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2 3 ALFABETIZAÇÃO & LETRAMENTO MARCOS L SOUZA 4 RESUMO “A criança erra na gramática, mas acerta na poesia”. Manoel de Barros O título resume a visão particular do autor em tentar ver além do óbvio, citando “É preciso transver o mundo” do poeta maior Manoel de Barros, que traz vida ao nome deste livro. Melhor maneira não encontrei em tentar explicar em como enxergar novos horizontes dentro do processo educacional sem deixar de lado as contribuições registradas por grandes pesquisadores desde Platão até os dias atuais. O objetivo desta pesquisa consiste em investigar as metodologias fornecidas pela produção bibliográfica, voltadas para os processos de alfabetização e letramento. As dificuldades encontradas pelos professores de educação infantil em justificar teórica e metodologicamente as práticas pedagógicas relacionadas a tais processos, apesar do crescimento da produção bibliográfica e pesquisa sobre a questão, constitui-se o ponto principal desta pesquisa. A relação existente entre estas temáticas, ocorrem em razão do contexto histórico em que são produzidas. Subsidiados pelos pressupostos da teoria histórico-cultural, entendemos a educação como condição universal do desenvolvimento humano; a escola como instituição responsável por possibilitar a apropriação pelos alunos dos bens culturais produzidos pela humanidade; o professor como responsável pela organização do ensino e pela promoção da aprendizagem e desenvolvimento dos alunos; e a mediação pedagógica dotada de sistematicidade e intencionalidade como condição maior do trabalho docente. Para a consecução desta pesquisa, refletimos sobre os seguintes aspectos: as funções atribuídas à educação infantil brasileira nas últimas décadas, tomando como referência a legislação educacional brasileira; os conceitos de alfabetização e letramento; a produção bibliográfica voltada para a educação infantil que discute tais conceitos, reflexões de Emília Ferreiro e outros pesquisadores. Tais reflexões fundamentaram a análise das funções conferidas a este trabalho ligado ao tema do desta obra. 5 O papel da educação infantil é enriquecer o letramento das crianças e estimular sua alfabetização, de acordo com as possibilidades e os limites desse nível de escolaridade. Isso requer reconhecer que tais processos são indissociáveis e interdependentes, porém distintos e que esta é uma condição para sistematizar a prática pedagógica e provê-la de intencionalidade. Essa conclusão está intimamente ligada à necessidade de reorganizar, repensar novas metodologias, viabilizando a apropriação do conteúdo envolvido nesta investigação e em outras pesquisas no sentido de enriquecer pensamentos e nortear planejamentos adequados com projetos e propostas que serão utilizadas pelos atuais e pelos futuros professores de educação infantil. Prof. Marcos L Souza 6 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO…………………………………………..................................04 2. O PROFESSO DE CONSTRUÇÃO DA LINGUAGEM NA ED INF........... 07 3. A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM...............................................................10 4. COMO OCORRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL....................................................................15 5. CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO...............22 6. DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES......................................................23 7. O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA ESCRITA, SEGUNDO VYGOTSKY...................................................................................30 8. O BRINCAR NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO.....................................34 9. COMO SE TRABALHAR O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL....................................................................................38 10. A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM...........................................................................................41 11. O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ORAL......................................42 12. O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA SEGUNDO EMILIA FERREIRO....................................................................51 CONCLUSÃO...................................................................................................66 REFERÊNCIAS...........................................................................................68 7 O processo de construção da linguagem na Educação Infantil Na verdade, nós educadores, precisamos entender que existem várias formas de comunicações e linguagens e que toda criança nasce com algumas dessas faíscas como, por exemplo: as linguagens expressivas, rítmicas e sonoras, podendo facilmente identificar sons, ruídos e se comunicar através de expressões corporais, brincadeiras e músicas. O desenvolvimento linguístico se torna mais complicado para a criança, visto que depende de vários fatores adquiridos através de conhecimentos, sensações e não somente das linguagens primitivas citadas acima. O desenvolvimento da aquisição linguística para a criança ocorre às vezes de maneira natural, outras nem tanto, porém todas elas são capazes de alçar voo com as palavras. Segundo Wells (1989), existem três fases que acompanham o desenvolvimento linguístico da criança. A primeira fase é de regulação. Nessa fase, a linguagem funciona como um meio que regula a atividade e a interação e sua função é representar os objetos e as ações que formam sua experiência. Assim, ocorre a ampliação da capacidade de simbolizar as palavras e tentar identifica-las através dos sons (Fonema). O fonema está intimamente ligado ao processo rítmico de divisão de sílabas, uma forma naturalmente musical de se adquirir o conceito e a compreensão da palavra a começar por exercícios de divisão de tempo silábico, assim como ocorre na partitura à divisão de tempo entre as notas musicais. 8 A segunda fase é de socialização, ou seja, da consolidação e da diversificação, a interpretação dos sons em forma de palavras. Através da participação e estímulos a leitura, a conversação, a criança descobre, simultaneamente, a sua identidade, assumindo a linguagem de sua comunidade e absorvendo os valores culturais e desenvolvendo seu vocabulário próprio com os registros adquiridos no decorrer de sua aprendizagem. É a fase em que a criança ganha controle da variedade de registros de diferentes linguagens. A terceira fase é da internalização, ou seja, o entender como se forma uma frase com um conjunto de palavras. A criança se conscientiza de seu estado mental e é capaz de refletir sobre sua experiência, ou seja, ela reflete internamente a partir do processo de escolarização. Nessa fase, as funções que a linguagem executa de representar os objetos e as experiências são utilizadas para fornecer um meio para interligar o processo de pensamento. A criança começa a adquirir sua própria interpretação de experiências para chegar a influenciar as interpretações dos outros. A aquisição da linguagem e o ensino da gramática podem ser trabalhados com bastante eficácia em um ensino baseado na Pedagogia de Projetos, ou seja, através de uma sucessão organizada de tarefas. É por meio de textos, lidos ou produzidos, teatros, música, dando ênfase à linguagem expressivacom o uso das Artes, e da Música, que os alunos em fase de pré-alfabetização (Respeitando a idade correta), aprenderão o sentido das palavras, aumentarão seu vocabulário, e começará a entender uma relação entre elas. Portanto, o ensino da gramática deve seguir uma sequência natural de aquisição respeitando a velocidade de aprendizado de cada um. Não adianta ensinar algo muito complexo para uma criança que ainda não está suficientemente “madura” para entender, ou seja, é necessário acompanhar o processo gradualmente respeitando o ritmo de cada uma. 9 Entende-se por aquisição da linguagem a internalização de formas, regras, determinados mecanismos sintáticos de tal maneira que os falantes consigam produzir algo de maneira fluente como, por exemplo, fazer automaticamente uma tarefa de leitura e produção de textos. Uma regra ou habilidade comunicativa está adquirida quando o aluno faz uso dela instintivamente, sem precisar ser estimulado para tal. Portanto, a eficácia no ensino da gramática para que os alunos se desenvolvam naturalmente, depende de uma prática linguística constante ao longo da vida, com boas práticas introduzidas em sala de aula pelos professores mediadores. Esses devem ensinar a gramática com feedback e assistência, tendo o cuidado quando vão escolher como, quando e com que objetivos focalizar a forma, ou seja, devem focalizar com mais intensidade o que o aluno apresenta de mais problemático no momento, observando os valores gramaticais e os vocabulários que as próprias crianças trazem consigo, vocabulários estes que a criança aprende no ambiente familiar e social. O ensino da gramática oferece mais resultados quando o nível de desenvolvimento em que o aluno está é compatível com as formas que estão sendo trabalhadas. Assim o professor mediador deve observar com muito cuidado quanto as atividades propostas para o aluno, fazendo-o assimilar os itens linguísticos e as atividades de forma lúdica à primeira vista, utilizando ferramentas pedagógicas como a música, o teatro de fantoches e bonecos, a leitura em voz alta, filmes, jogos e brincadeiras associadas à aquisição da linguagem. 10 A AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM Dois tipos de conhecimentos são trabalhados no ensino de línguas, segundo Ellis apud Richter (2000): o conhecimento implícito e o conhecimento explícito. O conhecimento implícito é intuitivo; resulta do aprendizado incidental; manifesta-se no desempenho linguístico, no uso; aparece indiretamente; é procedimental, isto é, não tem a ver com regras, mas sim com procedimentos. Este conhecimento pode ser subdividido em: controlado (a regra, para ser utilizada, precisa da atenção do falante para monitorar etapas que estão envolvidas no processo) e automático (o falante utiliza a regra de maneira automatizada, ou seja, quando ocorreu aquisição por parte do aluno). O conhecimento explícito é analítico; distancia-se do significado e aplica uma metacognição sobre a forma; é abstrato; procura estabelecer generalizações; é um conhecimento explanatório, estruturado; sempre é consciente, mas pode ser internalizado e se tornar não consciente. Este conhecimento pode ser controlado (consiste em mobilizar a regra – fluência e eficiência); pode ser automático, prático; supõe metaconhecimento das regras e pode ser desenvolvido através de atividades de memorização ou resolução de problemas. (Ellis apudRichter, 2000). Conforme Ellis apud Richter (2000), o aluno é capaz de extrapolar os conhecimentos que o professor trabalha em sala de aula. Parte da competência linguística do aluno na escola é em decorrência do ensinamento implícito. Para que este vocabulário explícito (Sem regras) seja transformado em conhecimento implícito é preciso que o aluno: discrimine, compare esses elementos discriminados com os elementos análogos que o aluno produz em sua comunicação fazendo com que haja uma integração de novas hipóteses sobre a linguagem, permitindo que o mesmo incorpore os elementos que foram discriminados e comparados no 11 seu sistema de interlíngua, transformando a linguagem em conhecimento adquirido. A Zona de Desenvolvimento Proximal é a distância entre o Nível de Desenvolvimento Real do aluno (o que ele consegue fazer com a ajuda de outros) e o Nível de Desenvolvimento Potencial (o que ele pode realizar com a ajuda de alguém mais capaz no momento). Portanto, é extremamente necessário o planejamento de um currículo centrado no aluno. Elaborar este currículo equivale a tomar uma série de decisões, como: - Identificação das necessidades e expectativas dos estudantes; - Estabelecimento de metas e objetivos; - Seleção e graduação de itens de conteúdo programático; - Critérios de distribuição de alunos em classes; - Seleção, adaptação e/ou elaboração de materiais e atividades de ensino; - Elaboração de instrumentos de avaliação. (Richter, 2000, p.94) Segundo o referido autor, existem dois caminhos para percorrer estas decisões: Um, o mais tradicional é simplesmente prescrever os parâmetros curriculares. Quem faz isso é o professor ou mesmo a instituição, com base num modelo de meios-fins no qual o conteúdo programático gira em torno de itens gramaticais. O outro caminho é negociar os parâmetros curriculares. Estes passam a ser definidos em função do esforço colaborativo de professores e alunos. Este currículo, centrado no aluno, é elaborado em boa parte no seu transcorrer selecionam-se e graduam-se 12 atividades que reflitam o que o estudante estipula que pretende utilizar na vida real ou num momento subsequente de sua formação os objetivos consistem não somente em obter do aluno um perfil de habilidades linguísticas, mas também em desenvolver no educando a habilidade de aprender, ou seja, de assimilar e aplicar estratégias de produção crítica de conhecimento. (Richter, 2000, p.94-95) Desta forma, para ensinar a língua é preciso criar situações que permitam ao aluno refletir e trabalhar a autonomia de cada um, sobre a linguagem nos seus variados contextos de uso, isto é, através da leitura, produção de textos e paralelo com atividades lúdicas que estimulem e reforcem tal aprendizado, enfocados não apenas no ensino comunicativo, mas também, no ensino gramatical. Através dessa prática, os alunos irão analisar criticamente a produção de seus próprios materiais, trabalhando com as múltiplas linguagens, para que possam, de fato, utilizar essa variedade em seus textos, utilizando para tal finalidade os recursos essenciais para se trabalhar a aquisição da linguagem, a alfabetização, o letramento e a gramática. 13 COMO OCORRE O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Para entender como se inicia o processo de alfabetização, letramento e aquisição da linguagem na educação infantil é necessário compreender os princípios teóricos de Lev Vygotsky e de outros autores que abordam alfabetização, letramento e Educação Infantil (Baptista:2010; Ferreiro:1985; Soares:2009; Kramer:2006). O processo de apropriação da leitura e da escrita que são a base para uma alfabetização completa, tem sido objeto de estudos e pesquisas por muito tempo. Nesta pesquisa são destacados os trabalhos de Soares (2009), que afirma a importância de considerar a alfabetização e o letramento desenvolvendo simultaneamente desde a Educação Infantil; Smolka (1993) ressalta a importância de considerar a escrita como um momento de interação e interlocução entre os sujeitosenvolvidos nesse processo; Baptista (2010) ressalta essa apropriação como um direito da criança. Vygotsky 1934/2002, ao analisar o processo de apropriação da escrita pela criança, em sua teoria, aborda que este processo inicia-se muito antes da criança entrar na escola, ou seja, se inicia no ambiente familiar e social em que a criança está inserida. Vygotsky fornece contribuições importantes para esta pesquisa como: a relação entre pensamento e linguagem; a noção da fala como um instrumento do pensamento que pode ser representada por meio da escrita; a definição de escrita como um sistema complexo de signos e símbolos que representam os sons (Fonemas) e as palavras da língua; a importância do processo de construção da capacidade de representar; a relação entre 14 interação e brincar no processo de aprendizagem da criança; a importância da mediação e da imaginação para o processo de aprendizagem. Com relação ao brincar e aprender, Brougère (2010) e Kishimoto (2010) trazem contribuições muito significativas para o processo de alfabetização ligado ao lúdico. Estes autores relacionam o brincar como uma prática que possibilita a criança se apropriar do conteúdo cultural e social. Outros autores também contribuem para a reflexão sobre a importância do brincar para a criança: Roure (2010) reforça a ideia do brincar como possibilidade de ramificações entre linguagem e experiência; Benjamim (2009) ressalta a imaginação que acontece no ato de brincar da criança. O PNAIC e a BNCC defende que é direito da criança se apropriar da linguagem escrita, desde a Educação Infantil, como forma de inclusão na sociedade. É responsabilidade de todos, viabilizar o acesso da criança à leitura e à escrita. A construção de conhecimentos e as práticas de apropriação de leitura e da escrita na Educação Infantil abordam a leitura e a escrita como práticas sociais, intensificando a importância das interações entre o brincar e a alfabetização como desenvolvimento da criança. 15 CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO Com relação aos aspectos da apropriação da leitura e escrita pelas crianças, dois conceitos são frequentemente discutidos nas abordagens relacionadas a esta apropriação: a alfabetização e o letramento. Na trajetória histórica do termo alfabetização, até os anos 80, os estudos e as pesquisas consideravam que para a criança aprender, ela dependeria apenas de estímulos externos que a levariam a dominar o sistema alfabético para, depois, ser capaz de ler e escrever. Dois métodos emergem desta concepção e caracterizam a alfabetização até os anos 80: o método baseado no princípio da síntese, no qual a alfabetização deve partir das unidades menores da língua – os fonemas, as sílabas, e logo a seguir unidades maiores – a palavra, a frase, o texto (método fônico, método silábico) e o método pelo princípio da análise, segundo o qual a alfabetização deve partir das unidades maiores e portadoras de sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às unidades menores (método da palavra, método da sentenciar, método global). Estes métodos não consideravam o processo construtivo das crianças. De acordo com Soares (2004), estas duas formas metodológicas passaram a sofrer críticas severas nos anos 80, quando a perspectiva psicogenética da aprendizagem da língua escrita começa a ser divulgada no Brasil pela obra e pela atuação formativa de Emilia Ferreiro (1985), sob a denominação de construtivismo. A partir dessa abordagem, ocorre uma mudança de pensamento em busca de novas concepções e metodologias eficazes para o processo de aprendizagem, ao eliminar a distinção entre aprendizagem do sistema de 16 escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita. Essa nova abordagem do fenômeno da alfabetização permite identificar e explicar o processo por meio do qual a criança constrói o conceito de língua escrita como um sistema de representação dos sons da fala por sinais gráficos, ou seja, o processo por meio do qual a criança torna-se alfabética. Além disso, sugere as condições em que mais adequadamente se desenvolva esse processo, revelando o papel fundamental de uma interação intensa e diversificada da criança com práticas e materiais reais de leitura e escrita, a fim de que ocorra o processo de conceptualização e entendimento da língua escrita. Entretanto, é necessário fazer a distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e práticas efetivas de leitura e de escrita porque tanto em uma como noutra estão envolvidas diferentes dimensões da capacidade metalinguística: reflexão, análise e controle intencional; consciência fonológica, conhecimento das letras, consciência grafo- fonêmica e pragmática; mediação do adulto ou de outra criança mais velha que fornecem a ela informações ou que provocam sua reflexão. Enfim, é preciso ter o domínio do sistema de escrita (conceito e reconhecimento das relações letra-som) para aprender a ler e escrever. A respeito da aquisição da linguagem escrita pela criança, Ferreiro, em colaboração com Teberosky (1985), desenvolveu pesquisas no México chegando à conclusão de que quando a criança ingressa na escola já possuí competência linguística, geralmente não considerada neste meio: Atualmente sabemos que a criança que chega à escola tem um notável conhecimento de sua Língua Materna, um saber linguístico que utiliza ‘sem saber’ (inconscientemente) em seus atos de comunicação cotidianos. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 24). 17 Para estas pesquisadoras, este processo começa muito cedo, antes da entrada da criança na escola, e segue uma linha de evolução regular que ficou conhecida como Psicogênese da língua escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985). Por meio de pesquisas, os autores evidenciaram e explicaram o caminho percorrido pelas crianças para compreender o valor e as funções da escrita. Estes estudos contribuíram significativamente para a superação da visão da escrita alfabética concebida como transcrição fonética do idioma que se baseava na ideia de que a forma como a criança se apropria da linguagem oral servia como modelo para explicar a aquisição da linguagem escrita e era esse modelo que sustentava a maioria dos métodos usados para alfabetizar as crianças. Muitas das práticas do ensino da língua escrita são tributárias do que se sabia da aquisição da linguagem oral; a progressão clássica que consiste em começar pelas vogais, seguidas de consoantes labiais com vogais, e a partir daí chegar à formação das primeiras palavras por duplicação dessas sílabas mamá, papá, e , quando se trata de orações, começar por orações declarativas simples, é uma série que reproduz bastante bem a série de aquisição da língua oral, tal como ela se apresenta vista do “lado de fora” (isto é, vista desde as condutas observáveis e não desde o processo que engendra essas condutas observáveis). Implicitamente, julgava-se ser necessário passar por essas mesmas etapas quando se trata de aprender a língua escrita, como se esta aprendizagem fosse uma aprendizagem da fala. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p. 23-24) Contudo, para Ferreiro e Teberosky (1985), além da relação da escrita com o código oral, há uma relação da escrita com o mundo real. A escrita, nessa concepção, é um sistema simbólico de representação, e não um código de transcrição. Esta visão rompe com a concepção de um processo de aquisição da escrita apenas técnico para considerá-lo como um 18 processo conceitual, no qual a criançaé um sujeito ativo e com competência linguística. Baseado nestas ideias, o construtivismo revelou processos de compreensão da escrita pela criança, que foram identificados a partir da análise de escritas espontâneas. Esses aspectos evidenciavam que a criança construía hipóteses sobre o funcionamento da língua escrita e, portanto, se mostrava imprescindível conhecer como ocorria esse processo de elaboração e de apropriação acerca do sistema de escrita alfabético. De acordo com Soares (2004), o foco no processo de construção alfabético da língua escrita pela criança da ênfase na importância de sua interação com práticas de leitura e de escrita como meio para provocar e motivar o processo, na prática escolar da aprendizagem inicial da língua escrita, o ensino sistemático das relações entre a fala e a escrita de que se ocupa a alfabetização. Para Soares (2004), houve grandes avanços teóricos sobre a aquisição da escrita que trouxeram mudanças significativas no modo de conceber a alfabetização. Neste sentido, atualmente, o que parece caracterizar a concepção de alfabetização é que esta não é mais compreendida como um processo que envolve apenas aprender a ler e a escrever enquanto habilidades de codificação e decodificação, mas implica também um processo de apropriação da linguagem escrita como prática social, respeitando o vocabulário que a criança já traz para dentro da escola. Entretanto, a apropriação dos conceitos de alfabetização e letramento que está no cerne dessa discussão, pelos professores alfabetizadores, ainda parece oscilar entre a noção de que o processo de apropriar-se da linguagem escrita signifique a mera aquisição de um sistema de codificação, para uns, e a apropriação de um sistema complexo de representação que implica inclusive a capacidade de ler e compreender o que foi lido, para outros. Com relação à noção de que o processo de 19 apropriação da linguagem escrita signifique a mera aquisição de um sistema de codificação. Smolka (1993) ressalta que as práticas docentes que consideram o professor como detentor do saber, com a função de ensinar a linguagem escrita, reduz o processo de aquisição desta linguagem ao ensino de uma técnica e a própria escrita é reduzida e apresentada como uma técnica. Para ela, as crianças que não conseguem aprender a ler e escrever são resultado deste equívoco, que desconsidera a participação da criança na construção deste conhecimento em função da necessidade de aprender o saber da escola. Segundo Smolka (1993), o processo de alfabetização nos moldes tradicionais, nos quais a construção e aquisição da leitura e da escrita pela criança acontece por meio de métodos convencionais, como a silabação e a palavração, por exemplo, é algo extremamente preocupante. Deste modo, a autora questiona os métodos tradicionais de alfabetização que limitam a compreensão da aquisição da leitura e da escrita como um ensino mecânico, sem significação real para as crianças. Segundo a autora, nessa concepção, as crianças são cobradas pelo que não entendem e são levadas a buscar estratégias para sobreviverem nesse sistema, no qual poucas crianças conseguem desenvolver naturalmente este entendimento. O processo de elaboração mental da criança na construção do conhecimento sobre a escrita, que inicialmente passa pela linguagem falada, fica terrivelmente dificultado porque a escrita apresentada na escola é completamente distanciada da fala das crianças, e, na maioria das vezes, é o que não se pensa, o que não se fala. Ou seja, a “defasagem” não é apenas uma contingência da forma escrita de linguagem, mas é também produto das condições de ensino. (SMOLKA, 1993, p. 60). 20 Para Smolka (1993), a escrita é considerada mais que um instrumento técnico ou uma atividade mecânica; trata-se de um momento de interação e interlocução entre os sujeitos envolvidos neste processo. O processo inicial de leitura que passa pela escrita, o trabalho inicial da escrita que passa pela fala, revelam fragmentos e momentos do “discurso interior”, da “dialogia interna”, das crianças, nessa forma de interação verbal. O papel do “outro”, do mediador, nessa interação começa a se delinear (SMOLKA, 1993, p. 62). De acordo com Soares (1999), ao mesmo tempo em que a criança apropria-se da escrita como forma de interlocução, como atividade discursiva, ela deve também ser conduzida a várias aprendizagens, ou seja, ela precisa aprender a distinguir o texto oral do texto escrito, a estruturar adequadamente seu texto escrito, a controlar as possibilidades de apreensão do sentido do texto pelo pretendido leitor, apropriar-se dos recursos de coesão próprios do texto escrito, aprender as convenções de organização do texto na página. É necessário considerar as questões relativas à aquisição do sistema de escrita e as questões relativas à utilização desse sistema para a interação social, isto é, o desenvolvimento das habilidades textuais. Para Soares (1999), o problema enfrentado com relação à apropriação da leitura e da escrita é que, no contexto escolar, as questões da relação letra e som, ou das relações entre fala e escrita em consonância com o desenvolvimento das habilidades textuais, são sempre negligenciadas. Para Smolka (1993), o problema é a distância entre ensinar a técnica da escrita e considerar as funções sociais da língua escrita. Para nós, a questão principal é compreender as crianças como um sujeito de direito, reconhecendo-as como produtoras de cultura. 21 Isto implica compreender a aprendizagem da leitura e da escrita como práticas sociais que devem ser integradas às demais práticas sociais que se desenvolvem na infância. A necessidade de ampliar o conceito de alfabetização, para que a aprendizagem da leitura deixe de ser vista apenas como reconhecimento de letras, sílabas e palavras, e a escrita apenas como um código de transcrição da fala. As pesquisas atuais sobre a apropriação da linguagem escrita pelas crianças e como ocorre este processo (Baptista, 2010; Baptista, 2013; Ferreiro, 1985; Soares, 2009; Kramer, 2006) evidenciam que existe uma forte relação entre esta apropriação e o próprio desenvolvimento Infantil. Estes estudos permitem concluir que o processo de apropriação deve iniciar-se desde os primeiros anos de vida. Isto porque a criança, desde o seu nascimento, é um sujeito social que produz cultura e está inserida nela, uma cultura na qual a escrita está presente e determina, em grande medida, a dinâmica da sociedade. A escrita está presente na dinâmica da sociedade, assumindo diferentes funções, das quais as crianças, mesmo sem a intencionalidade do adulto, acabam participando. Estas funções são adquiridas pelas crianças, de acordo com Ferreiro (1993), por meio da sua participação em atos sociais, nos quais a língua escrita cumpre funções precisas. Considerando esta perspectiva, Smolka (1993) ressalta que a alfabetização, da forma como preconizou Vygotsky, pode ser compreendida como atividade discursiva interativa, instauradora e constituinte do conhecimento na e pela escrita. Para Smolka (1993), a alfabetização do ponto de vista da psicologia Vygotskiana pode englobar a questão da aquisição da linguagem oral e escrita enquanto processo de interação social. Para Smolka (1993), a criança aprende de forma mais eficaz quando se envolve em atividades coletivas e lúdicas, que tenham significado para ela e quando orientada por alguém que tenha competência, ou seja, enfatizando o papel crucial do educador mediador.Isto porque o nosso 22 comportamento é mediado por signos, respondendo a significados que atribuímos a situações cuja interpretação depende de um contexto cultural. 23 DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES A função pedagógica da pré-escola envolve o favorecimento de novas aprendizagens, considerando as crianças como parte da totalidade que as envolve, tornando-as participantes ativas do processo. Todas as atividades desenvolvidas nessa etapa de ensino precedem de alguma forma, a aprendizagem das técnicas de leitura e escrita e, sem dúvida, beneficiam o processo de alfabetização. Nesse sentido: Se as atividades realizadas na pré-escola enriquecem as experiências infantis e possuem um significado real para a vida das crianças, elas podem favorecer o processo de alfabetização, quer em nível do reconhecimento e representação dos objetos e das suas vivências, quer em nível da expressão de seus pensamentos e afetos (ABRAMOVAY; KRAMER, 1987, p. 37). A alfabetização é definida por Soares (2004) como “a ação de ensinar/aprender a ler e a escrever”. Isto é, de acordo com ela, uma pessoa alfabetizada é aquela que “adquiriu as tecnologias do ler e escrever de modo a envolver-se nas práticas sociais de leitura e escrita”. Nesse sentido, tornar-se alfabetizado traz consequências sobre o indivíduo, alterando o seu estado ou condição social, uma vez que “a introdução da escrita em um grupo até então ágrafo tem sobre esse grupo efeitos de natureza social, cultural, política, econômica, linguística” (SOARES, 2004). O “estado” ou “condição” que o indivíduo ou grupo social passa a ter sob o impacto dessas mudanças é que é designado por letramento (SOARES, 2004). 24 Sob essa perspectiva, o letramento é “o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais” (SOARES, 2004). Para Kleiman (1995), o letramento pode ser definido, hoje, como “um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos e para objetivos específicos”. A alfabetização pode ser entendida, então, como a aprendizagem da leitura e da escrita. Refere-se ao processo de apropriação e compreensão do sistema de escrita que leva o aluno a ler e a escrever com autonomia. O letramento, por sua vez, refere-se à aprendizagem dos usos sociais das atividades de leitura e escrita, quando assim for exigido em determinadas situações, de modo a atender às necessidades demandadas por elas. Segundo Soares (2009, p. 7): Na impossibilidade de determinar que a palavra alfabetização passe a significar, não só a aprendizagem do sistema alfabético, mas também a aprendizagem dos usos sociais e culturais desse sistema, é que a “invenção” da palavra letramento tornou-se necessária. Esses termos, então, designam ações distintas, mas processos que se complementam, pois, assim como afirmou aquela autora, em 2004: O ideal seria alfabetizar (Letrando), ou seja, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado (SOARES, 2004). 25 As atividades de alfabetização e letramento, portanto, diferenciam- se, mas devem se desenvolver de forma integrada. Isto é, o desenvolvimento desses processos se dá por meio de atividades específicas referentes a cada um deles, mas que estejam intimamente vinculados de modo que uma complementa o outro. De alguma forma, em nossa sociedade que é permeada pela escrita, essas duas atividades fazem parte do contexto de muitas crianças que convivem, em maior ou menor grau, dependendo de seu meio social, com atividades e material de leitura e escrita. Com essa convivência, tanto a alfabetização quanto o letramento são construídos e desenvolvidos antes mesmo de chegarem às instituições de educação infantil. Esse contato com a leitura e a escrita, bem como a oportunidade que as crianças têm de vivenciar as suas utilidades e funções nos diversos meios onde se inserem, constitui eventos de letramento. Por isso, favorece o desenvolvimento das habilidades relativas a esse processo, considerando- se não apenas a experiência e o contato com material de leitura e escrita, mas também a mediação entre esses e as crianças. Ao se referir aos diferentes níveis e tipos de letramento que uma pessoa pode atingir, Soares (2004) afirmou que, tanto em relação à leitura quanto à escrita, esses níveis podem variar de acordo com as necessidades, demandas do indivíduo e do seu meio, além do contexto social e cultural a que pertencem. Ante o exposto, é fato que, ao ingressarem na educação infantil e, por conseguinte, na pré-escola, as crianças já possuem certo grau de letramento. Em alguma medida, este pode, a partir de então, ser desenvolvido juntamente com as atividades de leitura e escrita que se realizam nessa etapa do ensino, dependendo do trabalho da educadora. Ou seja, do direcionamento dado por ela em sua prática, visando promover condições ao desenvolvimento desse processo. 26 Essas atividades relacionadas à linguagem escrita desenvolvidas na pré-escola “enriquecem as experiências infantis e possuem significado real para a vida das crianças; elas podem favorecer o processo de alfabetização” (ABRAMOVAY; KRAMER). A alfabetização, segundo Filho (2009), “é um processo complexo e que não tem idade para acontecer, sobretudo se entendermos que a alfabetização não se dá pelo treino das habilidades de “decodificação” e “codificação” de códigos”. Nesse sentido, a Silva e Rodrigues Oikos: Revista Brasileira de Economia Doméstica, Viçosa, v. 22, n.1, p. 25-45, 2011 a alfabetização na pré-escola deve considerar a leitura e a escrita como instrumentos culturais, complexos e interligados às diferentes experiências sociais e culturais que permeiam o mundo infantil (FILHO, 2009). De acordo com esse mesmo autor, é necessário mostrar às crianças a função social da leitura e da escrita, ou seja, a importância e o funcionamento da escrita em nossa sociedade. Para isso, o desenvolvimento de algumas atividades que possibilitam inserir as crianças em um contexto amplo, rico, fecundo e permeado de múltiplas linguagens, as quais, automaticamente, as levarão para a linguagem escrita, é essencial na educação infantil e, portanto, na pré-escola. Diante disso: Fazer um gesto, um desenho, uma pintura, uma gravura, um movimento, uma dança, uma escultura, uma maquete, brincar de faz-de- conta, decifrar rótulos, seriar códigos, ouvir histórias, elaborar listas, discutir impressões de notícias de jornal, elaborar cartas, trabalhar com receitas, realizar visitas a bancos, museus, e supermercados e interagir com gibis, livros, poesias. Parlendas, ouvir música, enfim, a interação com as diferentes linguagens é essencial e antecede às formas superiores da escrita (FILHO, 2009, s/p). 27 De modo geral, esse autor defendeu que, na educação infantil, a leitura e a escrita devem permanecer intimamente relacionadas à oralidade e às experiências culturais das crianças, fazendo que a aquisição do código escrito seja compreendida como atividade de expressão, comunicação e registro de experiências. Soares (2009) foi ao encontro das afirmações de Filho (2009), afirmando que os rabiscos, os desenhos, os jogos, as brincadeiras de faz deconta representam a fase inicial da aprendizagem da língua escrita. Inclusive, atividades presentes nessa etapa de ensino por seu caráter lúdico como a repetição de parlendas, a brincadeira com frases e versos trava- línguas e as cantigas de roda constituem passos em direção à alfabetização. Isso porque tais atividades propiciam o desenvolvimento da consciência fonológica, aspecto fundamental para a compreensão do princípio alfabético. Além disso, quando as crianças de 4 e 5 anos de idade são incentivadas por meio de atividades adequadas e de natureza lúdica num ambiente “no qual estejam rodeadas de escrita com diferentes funções: calendário, lista de chamada, rotina do dia, rótulos de caixas de materiais didáticos etc.”, elas poderão apresentar evolução em direção ao nível alfabético muito rápido (SOARES, 2009). Souza (2008), referindo-se ao letramento no contexto infantil, afirmou que o trabalho realizado em sala de aula deve oportunizar aos alunos todo o tipo ou vários tipos de linguagens escritas e orais, como: “livros infantis, receitas, culinária, bulas de remédio, jornais, revistas, cartas, bilhetes, rótulos e tudo que lemos e escrevemos da nossa realidade”, que podem ser caracterizados como atividades de letramento. De acordo com essa autora, deve-se estimular a criança a participar ativamente do processo de construção da leitura e da escrita constituinte do seu meio sociocultural, bem como trabalhar as práticas sociais da leitura e da escrita (SOUZA, 2008). Por isso, desde que as crianças chegam à 28 instituição de educação infantil, deve-se trabalhar o letramento, fazendo que: As crianças tenham a liberdade de expressão e que possam experimentar as múltiplas linguagens, como a música, a dança, artes, leituras da literatura infantil clássica e brasileira, histórias em quadrinhos, jogos, brinquedos e brincadeiras e tantas outras (SOUZA, 2008, p. 277). Nesse mesmo sentido, Soares (2009) assegurou que a leitura frequente de histórias para crianças é a principal e indispensável atividade de letramento na educação infantil, uma vez que essa atividade “leva a criança a se familiarizar-se com a materialidade do texto escrito”, além de enriquecer o seu vocabulário e proporcionar o “desenvolvimento de habilidades de compreensão de textos escritos, de inferência, de avaliação e de estabelecimento de relações entre fatos” (SOARES, 2009). Ainda de acordo com essa autora, no entanto, para que a leitura de histórias alcance esses objetivos é necessário que ela seja acompanhada por estratégias adequadas de leitura. Além disso, é importante que as crianças tenham acesso a diferentes gêneros textuais e a diferentes portadores de texto. De acordo com o apresentado pelos autores supracitados sobre as atividades que a educação infantil deve contemplar visando desenvolver a alfabetização e o letramento nessa etapa de ensino, é possível perceber a indissociabilidade desses dois processos. Soares (2009) afirmou que: Na educação infantil devem estar presentes tanto atividades de introdução da criança ao sistema alfabético e suas convenções – alfabetização – quanto às práticas sociais da leitura e da escrita: o letramento. 29 O trabalho realizado na pré-escola deve, assim, considerar o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita num processo de inserção no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita. Isso remete ao questionamento das concepções de alfabetização e letramento das educadoras, pois elas determinam o seu fazer pedagógico e, com isso, a proeminência desses processos na aprendizagem infantil. Portanto, o letramento e a alfabetização estão presentes nas atividades que permeiam toda a educação infantil, de modo específico na pré-escola. Cabe à educadora infantil perceber a complexidade desses processos, de modo a refletir em sua prática pedagógica sobre a presença desses instrumentos. E, ainda, compreender o trabalho a ser desenvolvido em torno desses processos nessa modalidade de ensino. 30 O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA ESCRITA, SEGUNDO VYGOTSKY De acordo com Vygotsky (1934/2002), em seu livro A formação social da mente, as relações entre o sujeito e os objetos do conhecimento são sempre mediadas. Vygotsky faz uma analogia entre o uso de instrumentos materiais e os signos. Ao utilizar um dado instrumento, o homem interfere na natureza transformando-a e, assim, torna-se capaz de desenvolver sua relação com o meio num processo histórico-cultural. De forma análoga, assim como realiza essa transformação pelo uso de instrumentos concretos, o homem emprega signos que são instrumentos da atividade psicológica, que, por sua vez, o auxiliam em atividades como lembrar, relatar e comparar. Os signos são, portanto, marcas externas que auxiliam o homem em tarefas que exigem memória ou atenção, podendo referir-se a elementos ausentes no espaço e no tempo presente, ampliando a capacidade de ação do homem sobre o mundo. Vários tipos de signos são utilizados para melhorar nossa capacidade de armazenamento de informações e de controle de ação psicológica. Estes mediadores aumentam a capacidade de atenção e de memória e permitem maior controle voluntário do sujeito sobre sua atividade. Assim, os instrumentos e os signos são elementos fundamentais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. A mediação, portanto, possibilitada pelo uso de signos e é um processo essencial para tornar possíveis atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo. Ao longo do desenvolvimento humano, os processos de mediação sofreram transformações, ocorrendo uma mudança qualitativa no uso dos signos. 31 Assim, se, inicialmente, o indivíduo necessita de marcas externas, com seu desenvolvimento promovido pela mediação, ele passa a utilizar os signos internos, ou seja, representações mentais que substituem os objetos do mundo real. O homem passa, assim, a operar mentalmente sobre o mundo por meio de um processo de representação mental. Isto significa que o homem torna-se capaz de estabelecer relações mentais na ausência das próprias coisas e, assim, fazer planos, ter intenções, lidar com representações que substituem o real. Tais representações precisam ser articuladas em sistemas simbólicos, ou seja, signos compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social que permitam a comunicação entre os indivíduos. Assim, o sistema simbólico é socialmente dado. É o grupo cultural no qual o indivíduo se desenvolve que lhe fornece formas de perceber e organizar o real, e vão constituir os instrumentos psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo. Esse sistema simbólico passa a mediar processos mentais superiores: ações conscientemente controladas, atenção voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato e comportamento intencional. Neste sentido, a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os grupos humanos. Inicialmente, o desenvolvimento da linguagem foi impulsionado pela necessidade de comunicação. Para efetivar esta comunicação, era necessário que a mesma fosse feita por meio de signos compreensíveis e capazes de traduzir ideias, sentimentos, vontades e pensamentos. Para isto o mundo da experiência vivida tinha que ser simplificado e generalizado para ser traduzido por signos que pudessem ser traduzidos a outros. Sendo assim, desde bebê, quando a criança se utiliza dos gestos para estabelecer uma comunicação,ela já iniciou de certa forma, seu processo de apropriação da linguagem escrita, que, progressiva e lentamente, passará do gesto inicial para o gesto fixado por meio dos rabiscos e desenhos até chegar aos signos escritos. 32 Nessa história há dois momentos que ligam o gesto à escrita: os primeiros rabiscos feitos pelas crianças e o jogo. Com relação aos primeiros rabiscos, Vygotsky (1935/2002) os considera mais gestos do que desenhos propriamente ditos. Para ele, inicialmente, a criança, ao utilizar um lápis, registra um sinal, no papel, que é uma prolongação de um gesto. Por este motivo, ao tentar desenhar um objeto complexo, acaba focalizando apenas suas características mais evidentes, suas propriedades mais gerais, como, por exemplo, formas arredondadas, ou, quando se trata de conceitos, a criança marca no papel algum gesto que possa indicá-los. Uma criança que pretende representar uma corrida indica com os dedos os movimentos; os pontos e os riscos traçados no papel são para criança representações do ato de correr. Quando quer desenhar um salto, faz movimentos de saltar com a mão e deixa sinais deste movimento no papel. (VYGOTSKY,1935/2002, p. 187) O outro elemento que liga o gesto ao processo de desenvolvimento da capacidade de representação, ressaltado por Vygotsky (1935/2002), é o jogo. Para ele, no jogo de faz de conta, a criança se utiliza de um objeto para representar outro, de tal forma que este objeto se torna um signo. Trata-se dos jogos simbólicos. Quando se inicia sua capacidade de brincar de faz de conta, a criança atribui ao objeto àquilo que ele representa. O jogo simbólico torna-se assim uma forma de linguagem que se utiliza de gestos para atribuir significados diferentes a um objeto usado. Uma trouxa de retalho de tecido ou um pedaço de madeira converte em um bebê durante o jogo porque permitem fazer os mesmos gestos que representam a alimentação e os cuidados para com as crianças pequenas. É o próprio movimento da criança, seu próprio gesto, que atribuem sua função de signo, ao objeto e lhe conferem sentido. Toda atividade simbólica representacional está plena desses gestos indicadores. Para a criança, um pedaço de madeira transforma-se em um cavalo porque pode 33 colocá-lo entre suas pernas e fazer com ele o gesto que o identificará, neste caso, como um cavalo. (VYGOTSKY, 1935/2002, 187-188). Neste processo, com ajuda da fala, o objeto assume a função de signo. Deste modo, este objeto torna-se um simbolismo de segunda ordem. Da mesma forma a escrita é um simbolismo de segunda ordem, pois é constituída por um sistema de signos que representam os sons e as palavras da linguagem oral, que, por sua vez, representam objetos, ações e fenômenos reais. Como vimos, o processo do desenvolvimento da representação simbólica é fundamental para a linguagem escrita. De acordo com Vygotsky (1935/2002, p. 191) “[...] a representação simbólica no jogo, é essencialmente uma forma particular de linguagem num estágio precoce que leva diretamente à linguagem escrita.” Assim, para Vygotsky (1935/2002), o processo de desenvolvimento da linguagem escrita envolve esta compreensão, de que as palavras podem ser “desenhadas”. Contudo, para se chegar a esta compreensão, há um longo caminho a ser percorrido pela criança. Este caminho foi investigado por Luria (1929/1988), teórico que deu prosseguimento aos estudos de Vygotsky. Nos estudos destes dois importantes teóricos encontra-se a base fundamental que explica como os processos psíquicos da linguagem e escrita se desenvolvem nas crianças antes mesmo delas entrarem na escola. 34 O BRINCAR NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO Considerando a perspectiva teórica e sócio histórica de Vygotsky, o ser humano aprende e se torna efetivamente humano na interação com o outro, ou seja, depende de um ambiente social para se desenvolver, com algum membro mais experiente da cultura, na mediação que se realiza entre o sujeito e os objetos do conhecimento. Neste sentido, as interações sociais, na abordagem de Vygotsky (1935/2002), permitem pensar o desenvolvimento da criança em constante construção e transformação. É mediante as interações sociais que criança conquista e confere novos significados e olhares para a vida em sociedade. Para Vygotsky, o ser humano é um sujeito interativo, e necessita disso para promover sua capacidade de aprendizagem, ou seja, um ser que elabora seus conhecimentos sobre os objetos, em um processo mediado pelo outro (Eu e Tu) Martin Buber (Recomendo a leitura). O conhecimento se constrói a partir das relações sociais e é, por isso, marcado por condições culturais, sociais e históricas. Baseando-se nesta teoria, é nas interações que a criança constrói formas de pensar e vai se apropriando de saberes e conhecimentos. Essa interação não ocorre passivamente. As crianças se relacionam com o conhecimento de forma ativa, atribuindo-lhes significados, reproduzindo e transformando formas novas de compreender o mundo. 35 A maneira como a criança interage com o mundo é marcada pelo jogo e pela brincadeira. Assim como as interações, a brincadeira é destacada como um dos eixos norteadores das práticas pedagógicas e ferramenta indispensável no processo de alfabetização, segundo o artigo 9º, das Diretrizes Curriculares da Educação Infantil (BRASIL, 2009). No texto das diretrizes, pode-se observar que o termo brincadeira aparece no singular, enquanto a expressão interações aparece no plural. Essa opção parece indicar que as interações são múltiplas, das crianças, entre si, das crianças com os objetos do mundo, que são, por sua vez, resultado de diversas interações e das crianças com os adultos. Por outro lado, podemos inferir que o emprego do termo brincadeira no singular designa uma maneira pela qual as crianças interagem com o mundo, apreendem e compartilham significados. O brincar expressa, nessa perspectiva, uma atividade humana, uma prática social, uma forma de expressão. O eixo dessa forma não são as brincadeiras (de roda, de faz de conta, folclóricas ou aquelas que se apoiam em produtos industrializados), mas sim o ato de brincar, de criar. Entretanto, a criança não aprende a brincar naturalmente. Segundo Brougère (2010), a criança desde quando nasce está inserida em um contexto social e cultural e seus comportamentos recebem influência desta imersão inevitável. Ela precisa aprender a brincar pela mediação do adulto ou de outra criança mais experiente. “A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto, de cultura” (BROUGÈRE, 2010, p. 104). Assim, ao falar de brincadeira, é preciso enfatizar o papel das interações nesta importante atividade da criança. 36 De acordo com Brougère (2010), não existe na criança uma brincadeira natural. Quando a criança brinca, ela se apropria do conteúdo cultural e social. Na brincadeira a criança se relaciona com conteúdos culturais que ela reproduz e transforma, dos quais ela se apropria e lhe dá uma significação. A brincadeira é a entrada na cultura, numa cultura particular, tal como ela existe num dado momento, mas com todo seu peso histórico. A criança se apodera do universo que rodeia para harmonizá-lo com sua própria dinâmica. Isso se faz num quadro especifico, por meio de uma atividade conduzida pela iniciativa da criança, quer dizer, uma atividade que ela domina, e reproduz em função do interesse e do prazer que extrai dela. Aapropriação do mundo exterior passa por transformações, por modificações, por adaptações, para se transformar numa brincadeira: é a liberdade de iniciativa e de desdobramento daquele que brinca, sem o qual não existe a verdadeira brincadeira. (BROUGÈRE, 2010, p. 82) Brougère nos faz compreender que as brincadeiras envolvem um processo de reconstrução e ressignificação da realidade como um princípio de (re) elaboração da história e da cultura. As brincadeiras são compreendidas, por este autor, como prática social que possibilita à criança transformar sua realidade, exercitando o imaginário e consequentemente alicerçando o seu processo de alfabetizar. Para Vygotsky, a imaginação é fruto do processo em que a mente humana é capaz de reproduzir experiências do passado, elaborá-las e recriá- las. Portanto, a apropriação da leitura e da escrita vincula-se a essa imaginação, chamada por ele de imaginação criativa. 37 Portanto a apropriação da linguagem oral e da linguagem escrita está interligada a este processo. O diálogo contínuo entre ambas, cria condições para que as crianças desenvolvam habilidades para a construção da competência linguística, que será determinante no processo de alfabetização e letramento posteriormente. Nesse diálogo, a narrativa surge como uma capacidade fundamental para a construção do pensamento Infantil. Daí a importância de trabalhar, desde cedo, o discurso narrativo. A literatura assume papel significativo, pois se vincula à imaginação e possui uma aproximação com o universo lúdico e criativo. Vygotsky em relação à criação literária, ajuda a compreender como literatura e brincadeira estão relacionadas e são ferramentas essenciais e indispensáveis para o processo de formação linguística das crianças e como é importante a interação social através de um mediador que sirva como facilitador destes conceitos, respeitando as fases de concepções linguísticas naturais da criança. 38 COMO SE TRABALHAR O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Qual é a diferença entre alfabetização e letramento? A alfabetização é um processo que começa muito antes da entrada da criança na escola, onde é submetida a mecanismos formais de aprendizagem da leitura e da escrita (VYGOSTSKY) Entende-se por alfabetização o processo pelo qual se adquire o domínio de um sistema linguístico e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja, o domínio das ferramentas e o conjunto de técnicas necessárias para exercer a arte e a ciência da escrita e da leitura. O letramento apareceu ao lado da alfabetização por se considerar o domínio mecânico da leitura e da escrita insuficiente na sociedade atual. Tornou-se primordial que a escola introduza tal conceito para os alunos nas práticas sociais de leitura e escrita, pois deixou de ser satisfatório em sua formação o desenvolvimento específico da habilidade de codificar e decodificar a escrita. Para tal, é necessário mais do que apresentar para os alunos as letras e sua relação com os sons, palavras e frases. É preciso trabalhar com textos reais estimulando a leitura e a escrita dos diversos gêneros textuais para que as crianças aprendam a diferenciá-los e a perceber a funcionalidade de cada um dos textos e para que servem as diversas finalidades da leitura e da escrita (para que lemos e escrevemos). Dessa forma, percebemos que alfabetizar e letrar são duas tarefas a serem desenvolvidas em simultâneo, uma completando a outra. 39 Promovendo o ambiente alfabetizador? "[...] um ambiente é alfabetizador quando promove um conjunto de situações de usos reais de leitura e escrita das quais as crianças têm oportunidade de participar" (RCNEI; SEF, 1998, p. 154). A seguir, sugestões para a organização de um ambiente alfabetizador. • Alfabeto num varal, perto dos alunos e na altura deles, no início do ano. • Espaço para exposição de textos usados na leitura compartilhada, para que eles possam recuperá-los quando quiserem. • Mural para exposição da produção dos alunos. • Biblioteca de classe, com materiais diversos de leitura. • Calendário com uma folha para cada mês que poderá ser preso a um cabide de saia (os alunos deverão receber uma folha de calendário similar para prender no caderno no começo de cada mês, para que façam a mesma marcação do calendário grande). • Banco de palavras. • Listagem com o primeiro nome de todos os alunos, organizados em ordem alfabética e tendo a letra inicial destacada em vermelho (usar letra maiúscula). • Numerário (sequência numérica de 0 a 10 e numeral/ quantidade/ número). 40 Priorizar o estímulo ao desenvolvimento cognitivo (Piaget) dos alunos é a tônica de um ambiente alfabetizador. Tudo que for absolutamente desafiador e possível de ser realizado propiciará um processo de ensino e aprendizagem muito mais harmonioso, por ser mais produtivo. As crianças têm preferências por atividades diferentes e cada uma apresenta um ritmo próprio. O desenvolvimento das atividades psicomotoras, do relacionamento com os outros, da fala e de diversas outras formas de comunicação vão acontecendo em épocas relativamente distintas. As crianças reagem de formas diferentes, por isso o ambiente alfabetizador precisa ser organizado e assimilar hábitos de trabalho que contribuam para a independência de cada uma delas. A sala de aula deve estar preparada de forma a despertar o interesse pela leitura, pela escrita e pelo manuseio do material didático. Este é um material "vivo" na sala de aula, ou seja, está em constante ampliação e utilização; é uma escrita de referência para os alunos. Explore ao máximo o material. 41 A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NO DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM Vygostsky As evoluções da leitura e da escrita estão naturalmente ligadas ao processo de evolução expressiva e criativa da criança, porém este processo pode ser facilitado pelo educador por meio de atividades lúdicas, que servirão de apoio ao desenvolvimento da linguagem falada e ao processo de aquisição da linguagem escrita. Jogar e brincar são atividades que, se bem orientadas, certamente contribuirão para o desenvolvimento da psicomotricidade no contexto do processo escolar. O brincar ensina a criança a lidar com as emoções. Por meio da brincadeira, a criança equilibra as tensões provenientes de seu mundo cultural, construindo sua individualidade, sua marca pessoal e sua personalidade. Portanto, o educador deve facilitar a aprendizagem utilizando atividades lúdicas que criem um ambiente alfabetizador a fim de favorecer o processo de aquisição de autonomia na hora do aprendizado. As atividades lúdicas, quando bem direcionadas, trazem benefícios que proporcionam saúde física, mental, social e intelectual à criança, ao adolescente e até mesmo ao adulto. 42 A importância do desenvolvimento da linguagem oral Que relação à linguagem oral tem com o desenvolvimento da leitura e da escrita? A fala é o principal instrumento de comunicação das crianças com os professores e os colegas. Hoje, compreende-se que todos precisam saber se expressar e usar a linguagem em variadas situações: conversas, entrevistas, seminários, ao telefone, entre tantas outras. Para desenvolver a comunicação oral desde cedo, é importante diversificaros assuntos tratados em sala de aula. O professor mediador pode propor aos alunos discutir uma peça de teatro, um filme, um fato recente ou até um texto científico. A importância do desenvolvimento da linguagem oral não se limita a questões ligadas aos relacionamentos sociais, como aprender a se comunicar, a expressar suas ideias, pensamentos e dúvidas. É fundamental também para o desenvolvimento cognitivo (Piaget), ligado ao aprendizado da escrita e da leitura. Por meio de um trabalho de desenvolvimento da oralidade, as crianças aprendem a distinção entre linguagem oral e escrita (quando percebem que o que está sendo lido não é exatamente igual ao que está sendo contado), permitindo organizarem o pensamento e a linguagem, e ampliarem o vocabulário, aprendendo a explicar, justificar, opinar e argumentar para defender seus pontos de vista. 43 O trabalho com a linguagem oral é fundamental também como preparação para a produção de textos, pois, mesmo no momento em que as crianças não escrevem convencionalmente, elas podem produzir textos oralmente trabalhando a organização de ideias, a topicalização dos fatos, a coerência, a organização discursiva dos textos. Dessa forma, percebe-se que o trabalho com a linguagem oral é pré- requisito fundamental, devendo estar presente em todas as aulas. 44 O desenvolvimento da linguagem escrita A construção da escrita caracteriza-se por ser um processo que ocorre nas interações sociais vivenciadas pela criança, isto é, na interação com os adultos, a qual não somente vai dando sentido à escrita da própria criança, como também contribui para que ela se torne "sujeito". Dessa forma, a alfabetização como prática social precisa lidar com textos reais e com as reais necessidades de leitura e escrita, para que as crianças percebam a função social de tal aprendizado e assim estabeleçam um diálogo com o mundo. A aprendizagem do uso da escrita, na escola, torna-se um aprendizado a mais: ser capaz de assumir sua palavra na interação com interlocutores que reconhece e com quem deseja interagir para atingir objetivos e satisfazer desejos e necessidades de comunicação. Portanto, é fundamental que, no processo de alfabetização, as crianças saibam as funções sociais e as finalidades da leitura e da escrita; precisam saber para que se aprende a escrever e a ler. Só compreendendo e praticando esse exercício é que a alfabetização terá sentido. 45 Que tipo de letras deve-se usar na alfabetização? A proposta de alfabetização e letramento deve naturalmente adequar- se às exigências da realidade atual. Nessa realidade, a letra de imprensa (Conhecida como letra de Caixa alta) está presente em todos os momentos da vida de crianças e adultos: nos livros, na televisão, nas revistas, nos jornais, nas embalagens, nos rótulos, no teclado do computador. Sendo assim, fica claro o papel social fundamental da letra de imprensa na alfabetização. Começar a alfabetização com letra de imprensa maiúscula é uma tentativa de respeitar a sequência do desenvolvimento visual e motor da criança. Esse tipo de letra, por ter um traçado mais simples, possibilita uma ampliação de tempo para pensar sobre a escrita dos diversos tipos de texto, das palavras e das letras que devem ser usadas para representar os sons. Algumas observações importantes em relação às letras: Letra de imprensa minúscula ou script É importante esclarecermos que essa letra é apenas para leitura, nunca para escrita. É importante que você esteja atento, pois, como algumas letras e também números apresentam formas semelhantes, diferenciando-se apenas pela posição espacial (b/d/p/q/g/6/9, u/n), algumas crianças confundem o fonema correspondente na hora de ler (dola/bola). 46 Letra cursiva maiúscula e minúscula A letra cursiva tem este nome por seu traçado obedecer a um curso, uma continuidade. É uma letra basicamente escolar, ou seja, usada predominantemente na escola. É importante que os alunos a conheçam para ler e, se possível, escrever. Mas algumas crianças não o conseguem, principalmente aquelas com Necessidades Educativas Especiais (NEEs). Por ela não ser encontrada nos escritos diários (jornais, revistas, livros, outdoor, computador etc.), seu uso exclusivo em sala de aula dificulta a leitura geral dos alunos. Mesmo assim, é importante que a criança aprenda o traçado correto desse tipo de letra e use a letra maiúscula com propriedade. Acima de tudo, seja qual for a letra usada, o essencial é que seja legível. Consciência fonológica e seu desenvolvimento O que é consciência fonológica? Como ela se desenvolve? Qual é sua importância para a alfabetização? A consciência fonológica pode ser definida como a habilidade de manipular a estrutura sonora das palavras, desde a substituição de determinado som até sua segmentação em unidades menores. É uma capacidade cognitiva a ser desenvolvida, uma vez que contribui para o processo de aquisição da leitura e da escrita. Sua importância está ligada à compreensão do princípio alfabético e ao desenvolvimento de habilidades, como o reconhecimento de sílabas e fonemas numa palavra. 47 Diversas formas linguísticas com as quais uma criança tem contato contribuem para a formação de sua consciência fonológica, dentre as quais se destacam músicas, cantigas de roda, poesias, parlendas, jogos orais e a própria fala. É de suma importância no desenvolvimento da consciência fonológica o trabalho com rima e aliterações. A rima é a identidade sonora que ocorre, geralmente, no final das palavras. Por exemplo, para rimar com sapato, a palavra deve terminar em ato; para rimar com café, a palavra precisa terminar somente em é. A equivalência deve ser sonora e não necessariamente gráfica, ou seja, as palavras massa e caça rimam, pois, os sons com que terminam são iguais, independentemente da forma ortográfica. 48 10 dicas de para iniciar o processo de alfabetização na Educação Infantil: 1 – Musicalização para bebês – Faixa etária: a partir de 1 mês de idade. Esta é uma atividade essencial para os pequenos, ainda nos berçários. Cantar cantigas, músicas de acalento, colocar músicas gravadas em CD ou massagear o corpinho ao som de música relaxante. 2 – Contação de histórias – Faixa etária: 2 a 5 anos – Após a história, as crianças são convidadas a dramatizar os personagens da história, inventando novas falas, repetindo os diálogos que mais gostaram e modificando o seu final. 3 – A letra é? – Faixa etária: 2 a 5 anos – Com as crianças sentadas em círculo, a professora apanha de um saco surpresa, objetos conhecidos dos pequenos. Lápis, escova de cabelo, boneca, bola, pipa… Os pequenos, tendo à frente letras emborrachadas, de plástico ou madeira, são provocadas a apontar a primeira letra que compõe o nome de tal objeto. 4 – Quando falo isso, você lembra de? – Faixa etária: 3 a 5 anos – O professor fala a palavra Futebol e uma criança fala: Bola. Daí a professora retoma: Bola lembra? Parquinho. E parquinho lembra? Areia e assim busca-se o desenvolvimento do raciocínio lógico e significação das palavras. 5 – Bingo dos nomes – Faixa etária: 3 a 5 anos – Os alunos recebem umaplaca com seu nome, separado por letras. O professor retira do saco letras do alfabeto. Na medida em que as letras saem, os alunos são convidados a colocar tampinhas com as referidas letras, em cima da placa com o seu nome. 49 6 – Dominó dos nomes dos colegas – Faixa etária: 2 a 5 anos – Feitos com caixas de leite e forrados com papel camurça, o dominó apresenta nomes e fotos dos colegas. Ao jogar, a criança aprende o nome dos colegas e também as letras que compõe seus nomes. Uma variação bem legal é trocar a foto por letras iniciais dos nomes dos colegas. 7 – Como é que se escreve? – Faixa etária: 4 a 5 anos – Após a contação de uma história, as crianças são provocadas a montar nomes dos personagens ou de objetos, buscando as letras em jornais e revistas. Em seguida vão procurar no texto do livro de história, uma frase onde esta palavra apareça e transcreve-la para uma folha e ilustre, buscando interpretar a escrita destacada. 8 – O nome é? – Faixa etária: 3 a 5 anos – As crianças saem, com o professor, nomeando partes significativas da escola. E colando plaquinhas com os seus respectivos nomes para sua identificação. Depois, com pranchetas, são provocadas a reescrever os nomes que reconheceram: PORTA, JANELA, ARMÁRIO dentre outros. 9 – Festival de poesia – Faixa etária: 3 a 5 anos – As crianças são convidadas a declamar pequenos poemas, selecionados pelo professor. Desta forma favorecemos a atenção, concentração e memória. 10 – Sequência de quadrinhos – Faixa etária: 2 a 5 anos – A professora disponibiliza uma sequência lógica e curta de quadrinhos (retirada de um gibi) e a criança refaz a cena, colocando-a em ordem sequencial crescente. Fonte: Guia Infantil 50 Quando uma criança encontra uma sala de aula preparada de forma a despertar o interesse pela leitura, pela escrita e pelo manuseio do material didático, as chances de sucesso são maiores para todos. “Brincar” com linguagem falada e com processo de aquisição da linguagem escrita, oferecer jogos, trabalhar com músicas, poemas, quadrinhos, imagens, obras de arte e atividades lúdicas, quando bem orientadas, certamente contribuirão para que o desenvolvimento do processo da alfabetização seja bem-sucedido e alcance os objetivos desejados. 51 O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA SEGUNDO EMILIA FERREIRO. Na aprendizagem inicial as práticas utilizadas são, muitas vezes, baseadas na junção de silabas simples, memorização de sons decifração e cópia. Tais maneiras fazem com que a criança se torne um espectador passivo ou receptor mecânico, pois não participa do processo de construção do conhecimento. Para Ferreiro (1996) a leitura e escrita são sistemas construídos paulatinamente. As primeiras escritas feitas pelos educandos no início da aprendizagem devem ser consideradas como produções de grande valor, porque de alguma forma os seus esforços foram colocados nos papéis para representar algo. O DESENVOLVIMENTO Segundo Ferreiro (1996, p.24) “O desenvolvimento da alfabetização ocorre, sem dúvida, em um ambiente social. Mas as práticas sociais assim como as informações sociais, não são recebidas passivamente pelas crianças”. 52 Pressupõe-se que a autora considera relevante que o aluno expresse seu pensamento acerca da escrita para que, sob as intervenções cabíveis, seja induzido a ponderações sobre a linguagem escrita e oral que o conduzem à norma padrão da língua. Emília Ferreiro aplicou sua teoria de investigação de aprendizagem da leitura e da escrita em crianças, e constatou que cada criança aprende segundo sua lógica. Fato esse abordado nas teorias do desenvolvimento de Piaget e Vigotsky, que já advertiam que o desenvolvimento cognitivo é um processo sequencial marcado por etapas caracterizadas por estruturas mentais diferenciadas. Embasada no legado dos referidos autores, Emília estudou minuciosamente a aquisição da linguagem escrita. Sendo um processo que envolve elaboração e evolução cognitiva, parece natural que o processo de domínio do letramento, assim como o desenvolvimento seja composto por níveis de estruturas mentais diferentes. Assim ela distinguiu os níveis pelos quais todos passam durante o processo de aprendizagem da escrita. Em suas análises, que foram de fundamental importância para a mudança das composições e concepções sobre o modo como as crianças aprendem, a referida autora delineou os níveis estruturais da aquisição da linguagem escrita da seguinte forma: 1) Nível Pré-Silábico 1: É a fase das garatujas, onde a criança não tem ideia da existência de um sistema convencional de representação da fala, e se expressa através de desenhos. 2) Nível Pré-Silábico 2: A criança já conhece algumas letras do alfabeto e já assimilou que se escreve com letras do alfabeto. É capaz de diferenciar gravuras de letras e números, e vai percebendo que é preciso variar os caracteres para obter palavras diferentes. 53 3) Nível Silábico: Pode ser dividido entre silábico com valor sonoro, silábico sem valor sonoro e silábico alfabético. 4) Nível Silábico: Sem valor sonoro: como o próprio nome já sugere a criança não leva em conta o som das letras. Compreende que há diferenças na representação escrita, utiliza-se do alfabeto para escrever, mas ainda não assimilou a forma padrão da grafia convencional. Escreve com a quantidade de letras corretas para representar uma palavra, mas sem levar em conta o som que as letras produzem. 5) Nível Silábico: Com valor sonoro: Admite que a escrita convencional esteja relacionada com o "som" das palavras, o que a leva a sentir a necessidade de usar uma forma de grafia para cada som. Utiliza os símbolos gráficos de forma aleatória, usando apenas consoantes ou só vogais. O grande salto dessa fase está em relacionar a linguagem oral à linguagem escrita e, definitivamente constituir a ideia de um sistema convencional de escrita. 6) Silábico-Alfabético: Convivem as formas de fazer corresponder os sons às formas silábica e alfabética. A criança oscila entre os dois níveis e tanto escreve silabicamente como alfabeticamente. 7) Nível Alfabético: A criança agora entende que a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras. A teoria de Emília abriu caminho aos docentes para a base científica nas formulações de novas propostas pedagógicas, demonstrando que é importante conhecer o que o alfabetizando pensa e sabe sobre a escrita, sendo possível através desse diagnóstico à reestruturação do ensino. 54 A autora desconsidera teorias pautadas no "ensinar", para dar espaço ao questionamento de "como se aprende" a ler e escrever. As teorias dominantes preocupam-se em desenvolver a aula, que é pautada na reprodução fiel de signos, sem considerar seus significados. O que se observa nesse tipo de metodologia é o professor a frente da sala, usando método expositivo, sem dar a devida relevância às estratégias de verificação daquilo que o aluno realmente internalizou sobre a escrita. A teoria de Emília Ferreiro possibilitou que através das hipóteses levantadas pelos alunos, o professor pondere a escrita individual, respondendo questionamentos importantes como: o que a criança já sabe sobre a escrita? Ela já relacionou fala e escrita? Já sabe que para escrever utilizamos letras? Estes questionamentos irão nortear o ensino na aquisição da
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