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Da retroatividade das leis civis

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REYNALDO PORCHAT 
LENTE DA FACULDADE DE DIREITO DE SÃO PAULO 
DA RETROACTIVIDADE 
DAS 
LEIS CIVIS 
 
São Paulo 
Duprat & Comp - Rua Direita. 26 
1909 
 
DA RETROACTIVIDADE 
DAS 
LEIS CIVIS 
CAPITULO I 
Do conceito da retroactividade 
1. A efficacia e o imperio da lei têm um 
determinado limite de tempo, que é fixado pelo 
momento inicial da sua publicação o pelo mo-mento 
final da sua abrogacão. Dentro nesse espaço de tempo, 
são regulados pela lei vigente todos os actos que nelle 
se realisam produzindo relações juridicas. Mas quando 
uma lei é abro- 
gada por uma outra lei. acontece geralmente que certos 
actos que furam praticados no do-minio da primeira, 
produzem consequencias ou effeitos que se projectam 
pelo tempo posterior a abrogação e vão eífecttvar-se 
ou tornar-se exigiveis quando já se acha em vigor a 
nova lei prerrogativa. 
— 4 — 
E se é verdade que a autoridade da lei cessa 
quando é ella abrogada, parece, á primeira, vista, que 
não póde mais ser invocada para regular quaesquer 
relações de direito, uma vez que pela publicação de 
uma nova lei começou esta a exercer plenamente a sua 
autoridade. Entretanto o direito permitte que, mesmo 
dentro no periodo de tempo em que domina a lei nova, 
seja invocada a lei antiga para reger certos actos que 
nasceram sob o seu imperio, e que ainda pão se acham 
de todo consummados, bem como as consequencias e 
os effeitos resultantes desses mesmos actos. 
2. Quando a lei nova em vigor não attinge com a 
sua autoridade esses actos e suas consequencias, e os 
deixa inteiramente regulados pela lei antiga, sob cujo 
dominio tiveram nascimento, se diz que não ha 
retroactividade, isto é, que a lei nova não retroage, não 
tem acção alguma sobre taes actos praticados no 
passado, antes do momento da sua publicação, embora 
só depois desta se tornem exigíveis as respectivas 
consequencias e effeitos. Ao envez, quando a 
autoridade da lei nova se exerce sobre actos que foram 
praticados sob o dominio da lei antiga, e regula os 
effeitos e consequencias que venham a produzir-se já 
sob o imperio da nova lei, se diz que ha 
retroactividade, isto é, que a lei retroage, e que 
debaixo de sua acção cáem 
 
— 5 — 
os actos que. nasceram antes da sua publicação, mas 
cujos effeitos venham a tornar-se exigíveis depois 
delia. 
3. Quaes sejam os actos que escapam á acção da 
lei nova, e quaes sejam os que a ella se submettem — 
é o importantíssimo problema juridico, que deu logar á 
construcção da theoria da retroactividade das leis, 
chamada por alguns ctheoria da não retroactividade 
das leis», (¹) por outros, «theoria da irretroactividade», 
(2) «theoria dos direitos adquiridos» (3) e que outros 
denominaram «questões de direito transitorio». (4) 
4. O assumpto, quer sob o ponto de vista 
puramente theorico, quer sob o ponto de. vista do 
interesse prático, é dos que têm des-pertado as maiores 
controversias, ou, como diz Clovis Bevilaqua, é um 
dos pontos mais obscurecidos pela discussão jurídica. 
(5) 
Já no dar o nome á theoria, como acabamos de 
ver, não se harmonisam os escriptores. 
5. E o desaccôrdo ainda se manifesta com maior 
inconvenieacia para o estudo da materia no definir-se 
o que seja retroactividade da lei. 
 
(¹) Baudry Lacantinerie—Trait. de Droit. Cio., % ed. v. I n. 125, 
nota I 
(²) Pacifici-Mazzoni — Ist. di Dir. Cio. Ital., v. I n.° 85 e segs. 
(³) Lassalle—Théor. Systém. d.s Droits. Acguis., trad. franc. 1,904—
v. 1. 
(4) Chabot de 1'Allier—Quest. trans. sur le Cod. Civ. 
(5) Clovis Bevilaqua—Th. Ger. do Dir. Civ. pag. 19. 
7. Os actos ou relações jurídicas perante os 
quaes a lei nova não retroage, são os con-
vencionalmente chamados — direitos adquiridos. 
Quando, ao executar-se uma lei nova qual-
quer, depara-se um direito adquirido que possa ser 
lesado, a lei não tem applicação ao caso, porque a 
retroactividade seria injusta. Quando não se 
encontra direito adquirido, applica-se a lei, mesmo 
retroactivamente, porque a retro-actividade é justa. 
A expressão — direito adquirido— é usa-da 
de longa data, geralmente adoptada, e exprime 
com clareza a idéa que nella se quer incluir. 
Não têm razão, portanto, Planiol, (¹) Va-
reilles Sommières (2) e os que com elles criticam 
o uso dessa expressão, sem lhe apresentarem 
substitutivo satisfactorio. 
Se, em alguns casos, ha difficuldade em 
decidir se se trata de um direito adquirido ou de 
uma espectativa, isso não autorisa a declarar 
inexacta ou falsa a distincção. 
£' verdade que pode ser ella tomada em 
sentido differente quando se trate de outra materia 
jurídica; mas, empregada em qualquer questão 
pertencente á theoria da retroactividade das leis, 
tem um significado proprio, technica-mente 
firmado, e que não se confunde com qualquer 
outro. 
(1) Planiol— Trait. de Dr. Civ., 4 ed., v. I, n. 24I. (2) 
Vareilles Sommières — Une theor. nouv. sur la no* re-troact. des 
lois, apud Baudry, ob. cit., n. 125, n. I. 
CAPITULO II 
Do direito adquirido ; direito consumma-do ; faculdades ; 
espectativas. 
8. Direito adquirido — Se é pelo re-
conhecimento da existencia ou inexistencia do direito 
adquirido, que se conclue pelo effeito não retroactivo 
ou retroactivo de uma lei nova, cumpre fixar, de 
modo claro, o que seja — direito adquirido. 
Ingentes têm sido as tentativas feitas para o 
definir; e os mais notaveis jurisconsultos têm tomado 
parte na tarefa. Quasi sempre falhos ou incompletos 
os resultados, Planiol (¹) ainda modernamente chegou 
a chamar de artificial e viciosa a doutrina do direito 
adquirido, julgando impossível dar-lhe uma definição 
satisfactoria. (2). 
Mas não. pensamos com Planiol. Depois do 
preciosíssimo contingente trazido pelo insi- 
(1) Planiol—loi-, cit. 
(2) Guilherme Alves Moreira, na sua substanciosa obra 
ultimamente publicada, applaude a critica de Planiol; e para não 
empregar a expressão consagrada— direito adquirida —usa de outras 
equipollentes : «direito definitivamente individualisado >, « situação 
subjectiva definitivamente constituída >, etc.—Inst. dt Direito Civil 
Português—1907—v. I m. 36, 37 e 38.) 
— 12 — 
121. Mais do que todas, a noção dada por 
Savigny, (1) contribue efficazmente para for-mular-se 
uma definição do direito adquirido. Para elle, direitos 
adquiridos são consequencias de factos juridicos 
passados, mas consequencias ainda não realisadas, 
que ainda não se tornaram de todo effectivas. Direito 
adquirido é, pois, todo o direito fundado sobre um 
facto juridico que já succedeu, mas que ainda não foi 
feito valer, são «as relações jurídicas de uma pessoa 
determinada, isto é, os elementos de uma esphera de 
independente domínio da vontade individual, e não 
as faculdades abstractas de todos os homens ou de 
classes inteiras de homens», nem as «espectativas, 
que se fundam sobre uma antiga lei, mas são 
destruídas pela 
lei nova». 
Nessa noção, vem se destacados alguns cara-
cterísticos do direito adquirido: — consequencias de 
facto realisado sob a lei antiga, constituindo relações 
de direito, onde se manifesta o domínio da vontade 
individual, mas que ainda não se fizeram valer. 
13. Posteriormente Lassale, imprimindo uma 
orientação profundamente philosophica ao estudo da 
materia, em sua admiravel monogra-phia sobre o 
assumpto (2) veiu, com idéas inteiramente novas, 
accentuar uma das feições 
 
 (1) Savigny—ob. cit. v. 8 § 385, pags. 382, 385, 386 e 387. (2) 
Lassalle— ob. cit. 
— 13 — 
mais características do direito adquirido, mostrando a 
razão por que elle se impõe ao respeito perante 
quaesquer disposições de uma legislação futura. Para 
Lassale, o direito adquirido se apresenta como a 
effectuação da livre 'vontade do individuo. Quem o 
adquiriu, obroucomo um ente livre que pensou e quiz, 
sabendo o que queria, conhecendo a lei vigente, e 
acceitando voluntariamente as consequencias do seu 
acto. Uma lei nova que o violasse, constituiria uma af-
fronta á inviolabilidade da personalidade humana. 
Este cunho da individualidade da pessoa, que 
assignala o direito adquirido, deante do qual deve 
desapparecer qualquer effeito de uma lei nova, é um 
dos pontos em que mais realça a theoria de Lassalle, e 
em que mais proveitosamente elle contribue para o 
conhecimento da natureza desse direito. 
A theoria do eminente escriptor pecca, porém, 
por ter elle, arrastado pelas exagerações da sua escola 
philosophica, affirmado que o direito adquirido 
resulta exclusivamente de um acto da liberdade 
individual, da acção livre da vontade, e não póde 
nascer de uma simples determinação legal 
independentemente do concurso da vontade do 
individuo. 
E' um pequeno senão, que torna incompleta a 
sua brilhante doutrina, excluindo da categoria dos 
direitos adquiridos alguns direitos, que devem ser 
incontestavelmente considerados taes. 
— 14 — 
Porque, como justamente observa Gabba (l) 
comquanto seja verdadeiro que a maior parte das 
relações jurídicas sejam postas em existen- 
cia pela 
vontade humana, e por isso a maior parte dos direitos 
adquiridos o sejam por meio de actos voluntarios, é, 
entretanto, certo que alguns direitos nascem directa ou 
indirectamente ipso jure, isto é, por obra da lei, e 
constituem verdadeiros direitos adquiridos. 
14.. Foi com o aproveitamento dos elementos 
colligidos nas difinições precedentes, que o insigne 
Gabba, corrigindo e completando as idéas 
anteriormente expostas, conseguiu formular a su.t 
longa definição do direito adquirido. 
«E' direito adquirido», define elle, «todo o 
direito — a) que é consequencia de um facto idoneo a 
produzil-o em virtude da lei do tempo em que esse 
facto foi realisado, embora a occa-sião de o fazer 
valer não se tivesse apresentado antes da existencia de 
uma lei nova sobre o mesmo objecto, e —b) que nos 
termos da lei sob o imperio da qual se deu o facto de 
que se originou, entrou ímmediatamente a fazer parte 
do patrimonio de quem o adquiriu.»(2). 
(2) Gabba— ob. cit. p- 175. 
(2) Gabba—eb. cit p. 191. Espínola—Syst. de Dir. Civ. Brasil, pag. 
170 nota 5—reconhece que esta definição apresenta um criterio 
distinctivo sufficiente não só sob o ponto de vista theorico, como 
tambem para as necessidades da prática. Não pensa assim o douto 
Lacerda de Almeida—que a critica com rigor, em substancioso artigo 
publicado no Jornal do Commecio de 28 de fevereiro de 1909. 
— 15 — 
 Essa definição, desde que seja completada com 
esta frase final, que lhe offerecemos em 
additamento,— «ou constituiu o adquirente na posse 
de um estado civil definitivo»,— encerra todos os 
característicos distinctivos do direito adquirido, que 
são: 
1.° um facto acquisitivo, idoneo a produzir 
direito, de conformidade com a lei vigente; 
 2.0 uma lei vigente no momento em que o facto 
se realise; 
3.0 capacidade legal do agente ; 
4.0 ter o direito entrado a fazer parte do 
patrimonio do individuo, ou ter constituído o 
adquirente na posse de um estado civil definitivo; 
5.0 não ter sido exigido ainda ou consum-mado 
esse direito, isto é, não ter sido ainda realizado em 
todos os seus effeitos. 
15. I.° o facto — A expressão facto, segundo 
observa o autor da definição, deve ser tomada no seu 
mais amplo sentido, comprehen-dendo os factos e as 
relações jurídicas. E esse facto deve ser realisado 
completamente, de ac-cordo com a lei em vigor, 
porque se o facto) não tiver sido perfeito, como exige 
essa lei, não será apto a fazer adquirir um direito. O 
direito de uma pessoa determinada nasce do facto — 
jus oritur ex facto. Emquanto não se verifica o facto, 
que produz a acquisição de um direito, ha apenas 
possibilidade de direito, simples faculdade jurídica 
abstracta, ou mera espectativa. 
 
 
Para que o facto acquisitivo possa produzir 
direito, deve consistir em uma modalidade da situação 
em que o homem está pelo simples facto de ser 
homem. 
Essa modalidade pode provir ou de acto positivo 
da vontade humana, ou de fortuitas contingencias da 
vida social, de que a lei faz originar-se um direito. 
O acto voluntario pode ser praticado por uma só 
pessoa, seja a propria que adquire o direito, seja um 
terceiro, ( actos unilateraes ), ou por mais de uma 
pessoa (convenções); e pode ainda ser praticado ou 
com o proposito de fazer surgir um direito, ou sem o 
escopo de crear direito 
A palavra—facto—comprehende, pois, essas 
tres modalidades indicadas. Donde se conclue que um 
direito adquirido póde provir ou de um acto da propria 
vontade do adquirente, ou de um acto voluntario de 
outra pessoa, ou da determinação da lei, em virtude de 
uma cir-cumstancia qualquer ou caso fortuito. 
16. Para que o facto acquisitivo seja apto a 
produzir direito adquirido, deve reunir certos 
requisitos essenciaes, que são os seguintes : 
a) Deve ser praticado de conformidade com a lei 
vigente, sendo observadas as condições e as 
formalidades prescriptas sob pena de nullidade. E' 
claro que um facto realisado 
— 17 — 
contra o disposto na lei em vigor seria inválido ou 
nullo, e de facto nullo não póde resultar nenhum 
direito. E desde que a lei estabelece certas 
fórmalidades especiaes internas ou externas, para que 
um acto seja idoneo a produzir direito, é certo que o 
facto acquisitivo deve ser posto em existencia com 
observancia dessas fórmalidades que a lei do tempo 
exige. E' perante esta lei que se deve verificar se o 
facto é legal, quer quanto á materia, quer quanto á 
fórma, e se está apto a produzir effeitos juridicos — 
tempus regit actum. Se não contiver as condições e as 
fórmalidades exigidas pela lei do tempo em que teve 
existencia, é nullo e não produz effeito algum. 
17. Entretanto, alguns autores sustentam que, 
embora seja nullo um facto por ter sido praticado com 
falta de alguma condição ou fór- 
mal
idade exigida pela lei do tempo, esse facto 
convalescerá quanto á substancia ou quanto á fórma, 
isto é, se tornará válido, desde o momento em que 
appareça uma lei nova dispensando a condição e a 
fórmalidade que não foi observada. Assim, por 
exemplo, se um testamento fôr feito por um menor, e 
sómente perante quatro testemunhas, o que será 
motivo de nullidade perante a lei actual, tornar-se-á 
válido se, por occasião da morte do testador, houver 
uma nova lei permittindo que os me- 
— 18 — 
nores façam testamento e que os testamentos sejam 
feitos perante quatro testemunhas. 
Lassalle argumenta em prol dessa opinião, no 
tocante á convalescença material, embora) quanto á 
convalescença fórmal a restrinja só ao que elle chama 
—fórmas probatorias, e diz que, desde que a lei nova 
aboliu a disposição prohibitiva que impedia a 
manifestação da vontade, não ha razão para que essa 
manifestação da vontade não produza effeito, uma 
vez que ella ainda subsiste, e que desappareceu o unico 
obstaculo que havia. E procurando encontrar 
fundamento para a sua opinião no direito romano, 
mostra que, se entre pessoas de differente religião, 
ou ligadas por parentesco em gráu proximo, se 
realisasse um casamento prohibido, e, portanto, nullo 
perante a lei vigente, esse casamento tornar-se-ia 
válido desde o dia em que apparecesse uma nova lei 
abolindo taes impedimentos. 
Gabba rebate com vantagem a opinião de 
Lassalle, proclamando um principio inteiramente 
opposto. (1). Diz elle que, assim como a lei nova não 
póde apagar os effeitos das relações jurídicas 
validamente concluidas sob o imperio de uma lei 
precedente, assim tambem não póde, salvo em casos 
excepcionaes e expressamente determinados,attribuil-
os a actos que são nullos 
(1) Gabba—ob. cit., v. I, p. 243 
— 19 — 
em virtude da lei sob cuja autoridade foram 
concluídos. 
Realmente, quem praticou um acto juridico 
violando as disposições imperativas da lei vigente, 
não póde esperar que esse acto venha algum dia a 
produzir effeito, como se a lei houvesse sido 
observada. 
Pode acontecer mesmo que uma pessoa viole a 
lei intencionalmente, certo de que o seu acto nunca 
produzirá effeito juridico. E seria uma violencia que a 
doutrina viesse válidar um acto contra a vontade de 
quem o praticou. 
18. Nada faz para o caso o exemplo que 
Lassalle pretendeu encontrar no direito romano, onde, 
no fr. 4 e no fr. 65 § 1—de ritu nupt. (23-2) se declara 
que, embora originariamente inválido o casamento de 
um impubere, ou de um magistrado provincial com 
uma mulher da província por elle administrada, esse 
casamento se torna valido, desde o momento em que 
o impubere se torne pubere, ou o magistrado deixe o 
cargo que exercia. 
Em verdade, nesses casos, o direito romano 
admitte que se torne válido um acto que 
originariamente era nullo, não porque appare-cesse 
uma lei nova abolindo os impedimentos, como faz 
suppor Lassalle, — pois, não ha, nas hypotheses 
figuradas, nenhuma mudança de legislação, — mas 
sim, porque, como bem claramente se vê pelos 
exemplos, cessaram as cir- 
— 20 — 
cumstancias de facto que produziam a nullidade 
perante a lei vigente. 
Antes, o direito romano proclama o principio 
contrário, de que não convalescem os actos nullos, o 
que se vê estabelecido não só em materia de legados e 
fideicommissos pela regra cataniana (D. 34-7 ), 
segundo a qual o que é vicioso desde o principio não 
póde ter força nem effeito em qualquer tempo, como 
tambem nas regras geraes de direito, onde diz Paulo 
que—quod initio vitiosum est, non potest tractu 
temporis convalescere (fr. 29—de reg.jur. (50-17), e 
L. Rufino que—quæ ab initio inuti-tilis fuit institutio, 
ex postfacto convalescere non potest. (fr. 210 h. t.) 
O instituto da ratihabitio tambem em nada apoia 
a doutrina de Lassalle, porque, na ratihabitio—ratum 
habere,—ha uma approvação e ratificação daquillo 
que foi feito por falso procurador1,— rem haberi 
ratam hoc est comprobare adgnoscereque quod actum 
est a falso procuratore. (1) Está claro que não se 
cogita ahi de mu-dança de legislação. 
Savigny diz positivamente que a fórma de um 
negocio juridico deve julgar-se exclusivamente 
segundo a lei existente no tempo em que foi elle 
realisado de modo que uma lei posterior não influe 
sobre a sua válidade, quer simplifique, quer 
complique a antiga fórma. Esta 
(1) Ulpianus, fr. 12 § —rat. rem haberi (46—8). 
— 21 — 
maxima póde exprimir-se com as palavras — tempus 
regit actum, —• que correspondem, e aliás com maior 
gráu de certeza, á regra de direito local — locus regit 
actum (1). 
18. b) O facto deve realisar-se em tempo 
proprio, isto é, deve ser posterior á publicação, e 
anterior á abrogação da lei que lhe dá effeito juridico. 
Realmente, o effeito juridico de um facto só lhe pode 
ser reconhecido pela lei dentro de cujo período de 
obrigatoriedade elle teve existencia. Algumas vezes 
acontece que uma lei nova attribue effeitos juridicos 
diversos a um facto dado no domínio da lei antiga. 
Mas isso só se pode verificar a respeito de um facto de 
natureza permanente, começando os effeitos ju- 
rid
icos depois da publicação da nova lei, e sob a 
condição de não serem lesados direitos adquiridos. 
19. c) Deve ser perfeito, isto é, reali-sado 
completamente e em todas as suas partes. Diz-se 
assim, porque o facto acquisitivo pode ser simples ou 
complexo. Simples é aquelle que se realisa em um só 
momento, não apresentando partes successivas, 
separadas por um intervallo de tempo, (compra e 
venda, mutuo, etc.) Complexo é aquelle que se 
compõe de partes, as quaes vão tendo existencia 
separadamente, com intervallos de tempo. O facto 
complexo ainda 
(1) Savigny, ob. cit. v. 8 ( 388. p. 409. 
— 2 2 — 
pode verificãr-se de tres modos: ou posto em 
existencia por uma só pessoa, que praticou a série de 
actos em um período mais ou menos longo de tempo : 
(a usucapião); ou por duas ou mais pessoas, 
praticando cada uma separadamente, uma parte 
distincta do facto: (a suc-cessâo testamentaria); ou por 
um acto humano qualquer, ao qual se ligue um 
acontecimento posterior, que a pessoa não tem o poder 
de evitar: (os factos condicionaes). 
Emquanto o facto não está realisado era todas as 
suas partes, não póde produzir um di-reito adquirido. 
20. Os autores discutem se, estando rea-lisada 
apenas uma parte do facto complexo quando appareça 
uma lei nova, pode a pessoa ainda realisar as outras 
partes para o fim de adquirir um direito. Gabba (1) 
responde fazendo distincções: E' permittido 
aperfeiçoar o facto, quando a parte que falta seja 
infallivel, devendo necessariamente verificar-se, (2) ou 
quando seja uma verdadeira e propria condição, cujo 
implemento não possa ser evitado pela pessoa contra 
quem se fórma o direito adquirido, ou quando seja um 
desenvolvimento ou transfórmação de um direito 
adquirido anterior em que ella tenha a sua base. 
(1) Gabba— ob. cit. p. 229. 
(2) Conf. Papinianus, fr. 79 princ. — de cond. et demonst. 
(35—O Ulpianus, fr. 921—de novat— (46—2). 
— 23 — 
Fóra dessas tres condições, não é permit tido 
completar ou aperfeiçoar o facto, pois a parte 
realisada pode conter apenas uma espe-ctativa e não 
um direito adquirido, visto que «não se póde admittir 
direito adquirido a adquirir um direito». 
21. 2.° A lei vigente — Gabba (¹) diz 
que todas as vezes que affirmamos a existencia 
concreta de um direito, essa affirmação tem dois 
objectos: i.° a existencia de um facto do qual, ou em 
virtude do qual nós consideramos que surgiu o direito, 
2.° a existencia de uma lei que daquelle facto faz 
nascer um direito. 
A lei nova, embora affirmando ou negando 
alguma cousa, deve referir-se a um objecto con-Icreto, 
visando determinados factos ou circum-stancias. 
Antes de concretisado no facto, o direito existe apenas 
em abstracto, em um simples estado de possibilidade 
na lei que dá a norma de agir e reconhece nos 
indivíduos uma faculdade jurídica. E formulando uma 
proposição fundamental na theoria da retroactividade, 
o eminente escriptor observa que não se pode admittir 
um direito concreto, que não tenha o seu fundamento 
em uma lei ou norma jurídica positiva, ( 
comprehendendo os usos e costumes), vigente no 
tempo em que o direito surge, e não provenha de um 
facto ao qual essa norma [jurídica attribue a virtude de 
produzir direito. 
(¹) Gabba—ob. cit. p. 195. 
A lei do tempo é que regula o facto. E não é 
possível applicar a um mesmo caso juri- 
dico 
duas leis emanadas em tempo diverso, salvo quando o 
facto juridico é complexo, e se decompõe em partes 
distinctas que tiveram existencia em tempo e sob leis 
differentes. 
22. 3.° Capacidade legal do agente 
— Para que um facto seja idoneo a produzir direito, é 
necessario que o agente tenha capacidade jurídica 
reconhecida pela lei vigente no momento em que 
surgiu o facto. As questões de dolo, violencia ou erro, 
que podem viciar a vontade e influir sobre os effeitos 
de um acto praticado, devem ser tambem julgadas de 
accor-do com a lei do tempo. 
A capacidade de agir, diz Savigny, deve ser 
julgada exclusivamente segundo a data do facto 
juridico, seja . no tocante ao estado do facto, seja no 
que concerne á lei existente. Assim, se um menor 
conclue um contracto sem assistencia do tutor, este 
contracto é e permanece nullo, ainda depois que o 
menor tenha attingido a maioridade, e mesmo que 
uma lei posterior antecipe a epoca da maioridade. E 
da mesma fórma, o contractofeito por um maior de 
21 annos é e permanece válido, mesmo que depois 
seja adoptada a legislação romana que fixa o começo 
da maioridade em 25 annos. (1) 
(¹) Savigny—ob. cit. v. 8 § 387 p. 408. 
— 25 — 
23. 4.° Caracter patrimonial ou concreta utilidade 
resultante da posse de um estado civil definitivo — (¹) 
Nem de todos os direitos se pode dizer que são 
adquiridos. Para verificar-se a existencia de um direito 
adquirido, é necessario que elle constitua uma uti-
lidade concreta da pessoa, utilidade que pode traduzir-
se ou por vantajosas condições pessoaes subjectivas, 
resultantes da posse de um estado civil definitivo, ou 
por vantagens patrimoniaes, comprehendidas estas na 
sua mais ampla accepção. (2) 
A primeira fórma de utilidade attinge as 
qualidades constitutivas do estado da pessoa, (3) a 
segunda o patrimonio propriamente dito, 
concretisando-se em cousas externas, objectos de 
direito. 
O direito adquirido é, pois, individual, ou por 
fazer parte do patrimonio material de uma pessoa, ou 
por ligar-se intimamente á individualidade de alguem 
como um dos seus caracteres distinctivos. 
Limitando cuidadosamente o conceito do direito 
aquirido, adverte Gabba (4) que <direitos concretos e 
adquiridos são sómente aquelles 
(1) Filomnsi Guelfi— ob, cit- § 32 p. 111—diz que o direito 
adquirido, que deve ser respeitado, pertence ao domínio do direito 
privado devendo ter sido produzido de modo legitimo e fazer parte do 
patrimonio da pessoa. 
(2) Huc—Code Civil v. I n. 66. 
(3) Baudry Lacantinierie—ob. cit., v. 1 n. 146. 
(4) Gabba—ob. cit. p ato. 
— 26 — 
que, dentro da esphera do poder facultado pelas leis 
concernentes ás pessoas e ás cousas, visam a um 
determinado e vantajoso effeito, por essas leis 
contemplado de modo explicito ou implícito, e surgem 
nos indivíduos, ou por virtude da operosidade humana, 
ou por virtude directa da propria lei, em seguida a 
factos e circumstan-cias, nos modos e condições por 
ella preestabelecidas. > 
24. 5.° Não estar ainda consumma- 
do o direito.—Como ultimo elemento caracteristico do 
direito adquirido, exige a definição que o direito ainda 
não tenha sido feito valer, isto é, que ainda não tenha 
sido realisado em todos os seus effeitos. Nesta 
condição está o criterio pelo qual se distingue o direito 
adquirido daquelle que já foi consummado. Desde que 
o titular de um direito já o fez valer contra quem elle 
existia, e desde que já se realisaram os effeitos delle 
decorrentes, esse direito entrou para a classe dos factos 
consummados. deante dos quaes nem é possivel cogitar 
de acção re-,-troactiva de lei alguma. O direito 
adquirido é um direito que pertence a alguem, mas que 
ainda não produziu todos os seus effeitos, e que, por 
isso, póde ainda ser exigido judicialmente pelo seu 
titular. O direito consummado é aquelle que já se fez 
inteiramente effectivo, é um facto acabado, totalmente 
realisado, e a respeito do qual nada é possivel reclamar 
senão 
— 27 — 
o respeito ao que já aconteceu e que já produziu 
todos os seus effeitos. 
25. Por dois modos o direito se consumiria : por 
solução amigavel (transacção), ou por sentença 
judicial. 
Já dizia Paulo, nos arts. 229 e 230—de verb. sig. 
(50-16) que, pelas expressões transacta ou finita 
devemos entender não só aquellas cousas sobre as 
quaes houve controversia, mas tambem aquellas que se 
possuem sem ter havido controversia. Pertencem a esse 
numero os negocios terminados por um julgamento, os 
que se resolveram por uma transacção, ou os que Ana-
lisaram por um silencio de longo tempo. Transacta 
finitave intelligere debemus, non solum quibus 
controversia fuit, sed etiam quæ sine controversia sint 
possessa : ut sunt judicio ter-minata, transactione 
composita, longioris tempo-ris' silentio finita. 
Na c. 7—de leg. (1-14), Theodosio e Va-
lentiniano determinaram que as leis e as constituições 
só regulam os casos futuros e não podem revogar os 
factos passados—leges et cons-titutiones futuris 
certum est dare fórmam ne-gotis: non ad fada 
prceterita revocari; e na c. 2 § 23—de vet. jur. enucl. 
(1-17) Justiniano, promulgando as Instituías, o 
Digesto e o Codigo, ordenou que só tivessem força de 
lei para os casos futuros e pendentes, e não para os 
 
— 28 — 
que estivessem terminados por sentença judicial ou por 
composição amigavel, pois que estes de nenhum modo 
devem ser resuscitados—et suum vigorem in judiais os 
tendentes in omnièus causis, sive quæ postea 
emerserint sive in judiciis adhuc pendent nec ea 
judicialis vel amicalis forma com-pescuit. Quæ enim 
jam vel judiciali sententia finita sunt vel amicali pacto 
sopita, hæc resus-citari nullo volumus modo. 
E neste sentido, muitos outros textos se 
encontram affirmando todos que as leis novas não 
podem affectar os casos que já terminaram por 
transacção ou por sentença, isto é, os factos 
consummados—(c. 16—de transac. (2-4), c. 22 § I 
— de sacr. -eccl. ( 1-2 ) c. 17 § 1 —de fide instrum, 
(4-21), c. 15 § 5—de legit. hæred. (6-58), nov. 19 pr. 
e cap. 1. 
26. Releva notar que os autores divergem 
quanto á questão de saber se se deve applicar ao caso 
uma lei publicada posteriormente á sentença judicial, 
quando sobre esta pende ainda decisão de um tribunal 
superior, por ter sido contra ella interposto recurso de 
appellação. Gabba (1) diz que, na sua opinião, não ha 
duvida que sobre tal sentença deve influir toda e 
qualquer lei retroactiva por mera vontade do 
legislador, emanada pendente a causa. 
Em direito romano, porém, não póde ser 
admittida semelhante opinião, porque Justiniano 
(¹) Gabba, ob. cit. p. 37. 
— 29 — 
declarou expresssamente, em a nov. 115. pr. e cap. I 
que «se se interpuzer appellação contra a sentença 
pronunciada em uma causa, os juizes a devem julgar 
observando as leis vigentes no momento em que a 
sentença foi pronunciada, mesmo quando appareça, 
depois da sentença, uma lei nova, cujas disposições 
sejam applica-veis a casos anteriores.» 
Savigny justifica a disposição romana, di-zendo 
que o juiz da primeira instancia sómente podia decidir 
segundo a lei vigente no tempo da sua sentença, e ao 
tribunal de appellação só é permittido modificar uma 
sentença errada, mas nunca uma sentença justificada 
por si mesma. (¹). 
Tratando se de recursos contra a sentença que 
ainda não passou em julgado, a regra geralmente 
admittida é que uma lei nova não póde abolir, com 
effeito retroactivo, um recurso que a lei antiga 
admittia quando foi pronunciada a sentença. E Gabba 
entende que um recurso introduzido por lei nova não 
póde ser adoptado contra uma sentença pronunciada 
sob a vigencia de uma lei que o não admittia. (2). 
27. Faculdades e expectativas.—Conhecida a 
natureza do direito adquirido, pelo estudo dos seus 
elementos constitutivos, podemos distinguil-o não só 
do facto consummado, 
(1) Savigny, ob. cit. § 397 p. p18. 
(2) Gabba, ob. aí. v. 4 p. 539. 
— 30 — 
como acabámos de vêr, mas ainda das simples 
faculdades e das meras espectativas, conforme a 
technica usada pelos autores, repellida mo-
dernamente, sem razão alguma, por Planiol (1) e os 
que o acompanham. 
Faculdade, como a palavra bem claramente 
significa, é a simples capacidade, não exercitada, de 
praticar actos juridicos; é um direito que a lei 
reconhece, mas que nunca foi posto em prá-tica, do 
qual ainda não foi feito uso pela pes-soa de quem se 
trata, como, por exemplo, a faculdade de contrahir 
casamento, ou a faculdade de testar. Essa faculdade se 
mantém como tal, emquanto a pessoa não a exercita 
por meio de um facto acquisitivo de direito. Ella é 
anterior ao direito adquirido, e simples meio para o 
adquirir. 
Espectativa é a mesma esperança de um direito 
que, pela ordem natural das cousas, e de 
accordo com umalegislação existente, entrará 
provavelmente para o patrimonio de um individuo 
quando se realise um acontecimento previsto. A 
espectativa se distingue da faculdade,porque se 
transfórma em um direito que entrará para o 
patrimonio do individuo independentemente de 
qualquer acto deste. A faculdade só produz 
acquisição de direito quando exercida pelo titular 
O conceito da espectativa está para 
(1) Planiol, ob. cit. v. I n. 249. Clovis Bevilaqua.—Theor, do Dir. 
Civ. pag. 21. 
— 31 — 
o de faculdade, como o conceito de probabilidade 
está para o de possibilidade. 
A espectativa se distingue do direito adquirido 
porque este, como vimos, já entrou para 
o patrimonio da pessoa, ou, ao menos, já se 
concretisou em uma utilidade pessoal ou real para o 
individuo, ao passo que aquella é apenas uma 
esperança. Não ha direito adquirido, diz Filomusi 
Guelfi, quando um direito está no seu 
fieri ou devenire. (1) O direito em espectativa pode ser 
alterado por lei. O direito adquirido nem a lei o pode 
alterar. Um exemplo de espectativa de direito é a que 
tem o filho sobre a legitima paterna, porque em 
virtude de um acontecimento previsto, e de accordo 
com uma legislação vigente, elle espera que essa 
legitima entre para o seu patrimonio e constitua um 
direito adquirido. 
28. Cumpre notar que o direito adqui-rido pode 
ser condicionado. E é preciso maior attençâo, neste 
caso, para não o confundir com a espectativa. Para 
isso, deve-se observar que o direito adquirido 
condicionado tem todos os elementos de um direito 
adquirido, e já se concretisou em utilidade para o 
individuo, dependendo apenas da realisação de uma 
condição ou de um termo para que possa ser exigido. 
Por isso, no direito condicionado o adimplemento 
(1) Filomusi Guelfi -obr. cit. $ 32. 
— 32 — 
da condição, mesmo que se verifique sob o dominio de 
uma lei nova, tem effeito retroacti-vo, de modo que o 
direito se considera como real e effectivo desde o 
momento em que nasceu sob condição. Como diz 
Savigny, a diffe- rença está nisto : na espectativa o 
exito depende inteiramente do mero arbítrio de uma 
outra pessoa ao passo que na conditio e no dies não 
tem logar este arbítrio. (1) 
29. Feitas essas distincções indispensa-veis, 
podemos repetir, com segurança, a regra fundamental 
já exposta: — que a lei nova não pode ferir direitos 
adquiridos. Ou, em outros termos, deixando de parte os 
factos consumma-dos, que, como dissémos, estão 
inteiramente fóra de qualquer questão de direito 
transitorio, podemos dizer: — que a lei nova é 
retroactiva quando encontra simples faculdades ou 
meras espectativas; — não é retroactiva quando en-
contra direitos adquiridos. (1) 
No primeiro caso, a retroactividade é justa, 
porque, como já foi demonstrado, as faculdades e as 
espectativas são direitos in abstracto, que ainda não 
se realisaram por um facto, e ' que não constituem 
parte do patrimonio, nem con- 
(1) Savigny—obr. cit. v. i $ 385, p. 388, $ 392 p. 434. (2) Dernburg—
obr. cit. $ 43 n. 8—manifesta-sa contrário á opinião dos que dizem que 
a nSo retroactividade só se verifica em face dos direitos adquiridos; 
mas as poucas palavras do notavel jurisconsulto não bastam para 
produzir convicção. Elle mesmo reconhece que ta simples espectativas 
não têm defeca (cit. § in fin). 
— 33 — 
creta utilidade pessoal do individuo. Uma lei nova 
pode justamente extinguil-as sem causar damno 
algum, porque, como ensina Gabba, (1) desde que não 
haja lesão a direitos adquiridos, toda lei nova deve 
receber a mais ampla appli-cação a tudo o que 
concerne ao seu objecto, quer se trate de factos ou 
relações juridicas inteiramente novas, quer de 
consequencias de factos e relaçOes jurídicas 
anteriores. E ninguem se pode dizer lesado pela 
applicação da lei nova, pondera Baudry Lacantinerie, 
desde que ella não o despoja de algum direito 
adquirido. (2) 
No segundo caso, a retroactividade é injusta, 
porque, desde que o direito foi realisado, tornou-se 
adquirido, entrando a fazer parte do patrimonio de 
uma pessoa, ou constituindo-a na posse de um estado 
civil definitivo, e qualquer effeito retroactivo de uma 
lei nova seria uma offensa á pessoa, e grave lesão ao 
seu patrimonio, o que o direito não pode admittir. 
30. Lassalle, com aquella profundeza phi-
losophica que caracterisa o seu importante trabalho 
sobre esta materia, diz mesmo que — não 
retroactividade das leis e respeito aos direitos 
adquiridos são conceitos identicos. A retroactividade 
é inadmissível porque ella importa em uma invasão 
sobre a liberdade e a responsabi- 
(1) Gabba— ob cit\ v. I p. 182. 
(2) Baudry Lacantinerie—ob. cit. v. 1 n. 127. 
— 34 — 
lidade do homem. Aquelle que agiu livremente, 
conhecendo a lei vigente, e de conformidade com ella 
adquiriu um direito, sujeitando-se a todas as 
consequencias do seu acto nos termos dessa mesma 
lei, por confiar na ordem jurídica existente, não póde, 
sem violencia, ser, por disposição de uma lei nova, 
privado desse direito adquirido. O effeito retroactivo 
da lei, neste caso, seria uma affronta á personalidade 
do individuo, desrespeitando a vontade por elle ma-
nifestada de accordo com a lei que conhecia. E a lei 
nova que declarasse expressamente ter effeito 
retroactivo, seria, na expressão de Las-salle, não uma 
lei, mas «o não direito absoluto, a destruição da idéa 
do direito em geral». O verdadeiro fundamento do 
respeito aos direitos adquiridos, está, pois, na 
inviolabilidade da personalidade humana, e na 
inseparabilidade do conceito do direito e do de uma 
pessoa que pensa e quer livremente. (1) 
31. Mas não basta essa inviolabilidade da 
personalidade humana para justificar o respeito aos 
direitos adquiridos, diz proficientemente Gabba (2), 
completando a doutrina de Lassalle: «na 
retroactividade injusta os homens não vêm sómente 
offensas á personalidade, a qual, ás vezes, é 
sacrificada á razão de Estado, 
(1) Lassalle— ob. cie. v. I cap. II p. 65 e segs. (2) 
Gabba—ob. cie. p. 177. 
— 35 — 
mas elles vêm, além disso, verdadeiros damnos, 
verdadeiras diminuições de seu patrimonio pessoal e 
material. E isto porque o direito adquirido não é 
sómente uma manifestação do pensamento e da 
vontade do homem, mas é tambem um positivo 
augmento ou melhoramento da sua situação jurídica; 
e, porisso, o não direito que nasce da injusta 
retroactividade da lei, não é tolerado pelos homens, 
não só porque offende a dignidade humana, mas 
tambem porque di-minue o bem estar e produz um 
positivo prejuízo. » E' uma exigencia racional do 
direito, diz Filomusi Guelfi, que a lei não declare 
injusto ou nullo um acto exercido pela vontade sob a 
garantia de uma lei anterior. Desde que o primeiro 
direito formal, (a primeira lei) garantia o acto ou o 
facto, elle reconhecia a sua conformidade com a 
justiça e o direito; ora, se appa-rece um novo direito 
formal, com um conteudo diverso da justiça ou do 
direito, elle não pode nem deve desconhecer que a 
primeira lei correspondia ás exigencias historicas da 
justiça; e quem, na prática de um acto, se tem 
conformado com as prescripções do velho 
direito formal, prestou a homenagem devida ao proprio 
direito, donde resulta a exigencia de que seja 
respeitado o seu acto. (1) O principio da não 
retroactividade é, segundo Planiol, a salvaguarda 
necessaria dos direitos individuaes. Não haveria 
(1) Filomusi Guelfi—ob.cit. § 32—Dernburg—ob. cit. v. I p. 43. 
— 36 — 
nenhuma segurança para os particulares, escreve elle, 
se seus direitos, sua fortuna, sua condição pessoal, os 
effeitos de seus actos e de seus contractos pudessem, a 
cada passo, ser postos em questão ou supprimidos por 
uma mudança de vontade do legislador. O interesse 
geral, que não é aqui senão a resultantedos interesses 
individuaes, exige, pois, que aquillo que foi 
regularmente feito sob o imperio de uma lei, seja 
considerado como válido, e, por consequencia, 
estavel, mesmo depois da mudança da legislação. (1) 
32. O que se diz do direito adquirido, isto é, que 
a lei nova não retrotrahe o seu effeito quando o 
encontre, porque a retroactividade seria injusta, 
applica-se tambem ás consequencias do direito 
adquirido, porque ellas participam da mesma natureza 
deste. (2) 
Assim, adquirido um direito qualquer, todas as 
faculdades que delle decorrem como consequencias 
ou effeitos, são tambem direitos adqui-ridos e fórmam 
com elle uma só entidade. 
De facto, seria illusorio o respeito em que se 
deve ter o direito adquirido, se se pudesse impedir, 
por uma lei nova, a realisação das consequencias ou 
dos effeitos delle derivados, pois, um direito 
adquirido, como diz Gabba, 
(1) Planiol—ob. fit. v. I n. 240. 
(2 ) Alves Moreira—ob. cit. v. I n. 37. 
— 37 — 
algumas vezes se apresenta como uma unidade 
simples, mas outras vezes se apresenta como um 
complexo de muitas faculdades ou direitos que, ou 
coexistem, ou se exercitam successiva-mente em 
dadas circumstancias. (1) 
Neste ultimo caso, quando os direitos se 
exercitam successivamente uns como consequencias 
dos outros, estas consequencias participam da mesma 
natureza do direito adquirido, se contêm os mesmos 
caracteres deste e se se apresentam como um seu 
desenvolvimento ou transformação. 
Não importa que essas consequencias sejam 
previstas pelas partes contractantes, ou sejam 
exclusivamente estabelecidas pela lei vigente ao 
tempo em que se deu o facto. 
E' um desses princípios que se podem chamar 
fundamentaes e sagrados, porque têm por base a 
razão, a justiça e a fé inviolavel dos contractos, diz 
Chabot de 1'Allier, esse pelo qual se reconhece que 
nada deve ser alterado por uma lei nova relativamente 
aos effeitos de uma convenção irrevogavel. (2) 
Com a conclusão do contracto, escreve Savigny, 
as duas partes contractantes adquirem um direito á 
efficacia constante de todas as regras concernentes ás 
questões delle deriva-das. E esse direito é um direito 
adquirido, que 
(1) Gabba—ob. cit. v. I p. 276. (2) 
Chabot de I'AIlier—ob. cit. 
— 38— 
deve ser mantido em frente de qualquer leí nova. 
Esta maxima é verdadeira e tem applica-ção 
tambem aos contractos cujo effeito é diffe-rido pela 
dependencia de um termo, ou tor-nado incerto em 
virtude de uma condição. Além de estar de accordo 
com o principio fundamental da theoria, tem ella uma 
verdadeira importancia prática, porque é só pela sua 
appli-cação que se póde inspirar a confiança indis-
pensavel á segurança do commercio, de que a 
efficacia dos contractos se manterá inalteravel. (1) 
33. Grande divergencia tem dividido os autores 
quanto ao caracterisar quaes sejam as consequencias 
dos actos e contractos juridicos, que devem ser 
consideradas como direitos adquiridos para 
escaparem a qualquer acção da lei nova. Não nos 
sendo possível, pela natureza desta exposição, 
acompanhal-os nas longas discussões sustentadas a 
respeito, basta-nos declarar que a doutrina hoje 
triumphante é a de Gabba, que, deixando de parte a 
distincção entre consequencias e effeitos, e entre 
consequencias immediatas e remotas, affirma que 
«todas as vezes que nas consequencias dos 
(1) Savigny — ob. cit. § 392 p. 434-435 — Dernburg,—ob. cit. § 43. 
reconhece que, uma vez constituídas as relações juridicas, mau grado a 
entrada em vigor de novas leis, continuam perennemente a desenvolver 
os effeitos juridicos produzidos segundo a lei do tempo de sua 
constituição, a cujo domínio ficam sujeitas. 
— 39 — 
direitos adquiridos, isto é, nos effeitos destes, não 
directos e immediatos, mas occasionaes e eventuaes, 
ou posteriores aos immediatos e directos, queridos e 
postos como taes pelos contractantes e pela lei, todas 
as vezes que, em taes consequencias se encontre o 
caracter de desenvolvimento ou transfórmação do 
originario direito adquirido, ellas têm o caracter de 
outros tantos direitos adquiridos, e qualquer outra 
distracção se torna inutil. (1) Só com esse criterio é 
possível fixar a extensão do direito adquirido. 
(1) Gabba—ob. cit. p. 295. 
 
CAPITULO III 
Das leis expressamente retroactivas 
34. A exposta razão fundamental que determina 
a inviolabilidade do direito adquirido, repellindo, em 
qualquer hypothese, a retroactividade injusta, faz com 
que, de accôrdo com Struvius e Lassalle, e a despeito 
da opinião contrá-ria de grande numero de 
autoridades, não admitíamos a acção retroactiva por 
disposição expressa do legislador, quando este tenha 
por escopo ferir direitos adquiridos. Admittir a 
retroactividade pela simples intenção do legislador, é 
renunciar a todo ponto de vista scientifico, é duvidar 
da sciencia. (1) 
Como diz Berriat Saint Prix, o proprio poder 
legislativo não pode despojar um cidadão dos direitos 
que compõem seu patrimonio; elle não pode graval-o 
com um onus que diminua a sua fortuna. (2) 
(1) Lassalle—ob. cit., v. I, p. 45. 
(2) Berriat Saint Prix — Ther. du Dr. Constit—1851 —ns. 
736 e 737. 
— 42 — 
Filomusi Guelfi que, conforme o direito] positivo 
italiano, reconhece no legislador a fa-culdade de 
declarar expressamente retroactiva uma lei, adverte, 
ponderosamente, ser de bôa politica que elle não abuse 
desse poder, por-quanto o principio da não 
retroactividade, ge-ralmente acceito, que exige o 
respeito aos actos praticados de conformidade com a 
lei antiga, deve tambem ser attendido pelo proprio 
legis-lador. (1). 
35. E' tão procedente pela sua legitimidade 
jurídica esse principio, que, em alguns paizes, já foi 
elle acolhido como preceito constitucional para servir 
de salutar aviso aos legisladores ordinarios. A França, 
embora sem exito, já tentou collocal-o em uma das 
suas constituições. (2) Nos Estados Unidos da America 
do Norte, a constituição federal prescreve, no art. I 
sec. 9 n. 3, que não poderá ser votada lei que tenha 
effeito retroactivo (ex post facto). (3). E entre nós tem 
sido esse principio acceito desde a organisação do 
Imperio, como uma das garantias dos direitos do 
homem. Assim, a constituição imperial estabeleceu, 
no art. 179 § 3, que a disposição da lei não terá effeito 
retroactivo, e a constituição federal republicana, 
(1) Filomusi Guelfi— ob. cit., § 32. 
 (2) Constituição de 5 fructidor anno III (22 de agosto de 1795) (3) 
Tambem a const. da Noruega, art. 97, a da Grecia, art. 7 e a carta 
constitucional portugueza, art. 145 § 2. 
— 43 — 
no art. II n. 3, prohibe aos Estados, como á União, o 
prescrever leis retroactivas. 
E', portanto, inadmissível no Brasil, de accôrdo 
com a verdadeira doutrina, a acção retroactiva da lei 
por disposição expressa, que muitas legislações 
permittem, e de que tanto abusou a legislação romana 
no tempo dos imperadores. Como bem pondera 
Savigny, é sum-mamente importante que se possa ter 
uma confiança segura na autoridade das leis exis-
tentes. Cada qual deve poder estar certo de que os 
negocios juridicos que fez, conforme as leis 
existentes, para adquirir direitos, produzirão os seus 
effeitos ainda no futuro. (1). 
36. Deve-se notar que o dispositivo 
constitucional citado refere-se ao legislador e não ao 
juiz. A sua fórma não deixa nenhuma duvida sobre 
isso, porque véda que elle, quer nos Estados, quer na 
União, prescreva leis com effeito retroactivo 
expresso. Ao juiz não fóra possível prohibir que 
applicasse as leis com ef-feito retroactivo nos casos 
em que ellas o tenham pela natureza do objecto sobre 
que recáem. Desde que uma lei nova não encerre 
disposição expressa sobre acção retroactiva,—e entre 
nós isso é impossível, como vimos — o juiz deve 
dirigir-se,na applicaçâo das leis, guiado apenas pelos 
princípios doutrinarios já expostos, 
(1) Savigny—ob. cit., § 385, p, 390. 
— 44 — 
que determinam que uma lei nova deve ser 
applicada do modo o mais completo, abrangen-do 
todos os casos que se incluam na esphera do seu 
objecto, e respeitando apenas aquelles em que se 
verifique a existencia bem caracte-risada de um 
direito adquirido. 
CAPITULO IV 
Dos institutos juridicos de duração perpetua 
37. Um dos pontos em que alguns es-criptores 
têm procurado justificar a retroactividade expressa, é 
aquelle referente ás leis que têm por fim abolir certos 
institutos de duração perpetua, como a emphyteuse, 
os feudos, a servidão da gleba, a escravidão, etc. 
Realmente, os progressos da civilisação, 
impulsionando o aperfeiçoamento do direito, têm 
determinado a necessidade de abolir os institutos 
juridicos, que não se adaptam mais ás novas 
condições, á indole, aos costumes do povo. Ao 
mesmo tempo, não é possível deixar de reconhecer 
que a abolição desses institutos produz effeitos 
directos sobre o patrimonio dos indivíduos, 
constituindo um verdadeiro ataque aos direitos 
adquiridos. 
Ora, se, de conformidade com o principio 
fundamental da theoria da retroactividade, as leis 
novas não podem retrotrahir o seu effeito de modo a 
lesar direitos adquiridos, segue-se 
— 46 - 
que, uma vez resalvados da acção retroactiva da 
nova lei esses direitos, e sendo elles de natureza 
perpetua, como é o direito do emphyteuta sobre o 
immovel emphyteuticado, ou o do senhor sobre o 
escravo, a lei abolitiva não poderia realisar o seu 
fim, seria uma lei inefficaz. 
 39. A' vista disso, alguns autores esforçam-se 
por demonstrar que semelhantes leis têm effeito 
retroactivo completo, levando de vencida os 
direitos adquiridos; e assim deve ser, dizem elles, 
porque, desde que seja reconhecida a necessidade 
de abolir institutos de natureza per-i petua, por nao 
estarem mais de accôrdo com as idéas e as 
condições da sociedade civil, é que esses institutos 
nao têm mais legitimidade perante os princípios 
superiores do direito, da justiça e da razão (1). E 
em nome desses princípios, póde ser considerada 
como justa, nesses casos excepcionaes, a 
retroactividade com offensa aos direitos 
adquiridos (2). No caso em que a lei positiva é, de 
facto, a negação do direito e da justiça, dizia o 
notavel profes-sor Conselheiro Justino de 
Andrade, a lei nova, que a revoga, tem effeito 
retroactivo, em face de um principio irrefragavel, 
que é o seguinte : 
 (1) Struvius chama-lhes «horrores, vergonhas moraes injus 
tiças que não têm por si existencia jurídica. — Apud Savigny, ob, 
cit. p. 527. 
(2) Vincenzo Simoncelli— Sui limitti della legge nel tempo — 
Studii di diritto in onore di Vittorio Scialoja— igo5, v. 1 p. 382. 
— 47 — 
— « as leis que restabelecem o direito natural le 
reparam os direitos imprescriptiveis da humanidade, 
devem receber immediata applicação por todos os 
meios possíveis.» 
 39. Para outros, a inviolabilidade dos [direitos 
adquiridos é um dogma tão respeitavel, que, mesmo 
nesses casos figurados, não é admissível que a lei 
nova os extinga sem que los indivíduos prejudicados 
sejam devidamente recompensados pelo Estado com a 
competente indemnisação pelo damno que soffrerem. 
No Brasil, quando foi abolida a escravidão, pela 
lei de 13 de maio de 1888, os poderes publicos 
entenderam do primeiro modo, a despeito do preceito 
constitucional vigente, achando justa a retroactividade 
da lei para o effeito de extinguir, como extinguiu, sem 
indemnisação alguma, os direitos adquiridos dos 
senhores so-bre os escravos, que constituíam uma 
propriedade garantida pelas leis. 
Na Inglaterra, quando foi abolida a escravidão 
nas possessões inglezas, entendeu-se do segundo 
modo, que está mais de accordo com o rigor do 
direito, despendendo o governo in-glez avultadas 
sommas para indemnisar os damnos causados aos 
senhores dos escravos. 
O certo é que, a despeito das divergencias 
quanto ao dever de indemnisação, que nos pa-rece um 
consectario do respeito aos direitos 
— 48 — 
individuaes, todos concordam em que as leis 
abolitivas de institutos de duração perpetua ne-
cessitam, para a realisação do seu fim, do mais 
amplo effeito retroactivo, extinguindo mesmo os 
direitos adquiridos. 
E', segundo pensamos, uma excepção á 
doutrina exposta, excepção justificada pela ne-
cessidade jurídica que dictou a nova lei. 
CAPITULO V 
Das leis sobre prescrlpçíio 
40. A materia concernente á prescripção, quer 
acquisitiva, quer extinctiva, tem despertado a attenção 
especial dos auctores, porque ella se concretisa 
sempre em um facto complexo, a respeito do qual 
sérias difficuldades se apresentam ao tratar-se da 
applicação de uma lei nova. Sendo a prescripção o 
instituto jurídico em virtude do qual, decorrido um 
certo lapso de tempo, e verificadas certas condições 
legaes, uma pessoa adquire ou perde direitos, é claro 
que» quando apparecem leis novas alterando o espaço 
de tempo, ou modificando os requisitos da 
prescripção, surge logo a questão de saber se uma 
prescripção começada no domínio da lei antiga e 
ainda não terminada ao apparecer a lei nova, continúa 
a ser regulada por aquella lei, ou se será regulada pela 
lei nova, ao menos quanto a parte que falta para 
completar o tempo. 
41. Os escriptores divergem, dizendo uns, 
inspirados pelo cod. civ. francez, art. 228I, 
— 50 — 
que, começada a prescripção, tem o prescri-bente 
um direito adquirido a que ella seja re-gida pela lei sob 
a qual teve começo, e, por-tanto, a lei nova não pode 
retroagir, alcançando uma prescripção já começada. 
Dizem outros, influenciados pelo antigo cod. 
prussiano, que, se a prescripção começada ainda não 
está finda ao apparecer uma nova lei, fica ella 
subrnettida ao regimen desta, porque, na 
hypothese, o facto acquisitivo, que é complexo, não 
se reali-sou perfeitamente, e, portanto, não produziu 
um] direito adquirido. 
42. De conformidade com o que já foi dito a 
respeito do facto acquisitivo complexo, não temos 
dúvida em admittir, em geral, esta segunda opinião, 
porque, como ficou anterior-mente explicado, 
emquanto não se realisam todas as partes do facto, 
não pode elle produzir um direito adquirido. 
Como pondera Windscheid, o começo da 
prescripção não imprime ainda ás relações o seu 
perfeito cunho jurídico; portanto, a nova lei domina a 
prescripção em curso, e aquelle que está prescrevendo 
não pode pretender terminar a prescripção segundo a 
norma juridica antiga, desde que a nova norma não 
admitta tal prescripção, ou requeira uma condição que 
o direito anterior não exigia, como, por exemplo, a bôa 
fé. (1) 
(1) Windscheid—ob. vit. vol. I $ 32 nota 10. 
— 51 — 
43» Assim, applica-se retroactivamente a 
uma prescripçao em curso: 
a) A lei nova que abolir a prescripçao re 
lativa ao mesmo objecto regulado pela lei an- 
b) A lei nova que augmenta o prazo 
prescripcional estabelecido pela lei antiga, de 
modo qne a prescripçao em curso sómente pode 
produzir os seus effeitos depois de decorrido o 
novo prazo, embora, por equidade, deva 
computar-se o tempo já realisado sob a lei antiga, 
porque, como diz Windscheid, o direito novo só 
exige que um determinado estado de cousas haja 
durado um certo tempo, mas não que tenha 
durado um certo tempo sob o seu imperio, (I) 
c) A lei nova que abrevia o tempo prescri-
pcional estabelecido pela lei anterior, de 
modoque a prescripçao se completa uma vez 
decor 
rido o menor prazo estabelecido por aquella 
lei,computado, tambem por equidade, o tempo de 
corrido no domínio da lei antiga, (2) salvo se fôr 
brevíssimo o tempo que faltar depois de 
publicada a nova lei, ou se, no dia dapublica 
ção, já estiver decorrido todo o prazo ' exigido 
(1) Windscheid, lod. cit. (2) A solução mais jurídica, diz 
Planiol (ed. cit. a. 248) é 
estabelece uma proporção entre o tempo decorrido e o tempo a 
decorrer. Em contrario: Savigny, (ob. cit. § 391 p. 430) que en- 
tende dever deitar-se ao adquirente s escolha aa cxplicação de lei 
antiga ao de nota. 
— 52 — 
por esta, pois, nestes casos, a prescripçãol deria 
produzir surprezas gue o direito não admittiria, e 
poderia dar-se mesmo o absurdo de realisar-se 
uma prescripção em um prazo menòf do que o 
exigido pela lei vigente ao tempo emj que ella se 
verificou. 
d) A lei nova que dispõe sobre requisitos para a 
prescripção, quer exigindo mais quer exigindo 
menos, de modo que a parte que faltar para 
completar-se a prescripção em curso, deve ser 
julgada de accordo com os requisitos deter-
minados pela lei nova. Pela mesma razão de 
equidade se tem admittido que a parte já decorrida 
da prescripção deve ser apreciada conforme os 
requisitos da lei antiga, pois seria impossível 
exigir, relativamente a facto passado, a 
observancia de requisitos que só mais tarde fóram 
reclamados por uma lei nova, salvo se se tratar de 
um novo requisito que se refira ao principio ou a 
todo o período da prescripção/ como, por 
exemplo, o requisito da. boa fé, caso em que a 
parte decorrida perde todo o valor para o effeito 
da prescripção. (l) Quanto á lei nova que dispensa 
certos requisitos exigidos pela lei antiga, não ha 
dúvida que tem effeito retroactivo para reger a 
prescripção em curso, mas nao pode validar a 
parte da prescripção já de-decorrida no domínio 
da lei antiga, se nao fo- 
(1) Windscheid, loc. cit. 
— 53 — 
ram observados os requisitos que esta lei exigia. 
Applica-se aqui o que já dissémos a respeito na 
convalescença dos actos juridicos, onde já ficou 
demonstrado que uma lei nova, abolindo 
requisitos que a lei antiga exigia, não pode fazer 
válido aquillo que perante esta lei era nullo. 
e) A lei nova que introduz novos modos de 
interrupção da prescripção. 
Todas essas regras, em virtude das quaes 
uma prescripção em curso fica sujeita ás dispo-
sições da lei nova, são consectarios da affirma-
ção, anteriormente feita, de que emquanto não 
está terminado o tempo da prescripção não ha 
direito adquirido para o prescribente. 
CAPITULO VI 
Das leis interpretativas 
44. As leis interpretativas merecem uma ligeira 
referencia ao tratar-se da theoria da retroactividade, 
não porque sejam ellas leis retroactivas, mas 
porque, em virtude da sua applicação aos factos 
anteriores, que se deram no dominio da lei 
interpretada, e que aindanão foram consummados, 
tem ellas uma acção apparentemente retroactiva. 
Não existe uma verdadeira retroactividade, porque 
entre a lei novainterpretativa e a lei antiga 
interpretada nãoha um conflicto de leis no tempo ; 
aquella apenasesclarece o sentido obscuro desta, 
confirmando-lhe, porém, todas as disposições; nihil 
dat sed datum significai (1); não é propriamente 
uma lei nova differente da antiga, mas surge, por 
uma necessidade geral, sem estatuir nada de novo, 
para fazer um só corpo com a lei interpretada e ter 
applicação desde a data em que esta entrou em 
vigor. 
(1) Ulpianus fr. 21 § I—qui testam, fac. poss. (28-1) 
— 56 — 
45. Justiniano, em a nov. 19 pref. in fin., 
resolvendo dúvidas levantadas ácerca do effeito 
retroactivo da lei interpretativa pela qual esclareceu o 
sentido das leis anteriores relativas á legitimidade dos 
filhos nascidos antes do contracto dotal, decidiu que a 
nova lei deveria ser applicada mesmo aos filhos nascidos 
antes da sua promulgação, embora não estivesse isso 
declarado expressamente, porquanto, se é verdade que 
quando se quer dar effeito retroactivo a uma lei, deve 
isso ser dito de modo expresso, não é, todavia, 
necessario fazer o mesmo quando seja promulgada uma 
segunda lei que não seja senão um complemento da pri-
meira. Por isso, e para não encher o codigo de cousas 
superfluas, deixou de declarar, na terceira lei sobre o 
assumpto, o tempo em que devêra entrar em vigor, 
porque é sabido geralmente que uma lei interpretativa 
dispõe para todos os casos regidos pela lei a que se re-
fere — cum omnibus manifestum sit oportere ea, quae 
adjecta sunt, per interpretationem in illis valere, in 
quibus et interpretatis legibus fit locus. E em a nov. 143 
cap. 1, fixando a verdadeira interpretação da lei relativa 
á punição dos dè-lictos de rapto de mulheres, 
determinou que a interpretação constante dessa novella 
se ap-plicará não só aos casos futuros, senão tambem aos 
passados, como se a lei interpretada tivesse sido 
promulgada ab initio com essa in- 
— 57 — 
terpretação—quam interpretationem non in fu- 
turis tantummodo casibus, verurn in prateritis 
etiam valere sancimus, tamquam si nostra lex 
ab initio cum interpretatione tali promulgata 
fuisset. 
46. Não alcança, porém, a lei interpre-tativa 
aquillo que já estiver terminado por tran-sacção 
ou por sentença judicial. 
Dil-o positivamente a citada nov. 19 cap. 1 
— exceptis illis negotiis, quae contingit ante leges 
a nobis positas aut decreto judicum aut transa- 
ctione determinari. Esse decreto judicial a que se 
refere o texto é, sem duvida, aquelle que já passou 
em julgado, porque a sentença sobre a qual pende 
um recurso de appellação, fica sujeita á unica 
interpretação verdadeira, que é a fixada pela nova 
lei, a qual os juizes supe- riores têm o dever de 
applicar como parte in- tegrante da lei interpretada, 
reconhecendo como 
 falsa qualquer interpretação differente que 
houvesse sido dada pelo juiz de primeira 
instancia. Esta conclusão é uma 
consequencia do principio de que a lei 
interpretativa se considera como vigente desde a 
data da lei interpretada, postos fóra do seu 
alcance apenas os factos consummados. (1) 
(1) Espínola—ob. cit, p, 181 n.° 33—observa, com razão, que 
não pode haver direito adquirido baseado na interpretação falsa da lei. 
 
— 58 — 
47. Cumpre fazer aqui a mesma observação 
que fizemos no paragrapho em que estudámos as 
leis interpretativas, isto é, que uma lei não é 
interpretativa só porque assim a denomina o 
legislador, mas sómente o é quando tem por fim 
simplesmente interpretar uma outrae nada 
innovar. (1) 
Aquellas que apparecem com esse nome, 
mas innovam as 4eis interpretadas, modifican-do-
lhes as disposições, não devem ser tratadas, em 
sua applicação, como leis interpretativas. 
(1) Bacon—aphor. n. 51. 
 
CAPITULO VII 
 Doutrinas diversas 
48. Os princípios até aqui expendidos, que 
constituem, segundo pensamos, as bases 
fundamentaes de uma verdadeira theoria da re-
troactividade das leis, patenteam desde logo que, 
filiado á exacta doutrina tão admiravelmente exposta 
por Gabba, cujos ensinamentos nos vêm guiando em 
toda esta materia, não podemos acompanhar a alguns 
dos mais notaveis jurisconsultos, que têm construído 
differen-tes doutrinas sobre tal assumpto. 
49. Assim, para começar pelo maior de todos 
em saber e em autoridade, não acceita-mos como 
principio basico aquelle que Savigny estabelece 
como fundamento de sua doutrina, dizendo, que são 
retroactivas as leis que se referem ás instituições 
jurídicas, isto é, que dispõem sobre a existencia, a 
não existencia, ou o modo de existir dessas 
instituições em geral, e que não são retroactivas as 
leis que se referem á acquisição de direitos, isto é, 
as 
 
— 60 — 
que regulam as concretas relações de direito entre 
pessoas determinadas. (1) Não ha dúvida que, a 
despeito de certas) difficuldades mostradas por 
Lassalle, (2) e de dizer Dernburg (3) que o limite entre 
essas duas classes de leis não se manifesta claro nem 
estavel, é theoricamente verdadeira a distincçãofeita 
por Savigny entre leis que se referem ao ser ou não ser 
das instituições jurídicas, e leis que se referem á 
acquisição de direitos. Com effeito, as primeiras são 
aquellas que cream ou extinguem certos institutos 
juridicos, como, por exemplo, o da emphyteuse, o do 
divorcio, o do fideicommisso, o da tutela da mulher, 
etc, as segundas são aquellas que regulam as relações 
jurídicas concretisadas entre as pessoas que, por meio 
delias, adquirem ou perdem direitos. Mas não é 
possível admittir-se que só em virtude do seu objecto, 
as leis tenham ou deixem de ter acção retroactiva. 
50, Na verdade, as leis sobre existencia de institutos 
juridicos, segundo Savigny, ou têm por fim crear 
novos institutos, ou abolir os que existem, ou alterar o 
seu modo de ser, No primeiro caso, não se pode 
cogitar de retroactividade, porisso que, antes da nova 
lei, 
(1) Savigny, ob, cit. v. 8 § 383 e segs Sobre a comprehen-são 
dessas duas categoria de leis. veja-se o largo e interessante estudo de 
Simoncelli na monographia cit. pag. 355. 
(2) Lassalle, loc. cit. 
(3) Dernburg, loc. cit. 
— 61 — 
pada podia haver concernente ao instituto creado. No 
segundo caso, a lei que decreta a abolição de instituto 
juridico, é uma lei prohibitiva, pela qual se ordena que 
nada mais se faça relativamente ao instituto abolido. 
Mas é Savigny mesmo quem demonstra que nem 
todas as leis prohibitivas são retroactivas. 
Imagine-se uma lei abolindo o instituto do 
divorcio, ou o da adopção de filhos. Essa lei poderá, 
juridicamente, ter effeito retroactivo ? Sem dúvida 
que não: todos os divorciados, bem como os filhos 
adoptados no regimen da lei antiga, escapam á acção 
da lei nova, e podem fazer valer, em qualquer tempo, 
os seus direitos adquiridos. 
51. Quanto ás leis sobre o modo de ser dos 
institutos juridicos, não é possível dis-tinguil-as das 
que se referem á acquisição de direitos, pois, como diz 
Gabba, o modo de ser dos institutos juridicos não 
consiste senão na qualidade e nos limites dos direitos 
que, por occasiâo e em virtude dos mesmos institutos, 
podem ser adquiridos. A celebre const. 27—de usuris 
(4-32) serviu de objecto para demonstrar como foi 
impossível a duas intelligencias privilegiadas 
concordarem na qualificação desse preceito do 
imperador Justiniano. Savigny (1) con-demnou a lei 
por entender que ella se referia 
(1) Savigny, ctí. p. 435. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
— 62 — 
á acquisição de direitos; ao passo que Lassalle (1) a 
applaudiu não pensando do mesmo modo. 
52. Lassalle refuta a Savigny dizendo que a sua 
distincção repousa apenas em abstractas categorias 
intellectuaes, que não servem de segura base, e 
accrescenta que as leis, con-forme sejam consideradas 
sob o ponto de vista do individuo ou do objecto, 
podem classifícar-se como leis sobre acquisição de 
direitos, no primeiro caso, e no segundo, como leis 
sobre existencia de direitos. Realmente se nota, na 
obra de Savigny, um certo arbítrio no classificar as 
leis em uma ou em outra categoria. (z) 
53. Quanto á não retroactividade das leis que se 
referem á acquisição de direitos, é doutrina perigosa 
e falsa, porque essas leis têm por objecto relações 
jurídicas entre pessoas determinadas, e, como já 
longamente demonstrámos ao expôr a verdadeira 
theoria, é certo que nem todas as relações de direito 
produzem direito adquirido, e quando não ha um 
direito adquirido, sabemos que as leis novas retro-
trahem o seu effeito. 
54. Entretanto, se não é possível accei-tar 
como um principio fundamental da theoria da 
retroactividade a distincção a que acabamos de 
alludir, devemos, todavia, reconhecer a grande 
(1) Lassalle, cit. p. 289. (2) Windscheid. —Dirit. delle 
Pandette (trad ital.) v. I § 32 nota 6. 
— 63— 
Importancia da doutrina savigniana, já pelas vastas 
idéas com que ella enriqueceu o assumpto, já porque 
aprofundou a noção do direito adquirido, distinguindo-
o das simples faculdades e das meras espectativas. 
Releva notar, porém, que Savigny, admittindo ao 
seu principio, para justificar a ampliação ou a estricção 
da efficacia da lei nova, certas excepções que, segundo 
elle, devem ser determinadas expressamente pelo 
legislador, (1) deixa vacillantes as bases da sua 
doutrina, che- gando mesmo ás vezes a perdel-as de 
vista. E é digno de nota, que, nos resultados praticos 
da applicaçâo das leis novas, e nas consequen- cias 
finaes de suas minuciosas lucubrações, Savigny, 
em regra geral, põe-se de accordo com a 
verdadeira theoria do respeito ao direito adquirido. 
Isto nos permitte observar com Gabba que, attendendo 
mais aos factos que ás pala-vras, pode-se dizer que a 
verdadeira doutrina de Savigny não é aquella que 
parece contida nas formulas por elle inventadas; 
é, porém, uma doutrina muito mais simples, e que 
todos podem cornprehender, isto é, que, em regra 
geral, todas as leis se podem applicar a con- 
sequencias de factos e relações juridicas anteriores, 
desde que com isso não se offendam direitos 
adquiridos. (2) 
(1) Savigny, cit § 397 (2) 
Gabba, cit. p. 170. 
— 64 — 
55. A doutrina dos que sustentam que são 
retroactivas as leis prohibitivas, tambem não assenta em 
fundamento solido. Esse criterio deduzido da fórma da 
lei, é completamente accidental, e extranho aos 
princípios que regem a efficacia da lei no tempo, sendo 
certo, como já referimos acima, que innumeras leis 
prohibi-tivas não podem ter effeito retroactivo, se a sua 
applicação importar em offensa a direitos adquiridos. Por 
exemplo, uma lei que prohiba os contractos de quota 
litis, ou uma lei que prohiba o emprestimo de dinheiro a 
juro maior do que seis por cento, não se applicam aos 
contractos já feitos e ainda não exigidos. (1) Os 
exemplos apontados pelos adeptos dessa doutrina, 
referem-se todos a institutos juridicos de duração 
perpetua, ácerca dos quaes só por excepção se justifica o 
effeito retroactivo, como já foi anteriormente 
demonstrado, (cap. IV) 
56. Uma outra conhecida doutrina prégada por 
Odilon Barrot, na Assembléa nacional franceza, 
declarava que não é verdadeiro o principio de que as 
leis não são retroactivas, porque a verdade é que as leis 
favoraveis são retroactivas. Isto pode ser até certo 
ponto admittido, desde que se considerem leis 
favoraveis aquel-las que não ferem direitos adquiridos. 
Sé, po- 
(1) A c, 27 de uzuris (4-32) foi uma violencia aos direitos. 
adquiridos, só tendo applicação por forca. da vontade expressa de 
Justiniano. 
— 65 — 
rém, ao applicar-se uma nova lei favoravel a um 
individuo, houver lesão ao direito adquirido de 
outrem, não é possível dar a essa lei effeito 
retroactivo. Tudo se resolve, pois, em uma questão de 
direito adquirido. A theoria da retroactividade das leis 
favoraveis ao individuo sómente pode ser acceita na 
esphera do direito criminal, em virtude do principio 
— nulla poena sine lege, e em homenagem á 
humanitatis causa. (1) 
 57. A doutrina que estabelece como criterio para 
a retroactividade a intenção do legislador 
expressamente manifestada na lei, é insubsistente por 
arbitraria, submettendo a razão jurídica aos dictames 
autoritarios dos legisladores. Já expuzémos, 
anteriormente, os motivos por que entendemos que o 
legislador não tem o direito de impôr effeito 
retroacivo ás leis que promulga, (cap. III). 
58. A doutrina de Lassalle é de inesti-timavel 
valor em virtude do seu profundo estudo philosophico 
ácerca do direito adquirido. Já fizemos ver que, 
segundo elle, é a inviolabilidade da pessoa humana o 
verdadeiro fundamento do respeito devido ao direito 
adquirido. Para elle, respeito aodireito adquirido e 
não retroactividade da lei são conceitos identicos. 
Como vemos, essa base geral da sua doutrina é quasi 
egual 
Cod. Penal, art. 3.0 
— 66 — 
á de Gabba. Mas afasta-se deste autor no ponto 
fundamental em que Lassalle expõe o conceito do 
direito adquirido, affirmando que elle sempre) resulta 
de um acto da vontade humana. Ora, conto já ficou 
demonstrado que ha direitos adquiridos que nascem 
por obra da lei, e indepen-, dentemente de qualquer 
manifestação da vontade, é logico que, a despeito dos 
justos encómios que merece, a doutrina de Lassalle 
não é admissível em todas as suas partes. 
59. Uma das doutrinas mais generalisa-das, e que 
de longo tempo vem conquistando foros de verdade, é 
a que sustenta que são retroactivas as leis de ordem 
publica ou as leis de direito publico (1). Esse criterio é, 
porém, inteiramente falso, (2) tendo sido causa das 
maiores confusões na solução das questões de 
retroactividade. Antes de tudo, cumpre ponderar que é 
difficilimo discriminar nitidamente aquillo que é de 
ordem publica e aquillo que é de ordem privada. São 
tão intimas as relações de direito publico e de direito 
privado, que já Bacon observava no seu aphorismo III 
—jus privatum, sub tutela juris publici, latet. O 
interesse pu- 
(1) Simoncelli, na monographia citada, defende com bri-
lhantismo essa doutrina, cercando-a de limitações derivadas da distinc-
ção entre leis absolutas ou cogentes e leis simplesmente dispo-sitivas 
facultativos, Applaudindo, com algumas restricções, a doutrina de 
Savigny, procura demonstrar que ella assenta, em ultima analyse, no 
principio de que são retroactivas as leis de ordem publica absolutas. 
(2). Alves Moreira, ob. cit. n. 36. 
blico e o interesse privado se entrelaçam de tal fórma, 
que as mais das vezes não é possivel separai-os. E 
seria altamente perigoso proclamar como verdade que 
as leis de ordem publica ou de direito publico têm 
effeito retroactivo, porque mesmo deante dessas leis 
apparecem algumas vezes direitos adquiridos, que a 
justiça não permitte que sejam desconhecidos e apa-
gados (1). O que convém ao applicador de uma nova 
lei de ordem publica ou de direito publico, é verificar 
se, nas relações juridicas já existentes, ha ou não 
direitos adquiridos. No caso affírmativo, a lei não 
deve retroagir, porque a simples invocação de um 
motivo de ordem publica não basta para justificar a 
offensa ao direito adquirido, cuja inviolabilidade, no 
dizer de Gabba (2) é tambem um forte motivo de 
interesse publico. 
60. Porisso é que, no direito judiciario e no 
direito processual, se é verdade que as novas leis se 
applicam geralmente aos casos pendentes, onde não 
se vêm senão simples faculdades, entretanto 
deparam-se algumas vezes, mesmo nesses 
departamentos juridicos, certos direitos adquiridos, 
que escapam á acção das leis novas. 
(1) Simoncelli mesmo o reconhece, confessando que no direito pri 
vado prevalece a irretroactividade, e no direito publico prevalece a 
retroactividade (pag. 361.) 
(2) Gabba, 06. cit, p. 151. 
— 68— 
 Assim, se o direito de acção, em regra, não é um 
direito adquirido, podendo ser abolido pelas novas 
leis, emquanto não foi exercitado, como, por exemplo, 
a acção de divorcio, a de dissolução de casamento, a 
de investigação da paternidade, etc, ha casos, todavia, 
era que constitue elle um verdadeiro direito adquirido, 
quando a acção faz parte da essencia desse direito 
sendo uma consequencia delle, ou sendo a 
transfórmação desse direito no meio indispensavel 
para o fazer valer, como são as acções que nascem de 
um titulo de credito. Nestes casos, uma lei nova não 
pode, sem injusta retroactividade, declarar 
inadmissível a acção concedida pela lei anterior, 
porque seria illusoria a acquisição de um direito se 
não houvesse para o seu titular a segurança de o poder 
exigir judicialmente no futuro. (1) 
Assim tambem os actos processuaes, em regra, 
não attribuem direitos adquiridos aos litigantes, de 
modo que uma lei nova se applica sempre 
retroactivamente aos processos pendentes, visto que a 
fórma de processo não é da essencia do direito dos 
indivíduos, e pode ser alterada em qualquer tempo 
pelo legislador. 
(1) Essa verdade foi reconhecida pala sentença da Côrte de 
Cassação de Paris applicando aos creditos dos judeus a disposição do 
celebre decreto de Napoleão I, de 17 de março de 1808, em que foi 
declarado que não tinham acção perante os tribunaes os emprestimos 
feitos por judeus a menores sem auctorisação dos tutores, etc. A Côrte 
decidiu que o decreto não era applicado aos emprestimos anteriores á 
tua publicação. 
— 69 — 
Mas certos casos ha em que, praticado um acto 
processual, elle faz nascer, em quem o praticou, um 
verdadeiro direito adquirido aos effeitos decorrentes 
do acto, e uma lei nova, sem injusta retroavidade, não 
pode impedir que taes effeitos se realisem. 
61. O principio fundamental da theoria da 
retroactividade, adverte Cabba, (1) deve applicar-se 
egualmente ao direito privado e ao direito publico; e, 
portanto, as leis novas, de quaesquer especies que 
sejam, devem respeitar os direitos adquiridos. O que 
ha de singular no tocante ás leis de direito publico é 
que, nas relações jurídicas por ellas creadas, visando 
especialmente funcções de interesse publico ou de 
indole politica, os indivíduos em geral se sujeitam ás 
publicas exigencias, e não nascem tão facilmente os 
direito adquiridos, que são de indole privada. (2) 
Dahi o dizer-se geralmente que as leis 
concernentes ao interesse publico ou politico se 
applicam immediatamente com effeito retroactivo. 
(1) Gabba—eit. p. 140. 
(2) Baudry Lacantinerie 06. eit. n. 143. 
 
CAPITULO VIII 
Doutrina romana 
62. Na exposição que fizemos, em largos 
traços, dos princípios fundamentaes da theoria da 
retroactividade das leis, não nos prendêmos aos 
textos da legislação romana, porque, dos seus 
diversos dispositivos esparsos pelas colle-cções, fóra 
impossível deduzir systematicamente uma doutrina 
completa e acceitavel sobre a retroactividade. 
Certamente não passou despercebido aos 
romanos o alto interesse juridico que se liga a este 
importantíssimo assumpto, que já tinha despertado a 
attenção dos philosophos antigos. Na Grecia, Platão e 
Socrates já prégavam, como verdade philosophica, 
que as leis, cujo fim é o util, sómente podiam dispôr 
para o futuro. Mais tarde Cicero, na sua segunda 
oração contra Verres, referindo-se á lei Voconia, 
fazia ver que as leis não deviam reger actos do pas-
sado. (1) O direito canonico tambem elaborou 
(1) Cicero—In Verrem. I—42—In lege Voconia non est, Fe-cit Fecerit: 
neque in ulla prateritum tempus reprehenditur, nisi ejus rei, qum sua 
sponte tam scelerata ac nefari est, ut etiamsi lex non esset, magno 
opere vitanda fuerit... De Jure vero civili si quis novi instituit, is non 
omnia quae ante acta sunt, rata este patietur 
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regras a respeito do assumpto. No corpo da legislação 
de Justiniano deparam-se muitissimos textos no 
Codigo e nas Novellas, contendo diversas regras sobre 
applicação da lei relativamente ao tempo, que não 
offerecem base, po-rém, para a construcção de uma 
theoria homogenea e logica. 
63. Parece que o verdadeiro fundamento romano 
para uma doutrina da retroactividade, é a celebre c. 
7—de leg. (1—14) em que os imperadores Theodosio 
e Valentiniano decretaram que—é certo que as leis e 
as constituições sómente regulam os negocios futuros, 
e não podem revogar os factos passados, salvo se 
expressamente for declarado que os seus, preceitos se 
extendem ao tempo passado e tambem aos negocios 
pendentes.—Leges et consti-tutiones futuris certum 
est dare fórmam negotiis, non ad facta praeterita 
revocari, nisi nominatim etiam de praeterito tempore

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