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Elsa e Fred

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Elsa é uma senhora extrovertida de 74 anos que possui dois filhos adultos e que vive sozinha. Certo dia, fica sabendo através do zelador de seu prédio que Fred, um senhor de 80 anos rabugento e que odeia sair, está se mudando para o lado do seu apartamento. Após saber dessa notícia, Elsa entra em seu carro e bate em outro, que por coincidência é o da filha de Fred, ela ao saber do ocorrido, exige que Elsa arque com o prejuízo, que é assumido pelo filho mais velho de Elsa. Ao entregar o cheque de seu filho a Fred, Elsa conta uma história profundamente triste, fazendo com que ele a devolva. Embora, Elsa tente por diversas vezes estabelecer um relacionamento amigável com Fred, este resiste e insiste em ficar insolado e deitado em seu apartamento o dia todo. Porém a situação começa a mudar quando Elsa ajuda a Fred em um incidente com a pia de sua casa, e após gargalhar da situação, ela propõe ensiná-lo a ser feliz através de alguns passos gradativos. É no decorrer dessas etapas que Fred muda sua percepção sobre a vida, e ocorre em ambos um amor mútuo. No decorrer do filme, Fred descobre que Elsa está doente e realiza tratamento com a técnica de diálise. Por fim, ele a convida para uma viagem a Roma, com a finalidade de realizar o grande sonho de Elsa, o de reviver a cena do filme “A doce vida” na pele de Anita.
Fazendo o uso da Teoria do Curso de Vida ou lifespan (que segundo Paul Baltes: compreende o desenvolvimento como um processo contínuo, multidimensional e multidirecional de mudanças orquestradas por influências genético-biológicas e sócio-culturais, de natureza normativa e não-normativa, marcado por ganhos e perdas concorrentes e por interatividade entre o indivíduo e a cultura) é possível entender de maneira mais profunda o desenvolvimento de ambos os personagens (Elsa e Fred). 
No aspecto genético-biológico pode-se notar características normativas em Fred e Elsa, ou seja, características previsíveis de natureza física que ocorrem ao longo da idade do indivíduo. Destaca-se por exemplo que ela esqueceu em certa ocasião, a festa de aniversário de sua neta, e por precaução seu filho a lembra dessa data comemorativa; a informação da data de aniversário de sua neta estaria armazenada na sua memória de longo prazo, especificamente na memória episódica, que por sua vez, é o sistema de memória de longo prazo mais provável de se degenerar com a idade (Park e Gutchess, 2005). Em outra cena observa-se que Elsa necessita de ajuda para se erguer, e Fred por sua vez argumenta não possuir força, e é notório a dificuldade mútua para levanta-la; essa perda de força é outro aspecto normal da idade, pois adultos em geral perdem cerca de 10 a 20% de sua força até os 70 anos e muito mais depois disso, a resistência diminui de forma mais consistente com a idade, principalmente entre as mulheres, do que alguns outros aspectos da capacidade física, como a flexibilidade (Van Heuvelen et al., 1998). Há ainda a dificuldade de enxergar imagens e textos por parte de Fred, dificuldade essa que é normal nos olhos mais velhos, caracterizado pelas perdas na sensibilidade de contraste visual, que podem ocasionar a dificuldade para ler letras miúdas ou impressos muito claros (Akutsu et al., 2009). Elsa e Fred apresentam aspectos físicos de velhice óbvio e comum a grande parte dos indivíduos nessa fase adulta tardia, suas peles mais velhas tendem a se tornarem mais pálidas e menos elásticas; bem como os músculos encolhem, suas peles estão enrugadas, os pelos dos seus corpos são ralos e Fred possui cabelo branco e levemente calvo.
Ainda considerando o aspecto genético-biológico pode-se notar uma característica não-normativa quanto aos personagens principais, ou seja, uma sequência não-previsível de alteração, que nesse caso foi devido a influência de uma agenda biológica. Quanto a Elsa essa característica não-normativa levando em conta o aspecto físico é retratado pela técnica de diálise (filtragem do sangue), na qual a personagem Elsa é submetida. Já por parte de Fred foi um acidente que provocou o rompimento de seu tendão, esse evento cria em Fred uma espécie de complexo de inferioridade, pois ele acredita que em seu estado atual, ele só pode tocar violão de modo “mais-ou-menos”, e é impossível segundo ele, chegar ao grau de perfeição que possuía, fazendo com que ele nem tente tocar seu violão, e o use somente como objeto decorativo. Esse modo de perceber o mundo por parte de Fred, é similar aos seus demais comportamentos, com as debilidades enfrentadas em seu corpo devido o envelhecimento, Fred percebe que não alcança seu nível de perfeição anterior, o que influencia de certo modo sua estagnação. Reitero que esses eventos não são comuns na velhice, por isso são de natureza não-normativa, embora não previsível, contribuirá para o desenvolvimento subjetivo do indivíduo. 
Quanto ao aspecto Sócio-Cultural, de acordo com os teóricos dos estágios normativos, o crescimento depende da execução das tarefas psicológicas de cada fase da vida de modo emocionalmente sadio. A conquista culminante da vida adulta tardia é o senso de integridade do ego, ou integridade do self, conquista fundamentada na reflexão sobre a própria vida (Erik Erikson). Desse modo pode-se observar a grande divergência entre a motivação e o comportamento dos personagens Elsa e Fred, pois suas falas e atitudes são influenciadas principalmente pela percepção que cada um possui de sua própria vida.
Segundo a Teoria de Erik Erikson no oitavo e último estágio do ciclo de vida (denominado de INTEGRIDADE DO EGO versos DESESPERO) que começa aproximadamente aos 65 anos de idade, os indivíduos têm de avaliar e aceitar suas vidas para poderem aceitar a morte. No filme podemos verificar que Elsa, segundo essa teoria Eriksoniana, desenvolveu-se a partir do desfecho positivo (INTEGRIDADE DO EGO), marcado por estruturar seu tempo e se utilizar das experiências vividas em prol de viver bem seus últimos anos de vida; evidências dessa afirmação é que embora doente, Elsa possuía uma vida ativa, dirigia seu carro, estava sempre bem maquiada com roupas elegantes, cozinhava, fazia compras no mercado, assistia a exposições de arte, conseguia ir ao hospital sem um acompanhante etc. Ela possuía uma autonomia em relação a sua própria vida e em uma ocasião zombou da “morte” na frente de Fred. Por outro lado, podemos ver Fred desenvolvendo no início do filme um desfecho negativo (DESESPERO) em sua fase adulta tardia, caracterizada por entrega ao desespero por sua incapacidade de reviver o passado de forma diferente, o que leva o indivíduo a estagnar-se diante da percepção de terrível fim. Corroborando com a afirmação anterior está o fato que na parte inicial do filme, Fred sempre está deitado com aspecto cansado, cabelo desarrumado com barba desleixada, passando o dia inteiro com a roupa que acordou (roupa de dormi / roupão), desmotivado a sair de casa, usava remédios em excesso, mesmo possuindo certo vigor físico necessitava de uma cuidadora para lhe servir em quase tudo (até mesmo, criando uma estratégia para que Fred não usasse a mesma cueca no dia posterior); Fred não possuía autonomia em relação a sua própria vida, que era orientada pela vontade da filha, que na morte da mãe, forçou Fred a mudar-se para um apartamento perto do seu, para conduzir de modo “melhor” a rotina do pai, nota-se que qualquer um entrava e saia da casa de Fred sem o seu consentimento. 
Pode-se fazer uso de mais um aspecto dentre os diversos para aprofundar-se na subjetividade de Fred, esse aspecto é o falecimento de sua ex-esposa, ou seja, a maneira que Fred lidou com a perda na fase adulta tardia. Embora as pesquisas têm questionado as noções anteriores de um único padrão “normal” de luto e uma sequência “normal” de recuperação, será utilizado nesse trabalho o Modelo Clássico de Elaboração do Luto para avaliar a percepção de Fred em relação a essa circunstância. 
A primeira etapa do Modelo Clássico de Elaboração do Luto é o Choque e Descrença: essa etapa dura em média várias semanas, e o indivíduo sente-seperdido e confuso e à medida que se aprofunda o sentimento de perda, o entorpecimento inicial dá lugar a sentimentos de tristeza e choro frequente. É impossível inferir esse comportamento em Fred, pois o filme revela que sua ex-mulher havia falecido há 8 meses, assim, cronologicamente ele estaria na segunda etapa. A segunda etapa do Modelo Clássico de Elaboração do Luto é a Preocupação com a memória da pessoa falecida: esse período dura em média de 6 meses a 2 anos, caracterizada por tentativa de resolver o problema da morte, o viúvo poderá reviver a morte da esposa e todo o relacionamento, e em situações ocasionais o indivíduo possui um sentimento de que o falecido está presente (através de uma foto, peça de roupa etc). Nota-se que tal fase é presente na vida de Fred, que ao ver por diversas ocasiões a fotografia de sua ex-esposa, sempre revivia sua relação com a mesma, “questionando-a”, “respondendo-a” e estabelecendo “uma conversa”. A última fase do Modelo Clássico de Elaboração do Luto é a Resolução: que ocorre quando a pessoa que sofreu a perda renova o interesse pelas atividades cotidianas, a lembrança do falecido traz sentimentos de afeto misturados com tristeza, em vez de uma dor aguda e ansiedade. Observa-se no filme evidências desse processo em Fred, que após se relacionar com Elsa, começa a se interresar pelas atividades cotidianas, como por exemplo: tomar banho (mesmo que de tarde), se arrumar de forma elegante, passear no parque, ir a restaurantes, cortar o cabelo e fazer a barba, dispensar sua cuidadora e assumir as atividades da casa, resgata a autonomia de sua própria vida (não permitindo que sua filha “ditasse as regras”), joga o excesso de remédios fora, e realiza uma viagem internacional segundo seu próprio consentimento; Fred abandona sua aversão que durou um longo período e vai ao tumulo de sua ex-esposa levando flores, pode-se notar que ele não possui mais uma agonia (agonia essa, que o impedia de visitar o tumulo de sua ex-mulher), mas sim uma tristeza que é característica dessa fase.
Através da Teoria do Curso de Vida (Lifespan) é possível observar as características do desenvolvimento na fase de vida adulta tardia e entender os fatores Genético-Biológico e Sócio-Cultural, de natureza normativa e não-normativa que influenciaram no desenvolvimento da subjetividade e consequentemente do comportamento e do modo de perceber o mundo por parte de Elsa e Fred.

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