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Ca´lculo III Departamento de Matema´tica - ICEx - UFMG Marcelo Terra Cunha Integral de Linha e Triedro de Frenet Na aula anterior iniciamos o estudo das curvas parametrizadas. Em par- ticular, interpretamos a derivada como vetor velocidade da curva, definimos o vetor tangente unita´rio e aprendemos a calcular o comprimento do arco, levando r´ primeira definic¸a˜o de uma integral de linha em nosso curso: L = ∫ γ ds = ∫ b a ‖γ′ (t)‖ dt, (8.1) onde γ : [a, b]→ Rn e´ uma curva. Hoje vamos insistir em uma generalizac¸a˜o da eq. (8.1) e vamos tambe´m explorar aquilo que a segunda derivada traz de informac¸a˜o sobre a curva. 8.1 Mais integrais de linha E´ natural pensar que func¸o˜es podem ser definidas e integradas ao longo de curvas. Por exemplo, podemos querer determinar o centro de massa de um arame homogeˆneo. Ou, ao contra´rio, podemos conhecer a densidade de um arame em termos de uma parametrizac¸a˜o espec´ıfica e desejarmos calcular sua massa total. Ou ainda, podemos ter um fio condutor com resistividade que varia ponto a ponto e queremos determinar o calor dissipado pelo fio, quando uma certa voltagem e´ aplicada a`s suas extremidades. Ou mesmo podemos querer calcular a altura me´dia de uma mola. Todas estas aplicac¸o˜es involvera˜o o ca´lculo de integrais de linha. Como foi dito na aula anterior, na fo´rmula (8.1) esta´vamos integrando a func¸a˜o constante igual a 1 para obter apenas o comprimento do arco (compare com o significado de fazer integrais duplas ou triplas da func¸a˜o constante igual a 1). Nos exemplos acima, temos sempre uma curva parametrizada γ : [a, b]→ Rn e uma func¸a˜o definida ao longo da curva. Esta func¸a˜o podera´ ser composta com a parametrizac¸a˜o dada, e assim∫ γ f ds = ∫ b a f (γ (t)) ‖γ′ (t)‖ dt, (8.2) 1 onde novamente devemos reconhecer a estrutura usual das fo´rmulas de mu- danc¸a de varia´veis. Aqui, neste caso, uma integral a ser calculada ao longo do trac¸o da curva γ em Rn e´ transformada em uma integral no paraˆmetro t, a ser calculada no intervalo [a, b] e onde ‖γ′‖ joga o papel do jacobiano, de traduzir comprimentos (elementos de integrac¸a˜o) em varia´veis distintas. E´ importante enfatizar quea definic¸a˜o dada pela eq. (8.2) so´ faz sentido uma vez que o resultado na˜o depende da parametrizac¸a˜o escolhida, depen- dendo apenas da condic¸a˜o de passarmos por cada trecho da curva uma u´nica vez. De fato, esta integral de linha de func¸a˜o escalar na˜o depende nem mesmo da orientac¸a˜o da curva. Veremos mais adiante que ha´ outros objetos que podem ser integrados ao longo de uma curva, e, por isso, o termo integral de linha tem mais de um significado (dependendo sempre do contexto). Este aqui apresentado cumpre muito bem o papel de generalizar as noc¸o˜es de integral mu´ltipla, tratando de curvas em lugar de regio˜es do plano ou do espac¸o tridimensional. Como um exemplo, pensemos em uma mola descrita parametricamente por h : [0, 10] → R3 t 7→ (R cos (2pit) , R sen (2pit) , Ht) , onde R e H sa˜o constantes positivas, com densidade linear de massa dada por λ (x, y, z) = 20H − z. Queremos agora determinar a altura me´dia desta mola. Generalizando o que ja´ foi discutido sobre valores me´dios de func¸o˜es, esta me´dia sera´ dada por z¯ = ∫ h zλ ds∫ h λ ds . Para calcular ambas estas integrais usando a aparametrizac¸a˜o dada, depen- demos de h′ (t) = (−2piR sen (2pit) , 2piR cos (2pit) , H) , de onde ‖h′ (t)‖ = √ 4pi2R2 +H2, 2 que e´ uma constante, e de onde segue∫ h zλ ds = ∫ 10 0 Ht (20H −Ht) √ 4pi2R2 +H2 dt = √ 4pi2R2 +H2 [ 20H2 t2 2 −H2 t 3 3 ]t=10 t=0 = √ 4pi2R2 +H2 1000 H2 2 3 . De mesma forma∫ h λ ds = ∫ 10 0 (20H −Ht) √ 4pi2R2 +H2 dt = √ 4pi2R2 +H2 150 H, e assim z¯ = 2000 450 H = 40 9 H. 8.2 Cinema´tica e Geometria da Segunda Derivada Ja´ vimos que γ′ (t) tem uma parte geome´trica (sua direc¸a˜o) e uma parte cinema´tica. Naturalmente, suas variac¸o˜es tambe´m apresentara˜o estes dois aspectos de forma interdependente. Na˜o deve ser surpresa que o vetor γ′′ (t) e´ chamado acelerac¸a˜o. E´ impor- tante entender que o vetor acelerac¸a˜o tem dois componentes distintos: um tangencial, ou seja, na direc¸a˜o de ~T , e outro normal, ou seja, perpendicular ao vetor tangente. Seu componente tangencial e´ puramente cinema´tico: diz se a velocidade escalar esta´ sendo aumentada ou diminu´ıda; ja´ seu compo- nente normal traz informac¸a˜o geome´trica (a famosa acelerac¸a˜o centr´ıpeta). No caso de curvas no espac¸o, a primeira informac¸a˜o geome´trica a´ı trazida e´ justamente a direc¸a˜o do chamado vetor normal: ~N . No caso de curvas planas, esta informac¸a˜o e´ apenas o sentido, ja´ que a direc¸a˜o ja´ fica definida pelo fato de ser perpendicular ao vetor tangente. Para traduzir esta discussa˜o em fo´rmulas, primeiro afirmamos que as re- gras de derivac¸a˜o usuais continuam valendo, em particular a regra de Leibniz . Assim, se escrevemos γ′ = v ~T (economizamos o paraˆmetro t na notac¸a˜o), ter- emos γ′′ = v′ ~T + v ~T ′, (8.3) 3 onde o primeiro termo claramente e´ tangencial. Para mostrar que o segundo termo e´ perpendicular a ~T , recorremos a uma importante consequ¨eˆncia de ~T ter norma constante. Como d dt ∥∥∥~T∥∥∥2 = 0 e ∥∥∥~T∥∥∥2 = ~T · ~T , segue 0 = d dt ~T · ~T = 2 ~T · d ~T dt , ou seja, d~T dt e´ sempre perpendicular a ~T . Se d~T dt 6= 0, fica definido um vetor unita´rio de mesma direc¸a˜o e sentido que d~T dt , que e´ o ja´ comentado vetor normal a` curva γ naquele ponto, denotado ~N . Claramente a derivada de ~T traz informac¸a˜o geome´trica. Pore´m, se essa derivada e´ calculada com respeito a um paraˆmetro arbitra´rio, podemos obter qualquer norma para este vetor. Para evitar esta arbitrariedade cinema´tica, e obermos mais informac¸a˜o geome´trica, usamos a parametrizac¸a˜o por com- primento de arco. Com respeito a ela, podemos escrever d~T ds = k ~N, com k > 0. Este nu´mero k e´ chamado a curvatura de γ naquele ponto. Quanto maior a curvatura, mais rapidamente a direc¸a˜o tangente esta´ mu- dando, e, intuitivamente, “mais curva” e´ γ. Calcule a curvatura da circunfereˆncia e da he´lice apresentadas na aula anterior para concluir porque o nu´mero k−1 e´ chamado raio de curvatura. E´ importante notar que, embora a definic¸a˜o da curvatura utilize o paraˆmetro de arco, na˜o e´ necessa´rio obter a parametrizac¸a˜o por comprimento de arco para calcula´-la. Com efeito, pela regra da cadeia, d dt ~T = d ds ~T ds dt , 4 e ds dt nada mais e´ que a velocidade escalar (ou rapidez) apresentada na aula anterior. Assim, k = ∥∥∥d~Tdt ∥∥∥∥∥dγ dt ∥∥ . 8.2.1 Triedro de Frenet Se estivermos tratando de uma curva em R2, { ~T , ~N } formam uma base, dita adaptada a cada ponto da curva (para cada ponto da curva temos, em geral, uma base diferente) e na˜o ha´ mais muito o que discutir. Ja´ para curvas em R3, para cada ponto, os vetores ~T e ~N geram um plano (paralelo a estes vetores e passando pelo ponto da curva). Este plano tem um significado especial: e´ o plano que, na vizinhanc¸a daquele ponto, se encontra mais pro´ximo de conter a curva. Este e´ o chamado plano osculador da curva, naquele ponto. Para descrever como o plano osculador muda ao longo da curva, e´ mais simples dizer como varia o seu vetor normal. Para definir este vetor normal ao plano osculador, basta fazermos ~B = ~T × ~N, que e´ chamado o vetor binormal da curva γ, no ponto γ (t). O referencial adaptado agora e´ { ~T , ~N, ~B } . E´ fa´cil ver que ~B′ = ~T ′ × ~N + ~T × ~N ′ = ~T × ( a~T + b ~B ) = −b ~N ; este nu´mero b que aqui foi colocado como componente na direc¸a˜o ~B de ~N ′, no caso de ser usado o paraˆmetro de arco s na parametrizac¸a˜o,e´ a chamada torsa˜o1 da curva γ naquele ponto, e deve ser interpretada como quanto a curva deixa de ser uma curva plana. A notac¸a˜o convencional para este paraˆmetro b e´ τ , justamente para lembrar a palavra torsa˜o. 1Durante a aula, ao pular esta conta e ir direto para a eq. (8.4c), esqueci de colocar o sinal apropriado. E´ apenas uma convenc¸a˜o, sem afetar o significado geome´trico, mas convenc¸o˜es devem ser respeitadas... 5 Em particular valem as equac¸o˜es d ds ~T = k ~N, (8.4a) d ds ~N = −k~T + τ ~B, (8.4b) d ds ~B = −τ ~N, (8.4c) onde (8.4a) e´ essencialmente uma definic¸a˜o, (8.4c) foi deduzida acima e (8.4b) e´ uma consequ¨eˆncia das outras duas e de ~N · ~T e ~N · ~B serem constantes (deduza voceˆ mesmo). Quem se interessar em aprofundar este assunto deve procurar saber mais sobre Geometria Diferencial, por exemplo, fazendo a disciplina de Introduc¸a˜o a` Geometria Diferencial, oferecida pelo Departamento de Matema´tica. 6
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