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Universidade regional do noroeste do estado do rio grande do sUl – UnijUí vice-reitoria de gradUação – vrg coordenadoria de edUcação a distância – cead coleção educação a distância série livro-texto ijuí, rio grande do sul, Brasil 2014 jaci Kieslich Maristela righi lang rosita da silva santos taíse neves Possani leitUra e ProdUção textUal 2014, editora Unijuí rua do comércio, 1364 98700-000 - ijuí - rs - Brasil Fone: (0__55) 3332-0217 Fax: (0__55) 3332-0216 e-mail: editora@unijui.edu.br Http://www.editoraunijui.com.br editor: gilmar antonio Bedin editor-adjunto: joel corso capa: elias ricardo schüssler designer educacional: jociane dal Molin Berbaum responsabilidade editorial, gráfica e administrativa: editora Unijuí da Universidade regional do noroeste do estado do rio grande do sul (Unijuí; ijuí, rs, Brasil) catalogação na Publicação: Biblioteca Universitária Mario osorio Marques – Unijuí l533 leitura e produção textual / jaci Kieslich et al.. – ijuí: ed. Unijuí, 2014. – 90 p. – (coleção educação a distância. série livro-texto). isBn 978-85-419-0098-0 1. leitura. 2. linguagem. 3. Produção textual. i. lang, Maristela righi. ii. santos, rosita da silva. iii. Possani, taíse neves. iv. série. cdU : 028.1 82.08 3 Sumário CONHECENDO OS PROFESSORES .................................................................................................................................................... 5 APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................................................................... 7 UNIDADE 1 – LINGUAGEM E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA .............................................................................................................. 9 Seção 1.1 – Variação Linguística no Português Brasileiro ......................................................................................................10 1.1.1 – Variação Diacrônica ........................................................................................................................................11 1.1.2 – Variação Diatópica (ou Geográfica) ..........................................................................................................11 1.1.3 – Variação Diastrática (ou Social) ..................................................................................................................13 1.1.4 – Variação Diamésica .........................................................................................................................................13 1.1.5 – Variação Estilística ...........................................................................................................................................14 Seção 1.2 – Norma Padrão e Preconceito Linguístico .............................................................................................................14 Seção 1.3 – Linguagem Culta/Linguagem Popular..................................................................................................................15 Seção 1.4 – Diferenças Entre Oralidade e Escrita ......................................................................................................................17 UNIDADE 2 – O TEXTO E A TEXTUALIDADE .................................................................................................................................19 Seção 2.1 – Textualidade e Seus Elementos ...............................................................................................................................22 UNIDADE 3 – A LEITURA.....................................................................................................................................................................29 Seção 3.1 – Leitura e Inclusão Social .............................................................................................................................................29 Seção 3.2 – Objetivos da Leitura .....................................................................................................................................................30 Seção 3.3 – Como Ler para Cumprir Tarefa? ...............................................................................................................................31 Seção 3.4 – Estratégias para Compreensão de Textos ............................................................................................................31 Seção 3.5 – A Leitura do Texto Literário .......................................................................................................................................35 Seção 3.6 – A Plurissignificação da Linguagem Literária: denotação e conotação ......................................................38 Seção 3.7 – A Literatura e Suas Funções ......................................................................................................................................39 UNIDADE 4 – NOÇÕES DE ESCRITA ................................................................................................................................................41 Seção 4.1 – Propósito Comunicativo .............................................................................................................................................42 Seção 4.2 – Estratégias Argumentativas ......................................................................................................................................43 Seção 4.3 – Adequação Vocabular .................................................................................................................................................48 Seção 4.4 – Coesão e Coerência Textuais .....................................................................................................................................50 Seção 4.5 – O Parágrafo ......................................................................................................................................................................54 UNIDADE 5 – A ARGUMENTAÇÃO COMO PRÁTICA DE LINGUAGEM .................................................................................59 Seção 5. 1 – O Texto Argumentativo .............................................................................................................................................60 Seção 5. 2 – Argumentos ...................................................................................................................................................................62 Seção 5.3 – Gêneros Textuais da Ordem do Argumentar ......................................................................................................68 Seção 5.4 – Defendendo um Posicionamento por Meio da Expressão Oral ...................................................................82 REFERÊNCIAS .........................................................................................................................................................................................89 5 Conhecendo os Professores jaci KieslicH Professora, graduada em Letras pela Unijuí; pós-graduada em Literatura e mestre em Educação nas Ciências pela mesma universidade, com apresentação da Dissertação intitulada: “Práticas de leitura de professoras que atuam no Ensino Fundamental”. Leciona o componente curricular Leitura e Produção Textual junto ao Departamento de Humanidades e Educação da Unijuí. Também participa de Projetos de Extensão desta universidade. Possui diversas publicações de textos e artigos, abordando questões sobre a leitura e seu ensino. Maristela rigHi lang Professora colaboradora horista na Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS– Unijuí – e professora no Colégio Sagrado Coração de Jesus de Ijuí/ RS e no Colégio Tiradentes da Brigada Militar/Ijuí/RS. Possui Mestrado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul– UFRGS (2003) – Pós-Graduação lato-sensu em Literatura Infanto-juvenil (1997) e Graduação em Letras pela Uni- versidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí (1994). Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Linguística, trabalhando principalmente com os seguintes temas: gêneros textuais, leitura e produção de textos, prática docente, pesquisa em Letras, gramática (morfologia e sintaxe), ensino. rosita da silva santos Professora, possui Graduação em Letras – habilitação Língua Portu- guesa, Língua Inglesa e respectivas literaturas – pela Universidade do Vale do Jacuí, especialização em Leitura e Produção de Textos pela Univali (Itajaí/SC) e Mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atua, também, com Ensino Médio e tem experiência na área de Letras (língua e literatura), principalmente nos seguintes temas: leitura, produção de textos, Semântica e Pragmática, Sociolinguística. Participa de projetos de extensão e cursos de formação continuada para professores na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 6 taíse neves Possani Professora, licenciada em Letras –Licenciatura Plena – habilitação Língua Portuguesa, Língua Inglesa e respectivas Literaturas pela Universidade Federal do Rio Grande (2006). Mestre em História da Literatura pela Universidade Fe- deral do Rio Grande (2009). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em História da Literatura, atuando principalmente nos seguintes temas: Metaficção e Metaficção Historiográfica, análise e leitura intertextual, reflexões acerca do ensino-aprendizagem de Língua Inglesa e Língua Portuguesa. Atua também como coordenadora do posto aplicador do Exame Celpe-Bras – Certificado de proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros. Dentre as principais atividades que têm realizado junto a universidade, estão os cursos de formação continuada para professores na Região Noroeste do Rio Grande do Sul, realizados em parceria com a Coordenadoria Regional da Educação e o governo do Estado do Rio Grande do Sul. 7 Apresentação A disciplina de Leitura e Produção Textual justifica-se como um dos eixos da Formação Geral Humanista nesta instituição de ensino superior, por priorizar espaço de reflexões aos alunos acerca da realidade, articulando inúmeras temá- ticas, tais como as de ordem social, política, ambiental, étnica, cultural, da saúde, da arte, entre outras. Isso acontece por meio da leitura e problematização de diferentes textos orais e escritos, verbais ou não. Assim, buscamos desafiar/auxiliar os envolvidos para que desenvolvam uma percepção maior da existência, bem como atuem efetivamente como produtores em um mundo textualizado e que se constituam não somente receptores, mas que exerçam uma leitura de mundo crítica, reflexiva, propositiva de soluções, posicionando-se ante aos discursos e ideologias de maneira ativa e contestadora, não ingênua e manipulada. Para tanto, são articuladas, neste livro, questões relativas à forma da língua e de seu uso em contextos específicos, nos quais a língua significa e causa diferen- tes efeitos de sentido para auxiliar você a agir em um contexto sociocomunicativo específico, a partir do desenvolvimento da habilidade de comunicar-se ampla e eficazmente nas diferentes situações da língua em uso. Além disso, acreditamos que a partir do desenvolvimento de suas habili- dades linguísticas e comunicativas você passará a dialogar com as propostas das demais disciplinas, sejam elas do específico de seus cursos de Graduação ou da própria Formação Geral e Humanista, às quais estão articuladas. Cabe também considerar que, de acordo com os PCNs (Brasil, 1998), toda a educação que se comprometa com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o alu- no desenvolva a sua competência comunicativa. Por competência comunicativa podemos entender a capacidade que o sujeito tem de colocar-se no contexto precisamente, apreendendo os gêneros comuns a cada domínio discursivo e não discursivo, bem como alterando o registro, o léxico, a forma como um todo, a fim de atingir seu propósito comunicativo. Por fim, cabe ressaltar que possibilitar a vocês, acadêmicos, uma Formação Geral e Humanista é, sem dúvida, por um lado, reconhecer o caráter mais amplo e dinâmico da formação superior, e, por outro, mostrar-se preocupados com a atuação dos sujeitos para além da técnica e da especificidade. Nessa perspecti- va, a disciplina de Leitura e Produção Textual está intensamente comprometida com a formação dos seus alunos, na medida em que privilegia o caráter ativo da prática de ler, refletir, escrever, analisar, produzir textos sobre temas como: a saúde, a educação, a segurança, a justiça, o meio ambiente, a arte, a cultura, a ética, a inovação, além de contribuir na constituição étnica e racial, histórica, como também nas suas relações com a sociedade do século 21. Bons estudos! Professores do componente curricular Leitura e Produção Textual 9 Unidade 1 lingUageM e variação lingUística oBjetivos desta Unidade Compreender a linguagem como modo de inserção nas práticas sociais, de • forma ética, propositiva, transformadora de sua realidade, de sua história, cultura e de sua identidade, considerando os aspectos multiculturais e pluri- étnicos de sua constituição. Além de ser conhecedor da realidade brasileira, o sujeito deve ser capaz de compará-la, analisá-la e entendê-la na sua relação com a realidade global. Auxiliar para a compreensão e a consciência a respeito da variação linguística, • de registro e de preconceito linguístico, por meio de leituras e análises de textos, utilizando esse conhecimento nas práticas de escrita. as seçÕes desta Unidade Seção 1.1 – Variação Linguística no Português Brasileiro Seção 1.2 – Norma Padrão e Preconceito Linguístico Seção 1.3 – Linguagem Culta/Linguagem Popular Seção 1.4 – Diferenças Entre Oralidade e Escrita A linguagem é uma atividade humana que, nas representações de mundo que constrói, revela aspectos históricos, sociais e culturais. É por meio da lingua- gem que o ser humano organiza e dá forma as suas experiências. Seu uso ocorre na interação social e pressupõe a existência de interlocutores. São exemplos de diferentes linguagens utilizadas pelo ser humano as línguas, a pintura, a dança, os logotipos, os quadrinhos, os sistemas gestuais, entre outros. Usamos a linguagem para pedir ou transmitir informações na maior parte do tempo, mas, além do intuito comunicativo, a linguagem deve dar conta também das necessidades subjetivas, que se expressam nas palavras, nos sentimentos, nas sensações, nas emoções. As linguagens utilizadas pelos seres humanos pressupõem conhecimento, por parte de seus usuários, do valor simbólico dos seus signos. Se não houvesse acordo com relação a esse valor, ou seja, se não fosse possível aos usuários de EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 10 uma mesma linguagem identificar aquilo a que determinado signo faz referência, qualquer interação através da atividade da linguagem ficaria prejudicada, pois não haveria comunicação (Abaurre; Pontara, 2006, p. 3). A linguagem tem um valor social, pois tudo o que o ser humano alcançou de crescimento cultural está ligado a ela. Sem a linguagem, a cultura não existiria, e os conhecimentos não poderiam ser transmitidos de geração para geração. A linguagem torna possível o desenvolvimentoe a transmissão de culturas, bem como o funcionamento eficiente e o controle dos grupos sociais. A linguagem pode ser dividida em dois tipos; verbal e não verbal. VERBAL• : aquela que utiliza a língua (oral ou escrita), que tem a pala- vra, ou signos linguísticos, por sinal. NÃO VERBAL• : aquela que usa qualquer código que não seja a pa- lavra, como a música, que tem o som por sinal; a dança, que tem o movimento por sinal; a mímica, que tem o gesto por sinal; a pintura, a fotografia e a escultura, que têm a imagem por sinal, etc. Quem está recebendo a mensagem pode expressar corporalmente diversas manifestações de atenção, agrado ou desagrado. Um bocejo, o cenho franzido de atenção, o olhar vago e distante, os olhos que se fecham, a expressão de dúvida, são indícios significativos para quem quer receber uma mensagem. Sendo assim, entender a linguagem é essencial para poder usá-la de forma efetiva, principalmente no que respeita à linguagem verbal, uma vez que a existência humana se organiza em torno de relações de interações sociais, em que questões históricas, sociais, econômicas e culturais estão envolvidas. No que se refere ao contexto universitário, em que a linguagem verbal é amplamente utilizada, o seu domínio deve ser um dos grandes objetivos e foco de formação dos estudantes. seção 1.1 variação linguística no Português Brasileiro O Brasil é o maior país falante de língua portuguesa no mundo:1 somos 200 milhões de habitantes, segundo dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – (Brasil, 2013). Sabemos que o português não surgiu no Brasil, pois fomos colonizados por portugueses, e o português deriva do latim, língua da civilização que teve como centro a Roma antiga. Por isso, o que deu origem ao português não foi o latim literário, mas sim uma terceira variedade, o chamado latim vulgar (ou vernáculo). O aprendizado de um vernáculo se dá 1 O português é língua comum em vários países, além do Brasil: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste. EaD 11 Leitura e Produção Textual por assimilação espontânea e inconsciente, no ambiente em que as pessoas são criadas, opondo-se ao que acontece, por exemplo, na escola, cujo objetivo principal é o de fazer chegar às pessoas a variedade linguística prestigiada (Ilari; Basso, 2006). Por este motivo, a uniformidade na língua é um mito e a variabilidade linguística deve ser aceita como um fato natural. Pensar na língua como algo imutável é ter uma visão limitada do fenômeno linguístico, que só se consegue quando se leva em conta a língua culta como a única que deve ser aceita. A lín- gua varia no tempo, varia de região para região, ou de acordo com os diferentes estratos sociais, entre outras. A transformação de uma língua opera-se pelo constante contato com outras línguas ou mesmo com suas variedades regionais e sociais. Esse processo é inevitável, porque nenhum povo vive isolado. Do contato com outras línguas surgem os empréstimos linguísticos, por exemplo. Quando a fonte do contato é de origem interna, ou seja, entre variedades regionais ou sociais de uma mesma língua, ocorre transferência. Por isso, os autores costumam citar alguns tipos de variações. Essas variações convivem entre si, ou seja, não são excludentes e não podem ser apli- cadas em separado. Os autores referem-se à variação diacrônica, diatópica (ou geográfica), diastrática (ou social), diamésica, estilística. 1.1.1 – variação diacrônica A variação diacrônica é aquela que se dá através do tempo. Esse tipo de variação pode ser percebida ao compararmos gerações. Em um bom exemplo, podemos notar as mudanças na palavra você, que antigamente era uma ex- pressão de tratamento e se transformou em pronome pessoal. Vossa mercê, em sua origem, passou a ser vosmecê, você, ocê, e atualmente ouvimos pessoas que falam somente cê. No século 20, o Brasil era muito influenciado pelos franceses, o que refletia diretamente na língua. Neste período, foram incluídas, no português, palavras como menu, abajur, chique, charme, dentre outras. Nos dias de hoje, podemos observar que o inglês tem se incorporado às diferentes línguas dos países de todo o mundo, e no Brasil não é diferente, visto que palavras como internet, windows, hardware, mouse e muitas outras, já fazem parte de nossa língua. 1.1.2 – variação diatóPica (oU geográFica) Variação diatópica são diferenças que uma mesma língua apresenta na dimensão do espaço, quando é falada em diversas regiões de um mesmo país ou em distintos países. EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 12 A variação diatópica é o tipo de variação que encontramos ao compa- rarmos uma região a outra. Por exemplo, ao compararmos um diálogo entre pessoas que moram no Sul e que moram no Norte do país, encontramos uma diversidade de palavras muito grande. Enquanto no Norte a mandioca é chamada de macaxeira, no Sul ela é conhecida como aipim. 2 Além do conhecimento de mundo, relacionado às questões culturais, podemos analisar a diferença entre as falas de um gaúcho e um mineiro, por exemplo, com características próprias de cada Estado, como uai, utilizado por um mineiro, e bah, falada pelo gaúcho. Os termos sinal, semáforo, sinaleira e farol, por exemplo, referem-se a um mesmo aparelho de sinalização das vias urbanas, empregado para orientar o trá- fego. Trata-se claramente de variação diatópica, pois entendemos as diferenças que uma mesma língua apresenta na dimensão do espaço, quando é falada em diferentes regiões de um mesmo país ou em distintos países. 3 2 Disponível em: <http://emoxinha25.spaceblog.com.br/275382/Um-caipira-fazendo-declaracao-de-amor- aos-amigos-leiaamm/>. Acesso em: 10 dez. 2013. 3 Disponível em: <http://variou.blogspot.com.br/2011/05/variacao-regional.html>. Acesso em: 13 dez. 2013. EaD 13 Leitura e Produção Textual As variedades geográficas conduzem a uma oposição fundamental entre linguagem urbana e linguagem rural. Essas variações são motivadas pelas ca- racterísticas do falante e do grupo a que pertence, ou pelas circunstâncias que cercam a situação de fala. 1.1.3 – variação diastrática (oU social) A variação diastrática é a diferença entre o português falado pela parte mais escolarizada da população e pela menos escolarizada. A variação diastrática é o português falado por diferentes estratos da sociedade. É uma variante bas- tante abrangente, pois é a diferença entre a camada menos e mais escolarizada da sociedade, assim como pode ser também a variante das gírias. A variação social ou diastrática relaciona-se a um conjunto de fatores que têm a ver com a identidade dos falantes e também com a organização sociocultural da comunidade de fala. Neste sentido, podemos apontar os se- guintes fatores relacionados às variações de natureza social: a) classe social; b) idade; c) sexo; d) situação ou contexto social (Alkmim, 2001). Alguns exemplos de variação social: o uso de dupla negação, como em “ninguém não viu”, indica a fala de • grupos situados abaixo na escala social. presença de [r], em lugar de [l], em grupos consonantais, como em • “brusa” (blusa) e “probrema” (problema), também sugere que os fa- lantes estão situados abaixo na escala social ou possuem baixo grau de letramento. o uso de certas gírias (“parada”, “é nóis”) denota faixa etária jovem;• a duração de vogais como recurso expressivo, como em “maaaravilho-• so”, costuma ocorrer na fala de mulheres, assim como o uso frequente de diminutivos, como “bonitinho”, “vermelhinho” (Camacho, 1978 apud Alkmim, 2001). Na música “Samba do Arnesto”(O Arnesto nos convidou pra um samba/ ele mora no Brás/Nós fumo não encontremo ninguém), de Adoniran Barbosa, podemos ver que se trata de uma variação diastrática, pois apresenta orações como nóis fumo, ao invés de nós fomos, ou não encontremo por não encontramos, que seriam impossíveis de serem aceitas pela norma culta da língua. O português substandard, como é conhecido, tem uma gramática própria, mas permite uma boa comunicação. Por exemplo, a queda da letra s nas palavras, como nóis fumo, nóis cantemo, ou a criação de neologismos. 1.1.4 – variação diaMésica Conforme o gênero textual a que pertencem, os textos apresentam, sejam orais ou escritos, vocabulário e gramática próprios. Dentre todas essas varian- tes, ainda existe a variação diamésica, que coexiste com todos os outros tipos EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 14 de variação, pois é a variante que está associada ao meio ou veículo em que é empregada. Existem diferenças quando o telefone é atendido por uma secretária eletrônica ou por uma pessoa; ou mesmo quando estamos conversando com alguém por meio de uma mídia social ou na comunicação cara a cara. 4 O internetês é um bom exemplo de variação diamésica. O internetês de- signa a linguagem utilizada no meio virtual, em que as palavras são abreviadas até o ponto de se transformarem em uma palavra com, no mínimo, duas e, no máximo, cinco letras. Essa forma de expressão deu-se a partir do uso das mídias sociais, com a necessidade de interação instantânea e dinâmica entre os usuários. O uso, portanto, de abreviações ou símbolos (como vc, naum, tb) não se trata de um erro, mas de uma variação linguística. 1.1.5 – variação estilística A variação estilística está relacionada ao contexto; ocorre em situações de fala, uma vez que a mesma pessoa muda a sua maneira de falar dependendo do ambiente. Os falantes adaptam suas formas de expressão às finalidades específicas de seu ato enunciativo. Podemos observar estilos diferentes, por exemplo, quando um falante conversa numa mesa de bar, com um amigo, ou quando apresenta um trabalho na universidade. A seleção de formas mais ou menos prestigiadas vai depender do grau de intimidade, do ambiente, enfim, de uma série de fatores. seção 1.2 norma Padrão e Preconceito linguístico A norma culta (ou padrão) é considerada um modelo de linguagem a ser utilizado pelos falantes da língua portuguesa. Faraco (2002, p. 39) afirma que norma culta é aquela que é falada por pessoas escolarizadas, que se assemelha ou fica próximo de um português mais correto, o por- tuguês padrão. 4 Disponível em: <http://espacoeducacaoriopreto.blogspot.com.br/2011/06/diversidade-linguistica.html>. Acesso em: 13 dez. 2013. EaD 15 Leitura e Produção Textual 5 O português padrão, segundo Faraco (2002, p. 40), é uma forma de preconceito linguístico, de menosprezar as variantes da língua, pois, para o português padrão, somente o português baseado na gramática normativa é o correto. Isso acontece porque a norma apresenta um caráter estático, enquanto a fala é dinâmica, representando a diversidade, dado que evolui a cada instante, acompanhando as transformações da sociedade (Terra, 2008). A escolha de um determinado uso da língua para alçá-lo à condição de norma culta possui um caráter ideológico, e o critério utilizado, geralmente, para estabelecer qual seria a linguagem padrão, é o histórico-literário (Terra, 2008). seção 1.3 linguagem culta/linguagem Popular De modo geral, um falante culto, em situação comunicativa formal, bus- cará seguir as regras da norma culta de sua língua, e ainda procurará seguir, no que diz respeito ao léxico, um repertório que, se não for erudito, também não será vulgar. Isso configura o que se entende por norma culta que, conforme Pretti (1997), apresenta as seguintes características: é a variante de maior prestígio social; • é realizada com certa uniformidade pelos membros do grupo social • de padrão cultural mais elevado; 5 Disponível em: <http://petpedagogia.blogspot.com.br/2012/04/variacao-linguistica-uma-realidade. html>. Acesso em: 13 dez. 2013. EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 16 cumpre o papel de impedir a fragmentação dialetal;• é usada na escrita em gêneros discursivos em que há maior forma-• lidade; é a que mais se aproxima dos padrões prescritos pela gramática • tradicional; é a mais empregada na literatura;• é a usada pelas pessoas cultas em diferentes situações de formali-• dade. Em linhas gerais, as diferenças que se estabelecem entre linguagem culta e linguagem popular podem ser resumidas através conforme o seguinte Quadro: Quadro 1 – Linguagem culta x linguagem popular LINGUAGEM CULTA LINGUAGEM POPULAR Apresenta indicação precisa das • marcas de gênero, número e pes- soa; uso de todas as pessoas, com exce-• ção de vós; emprego de todos os modos ver-• bais; correlação verbal de tempos e • modos; coordenação e subordinação;• riqueza de construção sintática;• maior utilização da voz passiva;• grande emprego de preposições • nas regências; organização gramatical cuidada • da frase. economia nas marcas de gênero, nú-• mero e pessoa; redução das pessoas gramaticais do • verbo; mistura de pessoas verbais;• uso intenso da expressão • a gente em lugar de nós; redução dos tempos da conjugação • verbal, como a perda quase total do futuro do presente e do pretérito-mais- que-perfeito; falta de correlação verbal entre os • tempos; redução do processo subordinativo • em benefício da frase simples e da coordenação; maior emprego da voz ativa em lugar • da passiva; predomínio das regências verbais • diretas; simplificação gramatical da frase;• emprego dos pronomes pessoais retos • como objetos. Fonte: Pretti, 1997. Adaptado. EaD 17 Leitura e Produção Textual seção 1.4 diferenças entre oralidade e escrita Segundo Marcuschi (2002), a fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia a dia das pessoas, embora as instituições de ensino priorizem a escrita como objeto central. Analisar a fala é uma oportunidade para esclarecer aspectos relativos ao preconceito e à discriminação linguística, bem como suas formas de disseminação. Além disso, é uma atividade relevante para analisar em que sentido a língua é um mecanismo de controle social e reprodução de esquemas de dominação e poder implícitos em usos linguísticos na vida diária, tendo em vista suas íntimas, complexas e comprovadas relações com as estruturas sociais (Marcuschi, 2002). O que tem sido observado, no entanto, é a primazia do ensino da escrita, uma vez que há a crença de que, aprendendo a escrita, haverá a aprendizagem da fala. De certa forma, isso acontece, mas é necessário abordar questões relativas à fala, posto que, na grande maioria das profissões, a oralidade prevalece. No Quadro a seguir temos um comparativo entre a fala e a escrita, o qual nos ajuda a entender tais diferenças: Quadro 2 – Diferenças entre oralidade e escrita Oralidade Escrita O momento de produção e o de recep- ção do texto são simultâneos. Há defasagem entre o momento de produção e o de recepção. É possível negociar o sentido com o interlocutor e, também, corrigir-se. O autor deve antecipar possíveis dúvidas do leitor e tratar de esclarecê-las ainda no mo- mento de produção. O texto é coconstruído: para se comuni- car melhor, os interlocutores interagem o tempo todo, usando tanto a lingua- gem verbal quanto a não verbal. O autor produz o texto solitariamente e, de- pois, o leitor deve reconstruir seus significados também sozinho.É impossível “voltar atrás” no que foi dito. É possível revisar o texto quantas vezes forem necessárias. O processo de produção é transpa- rente: o interlocutor “vê” seus erros e correções. O processo de produção fica oculto: o leitor tem acesso apenas ao texto final. É impossível consultar outras fontes durante a produção. É possível consultar outras fontes e checar as informações. O planejamento é local: enquanto está falando uma frase, a pessoa pensa na próxima. O planejamento é global: a pessoa planeja o texto como um todo e, caso se desvie do plano inicial, pode aceitar a nova ordem ou voltar atrás. Tende a haver maior tolerância a erros e, portanto, mais informalidade. Tende a haver maior cobrança e, portanto, mais formalidade. A obediência à norma padrão costuma ser menos rígida. Por exemplo: as mar- cas do plural, às vezes, desaparecem. A norma padrão costuma ser seguida com mais rigor, até porque é possível revisar o texto. Predomínio de períodos curtos e sim- ples. Predomínio de períodos longos e mais com- plexos. Predomínio da voz ativa e da ordem direta: “Vamos revisar os fundamentos de cálculo”. Uso frequente da voz passiva e da ordem indireta: “Serão revisados os fundamentos de cálculo”. Abundância de períodos com cortes sintáticos, ou seja, aquele que aban- dona o que estava dizendo, como se houvesse uma mudança de rumo no pensamento. Maior linearidade na construção dos perío- dos. Fonte: Adaptado de Marcuschi, 2002. EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 18 A partir do Quadro, é possível compararmos e entendermos as principais diferenças entre a língua falada e a língua escrita. Tal entendimento deve não só nos auxiliar no momento de produção de textos orais e escritos, mas tam- bém evitar atitudes que alimentem o preconceito linguístico, como considerar somente a língua escrita como correta e imaginar que a língua falada é a língua “errada” ou vice-versa, desconsiderando os contextos de produção. síntese da Unidade 1 Nesta Unidade buscamos auxiliá-lo na com- preensão do que seja a linguagem, uma vez que a existência humana se organiza em torno de relações de interações sociais, em que questões históricas, sociais, econômicas e culturais estão envolvidas. No que se refere ao contexto universitário, em que a linguagem verbal é amplamente utilizada, o seu domínio deve ser um dos grandes objetivos. De modo geral, procuramos mostrar que um falante cul- to, em situação comunicativa formal, buscará usar as regras da norma culta de sua língua, e ainda procurará seguir, no que diz respeito ao léxico, um repertório que, se não for erudito, também não será vulgar. 19 A partir do Quadro, é possível compararmos e entendermos as principais diferenças entre a língua falada e a língua escrita. Tal entendimento deve não só nos auxiliar no momento de produção de textos orais e escritos, mas tam- bém evitar atitudes que alimentem o preconceito linguístico, como considerar somente a língua escrita como correta e imaginar que a língua falada é a língua “errada” ou vice-versa, desconsiderando os contextos de produção. síntese da Unidade 1 Nesta Unidade buscamos auxiliá-lo na com- preensão do que seja a linguagem, uma vez que a existência humana se organiza em torno de relações de interações sociais, em que questões históricas, sociais, econômicas e culturais estão envolvidas. No que se refere ao contexto universitário, em que a linguagem verbal é amplamente utilizada, o seu domínio deve ser um dos grandes objetivos. De modo geral, procuramos mostrar que um falante cul- to, em situação comunicativa formal, buscará usar as regras da norma culta de sua língua, e ainda procurará seguir, no que diz respeito ao léxico, um repertório que, se não for erudito, também não será vulgar. o texto e a textUalidade oBjetivos desta Unidade Compreender o texto como a expressão de um processo de interação • social, com a presença de, no mínimo, dois sujeitos –, o que fala/escre- ve e para quem se fala/escreve –, no qual estão inseridos os sentidos linguísticos, a visão de mundo de cada um dos interlocutores e a(s) intencionalidade(s). Reconhecer a necessidade de produzir textos, tanto orais quanto es-• critos, claros, coerentes, coesos, adequados ao contexto de produção, ao estilo e à correção gramatical, por meio da escrita de diferentes gêneros textuais, a fim de melhorar sua prática discursiva como produtor de textos. a seção desta Unidade Seção 2.1 – Textualidade e Seus Elementos Como vimos na primeira Unidade, o homem está inserido em uma realida- de constituída de linguagens. O choro, primeira manifestação do ser humano ao nascer, é uma das inúmeras formas de linguagem que acompanha sua trajetória. Com o passar dos anos, outras formas vão sendo usadas – os balbucios, os gestos, as palavras, as imagens, entre outras – e tal uso tem como principal objetivo a interação com seus semelhantes. Na verdade, seria difícil conceber o desenvol- vimento humano se o homem não fosse dotado da capacidade de linguagem, o que o diferencia dos outros animais. Como afirma Émile Benveniste (1995), é a linguagem que permite ao homem constituir-se enquanto tal. Pensando no processo interacional, é essencial falar sobre texto, uma vez que, sempre que o homem se manifesta, ele o faz por meio de textos. Reporta- mo-nos a Luiz Antonio Marcuschi (2002, p. 22), para quem “[...] é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, assim como é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum texto”. Isso permite afirmar que cada vez que alguém abre a boca para dizer alguma coisa, está produzindo texto(s). Unidade 2 EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 20 É claro que a estrutura e a organização dos textos, bem como a seleção vocabular, estarão diretamente relacionadas à intencionalidade, à situação de comunicação e ao conhecimento dos usuários da língua, uma vez que é o contexto que determina o seu uso. Cabe então destacar que se faz necessário relativizar a questão do certo e do errado no que respeita à língua, pois as ques- tões históricas, econômicas, sociais e culturais são determinantes no processo de produção textual. Assim, se alguém estiver falando do seu lugar de professor, ele precisa adequar seu modo de falar a isso. Se a pessoa estiver enviando um e-mail para um amigo, sua escrita poderá ser abreviada ou conter ícones, o que já não será possível se a secretária de uma empresa enviar e-mail para outra empresa. É uma questão de adequação. Vários são os estudiosos que se dedicaram à análise do texto, entre eles pode ser citado Isemberg (1976 apud Koch, 2002), para quem o texto é uma configuração linguística em que estão presentes oito aspectos, a saber: a) legitimidade social; b) funcionalidade comunicativa; c) semanticidade; d) referência à situação; e) intencionalidade; f ) boa formação; g) boa composição; e h) gramaticalidade. Para Van Dijk (1981 apud Koch, 2002), o texto está inserido em uma con- cepção da linguagem como ação social. Em suas palavras “[...] o planejamento pragmático de um discurso ou conversação requer a atualização mental de um conceito de ato de fala global. É com respeito a esse macroato de fala que se constrói um propósito de interação” (Van Dijk apud Koch, 2002, p. 18). Pode-se entender, então, que os objetivos é que vão determinar o “curso” da ação social, isto é, da produção textual. Halliday e Hasan (1989 apud Antunes, 2010, p. 31) asseguram que texto é “uma linguagem que é funcional. Por linguagem funcional, queremos referir aquela linguagem que cumpre algumafunção em um contexto”. Beaugrand e Dressler (1981 apud Koch, 2002, p. 19) afirmam que “A produção e recepção de textos funcionam como ações discursivas (grifos do autor) relevantes para algum plano ou meta”. Os autores também estão inseridos nos “quadros de teoria da atividade”. Para eles, é necessário um planejamento para que se possa atingir determinado(s) objetivo(s); assim, vão elencar alguns elementos essenciais para que o texto se constitua enquanto tal. Para Ingedore Koch (2002), um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação linguística, pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional são capazes de construir, para ela, determinado sentido (p. 30). Foram muitos os anos de estudos para se chegar ao conceito que ora expomos e com o qual vamos embasar este componente curricular. Por isso, é importante entender e lembrar que o texto é organizado a partir de intencio- EaD 21 Leitura e Produção Textual nalidades, ou seja, quando alguém produz um texto, seja ele escrito ou falado, faz isso porque possui um objetivo (informar, perguntar, relatar, questionar, causar o riso ou a indignação, etc.). Existindo intencionalidade(s), o locutor terá de organizar suas ideias e demais elementos disponíveis de modo a permitir ao outro o entendimento. Assim, um texto não é um “conjunto aleatório de palavras ou frases”, é uma organização de conhecimentos que permite ao leitor constituir sentido(s). A fim de melhor entender as questões expostas, vamos ler o texto a seguir: O texto a seguir é uma charge retirada do Jornal Zero Hora de 13 de junho de 2012, a qual foi produzida após um fato ocorrido na cidade de Caxias do Sul/ RS, em que uma senhora de 86 anos atira e mata um ladrão que invadiu seu apartamento durante a madrugada. Percebe-se claramente a intencionalidade do texto: promover humor a partir da situação. 1 O chargista utiliza o recurso da intertextualidade para alcançar seu objeti- vo: une o fato ocorrido à história da Chapeuzinho Vermelho, colocando a figura do lobo – o malvado da história – num processo de retirada às pressas, uma vez que esta não é uma vovó indefesa, conforme a visão corrente; ela é “de Caxias”, fazendo menção àquela que não ficou passiva enquanto era atacada pelo mal- feitor na versão da história infantil “Chapeuzinho Vermelho”. 1 Jornal Zero Hora de 13 de junho de 2012. EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 22 seção 2.1 textualidade e seus elementos A textualidade, segundo Irandé Antunes (2010, p. 29), pode ser entendida “como a característica estrutural das atividades sociocomunicativas (e, portanto, também linguísticas) executadas entre os parceiros da comunicação”. Isso permite afirmar que, quando alguém produz um texto (oral ou escrito), vai organizá-lo em uma estrutura, que se configura em um ou outro gênero textual. Gêneros textuais, segundo Bakhtin (apud Marcuschi, 2002, p. 29), são tipos “relativamente estáveis” de enunciados produzidos nas mais diversas esferas das atividades humanas. Eles se configuram como eventos linguísticos que se caracterizam como “atividades sociodiscursivas”. Por isso, de acordo com as questões histórico-sociais, os gêneros vão se modificando. Na atualidade, por exemplo, dificilmente as pessoas se comunicam por meio de cartas; o mais comum, existindo condições para isso, é o uso dos e-mails, mais fáceis e rápidos. Este gênero, porém, mantém com o outro – a carta – características comuns: a presença de interlocutores, um assunto a ser tratado, o desejo da comunicação e, provavelmente, a intenção de uma resposta. Vale repetir: o texto é a expressão de um processo de interação social – há a presença de, no mínimo, dois sujeitos, o que fala/escreve e para quem se fala/ escreve –, no qual estão inseridos os sentidos linguísticos, a visão de mundo de cada um dos interlocutores e a(s) intencionalidade(s). Sobre isso, Marcuschi (apud Antunes, 2010, p. 31) afirmava que “não existe um uso significativo da língua fora das inter-relações pessoais e sociais situadas”. Assim, pensar o texto exige inseri-lo em contexto(s) de uso da língua, caso contrário não será possível compreendê- lo, interpretá-lo, pois seu(s) sentido(s) não está(ão) apenas nas palavras, eles são constituídos num processo de produção e também da leitura. Não se pode deixar de anunciar que quando alguém produz um texto – indiferente de seu gênero – traz à tona um conjunto de saberes que foi construído ao longo de sua trajetória de vida: pelas leituras feitas, pelo contato com outras pessoas, pelas vivências experienciadas. Assim, um texto é composto por várias vozes, é entrelaçado por ideologias, é dotado de intencionalidade(s). No processo de produção, dependendo do público ao qual o texto é dirigido, são selecionadas algumas ideias, pois só é dito/escrito aquilo que se acredita ser interessante dizer naquele momento, a fim de atingir um objetivo. Bakhtin apud Antunes (2010) já afirmava que o dialogismo – processo em que um “eu” e o “outro” sempre estão presentes – é uma característica fundamental da linguagem. Ele informara tam- bém que o “eu” se constitui na contraposição com o “outro”. Outra questão fundamental quando se fala em texto é o tema. Ninguém usa a língua de forma aleatória; há necessidade de tratar de um tema. Como afirma Antunes (2010, p. 32), “o texto se constrói a partir de um tema, de um tó- pico, de uma ideia central, ou de um núcleo semântico, que lhe dá continuidade e unidade”. Se isso não for levado em consideração, simplesmente não haverá EaD 23 Leitura e Produção Textual entendimento, não será possível a produção de sentidos, o que conduz à outra questão, muito bem posta por Antunes (2010): “o que um conjunto de palavras precisa ter para funcionar e ser identificado como um texto?”. Para Beaugrande e Dressler apud Antunes (2010), são necessários sete elementos: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, intertextualidade e situacionalidade. Antunes (2010) propõe uma reordenação desses elementos, o que se opta por fazer também aqui. Para a autora, há elementos que fazem parte do que ela chama de condições de efetivação do texto, isto é, a intencionalidade, a aceitabilidade e a situacionalidade e também aqueles que constituem a propriedade do texto, ou seja, a coesão, a coerência, a informatividade e a intertextualidade. A seguir, serão descritos cada um dos elementos propostos: a) Intencionalidade – característica de qualquer texto, uma vez que sempre que se produz algo, isso é feito com um objetivo, uma intenção. A intencionalidade diz respeito ao produtor do texto, mas deve ser “captada” pelo leitor. Marcuschi (2008) reflete sobre o fato de que a intencionalidade não se constitui uma primazia do autor, pois evidencia o princípio da dialogicidade, posto que é necessário o leitor entender/“captar” a intenção do autor. Não é raro acontecer de alguém ler um texto em que prevalece a ironia e isso não ser entendido, e as ideias postas são lidas em seu sentido literal. Dessa forma, a intenção de usar a ironia para fazer uma crítica a alguém ou a algum fato não é entendida e o texto não é lido segundo aquilo que o autor pretendia produzir em seu interlocutor. b) Aceitabilidade – relacionada à atitude do interlocutor de receber o texto como uma configuração “aceitável, interpretável e significativa”, ou seja, cabe ao leitor do texto esforçar-se para processar os sentidos e as intenções ali colocadas. Vale salientar que tanto Marcuschi (2008) quanto Antunes (2010) levan- tam a questão de que essesdois elementos não são propriedades intrínsecas do texto, uma vez que dependem do autor e do interlocutor. Nas palavras de Antunes (2010, p. 34): “Como se vê essas duas propriedades não são propriamente do texto. Embora lá se reflitam, refletem para a disponibilidade cooperativa das pessoas envolvidas na interação”. c) Situacionalidade – envolve a situação em que se dá o processo de produção textual. As questões históricas, sociais, culturais, econômicas, entre outras, são a base que vão permitir que um texto se configure de uma ou de outra forma. As atividades sociais norteiam o gênero textual escolhido, a seleção vocabular, as relações com outros textos, etc. Em um ambiente acadêmico, por exemplo, é muito comum a ocorrência de palestras. Estas são organizadas de acordo com o nível de conhecimento do seu público; são usadas determinadas estruturas, como é o caso do power point ou similar, diversos estudiosos da área são citados, além de promover a interação EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 24 entre palestrante e público, a fim de discutir o tema ou tirar dúvidas que tenham ficado ou surgido. Já dizia Marcuschi (2008, p. 129): “A situacionalidade pode ser vista como um critério de adequação textual”. A linguagem é usada num processo de interação social. O usuário da língua faz uso da mesma a partir de um lugar, com o objetivo de executar um ato de lin- guagem, independente de qual for: convencer, contar, demonstrar sentimentos, opinar, etc. Antunes (2010, p. 35), em relação a isso, afirma: “fazemos, o dia todo e todos os dias, inúmeras ações de linguagem, cada uma, parte constitutiva de uma situação social qualquer”. d) Informatividade – diretamente relacionada à quantidade de informações presentes no texto que vão torná-lo legível. Para Marcuschi (2008, p. 132), “a informatividade diz respeito ao grau de expectativa ou falta de expectativa, de conhecimento ou desconhecimento e mesmo de incerteza do texto ofe- recido”. Para que um texto seja compreendido, é necessário que haja um equi- líbrio entre informações já dadas e informações novas, pois se alguém ler um texto em que todas as ideias colocadas sejam previsíveis, conhecidas, não vai atender à expectativa. Da mesma forma se o grau de novidade do texto for total. É necessário que haja um grau de novidades, de modo que cause certo “estra- nhamento”, a partir do que seja possível à produção de novos conhecimentos. Vale salientar que a quebra da previsibilidade necessária aos textos pode ser tanto em relação à forma (modo como se diz alguma coisa) quanto ao conteúdo (ideias e conceitos novos). e) Intertextualidade – relativa à relação existente entre um texto e outro(s). É corrente o entendimento de que a intertextualidade é uma característica ine- rente a todos os textos, uma vez que a produção sempre se dá a partir daquilo que já existe. Há textos em que tal característica fica explícita e é facilmente reconhecida. Em outros, porém, a intertextualidade não é tão evidente. Assim, existem variadas formas de inserir, em um texto, aquilo que faz parte de outro. Há a intertextualidade marcada (por aspas, pela citação de nomes, pelo reco- nhecimento dos textos) e a constitutiva (aquela que vem da memória, mesmo que de forma inconsciente). Antunes assegura que: todo texto é um intertexto [...] no sentido de que sempre se parte de modelos, de conceitos, de crenças, de informações já veiculadas em outras interações anteriores. Ou seja, dada a própria natureza do processo comunicativo, todo texto contém outros textos prévios, ainda que não se tenha inteira consciência disso. Mas há uma intertextualidade explícita, que tem lugar quando citamos ou fazemos referência direta ao que está dito em outro texto, por outra pessoa. Nesse caso, a intertextualidade assume um aspecto dinâmico, na medida em que significa mais do que o simples trânsito do outro texto ou da outra voz. Quem recorre à palavra do outro, o faz para apoiar-se nessa palavra, ou para reafirmá-la ou para refutá-la. Ou seja, o recurso à palavra do outro responde sempre a alguma estratégia argumentativa (2010, p. 36). EaD 25 Leitura e Produção Textual Percebe-se, então, que o uso da intertextualidade tem um objetivo, normalmente o de enriquecer o texto, estabelecer a relação entre os diferentes pontos de vista ou até mesmo evidenciar diferentes formas de dizer algo, etc. A seguir, alguns exemplos de intertextualidade: Texto I – Monte Castelo – Renato Russo Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade O amor é bom, não quer o mal Não sente inveja ou se envaidece O amor é o fogo que arde sem se ver É ferida que dói e não se sente É um contentamento descontente É dor que desatina sem doer Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria É um não querer mais que bem querer É solitário andar por entre a gente É um não contentar-se de contente É cuidar que se ganha em se perder É um estar-se preso por vontade É servir a quem vence, o vencedor É um ter com quem nos mata a lealdade Tão contrário a si é o mesmo amor Estou acordado e todos dormem Todos dormem. Todos dormem Agora vejo em parte Mas então veremos face a face É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos Sem amor eu nada seria EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 26 O texto – música de Renato Russo – é um caso de intertextualidade explíci- ta, ou seja, é possível perceber até onde vai o texto bíblico (primeira carta de Paulo aos Coríntios) e onde começa o soneto composto por Luiz Vaz de Camões. 2 Não há como não relacionar as imagens mostradas. A primeira, a obra Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, dá origem ao quadro de Maurício de Sousa, assim como já permitiu inúmeras outras releituras. Mônica é a personagem criada por Maurício de Sousa, pintada com a mesma postura, o mesmo cenário da obra-prima, mudando as cores, mas sem impedir que o leitor estabeleça a relação entre uma obra e outra. f) Coesão – está relacionada à forma como as ideias são organizadas no texto, seja pelos recursos lexicais, seja pelos gramaticais. A coesão está visível na su- perfície do texto. Sempre que são usadas preposições, conjunções, pronomes ou até mesmo sinônimos há a preocupação com o modo como as palavras, as orações, os períodos e os parágrafos são organizados de modo a formar uma unidade semântica. Nem todos os textos exigem a presença de elementos de coesão (como é o caso, principalmente, do poema), mas conhecer os recursos linguísticos disponíveis para encadear ideias e evitar repetições é fundamental no processo de produção textual. A coesão pode ser referencial ou sequencial. A primeira é aquela em que são usados recursos linguísticos que objetivam evitar a repetição de palavras. Já a coesão sequencial é feita por meio de elementos conectivos, como é o caso das conjunções, as quais, à medida que vão sendo usadas, vão estabelecendo relações semânticas de oposição, tempo, adição, condição, entre outras. As relações coesivas se dão por: Referência (pronomes pessoais retos e oblíquos, pronomes demons-• trativos). 2 Disponível em: <http://redacaoressucat.files.wordpress.com/2010/02/monicalisa1.jpg>. Acesso em: 3 dez. 2013. EaD 27 Leitura e Produção Textual Substituição (nominal, verbal, frasal).• Elipse.• Lexical (repetição, sinonímia, hiperonímia, hiponímia, etc.).• Conjunção (aditivas, adversativas, temporais, condicionais,causais, • consecutivas, etc.). A coesão não é garantia de um texto bem-elaborado, pois existem outros elementos fundamentais para a constituição de bons textos. Conhecer os recursos que a língua disponibiliza, porém, auxilia no processo, sem sombra de dúvidas. g) Coerência – é o elemento que garante a unidade textual. É mais complexo tratar da coerência do que da coesão, uma vez que a coerência não está posta na superfície do texto. Ela está relacionada ao encadeamento de sentido, à lógica e exige conhecimentos além dos linguísticos. Afirma Antunes: a coerência concerne [...] ao encadeamento de sentido, a convergência con- ceitual, aquela que confere ao texto interpretabilidade – local e global – e lhe dá unidade de sentido que está subjacente à combinação linear e superficial dos elementos presentes ou pressupostos (2010, p. 35). Desconhecer determinado assunto pode resultar em entendimento equi- vocado, afirmando que o texto está incoerente, ou então na produção de textos incoerentes. Por isso, pode-se alegar que a coerência manifesta-se nas relações que vão sendo construídas no texto. A coerência é a espinha dorsal, é ela que vai garantir a constituição dos sentidos no texto. síntese da Unidade 2 Nesta Unidade procuramos destacar que é impossível nos comunicarmos verbalmente a não ser por algum gênero textual. Isso permite dizer que cada vez que alguém abre a boca para dizer alguma coisa, está produzindo texto(s). A estrutura e organização dos tex- tos, bem como a seleção vocabular, estarão diretamente relacionadas à intencionalidade, à situação de comunicação e ao conhecimen- to dos usuários da língua, uma vez que é o contexto que determina o seu uso. 29 a leitUra oBjetivos desta Unidade Comparar e contrastar ideias presentes nos textos, assim como fazer • uso de estratégias de compreensão de leitura: objetivos da leitura, ativação de conhecimentos prévios, criação de inferências/deduções, retenção de informações. Oportunizar a leitura e a interpretação de textos, assim como a • produção fluente e eficiente, mediante a prática contextualizada de leitura e escrita, observando elementos constitutivos do texto e do contexto. as seçÕes desta Unidade Seção 3.1 – Leitura e Inclusão Social Seção 3.2 – Objetivos da Leitura Seção 3.3 – Como Ler Para Cumprir Tarefa? Seção 3.4 – Estratégias Para Compreensão de Textos Seção 3.5 – A Leitura do Texto Literário Seção 3.6 – A Plurissigificação da Linguagem Literária: denotação e conotação Seção 3.7 – A Literatura e suas Funções seção 3.1 leitura e inclusão social Lemos para dar conta da realidade e de todos os desafios que dela rece- bemos ou a ela impomos. A cidadania é a referência maior. Saber pensar inclui, entre outros ingredientes, saber ler. Uma democracia de qualidade só é possível com uma população que sabe pensar (Demo, 2006, p. 7). Unidade 3 EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 30 Segundo Hernández, [...] o domínio da leitura e da escrita não é uma questão mecânica, mas concei- tual, porque o sujeito tem capacidades cognitivas e competência linguística e porque a língua escrita é um objeto de conhecimento em si mesma [...] o que antes era um processo aprendido por repetição e por imitação mecânica, hoje é um processo em que se aprende a partir do estabelecimento de relações entre a experiência, o saber e o desejo de conhecer do aprendiz e sua necessidade de dar sentido ao que o rodeia e a si mesmo (2001, p. 9). Ao ler, o leitor ressignifica seu “estar” no mundo: desvenda as formas de organização social e desenvolve uma consciência crítica que lhe possibilita fazer parte de certas práticas políticas de mobilização e de organização. Autoras como Kleiman (1993) e Solé (1998) entendem que a leitura é um processo de interação a distância entre o leitor e o autor via texto para satisfazer objetivos definidos. Nessa interação, o autor favorece a compreensão por meio de marcas formais que atuam como pistas, necessárias para que o leitor recupere a informação do autor, ou seja, perceba quais as razões que levaram este a dizer o que disse e do modo como disse. Sempre que nos deparamos com um texto, estabelecemos com ele algum tipo de diálogo. Antes mesmo de saber seu conteúdo, já temos algumas pistas sobre o que encontraremos nele. O gênero textual também é denunciado em nosso primeiro contato com ele. A partir da concepção sociointerativa como prática essencialmente social e cultural, o entendimento que hoje orienta os principais estudos da área indica que o ato de ler ultrapassa o código da escrita alfabética e a mera capacidade de decifração. É um processo complexo de compreensão e de produção de sentidos, realizado pelos leitores a partir de um texto criado por outro sujeito. Ler diariamente é uma atividade imprescindível para desenvolver o gosto pela leitura. Ler para a transformação, para a consciência social, para a mudança social. A leitura só despertará interesse quando interagir com o leitor, quando fizer sentido e trouxer conceitos que se articulam com as informações do mundo lido com o mundo vivido. Outro aspecto a ser observado na formação do leitor diz respeito à leitura de diversos gêneros textuais: contos, notícias, poemas, textos informativos, his- tórias em quadrinhos, jornais, etc. Assim, o leitor terá acesso aos textos sociais que circulam no seu cotidiano, que tratam sobre a realidade social, cultural e econômica. Ao entrar em contato com os textos sociais, passamos a ter condi- ções de ler e compreender, construir criticamente o conhecimento e intervir no contexto em que estamos situados. seção 3.2 objetivos da leitura A perspectiva da formação de leitores inicia pela valorização de livros e da cultura escrita, o que requer que se considere três propósitos de leitura (Koch; Elias, 2006): EaD 31 Leitura e Produção Textual a) ler para se informar: ler para buscar informações práticas para satisfazer curio- sidades e para saber sobre o que acontece no mundo; b) ler por prazer, para distrair-se; c) ler para estudar, para construir conhecimentos, para cumprir determinada tarefa. Assim, pode-se desenvolver e aprender estratégias e procedimentos de leitura para que nos tornemos leitores competentes. A autora destaca que é possível trabalhá-la a partir de três propósitos. Os objetivos e interesses que temos ao ler também determinam a compreensão da leitura. seção 3.3 como ler Para cumprir tarefa? Para Solé (1998), o ensino da leitura deve ocorrer em todas as etapas de sua realização, ressaltando-se o ensino de estratégias de leitura para cada uma dessas etapas: a) Antes – predições iniciais sobre o texto e objetivos de leitura – durante a pré-leitura ocorre o estabelecimento de previsões sobre o texto. Para estabe- lecer previsões, o leitor baseia-se nos aspectos do texto como: superestrutura, títulos, ilustrações, cabeçalhos, etc. E atém-se, também, em suas próprias experiências e conhecimentos sobre o que estes índices textuais permitem antever sobre o conteúdo do texto. b) Durante – levantamento de questões e controle da compreensão – Fou- cambert (1994) analisa que, em relação ao aspecto semântico da leitura, podemos refletir de que maneira ela pode informar, acrescentar, provocar, inserir ideias na mente do leitor. Ler é explorar a escrita de uma maneira não linear... jamais se chega ao significado de um texto pela soma do sentido das sucessivas palavras que o compõe. Não lemos de maneira linear, isto é, não nos comportamos como um autômato, mas interagimos e criamos interferências no processo de leitura, imaginamos, raciocinamos, lembramo-nos de algo, envolvemo-nos, comovemo-nos com o que está sendo lido; o ato de ler como um exercício deir, avançar e retornar no corpo físico do texto, um exercício voluntário e dinâmico, no qual o leitor atribui sentido ao texto. c) Depois – construção da ideia principal e resumo do texto – esse também é um momento de abstração, quando o leitor relaciona a ideia principal e o conteúdo do texto lido com o universo extratextual. seção 3.4 estratégias Para compreensão de textos Para que a leitura realmente seja compreensiva, precisamos levar em consideração alguns aspectos importantes: EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 32 – Ativação de conhecimentos de mundo: previamente à leitura ou durante o ato de ler, o leitor está constantemente colocando-se em relação a seu conhe- cimento amplo de mundo com aquele exigido e utilizado pelo autor no texto. Caso esta sincronicidade falhe, haverá uma lacuna de compreensão, que será preenchida por outras estratégias, em geral de caráter inferencial. – Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos: o leitor não aborda o texto como uma folha em branco. A partir da situação de leitura, de suas finalidades, da esfera de comunicação em que ela se dá, do suporte do texto (livro, jornal, revista, outdoor etc.), de sua disposição na página, de seu título, de fotos, legendas e ilustrações, o leitor levanta hipóteses tanto sobre o conteúdo quanto sobre a forma do texto ou da porção seguinte de texto que estará lendo. Esta estratégia opera durante toda a leitura e é também responsável por uma velocidade maior de processamento do texto, pois o leitor não precisará estar preso a cada palavra dele, podendo antecipar muito de seu conteúdo. – Checagem de hipóteses: ao longo da leitura, no entanto, o leitor estará checan- do constantemente essas suas hipóteses, isto é, confirmando-as ou refutando- as e, consequentemente, buscando novas hipóteses mais adequadas. Se assim não fosse, o leitor iria por um caminho e o texto por outro. – Localização e/ou cópia de informações: em certas práticas de leitura (para estudar, para trabalhar, para buscar informações em enciclopédias, obras de referência, na internet) o leitor está constantemente buscando e localizando informação relevante, para armazená-la – por meio de cópia, recorte-cole, ilumi- nação ou sublinhado – e, posteriormente, reutilizá-la de maneira reorganizada. É uma estratégia básica de muitas práticas de leitura (mas não de outras, como a leitura de entretenimento ou de fruição), mas também não opera sozinha, sem a contribuição das outras que estamos comentando. – Comparação de informações: ao longo da leitura o leitor está constantemente comparando informações de várias ordens, advindas do texto, de outros textos e de seu conhecimento de mundo, de maneira a construir os sentidos do texto que está lendo. Para atividades específicas, como as de resumo ou síntese do texto, esta comparação é essencial para medir relevância das informações que deverão ser retidas. – Generalização (conclusões gerais sobre fato, fenômeno, situação, proble- ma, etc. após análise de informações pertinentes): uma das estratégias que mais contribui para a síntese resultante da leitura é a generalização exercida sobre enumerações, redundâncias, repetições, exemplos, explicações, etc. Ninguém guarda um texto fielmente na memória. Podemos guardar alguns de seus trechos ou citações que mais nos impressionaram, mas em geral ar- mazenamos informações na forma de generalizações responsáveis, em grande parte, pela síntese. EaD 33 Leitura e Produção Textual – Produção de inferências locais: no caso de uma lacuna de compreensão, provocada, por exemplo, por um vocábulo ou uma estrutura desconhecidos, exerceremos estratégias inferenciais, isto é, descobriremos, pelo contexto ime- diato do texto (a frase, o período, o parágrafo) e pelo significado anteriormente já construído, novo significado para este termo até então desconhecido. – Produção de inferências globais: nem tudo está dito ou posto num texto. O texto tem seus implícitos ou pressupostos que também têm de ser compreen- didos numa leitura efetiva. Para fazê-lo, o leitor lança mão, ao mesmo tempo, de certas pistas que o autor deixa no texto, do conjunto da significação já construída e de seus conhecimentos de mundo, inclusive lógicos. Analisemos, por exemplo, o texto a seguir: 1 O texto nos permite afirmar que há o pressuposto de que a unificação ortográfica garantiria a unidade linguística. Esse pressuposto é inadequado, uma vez que a língua não é constituída apenas por sua ortografia, mas também por 1 Disponível em: <http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2011/download/comentadas/ portugues.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2013. EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 34 aspectos semânticos, sintáticos, morfológicos, fonológicos e discursivos, que implicam a relação histórica do falante com a língua que se territorializa em um dado espaço e tempo. A quebra da expectativa se dá pela dificuldade de compreensão semântica de itens lexicais usados no português de Portugal, como “bicha”, “bica” (que, no português brasileiro, têm significados diferentes) e “peúgas” (que não é usado no português do Brasil); explicita-se, nessa quebra, uma das várias diferenças entre o português brasileiro e o europeu. – Recuperação do contexto de produção do texto: para interpretar um texto discursivamente, é preciso situá-lo: Quem é seu autor? Que posição social ele ocupa? Que ideologias assume e coloca em circulação? Em que situação escreve? Em que veículo ou instituição? Com que finalidade? Quem ele julga que o lerá? Que lugar social e que ideologias ele supõe que este leitor ocupa e assume? Como ele valora seus temas? Positivamente? Negativamente? Que grau de adesão ele intenta? Sem isso, a compreensão de um texto fica num nível de adesão ao conteúdo literal, pouco desejável a uma leitura crítica e cidadã. Sem isso, o leitor não dialoga com o texto, mas fica subordinado a ele. – Definição de finalidades e metas da atividade de leitura: todo o controle do processo de leitura, da ativação de estratégias ou do exercício de capacidades está subordinado às metas ou finalidades de leitura impostas pela situação em que o leitor se encontra. Ler para estudar, trabalhar, entreter-se, buscar infor- mação, atualizar-se, orientar-se. Não há leitura, a não ser, por vezes, a leitura escolar, que não seja orientada a uma finalidade da vida. – Percepção de relações de intertextualidade (no nível temático): ler um texto é colocá-lo em relação com outros textos já conhecidos, outros textos que estão tramados a este texto, outros textos que poderão dele resultar como réplicas ou respostas. Quando esta relação se estabelece pelos temas ou conteúdos abordados nos diversos textos, chamamos de intertextualidade. – Percepção de relações de interdiscursividade (no nível discursivo): perce- ber um discurso é colocá-lo em relação com outros discursos já conhecidos, que estão tramados a este discurso. Quando esta relação se estabelece, então, num dado texto, como nas paródias, nas ironias, nas citações, falamos de interdiscursividade. – Percepção de outras linguagens (imagens, som, imagens em movimento, diagramas, gráficos, mapas, etc.) como elementos constitutivos dos sentidos dos textos e não somente da linguagem verbal escrita. – Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas: ao ler, replicamos ou reagimos ao texto constantemente: sentimos prazer, deixamo-nos enlevar e apreciamos o belo na forma da linguagem, ou odiamos e achamos feio o resultado da construção do autor; gostamos ou não gostamos, pelas mais variadasrazões. Isso pode, inclusive, interromper a leitura ou levar a muitos outros textos. EaD 35 Leitura e Produção Textual – Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos: mas também discutimos com o texto: discordamos, concordamos, criticamos suas posições e ideologias. Avaliamos os valores colocados em circulação pelo texto e destes são especialmente importantes para a cidadania os valores éticos e políticos. Esta capacidade é que leva a uma réplica crítica a posições assumidas pelo autor no texto (Rojo, 2008). Enfim, para a leitura de um texto é necessário: perceber a estrutura: partes do texto; relação entre as partes;• relacionar informações verbais e não verbais em um texto;• perceber a coerência como elemento fundamental para a compre-• ensão de um texto; identificar fatores que levam à coerência intra e extratextual;• comparar modos de organização textual;• perceber o diálogo que pode ser estabelecido entre os textos• depreender o sentido das palavras no texto e no contexto;• identificar e analisar informações centrais e periféricas de um texto;• estabelecer relação entre a ideia principal/ideias secundárias;• perceber e parafrasear ideias explícitas. Explicitar ideias implícitas;• perceber a questão do duplo sentido das palavras à luz de elementos • linguísticos ou extralinguísticos; identificar as estratégias de argumentação e contra-argumentação • utilizadas em um texto; identificar e analisar o(s) objetivo(s) de um texto dentro da situação • da enunciação (Quem? Diz o quê? Para quem? Para quê? Onde? Quando? Como?); reconhecer e empregar adequadamente, em um texto, os mecanis-• mos coesivos de referência por substituição e reiteração. Evidenciamos, assim, que o papel do leitor é o de refazer o “caminho”, o raciocínio do autor na construção de sentidos, dialogando com o texto. Esse diálogo continua durante todo o tempo em que se lê. Esse procedimento auxilia a não apenas reproduzir as ideias do texto lido, mas oportuniza ao leitor assumir uma atitude de posicionamento diante dos textos. seção 3.5 a leitura do texto literário De acordo com Salvatore D’Onofrio, em sua obra Literatura ocidental: autores e obras fundamentais (1990), a literatura é uma forma de conhecimento da realidade que se serve da ficção e tem como meio de expressão a linguagem EaD Jaci Kieslich – Maristela Righi Lang – Rosita da Silva Santos – Taíse Neves Possani 36 artisticamente elaborada. Se a busca do saber é a característica fundamental do ser humano, que o distingue dos outros seres que habitam o universo, é natural que qualquer atividade do homo sapiens vise ao conhecimento de uma realidade exterior ou interior, material ou espiritual. Enquanto o filósofo lança mão do pensamento especulativo e o cientista se apoia na observação sobre os fenômenos da natureza, o artista recorre à ima- ginação e à fantasia para compreender o mundo. De fato, fictício não significa falso, mas apenas historicamente inexistente. O que acontece num romance, numa tela de cinema ou de televisão, num quadro pictórico, é parte da fantasia do autor que, refletindo sobre a realidade existencial, cria um universo imaginário no qual os valores ideológicos são questionados. A personagem de ficção é muito mais verdadeira do que a pessoa real, pois esta é obrigada a ocultar sua verdadeira essência, seus desejos mais re- cônditos, e a colocar a máscara que o seu status social requer; aquela, por ser fruto da imaginação, pode abrir-se para nós em toda a sua autenticidade, não constrangida por preceitos morais. O texto literário, portanto, além de fornecer um prazer estético (o fim lúdico), é a fonte mais fascinante de conhecimento do real. Daí a função social da literatura que, ao lado da Filosofia, Psicologia, Biologia e de outras Ciências e Artes, embora por caminhos diferentes, induz o homem a refletir sobre os pro- blemas existenciais. É por isso que a atividade literária, oral ou escrita, primitiva ou evoluída, é consubstancial à sociedade humana, não existindo povo sem literatura. No capítulo inicial de seu livro Sobre a literatura (2003), Umberto Eco questiona: “Para que serve este bem imaterial que é a literatura?” (p. 10). Talvez essa seja a pergunta de muitas pessoas que procuram na literatura alguma ob- jetividade. Esquecem-se, entretanto, de que nela pouco ou quase nada há de objetivo. Respondendo a sua colocação, o autor inicialmente chama a atenção para o fato de que “A literatura mantém em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo” (p. 10), criando identidade e comunidade. Afirma ainda que “a prática literária mantém também em exercício a nossa língua individual” (p. 11), elevando o sujeito a práticas sociais mais puras e livres, menos violentas, sendo o livro um dos encontros com “os ecos de um mundo de valores que chega de e remete a livros” (p. 12). A literatura instaura um mundo paralelo que nos possibilita entender as relações vividas por nós, e jamais se resume à inventividade, à ficção e à estória. Pelo contrário, trata do universo humano em toda a sua complexidade, não adentrando no jogo reducionista do falso e verdadeiro. Se podemos contestar a Ciência e a História, dificilmente contestaremos o que nos diz um texto literário. Isso porque, EaD 37 Leitura e Produção Textual Os textos literários não somente dizem explicitamente aquilo que nunca poderemos colocar em dúvida mas, à diferença do mundo, assinalam com so- berana autoridade aquilo que neles deve ser assumido como relevante e aquilo que não podemos tomar como ponto de partida para interpretações livres (Eco, 2003, p. 13). Não podemos ler o que queremos em uma obra, por isso ela nos impulsio- na para o contato com um legado artístico e cultural e para um vasto patrimônio histórico construído pela palavra. A ação do leitor é a de pura e simplesmente percorrer os caminhos traçados por meio das obras, os quais são extremamente dialógicos e abertos, passíveis da recriação. Diferente do que imaginamos, não podemos atribuir a um texto literário toda e qualquer interpretação, assim como a leitura não está centrada no gosto do leitor unicamente. Existem sentidos construídos, sugeridos pelo texto, e que não podem jamais ser descartados pelo bom leitor. A leitura das obras literárias nos obriga a um exercício de fidelidade e de res- peito na liberdade da interpretação. Há uma perigosa heresia crítica, típica de nossos dias, para a qual de uma obra literária pode-se fazer o que se queira, nelas lendo aquilo que nossos mais incontroláveis impulsos nos sugerirem. Não é verdade. As obras literárias nos convidam à liberdade de interpretação, pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambiguidades e da linguagem e da vida. Mas para poder seguir nesse jogo, no qual cada geração lê as obras literárias de modo diverso, é preciso ser movido por um profundo respeito para com aquela que eu, alhures, chamei de intenção do texto (Eco, 2003, p. 12). Para Umberto Eco (2003), “o mundo literário é um universo no qual é possí- vel fazer testes para estabelecer se um leitor tem o sentido de realidade ou é presa de suas próprias alucinações” (p. 15). A leitura literária, portanto, nos dá muito mais do que imaginamos, principalmente libertação de um mundo pragmático que nos sufoca de objetividades. Há na leitura literária uma emancipação do ser que o leitor desconhece, mas que realiza, no momento em que percorre a teia de sentidos plurais posta tradicionalmente pelo texto literário. Para Eco, diante de uma obra literária, “qualquer que seja a história que estamos contando, contam também a nossa, e, por isso, nós os lemos e
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