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São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004 DIVERSIDADE ESTRATÉGICA Inspiradas nos EUA, companhias brasileiras promovem mistura de tipos em seus quadros Múltis discutem benefícios da variedade TATIANA DINIZ da reportagem local Há duas décadas, não era difícil definir o perfil predominante do mundo executivo brasileiro: homens brancos, de meia-idade, casados e com filhos ocupavam a maioria dos cargos estratégicos. As empresas tinham, então, equipes homogêneas que refletiam a postura dessa liderança-padrão. Mas esse cenário vem sofrendo transformações velozes. Mulheres, negros, portadores de deficiência, gays e idosos estão na lista de perfis interessantes para colaborar com empresas que perseguem procedimentos atualizados de gestão. Discriminar está fora de moda, e a padronização de idéias e de procedimentos deve cair em desuso nos próximos anos, apontam os especialistas. A tendência bebe da fonte norte-americana, já que a legislação dos Estados Unidos determina a inclusão de pessoas de diferentes origens nas empresas. "Lá a fiscalização é rígida nesse sentido, e há uma definição precisa de etnias e de cargos", descreve Carlo Hauschild, 41, gerente-geral da consultoria Hewitt. Para ele, o Brasil vive hoje uma etapa preliminar à disseminação da diversidade. "O passo seguinte é enxergá-la como geradora de vantagem competitiva", comenta. Para Luciana Lopes, 33, diretora da Dobra (soluções para comunicação empresarial e aprendizado), embora positiva, a movimentação deve ser encarada com cautela. "As realidades dos dois países são muito diferentes. A própria noção de raça muda de um para o outro. O modelo pode não funcionar, na prática, aqui." Diferentes olhares A idéia é que contar com diferentes olhares e saber aproveitar bem suas idéias aumenta o potencial das empresas no mercado, aperfeiçoa produtos e processos e ajuda a estimular a inovação. "A força de trabalho diversificada é mais forte do que a baseada num padrão único. A visão das minorias guarda contribuições valiosas", afirma Luciana Camargo, gerente de talentos da IBM. A empresa mantém quatro diferentes comitês de discussão sobre os temas: portadores de deficiência, negros, mulheres e GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros). E foi a primeira no país a estender o benefício do plano de saúde a companheiros de funcionários homossexuais. Na opinião de Marcos Valença, 39, diretor de RH da Arvin Meritor (automóveis), o Brasil tem uma vocação natural à aceitação da diferença. "É um país com uma história de misturas, de gente de todo jeito, de várias religiões. Essa prática é mais fácil aqui." Na Arvin Meritor, uma ação de comunicação interna é ancorada num Conselho de Diversidade que envolve membros de todas as posições hierárquicas. A meta é conscientizá-los para que respeitem as particularidades de cada um. "Uma conseqüência disso foram as adaptações na linha de produção para que funcionárias fossem recrutadas em iguais condições que os homens. Fizemos até um novo uniforme, pensado para elas", conta Valença. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/ce0808200401.htm (acesso em: 30/10/07) São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004 DIVERSIDADE ESTRATÉGICA Questionamento sobre capacidade dos "diferentes" é um dos efeitos colaterais da prática Modelo gera polêmica sobre competência DA REPORTAGEM LOCAL Apesar do apelo politicamente correto, introduzir a noção de diversidade no modelo de gestão pode aflorar polêmicas no ambiente de trabalho. Isso porque, assim como existe muita discussão em torno das cotas para estudantes negros nas universidades, a associação de cargos a perfis preestabelecidos pode não ser aprovada pelos colaboradores. "Ela só virou diretora por ser mulher. Antes, todos os diretores eram homens." Esse foi um dos comentários que Carlo Hauschild, da Hewitt, ouviu de funcionários que atuavam em empresas que apostaram na diversidade. "O questionamento é um efeito colateral da prática. As pessoas podem achar que aquele profissional não está preparado para assumir o cargo", comenta. Para não correr esse risco, o foco na diversidade da Avon é concentrado na etapa de contratação, e a rede não planeja estipular metas quantitativas de posições a serem preenchidas com pessoas que tenham perfis específicos. "O que fazemos é usar de rigidez e fiscalização para assegurar que fatores como idade, origem ou etnia jamais interfiram num recrutamento", explica a gerente de desenvolvimento organizacional, Carla Marques, 36. "Atestado de racismo" Isabel Cristina Fernandes, 42, é gerente de setor na Avon e supervisiona o trabalho de 1.600 revendedoras. Embora seja negra, a profissional não enxerga na adoção de cotas uma estratégia que concentre soluções definitivas de inclusão. "De certa forma, a cota é um atestado de racismo. Pode funcionar no primeiro momento, para abrir horizontes. Mas o ideal é que a aceitação seja natural." Filha de um metalúrgico que morreu quando ela tinha apenas 12 anos, Fernandes recomenda "competência e luta" para que as minorias consigam se inserir no mercado. "Acho que o racismo é inegável, mas existe um preconceito bilateral entre negros e brancos. O negro tem de parar de ser preconceituoso com ele mesmo para poder chegar mais longe." Para combater a tendência à segmentação das minorias, os grupos temáticos da IBM são abertos a qualquer colaborador que se interesse pelo tema: nem só de gays é formado o grupo GLBT da empresa, e há muitos brancos no grupo de negros. "Consideramos importante que sejam heterogêneos", diz a gerente de talentos, Luciana Camargo. Objetivos Outro ponto que merece atenção é refletir sobre aonde se quer chegar ao apostar na contratação de funcionários de diferentes origens. Isso porque, mais do que tê-los no organograma, é importante certificar-se de que eles possam manifestar-se livremente. "Diversidade não se contrata, fomenta-se", resume Luciana Annunziata, diretora da Dobra, empresa de soluções para comunicação empresarial e aprendizado. Na opinião dela, de nada adianta trazer tipos "superexóticos" para compor a equipe se o contexto de relações da empresa segue um padrão rígido. "[O funcionário] pode ser um descendente de índios da Amazônia, mas ter de seguir a linha", exemplifica. Annunziata ressalta ainda que "diversidade é exposição". "É abrir o espaço para que cada um exiba o que tem de diferente. Caso contrário, contrata-se por ser diferente e depois mata-se a diversidade com as práticas da casa." Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/empregos/ce0808200402.htm (acesso em: 30/10/07) MODELO DE RESENHA DINIZ, Tatiana. Diversidade Estratégica: Múltis discutem benefícios da variedade. Folha de São Paulo, Caderno de Empregos. São Paulo, 08/08/2004, Pg.02. DINIZ, Tatiana. Diversidade Estratégica: Modelo gera polêmica sobre competência. Folha de São Paulo, Caderno de Empregos. São Paulo, 08/08/2004, Pg.03. Publicado no Caderno de Empregos, que circula aos domingos no jornal Folha de São Paulo – um dos maiores veículos de comunicação do país, os artigos em questão, abordam um tema recente e polêmico na sociedade brasileira: a criação de cotas para a inserção das minorias culturais no mercado de trabalho. A reportagem, de autoria de Tatiana Diniz, faz no início uma retrospectiva da condição da diversidade cultural na realidade brasileira nas últimas duas décadas, traçando o perfil do executivo brasileiro ontem e na atualidade. Através de depoimentos com executivos e colaboradores de áreas estratégias, a jornalista vai traçando as perspectivas e ações do mercado nacional para introdução das minorias sociais em espaços antes restritos a homens brancos, de meia-idade e com filhos. Considerando que na última década, essas minorias têm integrado o mercado consumidor brasileiro, a sua inclusãonos quadros das empresas consideradas de grande porte (como é o caso das empresas consultadas pela jornalista) denota preocupação do setor empresarial em agradar essa fatia do mercado. Considerando também que o público leitor da Folha, composto em sua maioria por indivíduos da classe média, e levando em conta que o domingo é o dia de maior circulação, a escolha desse tema não passa inocentemente pela preocupação de justiça social. O Brasil tem hoje, altos índices de desemprego, o que gera tensão entre as classes sociais; o jornal, enquanto mediador das relações entre poder e público, cumpre sua missão: despreocupar seus leitores - as possibilidades de emprego tornam-se mais maiores, as grandes empresas estão receptivas à diversidade, e portanto, o governo e o setor empresarial cumprem seus papéis sociais. O modelo que está sendo adotado no Brasil, de acordo com a reportagem, tem origem norte-americana, e portanto, na opinião de alguns especialistas consultados, deve ser repensado à realidade brasileira, considerando as especificidades culturais dos dois países. A lei brasileira ainda não propôs, como o estado norte-americano faz, soluções para o problema da exclusão étnica. No entanto, sabemos que os problemas de conflitos raciais enfrentam situações bem diferenciadas no Brasil e nos Estados Unidos, e que a discussão entorno das cotas para negros e índios ainda gera polêmica por aqui. Evitando tomar algum partido nessa discussão, a Folha de São Paulo procurou colher informações de pessoas que se enquadram nos perfis que a reportagem procurar atentar: gays, mulheres e negros que ocupam cargos estratégicos em empresas de grande importância, assim como executivos “tradicionais” que ocupam posições decisivas na política das empresas e que espelham a opinião da classe empresarial. Como não poderia deixar de ser, para encerrar a reportagem sem resolver a questão do preconceito que a introdução de cotas poderia acirrar, a jornalista destaca que a lei brasileira aos poucos tem criado mecanismos (cotas) para garantir a introdução dos “excluídos” no mercado de trabalho, começando pelos deficientes físicos. A inserção das consideradas minorias sexuais fica para uma discussão futura, pois a própria condição de criação de comitês de discussão dentro de empresas é fato ainda constrangedor para os colaboradores, que se sentem pouco à vontade para tratar do tema em público.
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