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A Perda da Visão na Adolescência e na Idade Adulta

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A Perda da Visão na Adolescência e na Idade Adulta.
15/05/2009 - Ana Maria Medeiros.
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A pessoa que perde a visão quando jovem ou adulta, se, por um lado, "já viu o que havia para ver no mundo", como diz o povo, por outro, tem de defrontar-se com o trauma psicológico da perda. Pelos casos que conhecemos, o processo de superação depende muito da atitude pessoal, da situação sócio-econômica, cultural e familiar, mas aconselha-se que essas pessoas sejam alvo de acompanhamento psicológico, bem como as suas famílias.
É natural que a pessoa sinta que o seu mundo ruiu ao cegar. As bases em que ele se sustentava deixarão de existir. Realizar tarefas quotidianas em casa, andar na rua, dirigir-se para a escola ou emprego, entre outras, deixará de ser possível antes de se ter iniciado um processo de reabilitação.
As famílias, que tantas vezes se sentem indefesas perante a adversidade, respondem de forma desajustada, compreensivelmente. As duas respostas familiares mais comuns são o abandono ou a super proteção. A ajuda deverá vir tanto dos serviços de saúde, como da escola, no caso de crianças e jovens, implementando programas sempre no sentido de considerar que o indivíduo é um todo e que a sua reeducação objetivamente procurará que os seus níveis de participação na vida familiar e social sejam, quanto possível, repostos.
Os profissionais de saúde e os professores não devem esquecer que as perdas que a cegueira traz são muitas. Segundo Carrol (1968), podem ser sistematizadas da seguinte forma: perdas emocionais, perdas das competências básicas, perdas na consideração pessoal, perdas relacionadas à ocupação profissional, perdas na comunicação e perdas que implicam a personalidade como um todo.
As perdas emocionais caracterizam-se pela fragmentação da auto-imagem e perda da auto-estima. O indivíduo, que tinha a sua vida centrada no sentido da visão, deixa de poder sentir-se como uma pessoa completa, considerando-se, pela diferença física, alguém inferior, alguém que não é o que era e que surge diferente dos outros que o rodeiam. O peso do que lhe sucedeu assume tais proporções que pode ficar psicologicamente instável. Tarefas simples do quotidiano como olharem-se ao espelho, escolher uma peça de roupa ou cumprimentar um amigo à distância, tornam-se impossíveis e geram situações de afastamento, de necessidade de ajuda e de angústia.
Se cada um tem uma auto-imagem, independentemente de ser real ou não, ao cegar o indivíduo a perde. Sente que é outra pessoa e que dificilmente voltará a ser alguém que interesse aos outros.
A sua relação com os outros e com a cegueira dependerá também da forma como via os cegos enquanto conservava a sua visão. Se a sua percepção dos cegos valorizava fatores como a mendicidade, a pobreza e a dependência, naturalmente que não acreditará com a mesma convicção na sua reabilitação. Se, por outro lado, associava cegos a artistas, a pessoas que enfrentavam a vida corajosamente, a sua posição face ao futuro, ao cegar, não será desesperada.
A pessoa que cega repentinamente perde as competências básicas. Não se saberá vestir, não será capaz de se alimentar, de se locomover, de se desviar de obstáculos, de se apresentar de forma socialmente aceitável... Terá imensas dificuldades em orientar-se, em fazer opções em termos espaciais, como escolher pontos de referência. A cegueira repentina como que imobiliza o indivíduo que a experimenta. Sentidos como o olfato e paladar, antes tão negligenciados, tornam-se lentamente muitíssimo importantes, o mesmo sucedendo com a audição e com o tato. Enquanto o sentido da visão não for substituído pelos outros, o cego sente-se como que perdido no mundo e sujeito a um constante sentimento de pânico, temendo sempre pela sua segurança, seja no meio familiar ou no espaço exterior.
A não realização de competências básicas, por um lado, levam-no a considerar-se como alguém agora incapaz de ser reconhecido pelo que fazia quando via; por outro, tornou-se alguém completamente dependente de familiares ou de amigos, o que veio romper antigos equilíbrios que norteavam a sua vida.
Incapaz de realizar as tarefas comuns do dia-a-dia, tornando-se dependente, o cego perde a sua liberdade, a sua intimidade, a sua posição no seio familiar e muito daquilo que o unia aos outros. O mesmo se pode dizer que sucede com as competências relacionadas com a ocupação profissional. Não podendo trabalhar, de repente vê-se sem mais um traço da sua identidade, que é a sua profissão. Perde também os colegas de trabalho, as vivências que uma profissão traz ao dia-a-dia de quem trabalha a interrupção de uma carreira, a degradação da sua situação econômica e a esperança em relação ao futuro... Se ainda é estudante, o seu desempenho acadêmico fica em risco e muitas vezes o abandono da escola ou universidade é a resposta ao que sente.
As perdas relacionadas com a comunicação são relevantíssimas. A perda de visão impedirá à leitura, antes tão natural, bem como a observação de obras de arte, a assistência de espetáculos, seja presencialmente seja através da televisão. Trata-se de alguém que gostava de ler, de ver exposições de pintura e de assistir a espetáculos de cinema ou teatro, sentirá que a sua perda é enorme.
Faltar-lhe-á um conjunto de pontos de identificação com o mundo, pontos que antes encontrava em livros, jornais, em publicações relacionadas com a sua área profissional... Além disso, não podendo consultar os seus extratos bancários, ler as faturas da água, eletricidade e telefone..., verifica que a sua vida privada é vasculhada por terceiros, o que lhe causará angústia.
Apesar de existirem respostas de tipo tecnológico para muitos dos problemas aqui apresentados, não podemos esquecer que a cegueira afeta o indivíduo como um todo e que a resposta a esta situação varia com os indivíduos. Há os que reagem e superam, reorganizando a sua vida, mas há muitos outros que se vitimizam, assumindo-se como "coitadinhos", como merecedores de pena, nada preocupados em crescer como pessoas.
Por considerarmos que a cegueira repentina afeta a vida completa de uma pessoa, concordamos com Bruno e Mota (2001, p. 144) quando escrevem que: “... é ingênuo considerar que a cegueira é uma deficiência que atinge somente a visão. Ela pode abalar seriamente a estrutura psíquica de quem venha a adquiri-la".
Conhecedoras dos contornos do problema da perda de visão, as pessoas que rodeiam o cego recente devem reagir o mais naturalmente possível. Não faltar com a ajuda quando necessária, mas evitar a comiseração e a piedade que melindram quem é alvo delas.
Não é, contudo, possível esquecer as vicissitudes da nova condição. As pessoas devem compreender que aquele que cegou se torna uma pessoa diferente e que perdeu a sua privacidade. É agora alguém marcado, alguém que perdeu o seu antigo anonimato. Por isso, pede-se a quem o rodeia que nem o subestime, nem o valorize sem razão.
Muitos cegos recentes, ao verem que ganham notoriedade, tentam dar o passo para frente sem resolver os problemas básicos da vida. Tornam-se extremamente dependentes, embora pareçam apresentar uma autonomia e uma participação social merecedoras de louvor. Ao contrário desta pessoa, é comum também surgir o cego recente que, como perdeu o sentido que o ligava ao mundo, como não pode apreciar a natureza, o que é belo, isola-se e corta os laços com o meio exterior.
Os técnicos de reabilitação devem estar atentos a estas situações e perceber o que está em jogo para buscarem o equilíbrio, trabalhando em conjunto com a família e, se possível, com a comunidade.
O mesmo se espera da escola. Pede-se-lhe que não permita que haja rupturas na vida acadêmica dos alunos que cegaram recentemente. Como na maior parte dos casos a cegueira não é repentina, antes a perda da visão é lenta e gradual, a prevenção deve ser uma prioridade para professores e outros técnicos.
Por outro lado, é preciso determinar quando deverá ter início a aprendizagem do sistema Braille. Como escreve Correia (2008), “... a transição para o sistema Braille deveráfazer-se sem saltos, não sendo necessário interromper os estudos. Hoje está disponível um conjunto de meios tecnológicos que configuram alternativas válidas para que os alunos consigam dominar o Braille gradualmente e de forma tão cômoda quanto possível, até o tornarem no seu meio natural de escrita e leitura."
Muito dificilmente uma pessoa normovisual compreende e consegue experienciar o que é ser cego. É ilusão julgar que fechar os olhos, realizar tarefas na escuridão ou deixar-se guiar por outrem, resumem o que é ser cego (Martins, 2006). Para este autor, a dificuldade de um normovisual perceber o que é ser cego e, consequentemente a sua integração na sociedade, está ligada aos preconceitos profundamente arraigados na nossa cultura. Podemos encontrá-los na Bíblia e na mitologia, através da figura de Tirésias.
Por um lado, ser cego, como são os cegos que surgem nas nossas aldeias, vilas e cidades, não é apenas não ver. Trata-se de pessoas que adquiriram um conjunto de competências que lhes permite enfrentar o quotidiano em segurança, com comodidade e de forma profícua. Por outro, a pessoa cega não é apenas a sua cegueira, mas alguém que tem uma vida como qualquer outro ser humano.
Para a pessoa de visão normal é quase impossível imaginar-se sem o seu sentido primordial, colocar-se na posição do cego que se cruza consigo na rua, compreender determinadas atitudes que o vê tomar. Muitas vezes o que é natural para um cego não o é para um normovisual. Quantas vezes é um cego agarrado por diversas mãos ao descer de um comboio, mas logo abandonado na plataforma da estação? Que dizer deste comportamento se considerar que ele precisaria, em vez da ajuda para descer da carruagem, da informação da localização das escadas mais próximas para se poder dirigir para a saída? Este exemplo de incompreensão é bem claro e percebe-se que pode conduzir a pequenos desentendimentos. Naturalmente será mal visto o cego que recuse uma ajuda para descer do comboio, considerada necessária pelos que o rodeiam. Muitos casos de agressividade por parte as pessoas com deficiência resulta de situações como a que descrevemos.
Os cegos ainda hoje são considerados seres exóticos por muitos que com eles se cruzam. A sua cegueira avulta como característica primordial. Os cegos são olhados como uma comunidade, como um todo e não como pessoas isoladas e quantas vezes sem relação alguma com outros cegos que vivem na mesma rua ou bairro.
Os cegos, na opinião popular, são todos inteligentes e lindos (Correia, 1995). O anedotário pinta-nos um cego, umas vezes, ladino, bizarro e malvado, mas, outras, infeliz e humilhado. As artes dão também um contributo para esta visão estereotipada do cego. A literatura e o cinema estão cheios de exemplos em que cegos são descritos de uma forma difícil de aceitar por um espírito esclarecido. Prova disso é o que sucede em O Rosário (Barclay, 1970), em que o protagonista perde a visão e a sua enfermeira coloca cordas para ligar o piano à poltrona para que ele se possa deslocar com comodidade. Outro exemplo caricato aparece em O Milagre (Wallace, 1984), em que a personagem cega conta os passos para se deslocar quer em casa quer na rua. Também esta personagem sofreu a perda da visão e acredita poder ser curada por um milagre de Nossa Senhora de Lurdes.
Há a tendência para julgar que os deficientes visuais apresentam as mesmas características pessoais. Refletindo sobre o assunto, Delgado Cobo, Gutierrez Rodriguez e Toro Bueno (2003, p. 119) escrevem que: "Podemos afirmar que não encontramos elementos que nos permitam falar na existência de uma personalidade do cego", acrescentando que, embora se possam observar alguns traços e tendências, muitos cegos não possuem a maior parte deles.
Bibliografia.
Ana Maria Medeiros - Instituto de S. Manuel - Porto.
BARCLAY, Florence, O Rosário, Lisboa, Editorial Minerva, 1970.
BRUNO, Marilda Moraes Garcia e MOTA, Maria Glória Batista da Deficiência Visual, Série Atualidades Pedagógicas, Brasília, Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial, 2001.
CARROL, Thomas G., Cegueira: O Que Ela É, O Que Ela Faz e Como Viver Com Ela, S. Paulo, Ministério da Educação e Cultura, 1968.
CORREIA, Fernando Jorge A., "Os Cegos Perante a Opinião Pública", Actas do 1º Congresso da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, Lisboa, Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, 1995.
CORREIA, Fernando Jorge A., "O Futuro do Jovem Cego de Hoje", Conferência Proferida no 1º Congresso Ibérico de Educação Especial: Percursos e Percalços, Santa Casa da Misericórdia do Porto/ Universidade Lusíada, Dezembro, 2008
DELGADO COBO, A; GUTIERREZ RODRÍGUEZ, M. e TORO BUENO, S., "Personalidade e Auto-imagem do Cego", Manuel Bueno Martín e Salvador Toro Bueno (coords.), DEFICIÊNCIA VISUAL - Aspectos Psicoevolutivos e Educativos, Santos, Livraria Editora, 2003, pp. 117-128.
MARTINS, Bruno Sena, "E Se Eu Fosse Cego?": Narrativas Silenciadas da Deficiência, Porto, Edições Afrontamento, 2006.
WALLACE, Irving, O Milagre, Lisboa, Livros do Brasil, 1984.
 
ACESSIBILIDADE: AS PESSOAS CEGAS NO ITINERÁRIO DA CIDADANIA. 
 
RESUMO.
O presente trabalho destina-se, especialmente, aos leitores que podem ler e enxergar com os próprios olhos e, talvez, desconheçam ou mistifiquem a experiência não visual. Foi elaborado com a intenção de ampliar as informações sobre o tema da acessibilidade, a partir de um referencial particular, o da realidade vivida por pessoas cegas ou com baixa visão. Baseia-se em uma sondagem aleatória, tendo como referência um questionário com 12 perguntas, divulgado na internet, entre usuários de ledores de tela e softwares com síntese de voz, além das incursões de minha vida pessoal e profissional. O questionário foi respondido por 83 pessoas das quais 71 são do Brasil e 12 de Portugal. Entre os brasileiros, 23 são jovens e estudantes que não utilizam computadores. As respostas obtidas foram selecionadas e organizadas em tópicos que explicitam aspectos relevantes para esboçar um traçado dos centros urbanos e compreender a dinâmica de relações entre os cidadãos e o meio circundante. A síntese dessas respostas configura um painel das principais barreiras e entraves detectados.
 
INTRODUÇÃO
O tema da acessibilidade será desenvolvido a partir da realidade vivida por pessoas cegas ou com baixa visão no que diz respeito à locomoção e mobilidade, ao acesso ao conhecimento, à educação, ao trabalho e a outros meios de inserção social e comunitária. Nosso estudo baseia-se em uma pesquisa empírica, realizada entre usuários do Sistema Braille, de softwares com síntese de voz e ledores de tela entre outros recursos compatíveis com a limitação sensorial. A maioria deles participa de listas de discussão, na internet, direcionadas ao segmento e à temática relacionada à deficiência visual. Os sujeitos pesquisados são jovens e adultos que apresentam algum resíduo visual ou cegueira, de natureza congênita ou adquirida, e cuja faixa etária é de 20 a 60 anos. Entre os que nasceram cegos ou perderam a visão prematuramente, a maioria iniciou o processo de escolarização em instituições especializadas e ingressou no sistema regular de ensino para continuidade dos estudos. Os que perderam a visão na idade adulta e concluíram o percurso de escolaridade enfrentam dificuldades de acesso ao mundo do conhecimento e do trabalho. A metodologia utilizada consistiu na elaboração de um questionário auto-aplicável com 12 perguntas opinativas sobre acessibilidade no contexto da vida diária com ênfase na abordagem dos seguintes aspectos:
Uso de bengala, guias humanos ou cão-guia para a locomoção;
meios de transporte mais utilizados e dificuldades de acesso a eles;
barreiras que dificultam ou impedem a locomoção nas ruas e vias públicas e soluções apontadas;
serviços, equipamentos públicos e alternativos que facilitam a locomoção e mobilidade na cidade, local de moradia ou de trabalho;
Obstáculos para ingressar na escola e recursos utilizados no decorrer da vida escolar;
Alternativas de acesso à leitura,à escrita e à informação;
Autonomia para assinar documentos, comprar ou alugar imóveis, movimentar contas bancárias e outras transações similares;
Recursos tecnológicos e informáticos utilizados.
O questionário foi divulgado em várias listas de discussão e respondido por 83 sujeitos dos quais 71 residem em diferentes regiões do Brasil e 12 em Portugal. Entre os brasileiros, 23 são estudantes que não fazem uso do computador. As respostas obtidas foram selecionadas e organizadas em tópicos que explicitam as principais barreiras ou entraves detectado e refletem a dinâmica de relações entre os cidadãos cegos e com baixa visão e o meio circundante. Ao apresentarmos um panorama das restrições e dos obstáculos que dificultam ou impedem o acesso ao conhecimento e o percurso de escolarização destas pessoas, indicaremos os meios e as estratégias propostas para a produção de recursos tiflológicos e alternativas de acessibilidade. Além disso, a negação da diferença, os estigmas, o protecionismo e a violação de direitos fundamentais são exemplificados por meio de depoimentos, noticiários e pareceres acerca de atitudes e medidas discriminatórias que comprometem o efetivo exercício de cidadania.
 
A BENGALA E OS GUIAS
As pessoas cegas e com baixa visão dependem de terceiros para identificar ruas, endereços, itinerários de ônibus, avisos, obstáculos e outras referências visuais. Transitam com dificuldade por vias públicas em geral e ficam expostas a constantes situações de risco. Utilizam a bengala como principal meio de locomoção, o que é confirmado por 48 das 83 pessoas que responderam o questionário. Por outro lado, 21 dos respondentes se valem apenas de guia humano, enquanto 12 recorrem às duas alternativas e 4 utilizam cães-guia para se locomover. Como era de se esperar, a bengala é um recurso indispensável para a locomoção de pessoas cegas. Podemos considerar, no entanto, que o uso exclusivo de bengala ou mesmo de cão-guia não dispensa a colaboração de eventuais guias humanos ou informantes, ainda que seja apenas para atravessar ruas, parar o ônibus ou o táxi, prevenir acidentes ocasionais ou, simplesmente, facilitar o acesso, entre outras possibilidades de interação. Assim, a figura do guia humano é uma variável significativa que representa, aproximadamente, 25% da amostra pesquisada, o que demonstra sua relevância, embora seja menos acessível como alternativa prioritária ou exclusiva. Estamos nos referindo ao guia humano como uma pessoa que estaria disponível para desempenhar, de forma voluntária ou profissional, a função de acompanhar pessoas cegas, em sucessivos deslocamentos, apoiando-as na realização de tarefas e expedientes eminentemente visuais. O cão guia é utilizado raramente, talvez, por se tratar de alternativa pouco difundida, de difícil acesso e aceitação social. Em Portugal, "restaurantes, salas de espetáculos, transportes públicos e toda a espécie de locais não podem, por lei, vedar a entrada a cegos e aos seus cães-guia. Isso apenas é possível desde o ano passado, por regulamentação expressa no decreto-lei 118/99, de 14 de Abril. Há, no entanto, pouco conhecimento acerca deste imperativo legal, e alguns estabelecimentos (...) criam dificuldades". (1) No Brasil, o contexto não é diferente. Algumas pessoas cegas foram barradas por estarem acompanhadas de cães-guia e recorreram à justiça para assegurar o direito de transitar livremente com o animal em espaços públicos. O metrô de São Paulo só permitiu a circulação de uma mulher cega acompanhada de seu cão-guia, por meio de decisão judicial, baseada na lei municipal 12.492/97, que assegura o acesso e trânsito de cães-guia em ambientes públicos. (2) Por outro lado, em um condomínio residencial de Florianópolis, uma moradora cega tentou manter seu cão-guia no apartamento e os condôminos votaram, em assembléia, pela retirada do animal, recorrendo ao regulamento do condomínio que proíbe a permanência de animais no prédio. (3) Reações e posturas semelhantes demonstram falta de sensibilidade, negação da diferença, desconhecimento da legislação e desrespeito aos direitos fundamentais. São numerosos e desafiadores os obstáculos que dificultam ou impedem a locomoção, a livre circulação, a comunicação, a interação física e social das pessoas cegas ou com baixa visão em suas atividades diárias. Não raro, estas pessoas convivem com atitudes, atos discriminatórios e estruturas excludentes que convertem o quotidiano em campo de batalha e tornam a condição de cidadania mera abstração ou um ideal inatingível.
 
O TRANSPORTE E AS VIAS PÚBLICAS.
As barreiras percebidas, no transporte, nas ruas e vias públicas em geral, tornam o espaço urbano intransitável para qualquer pessoa e inacessível para as que têm dificuldade de locomoção ou mobilidade reduzida. Em decorrência, "estes problemas fazem da locomoção dos deficientes visuais uma verdadeira aventura pela cidade, tornando as atividades que poderiam ser muito simples, algo complexo que atrapalha de modo significativo o nosso direito de ir e vir". (4) Das 83 pessoas que responderam o questionário, 72 são usuárias de transporte coletivo e 25 delas se mostram insatisfeitas com os serviços e as condições existentes. Relacionam inúmeras dificuldades das quais ressaltamos:
Pegar ônibus fora dos terminais;
Acesso nas estações de comboio e do metropolitano;
Obter informações, o itinerário e o não anúncio das estações do metrô;
No ponto de ônibus, sozinho principalmente quando chove;
Na entrada dos transportes e a comprar bilhetes nos autocarros;
Acesso ao transporte, degraus e assentos sempre ocupados;
Arquitetura interna dos ônibus e superlotação;
Descer do ônibus é um perigo constante;
Obter informações de motoristas e passageiros, os quais não entendem por que e para que uma pessoa cega insiste em sair sozinha;
Pessoas que trabalham com transporte coletivo pouco preparado para lidar com portadores de deficiência, qualquer que seja a deficiência;
Falta de preparo de funcionários e da população em geral para conduzir um deficiente visual, ao atravessar a rua ou pegar o ônibus;
Transeuntes desatentos.
A disposição desordenada e caótica do mobiliário urbana ganha realce e visibilidade através das pessoas cegas que deparam com barreiras tais como:
Cabines telefônicas ou orelhões e lixeiras sem sinalização;
Veículos estacionados irregularmente em passeios públicos;
Obras sem proteção ou cordão de isolamento, cuja maleabilidade e altura não são detectadas pela bengala;
Esgoto e bueiros abertos, dejetos, buracos, sacos de lixo, entulhos, pisos quebrados;
Cartazes, placas publicitárias, mesas e cadeiras nas calçadas;
Falta de sinais sonoros nas ruas;
Toldos baixos avançados nas calçadas e outros obstáculos aéreos;
Vegetação agressiva, vasos, canteiros, jardineiras e árvores com ramos baixos sem proteção;
Camelôs, bancas de frutas, carrinhos de pipoca e de hot-dog;
Pavimentação irregular, calçadas com aclives e declives;
Portões abertos ou que se abrem automaticamente;
Barras de ferro, postes metálicos finos e de difícil localização pela bengala;
Falta de alinhamento na construção dos edifícios;
Excesso de ruído próprio dos centros urbanos;
Elemento surpresa como andaimes nas calçadas;
Falta de sinais de trânsito nas ruas e avenidas mais movimentadas;
Falta de faixas de segurança com sinaleira para travessia de pedestre;
Inexistência de calçamento, degraus nas calçadas;
Semáforos com pouca luz;
Todo tipo de barreira arquitetônica e ideológica.
O impacto destas barreiras sobre as pessoas com dificuldade de locomoção ou mobilidade reduzida reflete o caos e a desordem dos centros urbanos. A relação de incompatibilidade entre os cidadãos e o meio circundante é caracterizada pelos ambientes restritivos, espaços inacessíveis e pelas estruturas excludentes. Nesta perspectiva, "imagine o que é viver em um mundo em que caixas de Correio e orelhões são como obstáculos em pistas de corrida. É dessa forma que os deficientes visuais do Recife descrevem a cidade: um local planejado para quedas eacidentes". (5) A variedade de obstáculos móveis, imóveis, ocasionais ou permanentes exprime a concepção de espaço urbano projetado para uma espécie de "homem-padrão”, cuja imagem idealizada desconsidera diferenças e peculiaridades dos pedestres reais. A implantação e a implementação de serviços, equipamentos públicos, projetos e outras iniciativas que poderiam favorecer a locomoção e a mobilidade de pessoas cegas foram assinaladas por 21 sujeitos da amostra. É o caso, por exemplo, da constatação de leis municipais, quase sempre ignoradas ou descumpridas e de ações localizadas das quais se distinguem:
Implantação de passarelas, pisos táteis ou linhas-guia em trechos estratégicos na área urbana;
Elevadores com painel em braille dispersos em prédios públicos e particulares;
Projetos de adaptação de ônibus, de plataformas do metrô e de prédios públicos;
Semáforos sonoros isolados;
Funcionários treinados para atender aos deficientes visuais em estações de metrô.
Os exemplos focalizados são indicadores de ações fragmentárias que se mostram insipientes e quase imperceptíveis no complexo cenário urbano, sendo realçadas apenas em pontos dispersos de uma região ou do país. Alternativas dessa natureza tendem a ser motivadas por grupos de pressão ou derivam de projetos circunscritos em contextos específicos com níveis de prioridade, relevância e amplitude relativas e nem sempre congruentes. Representam investimentos e ações focais desarticuladas da efetivação de políticas públicas concebidas sob o primado da igualdade de oportunidades para todos e sob a égide dos direitos fundamentais.
 
ACESSIBILIDADE E CIDADANIA.
As atividades escolares, profissionais e de vida diária das pessoas cegas ou com baixa visão são facilitadas pelo uso de equipamentos e outros meios indispensáveis ao desenvolvimento de suas potencialidades. De acordo com as respostas do questionário, as máquinas de escrever em Braille, os gravadores, os livros sonoros, os ledores, os computadores com linha braille ou softwares com síntese de voz, leitores de tela e ampliadores, as impressoras braille e os auxílios ópticos são as alternativas mais recorrentes. O sistema braille é um recurso preponderante ou complementar na conjugação destas alternativas. Os dispositivos e as ferramentas de informática, considerados de grande relevância, ainda são inacessíveis para a maioria das pessoas. A falta e a precariedade de serviços especializados são indicadas como fatores que dificultam e comprometem a escolarização destas pessoas. As respostas detectadas revelam a escassez de material pedagógico adequado e de livros transcritos para o Sistema Braille, sonoros ou em suporte digital acessível. Os alunos com baixa visão revelam as limitações do ambiente físico e das condições de iluminação. Estes alunos necessitam de material ampliado, de desenhos, imagens e gráficos em relevo. Os estudantes universitários e os profissionais cegos explicitam a necessidade de acesso à literatura especializada e às tecnologias assistidas em diversas áreas do conhecimento e no mundo do trabalho. Das 83 pessoas que responderam o questionário, 19 tiveram dificuldades de acesso e permanência em escolas de ensino regular, enquanto 64 perderam a visão na idade adulta ou estudaram em escolas especiais. Em Alguns casos, as famílias optaram por transferir-se de cidade ou separar-se dos filhos para garantir o acesso à escolarização especial, alternativa justificada em razão de reiteradas recusas ou da protelação de matrículas em escolas regulares, além de presumível despreparo dos educadores, destas escolas, ao lidar com alunos cegos ou com baixa visão. Apresentamos, a seguir, as sugestões propostas pelos sujeitos da pesquisa, tendo em vista o acesso à leitura, escrita e à informação em geral. Para estas pessoas, a acessibilidade poderia ser viabilizada por meio de investimentos e ações tais como:
ampliação e otimização das bibliotecas e serviços especializados existentes;
Incentivos e subsídios financeiros que possibilitem o acesso às tecnologias disponíveis no mercado;
provisão de equipamentos e de programas com interfaces específicos como ampliadores de tela, sintetizadores de voz, impressoras e conversores braille, dentre outras possibilidades, em escolas, bibliotecas e demais espaços educativos;
atualização do acervo bibliográfico das universidades, produção de livros em disquetes ou cd-rom, maior circulação de livros digitalizados em formato alternativo;
Estabelecimento de normas e regras de acessibilidade para a criação e manutenção de sites que possibilitem a navegação, utilização de serviços, acesso às informações e às interfaces gráficas na internet;
Produção simultânea, por parte das editoras, de formatos alternativos às edições em papel;
criação de bibliotecas virtuais com acervo diversificado e acessível aos leitores com necessidades especiais;
Conversão de jornais, revistas e livros em vários idiomas para edição sonora ou eletrônica.
Da amostra estudada, 19 pessoas admitem não ter autonomia para assinar documentos. Entre elas, algumas esclarecem que só aprenderam a escrever por meio do sistema braille e que não se ensinava a assinar em tinta. Outros têm autonomia relativa porque determinadas transações ficam atreladas à exigência de procuradores. É o caso, por exemplo, da abertura de contas correntes, aquisição ou aluguel de imóveis, abertura de credito ou a compra de aparelhos celulares. Tal imposição é praticada de forma arbitrária e aleatória, uma vez que não se aplica às mesmas situações em todos os lugares. Em muitos casos, torna-se necessário percorrer um labirinto burocrático para vencer as barreiras impostas, o que exige tempo, paciência e disposição. Em conseqüência, algumas pessoas reagem passivamente, ao desconhecerem seus direitos ou para evitar transtornos e desgastes emocionais. Por outro lado, a arbitrariedade também é confrontada com reações incisivas. Neste sentido, deparamos com um depoimento ilustrativo:
"a única vez que tentaram me impedir de comprar algo, com meu cheque, apontei minha bengala para uma televisão exposta na loja de eletrodomésticos e perguntei se quebrando aquele televisor inteiro, aceitariam meu cheque para pagar o prejuízo! Engraçado, aceitaram!" (6).
O apego a normas restritivas - de cunho protecionista - encobre atitudes e atos discriminatórios que acabam por violar direitos e disseminar o estigma da incapacidade. Além disso, constituem atos lesivos por invadir a privacidade, provocar constrangimentos e impor tutelas desnecessárias, dificultando a vida pessoal e social destas pessoas. Nesta perspectiva, "deve-se ressaltar que a exigência de que um procurador indicado em documento público represente o deficiente visual, é impor-lhe a qualidade de incapaz e esta atitude é ilegal, pois onde a lei não restringe, não é lícito a ninguém fazê-lo". (...) A falta de visão não é empecilho para o cidadão movimentar sua conta como não foi a falta de audição para que Beethoven pudesse deixar às gerações futuras o legado de sua música. Como irá fazê-lo? Ora, deixe que ele responda... Com o auxílio de um ledor; de um secretário; de um parente; de um guarda; de quem quer que seja, mas, eleito por ele, na hipótese de sentir a necessidade da ajuda. Ao Banco, cabe a tarefa de facilitar-lhe o acesso à tecnologia, a leitura das cláusulas contratuais, a perfeita movimentação dos cartões, aliás, como faz (e deve fazer) com o idoso e com todo aquele que precisa de tratamento especial para ver garantido os seus direitos". (7)
 
CONCLUSÃO.
As pessoas cegas costumam despertar atenção, curiosidade e estranheza, ao fazer compras, combinar peças do vestuário, lidar com talheres, dinheiro ou realizar tarefas igualmente prosaicas. É como se fossem "párias" em uma comunidade de cidadãos invisíveis, cujos direitos são esquecidos, negligenciados ou negados quotidianamente. Portanto, torna-se necessário insistir na afirmação de direitos básicos que assegurem a igualdade de oportunidades para todos. Neste sentido, convém potencializar o compromissodos agentes públicos, a promoção de ações educativas e a participação dos sujeitos envolvidos. As necessidades de cada pessoa têm igual relevância e deveriam constituir a base do planejamento social.