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1 Caso: GM DO BRASIL E SUA REDE DE SUPRIMENTOS DE PEÇAS SOBRESSALENTES Na rede da GM do Brasil, há 472 concessionárias autorizadas, 10 distribuidores autorizados e 9 oficinas autorizadas, somando 491 pontos de venda (PDV). A GM mantém 650 funcionários, 2 centros de distribuição (um em Sorocaba e um contíguo à unidade produtiva nas cercanias de Mogi das Cruzes, ambos no estado de São Paulo) alocados à sua operação de peças pra pós- venda no Brasil. Lida com cerca de 75.000 itens, sendo 700 de alto giro. Vinte plataformas de veículos são suportadas por essa operação. A relação entre a GM e suas concessionárias sempre foi de certa forma marcada pela independência. Similarmente à maioria das redes de suprimentos, os vários “nós” têm sido gerenciados de forma autônoma, favorecendo o jogo “ganha-perde”. Isso levou a uma relação que não poderia ser caracterizada como particularmente cooperativa e a independência dos modelos gerenciais levou a efeitos indesejáveis, como o chamado “efeito chicote”, de acordo com o qual pequenas variações de demanda a jusante da rede causam variações crescentes nas demandas sentidas por elos mais a montante da rede. Mesmo se a demanda a jusante, dada pela taxa segundo a qual o cliente final compra do varejista (PDV), é razoavelmente estável, por item, a demanda percebida pelo centro de distribuição de peças da GM (montadora) é dependente dos sistemas de gestão e políticas de estoques dos pontos de venda. Considerando cada um dos itens, se políticas de ponto de reposição (também chamadas de ponto de pedido) são utilizadas, os sistemas das concessionárias usarão alguma lógica de dimensionamento econômico de lotes para se beneficiarem de economias de escala nos custos logísticos entre eles e o centro de distribuição. Isso significa que os sistemas de reposição esperarão até que os pontos de reposição sejam atingidos para então liberarem pedidos de compra (pedidos de ressuprimento do tamanho dos lotes econômicos). Isso significa que a demanda “bem comportada” do cliente final torna-se, na camada de fornecedores a montante, uma demanda aos saltos em que a demanda zero é percebida entre ressuprimentos e um “salto” é percebido no ressuprimento. Agora pense em torno de 491 pontos de venda com seus sistemas de gestão de estoques liberando pedidos em momentos independentemente definidos, de quantidades independentemente definidas, e notará, sem dificuldades, que a demanda percebida pelo centro de distribuição se tornará oscilante de forma quase aleatória. Agora considere que o centro de distribuição também tem suas políticas e sistemas de estoque definidos independentemente e verá o efeito chicote senso repassado com intensidade amplificada para os fornecedores, fornecedores dos fornecedores e assim por diante. Porque o efeito amplificado é percebido como aleatório, o que normalmente acontece é que os nós da rede aumentam seus estoques de segurança para fazer frente a essa aleatoriedade. Isso tudo causava acréscimo substancial de custos para toda a cadeia, com repercussões negativas no preço percebido pelo cliente final, e isso acarretava uma relativamente pequena participação das peças genuínas GM (peças que carregam a marca General Motors mesmo que não tenham sido fabricadas por unidades produtivas GM) no mercado de peças de reposição para a frota de veículos General Motors. A partir dessa constatação, a GM disparou uma iniciativa para alterar substancialmente a forma de gerenciar sua rede de suprimentos, num projeto nacional chamado AutoGIRO. O AutoGIRO baseia-se nos seguintes princípios: 2 1. É de fato um sistema VMI (Vendor Managed Inventory, ou um sistema no qual o fornecedor gerencia o estoque do cliente): a GM passa a assumir a responsabilidade pela gestão dos estoques dos seus concessionários. VMI faz sentido nesta situação porque a GM, sendo o denominador comum da rede de suprimentos, é o único ator na rede que pode de fato ver a demanda agregada dos 550 concessionários. Assim, além de realizar previsões de vendas para os específicos mercados servidos por cada uma das concessionárias – via projeções de séries temporais acumuladas das vendas, por item, de cada uma das concessionárias – respeitando suas particularidades, só a GM é capaz de identificar padrões nacionais de demanda e, portanto, enriquecer a projeção de demanda de cada concessionária com essas tendências e padrões nacionais. Já que a previsão da demanda futura é grande parte do esforço de gestão de estoques, a GM assume logo a responsabilidade de gerenciar os estoques também das concessionárias. O VMI também faz sentido nesta situação porque a GM entrega milhares de diferentes peças (cada concessionária tem cerca de 6.000 itens ativos de estoque, dos quais em torno de 2.500 são normalmente comprados todo mês) para um definido e estável conjunto de concessionárias. Isso significa que economias de escala em logística podem ser obtidas se os custos com as entregas para uma quantidade de concessionárias forem compartilhados usando sistemas como o milk run, em que um meio de transporte faz entregas coordenadas periódicas e regulares para um grupo de concessionárias. A GM é o ator que coordena essas entregas (mesmo se isso ocorre através do uso de um operador logístico, como neste caso com a Emery, uma parceira global da GM). Isso significa que a GM vai sugerir quando, quantos e quais itens as concessionárias deveriam comprar. Entretanto, dado o relacionamento passado, no qual a GM tentava maximizar vendas “empurrando” peças para os nós a jusante da rede de suprimentos, seria possível que as concessionárias resistissem a esta ideia de aceitarem o gerenciamento da GM quanto a seus estoque e peças. Para superar essa possível resistência, a GM garante: 2. Proteção contra obsolescência e falta de peças. Concessionárias temeriam que a GM continuasse empurrando peças para elas com o intuito de maximizar vendas e que essas peças poderiam continuar a tornar-se obsoletas sistematicamente. Para evitar isso, o AutoGIRO garante que as concessionárias que aceitarem as sugestões de ressuprimento estejam protegidas contra obsolescência das peças. Isso é feito com a possibilidade de as concessionárias usarem o buyback, em outras palavras, qualquer peça que passe nove meses sem venda entra numa lista que permite à concessionária revender a peça para a GM. Isso significa que, se a GM superestimar as vendas futuras da concessionária e, portanto, superestimar seus estoques e compras, ela assume os custos do erro. Da mesma forma, se a concessionária aceita a sugestão da GM para ressuprimento e se vê com a falta da peça, a GM compromete-se a remeter a peça com urgência sem custos extras para a concessionária. Antes do programa AutoGIRO, entregas urgentes custavam bastante e peças obsoletas eram problema exclusivo das concessionárias. 3. Provisão de um “localizador de peças” com base na internet. Para que a GM possa gerenciar os estoques das concessionárias e prover reposição automática, ela precisa ter um fluxo contínuo e atualizado de informações sobre a posição de estoques de cada item de cada concessionária. A GM compromete-se a fazer estas informações disponíveis às concessionárias na internet – isso significa que, em caso de uma falta, a concessionária pode 3 rapidamente obter a informação diretamente na internet sobre se e onde a peça estaria disponível entre as concessionárias da redondeza, obtendo possivelmente o item no mesmo dia, ao invés dos dois ou três que podem ser demandados mesmo na remessa urgente. 4. Ressuprimento feito duas, três ou cinco vezes por semana, dependendo do volume da demanda da concessionária. Os sistemas anterioresde ponto de ressuprimento usados pelas concessionárias tendem a tratar os itens de estoque de forma independente. Portanto, a lógica usada visa “diluir” os custos logísticos, transportando grande quantidade de um mesmo item – e isso tende a levar os estoques de ciclo (o nível médio de estoques que surge em virtude de ciclos de ressuprimentos – quanto menos frequentes os ressuprimentos, maiores os estoques de ciclo). Um dos mais utilizados sistemas da era pré-AutoGIRO de fato limita a frequência de ressuprimentos a três vezes por mês. Isso quer dizer que, na hipótese mais favorável, o ressuprimento será feito numa quantidade que é a de 1/3 da demanda mensal e portanto os estoques médios ficarão em torno de 1/6 da média mensal, teoricamente. No caso mais favorável do AutoGIRO, em que o ressuprimento por item pode até ser feito cinco vezes por semana, as reposições serão feitas numa quantidade de 1/20 da demanda mensal, levando o estoque médio de ciclo a ser em torno de 1/40 da demanda mensal. Uma grande redução, possível porque o AutoGIRO reconhece que os itens não são independentes – há uma dependência horizontal entre eles: são fornecidos do mesmo fornecedor para os mesmos clientes. Dessa forma, a diluição dos custos logísticos não se dá entre grande quantidade de unidades de um mesmo item, mas de uma pequena quantidade por item de uma grande quantidade de itens diferentes. Dessa forma, os custos logísticos não crescem drasticamente mesmo com pequenos lotes de reposição por item. Além das economias de escala entre itens entregues para um mesmo destino, o AutoGIRO ainda se beneficia de economias de escala logísticas, diluindo os custos logísticos entre várias concessionárias de uma mesma região que tenham mesma frequência de ressuprimento. Por exemplo, o modo de transporte entregará todos os itens para um grupo de concessionárias de uma região que tenham frequência de três vezes por semana, na segunda, quarta e sexta-feira, numa lógica de milk run. 5. Sistema de gestão de estoques de revisão periódica. Para permitir que as economias de escala logísticas sejam obtidas, é necessário que o ressuprimento de todos os itens de uma concessionária seja feito no mesmo instante, em intervalos regulares. Isso quer dizer que para este tipo de VMI, o sistema mais adequado é o de revisão periódica. Esse sistema garante que a possível necessidade de ressuprimento para todos os itens de uma concessionária seja checada e sincronizada periodicamente (o AutoGIRO faz isso diariamente). Dependendo da posição do estoque do item no momento da revisão, certa quantidade é ressuprida. Essa quantidade é calculada como a diferença entre uma quantidade máxima pré-estabelecida e a posição de estoques a cada período de revisão. Um pedido de ressuprimento então é liberado e, um período de entrega depois, o item chega na quantidade dada pela quantidade de ressuprimento. Note que, neste sistema, as revisões são feitas a intervalos regulares, mas as quantidades ressupridas podem variar. As vantagens esperadas do sistema AutoGIRO A GM Brasil espera muito do sistema AutoGIRO: 4 Porque ele pode aumentar a acuracidade das previsões de demanda (por três razões: modelos de previsão melhores que os atuais são usados, tratamento mais cuidadoso das séries temporais e consideração das demandas agregadas nacionais, auxiliando na determinação de padrões de comportamento mais confiáveis) e, ajudar a reduzir os níveis necessários de estoques de segurança; Outro aspecto do AutoGIRO que visa ao aumento da disponibilidade de peças no ponto de venda é o “localizador de peças”; O AutoGIRO coordena suprimento e demanda no ponto de venda, reduzindo o efeito chicote a montante na rede; Porque haverá um time de bem treinados analistas na GM exclusivamente a cargo de cuidar e aperfeiçoar o AutoGIRO, cada melhoria no algoritmo, nas práticas, no tratamento de dados, etc., beneficiará todo o conjunto de pontos de venda; Uma redução de custos também é esperada na remessa urgente de peças. Com um sistema melhor de gestão e reposição de estoques, espera-se que menos stockouts (faltas) ocorram; Antes do AutoGIRO, pesquisa conduzida pela GM mostrou que em torno de 80% do tempo dos gerentes de peças das concessionárias são tradicionalmente gastos com o processo de aquisição de peças. Com o AutoGIRO automatizando grande parte deste processo, a GM espera que o gerente de peças gaste seu tempo fazendo algo mais valioso para a rede de suprimentos que só pode ser feito por uma pessoa que esteja próxima de seu mercado: desenvolver o relacionamento com o cliente, buscar novas oportunidades de negócios e realmente vender; Outro resultado esperado pelo AutoGIRO é que, uma vez que as novas eficiências obtidas sejam estabilizadas, parte desses benefícios possa ser repassada para o cliente final, com aumento da competitividade de preço das peças originais GM no mercado. Questões para discussão 1. Quais foram as principais dificuldades na implantação do programa AutoGIRO da GM? 2. Coloque-se no lugar dos seguintes grupos de interesse que poderiam mostrar resistência ao programa, identifique possíveis resistências e suas causas e como você, na posição de gerente de projeto AutoGIRO, faria para contornar: Grupo comercial (vendedores) de peças sobressalentes da GM; Gerente de peças da concessionária; Dono da concessionária. 3. Como você acha que seria implantar um sistema do tipo AutoGIRO numa rede de suprimentos em que os distribuidores e varejistas não fossem exclusivos de um fabricante?
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