. Gostaria de concluir com uma palavra de estímulo. Estamos a quase um ano à frente do Ministério da Educação e do Desporto e percebemos que existem instituições, órgãos de divulgação, de mídia, grupos e pessoas que insistem em colocar sempre em destaque aspectos negativos do Brasil, da sociedade brasileira, do governo brasileiro e da área de educação, inclusive grupos de pessoas de certo renome que insistem no diagnóstico, quer dizer, nos pontos fracos do nosso sistema educacional. Ora, o diagnóstico já foi feito, temos plena consciência dos problemas, dos nós, das dificuldades do sistema I educativo,e o que o Ministério da Educação vem procurando fazer é buscar soluções, avançar. Não há mais o que pesquisar neste sentido, não há mais o que aprofundar, mas temos plena consciência de onde estão os problemas e temos que enfrentá-los. Parece que algumas pessoas estão ficando para trás, porque continuam com um discurso, que a nosso ver, já era, pois os governos federal, estadual e municipal já estão em outro plano. Por exemplo: hoje estaremos assinando convênios aqui em Pernambuco e à tarde, no Rio Grande do Norte. E curioso perceber que hoje os municípios não estão pedindo recursos para a rede física. São muitos os pleitos voltados para a capacitação, melhoria das condições de ensino, livro didático, educação de jovens e adultos. E há pessoas que insistem em afirmar que o país investe na rede física, quando na verdade seu principal problema não é este. Se bem que seja também um problema da rede física quando imaginamos a periferia das grandes cidades, quando imaginamos o meio rural, quando imaginamos a situação, por exemplo, de desconforto em uma região brasileira e outra. É importante que nós que estamos na educação acreditemos realmente no valor da educação e olhemos para a frente, caminhando, sabendo que aqueles esforços que nós vamos realizar vão trazer, necessariamente, resultados amanhã ou depois. Às vezes me perguntam o que o Ministério espera de uma determinada ação. O Ministério espera que daqui a quatro, cinco, dez anos o quadro seja diferente. Não se pode esperar que daqui a duas semanas tenhamos menor número de analfabetos, tenhamos todas as crianças na escola e tenhamos resolvidos todos os problemas da qualidade da educação. Quem está em educação sabe que este processo exige continuidade, persistência, tenacidade, insistência. E é isto que devemos colocar como grande meta nossa, de estabelecermos os objetivos e caminharmos seguramente para esses objetivos, afastando de vez essas campanhas e movimentos cíclicos que tanto têm prejudicado a educação no Brasil, porque vem um cria uma idéia, vem outro a abandona, e assim sucessivamente. Fica aqui esta palavra de estímulo: estamos procurando o caminho certo. Se temos erros, procuramos identificá-los e corrigir, mas não adianta ficar olhando o passado. O país é viável, tem um futuro e nós temos que acreditar nele. E quem acredita no Brasil acredita em educação, embora tenhamos que esperar uma ou duas gerações para resolver os problemas de educação que nos afligem. Muito obrigado e que sejam felizes no seu trabalho. Discurso do Senhor Diretor da Oficina Regional da UNESCO para a América Latina e Caribe José Rivero Exmo. sr. ministro da Educação do Brasil, professor Murilio de Avelar Hingel; senhoras e senhores, é para nós uma honra e um privilégio compartilhar convosco, na qualidade de representante da UNESCO, a inauguração deste Encontro Latino-Americano de Educação de Jovens e Adultos Trabalhadores. Temos a firme convicção de estar interpretando nossa Organi- zação, ao afirmar às autoridades brasileiras que a iniciativa de organizar este Encontro no Brasil é a expressão dos esforços sempre renovados para desenvolver vossa educação, tanto na ampliação da rede como na qualidade do ensino. Este Encontro está acontecendo logo após a recente Quinta Reunião do Projeto Principal de Educação, realizado em Santiago (Chile) no mês de junho de 1993, na qual se estabeleceram orientações claras para enfrentar o problema da educação de jovens e adultos, em sua condição de trabalhadores, produtores e cidadãos. Naquela reunião, afirmou-se que os principais desafios estão associados à exigência de novas competências individuais e sociais, para que jovens e adultos possam participar como cidadãos e consumidores, assumindo seu direito a uma melhor qualidade de vida, dando resposta às necessidades produtivas da modernização e enfrentando os efeitos da crise econômica. Estes desafios revestem-se de características específicas, em se tratando de jovens e adultos vinculados ou inseridos no mundo do trabalho. Para entrarmos na temática deste Encontro é preciso fazer alguns esclarecimentos. uma questão prévia é que a vinculação da educação de jovens e adultos com o trabalho não é uma questão tecnológica, mas social. Isto faz com que a educação não restrinja seu campo só à função de capacitação profissional ou só à de fazer com que indivíduos e grupos melhorem seu desempenho técnico. Esses aprendizados técnicos devem ser um meio para chegar a outros processos da atividade familiar ou comunitária que possibilitem uma boa e completa qualidade de vida. Esta ocasião requer, também, que façamos uma breve referência ao atual contexto global. O fim da guerra fria, o reforço de politicas que privilegiam a função do mercado e promovem a inserção dos países na economia mundial, assim como o reconhecimento de que a democracia é um sistema necessário para a viabilidade política internacional, tudo isso vem repercutindo no cenário latino-americano. Muitas dessas mudanças, no mundo e na América Latina, dão uma nova dimensão à defesa dos direitos humanos, contribuem para consolidar a paz e para estabelecer bases mais estáveis para o desenvolvimento. Mas não são suficientes para resolver os grandes desafios do momento. Na América Latina, além da diversidade de situações dos países da região, os processos de ajuste econômico dos últimos anos desencadearam uma profunda deterioração das condições sociais e uma maior concentração da riqueza e da renda. Os problemas dominantes continuam a ser as desigualdades entre os níveis de vida dos diversos segmentos da população, assim como as agressões ao meio ambiente oriundas dos atuais estilos de desenvolvimento, cujos paradigmas tecnológicos alargam, sem cessar, a brecha entre quem participa e quem fica à margem das transformações advindas com os novos conhecimentos. Atualmente, a pobreza e as crescentes desigualdades constituem as principais ameaças à paz e à segurança internacional. Num contexto assim, cabe-nos perguntar qual é o significado da prioridade concedida à luta contra a discriminação educacional e à melhoria da qualidade da educação de jovens e adultos trabalhadores, neste momento histórico. Faz-se necessário esclarecer que, se a polarização atual continuar, será difícil estabilizar os processos de integração nacional e consolidar a democracia. Além disso, todas essas mudanças, no mundo e em nossa região, atingem diretamente a organização do trabalho e as relações de trabalho, as condições de vida, a qualificação ocupacional, os requisitos educacionais para o desempenho de qualquer função e, enfim, a inserção dos trabalhadores na sociedade. Se desejamos que a educação e o conhecimento sejam realmente molas de um processo de transformação produtiva com eqüidade (como proposta de desenvolvimento), não podemos prescindir da integração social e dos principais traços culturais de nossas sociedades. Romper a atual lógica de reprodução social supõe enfrentar um problema de enorme complexidade, atuando simultaneamente na base do sistema educativo, eliminando a exclusão e possibilitando que os jovens e adultos trabalhadores ou marginalizados de hoje dominem os códigos culturais básicos. Isso lhes permitirá o acesso em massa aos conhecimentos científico-técnicos e ao desenvolvimento da criatividade tecnològica endògena, com o que poderemos desenvolver e melhorar os atuais índices econômicos. Supõe, ainda, encorajar a construção de uma cidadania moderna na qual os trabalhadores — quer como cidadãos, quer como membros de organizações sindicais e políticas —assumam um papel mais atuante na formulação e condução da política educacional em geral, e da educação de jovens e adultos em particular. Em síntese, o desafio central para a educaçãode jovens e adultos trabalhadores está intimamente ligado à construção de uma "cidadania moderna" através de uma formação que propicie a todos o domínio dos códigos necessários para a participação cidadã, o desempenho produtivo e o bem-estar coletivo. Para isso, essa educação terá que superar velhas práticas "instrumentalizadoras" e "produtivis-tas" ainda vigentes em muitos programas de formação profissional. Essa nova educação terá que redefinir-se em seus conteúdos, em seus programas e em suas estratégias, optando pela cidadania, participação, eqüidade, vigência de princípios democráticos e pelos direitos humanos fundamentais. Ao mesmo tempo, terá que redefinir-se e optar por uma nova visão do trabalho produtivo, uma cultura do trabalho baseada no conhecimento e na compreensão dos processos de produção, numa perspectiva que valorize tanto as práticas profissionais como a apropriação do saber. A temática deste Encontro latino-americano, senhoras e senhores, é sugestiva e aborda aspectos estreitamente vinculados ao anteriormente mencionado. Para nosso Escritório Regional, em trabalho perfeitamente coordenado com o Instituto da UNESCO para a Educação, é particularmente estimulante submeter aos participantes deste Encontro, através de renomados especialistas regionais, os principais resultados do importante Seminário Consulta sobre "Educação de Adultos: Prioridades de Ação Estratégica para a Ultima Década do Século" que a UNESCO e o UNICEF realizaram em Bogotá, em maio de 1992, bem como apresentar as conclusões da primeira fase da pesquisa regional sobre analfabetismo funcional, iniciada em coordenação com outros organismos de cooperação e entidades nacionais de quatro países. Permiti-nos, finalmente, expressar nossos votos para que os trabalhos sejam frutíferos e encontrem soluções exeqüíveis e realistas para nossos países, particularmente para o Brasil. A resposta regional à convocação feita pelo Brasil permitirá aos cidadãos e aos responsáveis pela educação deste País decidir, com pleno conhecimento de causa, quais as alternativas educacionais mais adequadas para sua própria e heterogênea realidade. um dos desafios centrais destes dias de trabalho será começarmos por soluções que tenham raízes na própria identidade cultural brasileira, mantendo-nos abertos à rica realidade latino-americana e mundial. O cenário dessa belíssima região brasileira que é Olinda, proclamada "Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade" pela UNESCO, será um dos principais estímulos para que os trabalhos alcancem o maior êxito possível. CONFERENCIAS Anos 90: as Novas Tarefas da Educação dos Adultos na América Latina Vanilda Paiva Instituto da UNESCO para a Educação — UIE/Hamburgo Profissionais que, de alguma maneira, estão vinculados ao campo educacional no Brasil têm afirmado (VEJA, 23/06/93) que programas e especialmente campanhas de alfabetização e educação de adolescentes e adultos são desprovidos de sentido, manifestando opiniões que são compatíveis com o fracasso sistemático dos programas de massa levados a cabo desde o final da 2a Guerra Mundial (Paiva, 1973). Darci Ribeiro, há alguns anos, afirmou que a solução para o problema do analfabetismo seria dada pelo tempo: com a universalização do ensino elementar, em alguns anos os analfabetos teriam desaparecido em suas covas. Tôda ênfase ao ensino básico para a faixa etária correspondente é a convicção que acompanha tais declarações, inseridas as três primeiras num contexto em que são ressaltadas experiências locais, nas quais foi alcançado sucesso na elevação de sua qualidade — embora se reconheça que (tal como ocorre com campanhas e programas hoje condenados) elas, muitas vezes, não sobrevivem às lutas políticas municipais. Não há dúvida de que a acentuação da importância de um ensino fundamental, capaz de assegurar efetiva aprendizagem, tornou-se por justificadas razões, desde os anos 80, um dos pratos principais do menu educacional de nossos dias. Faz-se central nos países pobres, embora também constitua uma preocupação de grande importância nas áreas desenvolvidas. Naqueles países, o tema saiu de foco e tendeu a desaparecer dos debates ao mesmo tempo em que, do ponto de vista prático, passou a restringir-se a iniciativas de pequenos setores das secretarias de educação ou foi diluído numa genérica "educação para a cidadania". Na contramão desta tendência, porém, observa-se nos últimos anos que a educação de jovens e adultos tornou-se matéria prioritária como lifelong learning nas regiões desenvolvidas do mundo, por razões que aventaremos mais tarde. Estas mesmas razões indicam que sua exclusão da pauta do ensino básico será cada vez menos pacífica, em países nos quais ainda imperam índices elevados de analfabetismo, nas mais diferentes faixas de idade e onde e precária a qualificação básica dos egressos das escolas de primeiro grau. O debate a respeito da nova qualidade exigida do ensino básico, diretamente vinculado à competitividade internacional dos países e à sua capacidade de superar ciclos recessivos neste final de século, responde a questões contemporâneas que acentuam a necessidade de multiplicar as oportunidades de alfabetização, educação básica e requalificação permanente de jovens e adultos. No passado, a expansão do sistema de educação formal bem como as iniciativas na área da educação de adultos atenderam a razões sociais, políticas, ideológicas e culturais de natureza vária (Paiva, 1984). Foram acompanhadas de vagos argumentos econômicos até meados deste século e de recomendações que têm sua origem na economia da educação e no planejamento educacional, em época mais recente. Para muitos países do chamado Terceiro Mundo, que entraram na segunda metade deste século, com elevados índices de analfabetismo e distantes da universalização da cobertura do ensino elementar para a faixa etária de sete a 14 anos, o esforço educacional foi enorme, mas insuficiente para saltar o fosso que os separava dos países de longa tradição educacional. Aos que, a partir dos anos 50, estiveram atentos à rentabilidade do investimento por nível de ensino. nem sempre pareceu justificado elevar ou priorizar o dispêndio no ensino elementar, considerando a necessidade de recursos humanos com níveis mais elevados de formação. Além disso, a ampliação quantitativa, em todo o mundo, veio acompanhada da constatação de que a instauração de sistemas de massas incidiu sobre a qualidade e eficiência dos preexistentes sistemas destinados às classes médias — fenômeno que adquiriu proporções e coloração diferentes, de acordo com o nível de riqueza das nações, mas que nos países pobres fez-se especialmente notório, em relação ao ensino elementar. É dentro deste panorama que todos os países, em especial os últimos, se confrontam hoje com uma nova e súbita consciência: a de que o custo da não-universalização das oportunidades de educação básica ou da cobertura universal ineficaz tornou-se demasiado elevado. De maneira até certo ponto inesperada, mostrou-se demasiado caro arcar com as conseqüências de sistemas educativos restritos e ineficientes, que oferecem à sociedade qualificação precária ou que não logra aplicação prática, num mundo em que o letramento tornou-se condição minima para o trabalho e para a vida diaria. A requalificação, a educação continuada, compensação de deficiências educativas entre jovens e adultos com os mais variados níveis formais de escolaridade, tornou-se uma prioridade. Na qual problemas educacionais básicos não foram resolvidos (como o do analfabetismo absoluto), aos governos de países que pretendam assegurar uma posição relativa favorável, no mercado mundial e na comunidade política, não resta alternativa senão dar a eles solução rápida, eficaz e rentável, nosentido de alocar os recursos segundo critérios que assegurem real qualificação que possa ser imediatamente utilizada. Em que pesem questões estruturais que afetam o setor educacional — como o longo tempo necessário à formação básica e às elevadas e, em certa medida, inevitáveis taxas de desperdício, sempre que cursos são interrompidos ou conhecimentos adquiridos não são utilizados —, a velocidade imprimida ao mundo contemporâneo pela tecnologia exige deste setor respostas capazes de assegurar, no dia-a-dia, de cada vez mais longínquos rincões, conhecimentos que permitam fazer diante da demandas com as quais se confrontam homens e mulheres neste final de milênio. Sobre esta base, o campo da educação dos jovens e adultos ganha uma nova dimensão. Tem sido mesmo afirmado que "os anos 90 prometem ser uma década monumental tanto no que se refere ao estudo quanto à prática da educação de adultos" (Field, 1992). Mas os argumentos desta década estão fortemente assentados sobre a dinâmica econômica, considerando-se a crescente globalização da produção e dos mercados; a acelerada mudança tecnológica; os crescentes desajustes do mercado de trabalho; a eventual redução da demanda por habilidades, convivendo com crescente prevalência de empregos que exigem qualificação mais elevada ou multiqualificação; as conseqüências sobre o mercado de trabalho e sobre a demanda por educação; a queda das taxas de natalidade e do envelhecimento da força de trabalho e a reestruturação econômica, que continua empurrando o emprego do setor secundário para o terciário (Arvidson, Rubenson, 1991), para não falar do tendencial esgotamento deste último. Tornou-se evidente que a educação dos adultos expandiu-se com vigor nos países centrais nos últimos anos e que ela tende a assumir uma importância maior no futuro. Muitos países têm tomado medidas importantes para readequar a força de trabalho às mudanças estruturais pelas quais a economia está passando, dirigindo treinamentos especialmente àqueles que correm o risco de serem jogados ao desemprego. Os países nórdicos, que possuem uma longa tradição no campo da educação dos adultos (Toumisto, 1992), têm se preocupado em promover reformas que abram os centros de treinamento às forças do mercado, buscando modelos alternativos de cooperação entre autoridades que lidam com o mercado de trabalho, instituições ou organizações educacionais (desde iniciativas locais até as universidades) e a indústria. Fala-se mesmo em "renovação educacional", em crescente diferenciação da oferta educativa levando em conta diversidades culturais, de gênero, de geração e de qualificação prévia — com grande ênfase posta sobre os trabalhadores não-qualificados (Iversen, 1993) e partindo de um amplo reconhecimento de que a qualificação especializada tem sentido apenas no contexto da formação geral (Paiva, 1989; Kjaersgaard, 1993). Em muitas partes, em especial nos Estados Unidos, esta questão deixou os meios estritamente educacionais e aterrissou no mundo do business, com forte impacto sobre a área política (California Workforce Literacy Task Force, 1991 ). uma literatura pragmática, que pretende analisar as tarefas ou o conteúdo dos empregos para desenhar workplace literacy (Taylor, Lewe, 1991 ), a versão moderna e sofisticada das experiências de alfabetização funcional que estiveram em voga nos anos 60, tem se multiplicado em países como o Canadá. E, embora se rejeite muitas das premissas de que partem os empresários e ressalte-se os limites da importância do setor educacional na solução de questões mais amplas (como a pobreza, a geração de emprego, a baixa produtividade), os sindicatos fizeram sua a mesma bandeira (Turk, Unda, 1991). Não se trata apenas de reforçar e melhorar a qualidade da educação inicial ou promover medidas compensatórias ao ensino fun- damental, mas da reeducação constante, do retreinamento, da reade- quação aos novos processos de trabalho, aos procedimentos a eles vinculados e aos conteúdos do emprego. Dá-se por suposto que o espectro das competências básicas necessárias no mundo de hoje se ampliou e que qualquer pretensão em níveis aceitáveis de eqüidade social passa pelo domínio eficiente das mesmas pelo conjunto da população, secundado por oportunidades de atualização permanente. E, se a abertura de tais oportunidades não resolve o problema do desemprego, o resultado dos programas para desempregados parece ser positivo, facilitando a reinserção no mundo do trabalho de setores da PEA que não estiveram fora do mercado por muito tempo (Jacobsen, 1992, p.71). Outras e também velhas questões estão igualmente na ordem do dia, em países que decidiram criar tais oportunidades: como motivar os adultos para voltar a estudar, como superar discrepâncias entre os sexos, como desenvolver materiais educativos multiformes (ensino a distância, estudo independente, etc), como utilizar os "círculos de qualidade" como meio de aprendizagem (Sarala, 1992, p.l 17), como equacionar conhecimento e democracia num mundo em que a chamada "agenda educacional" sofreu um deslocamento tão forte como nas últimas décadas (Arvidson, Rubenson, 1992, p. 198). Por outro lado, pelo menos duas questões aparecem hoje ainda como pontas de enormes icebergs. uma delas diz respeito ao enorme mercado educacional para lifelong learning surgido com o envelhecimento da população, sem relação direta e imediata com a produção ou com o mercado formal. Educação como forma e instrumento de lazer, como enriquecimento, recuperação de oportunidades e aspirações, como oportunidade cultural e como forma de superar o gap educacional resultante da expansão das últimas décadas (que beneficiou setores populacionais mais jovens), é um fenômeno em expansão com muitas facetas — que vão desde a necessidade política de ocupar uma parcela cada vez mais ampla da população adulta (parte da qual, por diversas razões, se encontra fora do mercado de trabalho) até fazer dela um fator de expansão da economia pelos serviços culturais que consome e, eventualmente, passa a produzir. A segunda refere-se ao reconhecimento do enorme impacto da educação familiar sobre o rendimento escolar das crianças. Habilidades cognitivas e intelectuais são transmitidas antes de a criança chegar à escola, e a demanda por eficiência escolar obriga a centrar esforços educacionais sobre os pais e outros personagens familiares de modo a poder contar com a "transferência de habilidades cognitivas intergeneracional" (California Literacy Task Force, 1991). Tais questões, porém, não são exclusivas dos países desen- volvidos. Elas se colocam para o continente latino-americano na medida em que sua estrutura da população também se deslocou fortemente. A queda dramática das taxas de natalidade acompanhadas da elevação da expectativa de vida nos farão assistir ao fechamento de escolas para crianças e sua reconversão em instituições educacionais dedicadas a jovens e adultos, em futuro não muito distante. Por certo, que a mais urgente das tarefas é assegurar a qualidade do ensino básico para todas as idades. Mas as transformações que vêm ocorrendo no mercado de trabalho, a crescente complexidade da demanda de qualificações tanto pelo setor formal de emprego quanto pelas múltiplas e crescentes atividades informais e pelo auto-empre-go, em situações de convivência de épocas econômicas muito diversas, num conjunto marcado por profunda heterogeneidade, aliadas a fatores demográficos, imporão aos países do continente a retomada urgente do tema. ALFABETIZAÇÃO E EDUCAÇÃO DE ADULTOS: O QUE A EXPERIÊNCIA LATINO-AMERICANA RECOMENDA Movimentos de educação de adultos, especialmente desde o século passado, surgiram no palco político em estreito vínculo com as idéias dominantes nos círculos que pretenderam promovê-los. Organizaçõesconservadoras não tiveram dúvidas de que a aprendizagem da leitura e da escrita serviria à paz social e à preservação da ordem. No pólo oposto, anarquistas e, mais tarde, cristãos apostaram na educação como instrumento da revolução mundial. O movimento dos trabalhadores, por sua vez, sempre reivindicou maiores oportunidades de educação. As igrejas e as forças religiosas em geral, apoiadas sobre a idéia de responsabilidade pessoal pelos atos humanos e, portanto, sobre as condições subjetivas das escolhas morais (consciência), há séculos sublinham a importância da educação, lançando-se a ela, nas mais variadas formas e situações. Não fizeram por menos os movimentos nacionalistas, nem os que buscaram explicação das mazelas políticas dos países em atributos ou funções biológicas (Paiva, 1973). A segunda metade do século XX foi, porém, especialmente fértil em matéria de programas dirigidos a adolescentes e adultos. uma das razões para a grande importância adquirida por eles, no bojo da revolução educacional mundial que caracteriza o pós-guerra, está diretamente ligada à idéia de que a educação é o instrumento adequado para assegurar a democracia. Nos países periféricos, sistemas de educação elementar se ampliaram: campanhas de alfabetização foram lançadas, enfatizando o meio rural como parte de uma estratégia democratizadora de idéias, de oportunidades e de direitos (especialmente em países onde o analfabeto esteve impedido de votar). Pretendeu-se, também, que a alfabetização, ao lado da educação política, contribuisse para a transformação sócio- econômica. A experiência se encarregou de destruir muitas das simplificações que compuseram o quadro das iniciativas do período. Já vai longe o tempo das grandes campanhas — apesar de iniciativas extemporâneas que tiveram lugar, em função de necessidades de legitimação política dos governos e de controle político da população (Paiva, 1982). Avaliadas aquelas lançadas nos anos 40/50, entramos na década seguinte com experiência acumulada suficiente para saber que estratégias de massa são quase sempre ineficazes, que a fixação da aprendizagem depende de professores bem qualificados e de situações objetivas que motivem os adultos (Paiva, 1984a) e que o uso constante das habilidades adquiridas (leitura e escrita) são elementos fundamentais para impedir a regressão ao analfabetismo. A idéia de alfabetização funcional se impôs no cenário da segunda metade dos anos 60 em direta conexão com o mundo do trabalho, como exigência de rentabilidade do investimento feito em tais programas — idéia que continua por detrás do conceito, mesmo que ele tenha se ampliado nos nossos dias, especialmente nos países do Norte, de modo a abranger habilidades mais amplas do que o domínio precário das técnicas da leitura e da escrita. Campanhas não foram completamente condenadas, onde carências básicas não foram sanadas, mas há consenso em que devem ser destinadas à demanda reprimida, limitadas no tempo e dirigidas aos centros urbanos. Nos últimos 50 anos, portanto, o campo da educação dos adultos passou por grandes mudanças e foi atravessado por variadas tendências. Ao longo do período marcado pelo nacionalismo, pelo desenvolvimentismo e pelas grandes transformações vinculadas ao Concilio Vaticano II (incluindo-se as Encíclicas dos anos 60 e início dos anos 70), o debate foi fortemente impregnado pela idéia de cons- cientização pessoal e política num quadro em que se buscava acoplar a transmissão de conteúdos e habilidades à conscientização (Freire, 1965; Paiva, 1980). Entre meados dos anos 70 e meados dos anos 80, no entanto, observou-se uma forte tendência a acentuar a educação política, acompanhada pela desvalorização dos conteúdos específicos e mesmo de habilidades básicas como a leitura e a escrita (Paiva, 1984b). O conceito de educação popular perdeu seu conteúdo tradicional (ligado à ampliação das oportunidades) e tornou-se sinônimo de educação política através de grupos de discussão (Jara, 1981). Do mesmo modo, a atuação do Estado foi contestada com a mesma intensidade com que se idealizaram as atividades desenvolvidas por instituições da sociedade civil. Conteúdos, habilidades e preservação de ordens sociais injustas foram associadas à ação estatal, enquanto a aprendizagem da cidadania e a luta contra a falta de eqüidade passaram a compor o quadro de referência da educação política de adultos realizada através de iniciativas da sociedade civil. Nos últimos anos, este panorama sofreu transformações signi- ficativas. Por um lado, o restabelecimento de democracias representativas em vários países da região e a conseqüente canalização da discussão e das reivindicações, através de partidos políticos, contribuíram para esvaziar movimentos de educação popular e para recolocar no seu lugar o próprio conceito. Por outro, a discussão educacional, em nível mundial, sofreu o impacto de transformações ocorridas no paradigma de produção e de oferta de serviços sociais, bem como seus reflexos sobre os modelos políticos, e na estrutura das relações internacionais. Ha dez anos atingimos um ponto de inflexão decisivo nas demandas com as quais se confrontam os sistemas de educação e a reflexão educacional neste final do século, embora sua plena percepção no continente seja um fenômeno mais recente. Elas atingem fortemente o campo da educação de adultos, que enfrenta hoje a necessidade de redefinir suas tarefas e repensar as idéias que constituíram seu pano de fundo nas últimas décadas. Pode-se afirmar que está ultrapassado o tempo em que educação de adultos era sinônimo de conscientização. A era da educação popular como pura educação política também ficou para trás, levando consigo as tendências populistas que, em nome da cultura popular e do respeito ao "povo simples", reproduziram o já sabido e não capacitaram a população para enfrentar os problemas colocados pelo mundo contemporâneo — fazendo-a perder chances educativas que deveriam tê-la preparado para melhor sobreviver nos nossos dias. Também fica para trás, pelo reconhecimento das dificuldades específicas do processo de aprendizagem do adulto e da crescente sofisticação das questões levantadas por enfoques interdisciplinares, a idéia de que "quanto mais rápido melhor". O slogan desenvolvimentista dos anos 50 tinha algo da otimista idéia de que etapas podem ser saltadas, um ideal que o fim do socialismo no Leste europeu e a persistente recessão latino-americana se encarregaram de liquidar. No plano específico da educação dos adultos, há um generalizado consenso a respeito de que programas freqüentados por períodos menores que 100 horas não asseguram elevação estável do nível de conhecimentos e que este limite deve ser respeitado sempre que se pretenda atingir uma alfabetização universal dos adultos (Winkelung, Reder, Hart-Landsberg, 1992). Estamos diante da derrubada de numerosos preconceitos que marcaram o setor da educação de adultos. Entre eles merecem ser mencionados: — aquele que banaliza e desvaloriza as questões ligadas ao processo de aprendizagem e à administração das instituições educacionais. Por um lado, estão sendo colocadas — de maneira complexa — questões propriamente pedagógicas. O discurso político é, definitivamente, insuficiente para responder por que os alunos fracassam ou abandonam os estudos ou quais as condições necessárias para assegurar uma efetiva aprendizagem. Isto não significa o fim da educação política nem da educação da consciência, mas é, certamente, o fim das fórmulas mágicas e da simplificação dos problemas. Significa, no entanto, uma revalorização da psicologia escolar e social aplicada aos adultos (e, portanto, da orientação educacional). Por outro lado, questões de natureza organizacional (das escolas, dos cursos) têm sido apontadascomo básicas para o êxito do processo de aprendizagem, colocando limites tanto ao espontaneísmo quanto à burocratização das atividades; — aquele que exclui o ensino profissional das preocupações, em função de seu caráter instrumental, bem como a transmissão de atitudes e comportamentos favoráveis à inserção no mundo do trabalho. Por um lado. os adultos que dispõem de qualificações elementares mais precárias e débil formação profissional são mais atingidos pelo desemprego; por outro, demanda-se apropriação mais proficiente de conteúdos e habilidades mais amplos e de caráter geral, posto que atividades hoje fundamentais supõem a combinação de diversos deles. A educação de adultos tornou-se, em grande medida, educação permanente que se constrói sobre uma sólida base elementar. Passamos de discursos gerais e inespecíficos para explicações e ações mais concretas, capazes de apontar caminhos para a efetiva aprendizagem num mundo que tolera mal a ineficiência. O domínio precário da leitura e da escrita dificulta ou inviabiliza muitas outras formas de comunicação, com as quais os homens de hoje estão confrontados no quotidiano. Trata-se, portanto, não apenas de democratizar o acesso ao conhecimento, mas de elevar a qualidade do ensino para que tal acesso desemboque em conhecimento efetivo, passível de utilização prática. Por outro lado, a politização passa hoje por outros caminhos, implícitos no próprio acesso a oportunidades de educação, na medida em que a qualificação passou, de fato, a se apresentar como um dos instrumentos de luta contra o desemprego e a marginalização, ameaças que hoje pairam sobre todos, ao longo de suas histórias de vida. CENTRALIDADE DA EDUCAÇÃO E CAPACITAÇÃO DOS ADULTOS como PRIORIDADE Muito tem sido dito na América Latina nos últimos dois anos a respeito da centralidade da educação no interior de um paradigma produtivo no qual o ponto forte da acumulação de riqueza e capital se apoia sobre a acelerada inovação tecnológica com base na microeletrônica. O discurso mais amplo no qual este lugar central é destinado à educação, também apontado como uma forma de "contextualização" do neo liberalismo no continente, configura-se como uma tradução para o plano latino-americano de tendências detectadas em nível mundial, recomendando-se aos países da região a adoção de políticas educacionais compatíveis (CEPAL/OREALC, 1992). Reflete-se na America Latina o novo clima instalado no mundo a partir dos anos 80, em relação à avaliação da tecnologia, seus riscos e possibilidades. A clara percepção de que um novo surto de racionalização da produção estava tendo lugar, revolucionando a vida diária, soterrou a suspeita que, desde o final do século passado, pairava sobre a tecnologia. Tal atitude foi substituída pela constatação de que, com todas as suas contradições e limites, ela já havia se instalado no quotidiano das pessoas, não apenas nos países centrais, mas também na periferia e que a capacidade de assegurar a expansão da economia dela dependia de maneira dramática. Hoje milhões de pessoas compram bilhetes de transportes públicos, obtêm informações as mais variadas, preenchem todo tipo de formulários, utiliza-se de serviços bancários, com auxílio da microeletrônica. Tendencialmente, as novas tecnologias penetrarão no dia- a-dia de um número crescente de pessoas em todo o mundo (estima-se que 85% das pessoas nos países desenvolvidos no ano 2000), exigindo de todos — no mínimo — a capacidade de 1er, escrever e manipular números de maneira eficiente. De fato, as características deste final de milênio indicam que o acesso ao desenvolvimento contemporâneo depende fortemente da qualificação capaz de assegurar elevado desempenho aos membros de uma dada sociedade. A revolução ocorrida na informação supõe letramento em contínua ascensão, muitos conhecimentos específicos e uma educação geral que possibilite não apenas adaptações sucessivas ao longo da vida, mas disposições e atitudes compatíveis com as novas condições da produção, do consumo e da vida moderna. A educação fundamental de massas tornou-se uma espécie de patamar mínimo para um realinhamento favorável dos povos no novo quadro internacional. Conhecimentos efetivos que possam ser concretamente utilizados são hoje demandados. Diplomas e títulos cederam lugar à interrogação a respeito da capacitação real adquirida ao longo da história escolar dos indivíduos, e a qualidade do ensino tornou-se a pedra de toque do debate educacional. Em tal contexto, a questão do analfabetismo retornou à ordem do dia como enorme força. Países como os Estados Unidos, que haviam dado o fenômeno por residual, reconhecem que 20 a 25% de sua população adulta não domina com suficiente proficiência a leitura e a escrita. Estes seriam índices de analfabetismo funcional em relação às demandas dos nossos dias e sua superação dependeria de melhor qualidade da educação básica e de medidas na área da educação dos adultos. A pergunta que se tem colocado não diz mais respeito aos anos de escolaridade ou aos certificados obtidos, mas a capacidades disponíveis para serem utilizadas concreta e eficientemente. O argumento contra programas de alfabetização e educação de adultos que ganhou ampla circulação em países que ainda mantêm elevadas taxas de analfabetismo absoluto, como já indicamos, reza que os analfabetos se extinguirão de forma automática pela substituição de gerações, dando-se por suposta a universalização dos níveis básicos de educação. Ele hoje não procede por vários motivos. Em primeiro lugar, porque são muitas as gerações com escolaridade sem domínio dos conhecimentos e habilidades correspondentes, sendo necessárias políticas compensatórias, porque o letramento superficial tornou-se claramente insuficiente. A queda das taxas de natalidade, ao lado da elevação da expectativa de vida, gerou uma nova situação na qual um número muito elevado de pessoas que já se encontram no mercado de trabalho com precária qualificação nele permanecerá (ou buscará trabalho) por várias décadas; estas pessoas se verão expostas à demanda por crescente eficiência e contínua adaptação. Além disso, a desregulamentação do mercado de trabalho que caracteriza este final de milênio impõe a muitos a necessidade de atuar autonomamente, identificando ou gerando oportuni- dades de trabalho e inserção, o que supõe não apenas letramento, mas capacitação geral e específica e preparação subjetiva para perceber oportunidades e utilizá-las. Por outro lado, os meios massivos de comunicação e a intensa capitalização da agricultura quebraram o isolamento do campo, ao mesmo tempo em que elevadas taxas de urbanização expuseram parcelas substantivas da população a situações nas quais o domínio proficiente de habilidades básicas já não é suficiente para enfrentar o mundo do trabalho e o quotidiano em geral. Quanto mais recente e massivo este processo, mais urgentes são os programas educacionais capazes de contribuir para a inserção na vida urbana dos nossos dias. Este quadro, em que o tom é dado pela revolução informática, nos coloca diante de um regresso ao conceito clássico de educação popular. A educação fundamental de crianças, jovens e adultos é uma prioridade e não pode mais prescindir de elevada qualidade. Não se trata mais de vencer o analfabetismo ou de assegurar a educação política. Nenhum país nos nossos dias será capaz de enfrentar a nova configuração produtiva e a competição internacional sem uma revisão ampla da qualidade do seu sistema de ensino como um todo e sem o estabelecimento de políticas abrangentes de educação de jovens e adultos. Esta é hoje mais importante que no passado devido à necessidade de constante readaptação a situações novas geradas, em todos os níveis da vida social, pelos rápidos câmbios tecnológicos.No campo da educação de adultos t e r s e l a operado, nos países desenvolvidos, um verdadeiro boom de Iniciativas diante de uma demanda em ascensão, tratando-se menos do resultado de políticas globais conscientemente acionadas do que de uma realidade empírica constatada ex-post. Ela acompanhou as tendências gerais do campo educacional [shift em direção à qualidade, novos conteúdos, fim da educação popular como pura educação política, etc), mas vem também se expandindo de maneira significativa em multas direções, com correlata ampliação Institucional. Por outro lado, e de acordo com as tendências mais gerais, estamos pela primeira vez diante de uma economia da educação dos adultos. Para este campo se colocam as mesmas questões que se tornaram relevantes no conjunto do sistema: avaliação, eficiência dos resultados, elevação da pro- dutividade, promoção de mudanças cognitivas e qualificações ligadas a atitudes e motivação, além de forte ênfase sobre conteúdos gerais e específicos. Exceção parcial feita aos países do Cone Sul, incluindo-se aí o Sul do Brasil, a América Latina foi pega de calças curtas pela centralidade adquirida pela educação. Embora seus sistemas estivessem em expansão contínua, ela não foi suficiente para assegurar cobertura universal com aprendizagem efetiva dos conteúdos programáticos. A precária qualidade atinge — embora com intensidade diversa — todos os níveis educacionais, todos os sistemas (público, privado, etc.) e todas as classes sociais. EDUCAÇÃO DOS ADULTOS E FORMAÇÃO PROFISSIONAL Tem sido afirmado que a área da educação em geral e da educação de adultos em particular estaria diante de uma "onda instrumental", na qual se buscam formas institucionalizadas para relacionar demanda e oferta de educação continuada. Neste quadro, ganhou força o conceito de "qualificações-chave", com o qual Mertens (1974, 1988) advoga mais educação geral e menos especialização. um conceito flexível diante as mudanças tecnológicas, da imprevisibilidade crescente (ou de novas dificuldades em prognosticar) da demanda por qualificação no futuro e da nova consciência de que ao longo da vida terão que ser superadas seqüências de exigências ainda não conhecidas. Em face de dificuldade (que sempre existiu, mas que é hoje agravada) de antecipar o perfil educacional favorável a uma futura inserção no mercado de trabalho, é preciso assegurar uma formação que possibilite preencher posições e funções diferentes. Qualificação- chave é aquela que permite desenvolver a capacidade de aprender e de aceitar encargos de maneira responsável agindo de maneira autônoma e eficiente, com capacidade decisória, atitude cooperativa e capacidade de suportar e superar conflitos. Atacado à esquerda como "instrumental", este conceito também não penetrou facilmente os meios ligados à produção devido ao seu caráter "vago e indeterminado". Educação profissional estrita sempre foi demandada pelos setores produtivos. No entanto, o conceito começou a ser utilizado pelo setor técnico-industrial e, em seguida, pelos setores de administração e comércio que passaram a demandar competência para autodesenvolvimento em matéria de qualificação. A literatura sobre "qualificações-chave" terminou por tornar-se verdadeira moda nos últimos anos, acompanhada da explicitação das competências requeridas nos dias de hoje: — competências sociais: disposição para trabalhar em grupo (cooperação e comunicação), capacidade de gerenciar conflitos, atenção às diferenças; — competências pessoais: conhecimentos e habilidades técnicas, simultânea autonomia e interdependência; — competências metodológicas: método de trabalho e de apren- dizagem, capacidade de crítica, julgamento e reflexão, criatividade; — competências ligadas à negociação: qualificação e motivação, virtudes comportamentais. A capacitação passa a ser vista como formação da personalidade e a levar em conta uma percepção sensível das diferenças e dos problemas. Trata-se de uma metacapacitação, que levanta muitas questões e muitas indagações. Afinal, em que medida são transferíveis as competências sociais e pessoais? Que fatores são efetivamente decisivos na formação de personalidades capazes de dispor de tais competências? Ganhou relevância a psicologia educacional, social e da personalidade. Por isso, pode-se dizer que este período está marcado por uma revalorização da economia e da psicologia, em contraste com os períodos anteriores em que dominaram a sociologia e a política. Vale a pena aqui mencionar que, na Comunidade Européia, onde se busca certa unidade através da vontade política, dois temas ocupam hoje um lugar relevante nas políticas educacionais propostas como instrumento de integração: a intensificação da formação profissional e a educação continuada como instrumento de melhoria da qualidade do trabalho e de incorporação/reincorporação ao mercado. Formação continuada dos professores, internacionalização dos conteúdos das aulas, através de mudanças que incluem reforço das línguas estrangeiras e revisão curricular, bem como a aprendizagem de competencias interculturals são alguns dos itens de maior relevância na reordenação dos sistemas de educação da região. O programa EG-Task-Force (Human ressources) destinado à educação continuada foi lançado na Europa em 1990, com amplo apoio daqueles que demandam mais educação geral, sugerindo que um novo consenso esteja sendo construído em torno ao ensino profissional. Ele se complementa através de um programa de troca de informações e experi- ência entre trabalhadores (PETRA) que parte da convicção de que con- versas entre trabalhadores e trabalho regular, em círculos de controle de qualidade, possibilitam conhecer melhor as necessidades de qualificação. Reforçou-se a tendência a enfocar tecnicamente tais necessidades. No entanto, ela ocorre num contexto de redimensionamento de tôda a discussão a respeito do ensino profissional, em função das novas condições estruturais do mercado de trabalho e das exigências sociais e produtivas por capacitação de natureza geral e abstrata. Hoje, francamente, adaptar-se não basta; é preciso ser capaz de enfrentar os problemas com iniciativa e criatividade, a partir de uma base sólida de conhecimentos. A América Latina confronta-se hoje com a baixa qualidade de sua força de trabalho e dos membros de suas sociedades, em geral, num mundo em que se agudizou a consciência de que a produtividade de cada um depende não apenas do seu nível de conhecimentos, mas dos conhecimentos daqueles que o cercam. Agudizou-se também a percepção de que a carência educacional é fonte de desperdícios insuportáveis em pessoas (no caso da segurança pessoal e do trabalho), maquinaria, insumos, etc. Qualquer trabalho mal planejado, mal pensado, mal executado gera perdas que o mundo contemporâneo não pode suportar. Se problemas são enormes onde o trabalho é enquadrado e regulamentado, como nas fábricas e nos escritórios, fora deles resultados positivos parecem milagre. Não se trata apenas da educação formal que precisa ser compensada; trata-se também da educação familiar, da cultura de grupos sociais que não tiveram oportunidade de aprender a cuidar delicadamente de objetos, insumos e relações, como o mundo moderno deles está a exigir. Parte do dilema latino-americano está em como enfrentar de maneira adequada tantos problemas simultâneos na área da educação de jovens e adultos e em como definir uma adequada política para a juventude. ESTADO E EDUCAÇÃO POPULAR Ao longo do ciclo das ditaduras militares, que coincidiram com o período pós-Vaticano II e das grandes Encíclicas progressistas e com a proliferação de uma literatura reprodutivista na area educacional, o Estado foi endemoninhado como fonte de iniciativas contrárias aos interesses das grandesmassas. Isto ocorreu num período em que a crise fiscal não se havia instalado com a intensidade dos dias de hoje, em que a ideologia neoliberal não encontrava solo tão firme como hoje e em que a oferta pública de serviços sociais básicos não estava em questão. Pretendia-se que a sociedade civil, em grande medida organizada pela Igreja — ao menos no período anterior à redemocratização do Estado — fosse capaz de resgatar o caráter verdadeiramente popular (político) das ações educacionais, especialmente aquelas de natureza não-formal, compensatória ou ligadas à aprendizagem da participação (Paiva, 1980). Não deixa de ser interessante constatar que o neoliberalismo contemporâneo, que substitui a ideologia que serviu de base à construção de Estados de Bem-Estar ou de seus embriões, tem conduzido muitos Estados do continente a programas de desmontagem do aparelho estatal que atingem em cheio a população no campo da saúde, da segurança e da educação. Neste, pode-se dizer que estamos diante de uma não tão feliz coincidência entre demandas que foram consideradas progressistas e orientações ideológicas que incidem sobre direitos tradicionais conquistados pela população desde há muito, sem que se possa encontrar uma solução fácil para a compatibilização entre a prevalência do mercado no campo social, a democracia de base e níveis socialmente aceitáveis de eqüidade. Os riscos desta "feliz coincidência", que coloca em xeque a responsabilidade do Estado no campo das políticas sociais, começam a ser dramáticos nos setores que mais diretamente atingem a vida e a integridade física da população. A nova "satanização do público", que tem propiciado confusão entre redução da atividade econômica do Estado e atrofìa dos serviços públicos, aparece disfarçada pelo discurso da competência e da eficiência (Gaspari, 1993), mas em termos concretos significa desproteção dos pobres e do cidadão em geral. uma nova consciência de que nem tudo pode ser solucionado pelo mercado e por cansativa renegociação permanente, entre as classes, emerge da experiência de poucos anos. Ela vem junto com o reconhe cimento de que Estados pobres não sofrem do gigantismo que lhes tem sido atribuído e que seu desmantelamento supõe a destruição de sua capacidade gerenciadora, articuladora, aglutinadora e de regulamentação, que sempre foi muito menor do que a de Estados ricos de tradição neoliberal (Santos, 1993). Trata-se de encontrar ajusta medida da descentralização, da privatização e da proteção, também na área da educação em geral e de jovens e adultos em particular. O documento orientador CEPAL/OREALC (1992). que traça linhas para o continente seguindo de perto as diretrizes do texto pro- priamente econômico, reflete o colapso do nacional-populismo e do estruturalismo cepalino dos anos precedentes, ao mesmo tempo em que preserva a idéia de reforma estrutural. Esta, porém, adquiriu — entre outros —o significado de des regulamentação, desmantelamento do Estado intervencionista, abertura da economia à concorrência internacional (Smith, 1993). No entanto, a matriz anglo-saxônica de tal orientação tem sido xecada não apenas pelos desatrosos resultados oferecidos pelos países latino-americanos que exageraram na receita (como o Brasil da era Collor), como pelos exemplos de elevada performance econômica contemporânea de países com Estados fortes, como encontramos na Asia e no caso alemão. O "paradoxo neoliberal" emerge não apenas de exemplos como os acima citados, mas da concreta dificuldade de implementação de políticas neoliberais por Estados enfraquecidos. Reaparece no cenário a preocupação em fortalecer os Estados, não para que atue de forma intervencionista, mas para que — através de burocracias administrativas fortes e com elevada capacidade gerencial — possa acompanhar, implementar e controlar as políticas de ajuste estrutural. "O Estado precisa de autonomia na formulação e implementação de políticas para tomar distância dos conflitos da sociedade. Mas, num segundo momento, para implementar políticas mais ou menos de longo prazo, precisa do apoio dos setores organizados da sociedade" (Smith, 1993), o que supõe democracia forte e consciência social dos limites da proposta de redução do Estado. Diante do avanço neoliberal, já é hoje possível afirmar, sem risco de grande heresia, que "mercado sem Estado é um mercado negro" (Smith, 1993) e que a democracia — em algumas das formas que assume — gera muitos problemas no que diz respeito à eficiência, na medida em que as lutas ligadas ao mercado e às classes podem introduzir um nível muito elevado de irracionalidade econômica na formulação e implementação de políticas. Reconstruir o aparelho estatal e reconstruir a democracia são questões fundamentais do pós-keynesianismo e os organismos multilaterais começam a trabalhar este problema. As políticas neoliberais não podem ser uma permanente ameaça a democracias frágeis, exigindo um tipo de trabalho não apenas com o parlamento, mas também com os partidos e grupos organizados da sociedade. As forças sociais atuantes, por outro lado, precisam fortalecer a democracia respeitando a autonomia ad- ministrativa do Estado, necessária ao êxito de qualquer plano econômico. O controle da sociedade não deve se dar à custa da necessária autonomia do Estado, nem esta à custa da democracia política. Estas questões incidem diretamente sobre o campo educacional, onde a proposta privatista vai junto com a idéia de controle local e comunitário sobre as escolas. Democratização, descentralização, privatização, novas formas de gestão são palavras de ordem geral com grande eco sobre o setor da educação. O Estado como fonte de iniciativas que visam à geração de oportunidades e de eqüidade esteve por um momento fora do eixo principal. No entanto, o "paradoxo neoliberal" volta a recolocar velhas questões, das quais muitos países desenvolvidos — como no caso da Alemanha — nunca se afastaram, sem que por isso experimentassem queda na produtividade ou tivessem perdido o bonde da história. uma nova equação está sendo gestada e nela certamente há um espaço importante a ser ocupado pelo Estado na área educacional em geral e em especial naqueles setores onde há que suplementar a oferta de oportunidades necessárias à vida no mundo contemporâneo — assentado sobre a palavra escrita e apresentando complexidade crescente — e onde há que compensar fracassos ou insuficiências pretéritas. Merece ainda ser dito que, embora os argumentos em favor da educação de jovens e adultos estejam, em nossos dias, forte e ex- plicitamente apoiados sobre uma lógica imposta pela dinâmica econômica — a mesma que empurra em direção ao reconhecimento da centralidade da educação e da qualidade do ensino —, esta redução é pobre e irreal. A questão da cidadania, mesmo que não seja hoje percebida como crucial nos países capitalistas desenvolvidos que dão por supostas instituições democráticas sólidas, retornará ao seu tradicional lugar de destaque por muitas razões. Entre elas se encontram não apenas as questões políticas novas que se levantarão nos países que emergiram dos escombros do socialismo e da redefinição dos Estados de Bem-Estar, mas também aquelas que em todas as áreas do globo derivarão da nova força social que cobrará a questão da eqüidade diante do avanço neoliberal. A busca de um novo equilíbrio entre mercado, classes sociais e Estado inevitavelmente se imporá ao mundo contemporâneo, incidindo decisivamente sobre uma nova tematização do campo da educação de jovens e adultos e sobre as políticas que para ele se formulem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAHAMSSON, Kenneth. Adult literacy and basic skills In Sweden: an overview of policy issues and research needs. SNBE, 1993. ARVIDSON, Lars, RUBENSON. Kjell. Education and training
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