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texto 1 A Formação do Professor de História e o Cotidiano da Sala de Aula

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A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA E O
COTIDIANO DA SALA DE AULA: entre o embate, o
dilaceramento, e o fazer histórico
"Seja como for, a aula [de História] pode tomar-se um
pensamento em formação que continua a se criar diante
dos alunos, ou antes, com os alunos. Atividade, ade-
quação - é então o frescor, e não o mofo, o amarelecido
- o cheiro bom do frescor1 ".
Há uma década, o tema da relação entre a formação do professor de História
e o cotidiano da sala de aula já estava na pauta dos encontros, congressos e semi-
nários. Nestas discussões estava presente a necessidade de serem realizadas mu-
danças, com o objetivo de se superar o ensino tradicional de História.
Os debates levaram ao enfrentamento das questões, principalmente em duas
direçõe~ modernização dos currículos de 10, 2°e 3° graus e a qualificação e atuali-
zação de professores de História. Muitos esforços, recursos humanos e financeiros
foram e estão sendo dispendidos neste sentido, em vários Estados do Brasil, por
parte de Secretarias de Educação, Instituições de Ensino Superior e de 1°e 2° graus.
Houve mudanças significativas e deve-se congratular com todos que, indivi-
dual ou coletivamente, contribuíram e têm contribuído para a melhoria no ensino de
História em todos os niveis.
No entanto, no que se refere á prática cotidiana do professor de 1°e 2° graus,
isto é, àquela instância denominada sala de aula, as mudanças, de modo geral,
.
d Profes.sora Assistente II da Universidade Federal do Paraná, Setor de Educação, Departamento de Méto-
10S e Tecmcas da Educação. da disciplina Metodologia e Prática de Ensino de História.
SNYDERS, Georges. Feliz na Universidade. RJ: Paz e Terra, 1995. PÁG. 121.
Um grande conjunto de variáveis pode ser responsabilizado pelo relativo in-
sucesso da renovação do ensino de História, destacando-se, principalmente, o des-
caso a que vem sendo submetida a educação brasileira por parte das autoridades
governamentais. Na verdade, pode-se afirmar que o quadro negro ainda persiste na
educação brasileira, inclusive, e muitas vezes, como único recurso, na formação do
professor e no cotidiano da sala de aula. E é neste contexto que se pode falar do
significado da formação do professor e o cotidiano da sala de aula, dos seus dilace-
ramentos, embates e do fazer histórico.
Há muito se fala da rudeza do oficio de professor e isto se aplica com perti-
nência ao professor de História. A sua formação não é, necessariamente, num curso
de História, mas também em outro curso da área de Ciências Humanas como Filo-
sofia, Ciências Sociais etc... Esta formação, via de regra, começa e termina no curso
de graduação. Formado, o professor de História, como tantos outros, envolve-se
com encargos familiares, com a luta pela sobrevivência. Quase sempre, não dispõe
de tempo e nem de dinheiro para investir em sua qualificação profissional. Seu coti-
diano é preenchido com múltiplas tarefas; seu tempo de viver é fragmentado, dilace-
rado entre preocupações muitas vezes contraditórias, com a sua profissão, família e
progresso cultural.
A imagem do professor de História é, geralmente, marcada pela ambigüida-
de. Ora é visto como sacerdote; ora espera-se que seja um profissional da ciência,
parteiro da nação, da revolução, militante, porta-voz do verdadeiro passado ou ap.a-
nhador de diferenças, de indeterminados2.
A sua identidade oscila entre a do professor difusor e transmissor de conhe-
cimentos e o de produtor de saberes e de fazeres, sabedor de que
"Ensinar é, antes de mais, fabricar artesanalmente os sa-
beres, tomando-os ensináveis, exercitáveis e possíveis
de avaliação no quadro de uma turma, de um ano, de um
2 A propósito destas reflexões, ver PINSKY, Jaime. Nação e ensino de História; NADAI, Elza. O ensino de
História e a pedagogia do cidadão; MICELI, Paulo. Por outras histórias do Brasil. In: O ensino de História e
a criaçao do fato. SP: Contexto, 1988.
horário, de um sistema de comunicação e trabalho3".
Espera-se que ele seja o promotor da união entre a competência acadêmica
(dominio dos saberes) e a competência pedagógica (domínio da transmissão do
saber)4, aliando competência, convicções e experiências de vída. A sua autoridade
residiria, também, na capacidade de estabelecer uma espécie de comunicação indi-
vidual com o seu aluno, levando-o à uma intimidade com um certo passado ou,
quem sabe, até com um determinado presente.
Os dilaceramentos atingem também os alunos em sua condição de receptá-
culos de informações, conteúdos, currículos, livros e materiais didáticos na maioria
das vezes desinteressantes, que eles lutam por decifrar, entender. .. Por isto, ainda
escuta-se o ressoar de suas queixas, revoltas, apatias e embates.
Agente de recusa e de contestação, o aluno é, também manifestação de in-
segurança, de temor ante os instrumentos de poder aos quaís é submetído: exames,
julgamento dos colegas e professores. Na relação pedagógica, o aluno busca a
autonomia, busca convencer-se por si mesmo da validade do que lhe é proposto,
pensar por sí mesmo, ser reconhecido, ser libertado em sua originalidade na com-
preensão e no resgate de sua história.
O professor de História preocupa-se em exteriorizar o que sabe, tornar explí-
cito o seu pensamento e a sua emoção. Ao mesmo tempo, ele vive a insegurança
em relação à juventude dos seus próprios alunos e à defasagem entre a sua própria
formação e o aceleramento contínuo dos novos estudos e pesquisas do conheci-
mento histórico.
É no espaço da sala de aula que professores e alunos de História enfrentam
os seus embates. Trava-se um embate em que o professor, novidadeiro do passado
e da memória, sente-se com a possibilidade de guiar e dominar em nome do conhe-
cimento. Mas, ao mesmo tempo, ele se sente como igual e completamente aberto
para os problemas e projetos dos seus alunos.
Na sala de aula, realiza-se um espetáculo cheio de vida e de sobressaltos.
Cada aula é uma aula. Neste espetáculo, a relação pedagógica
3
.PE~RENOUD citado por SOARES, Maria Teresa Carneiro. Matemática escolar: a tensão entre o discurso
Cienlificoe o pedagógico na ação do professor. SP: USP, Faculdade de Educação, 1995, tese de doutora-
:ento, mimeo, pâg. 4.
A relação entre o discurso acadêmico, o discurso pedagógico e a prática de sala de aula, foi discutida
nesta perspectiva por SOARES, M. T. C. ob. dI.
"é basicamente diferente das relações puramente afeti-
vas, das outras relações afetivas: ela comporta uma
dose igual de apego ou mesmo de admiração, certo
modo de enraizar na pessoa do mestre, de acender ao
seu contato - e desprendimento, com algo de estrito que
pode ir até a frieza, já que se trata, em todos os sentidos
do tenno, de progredir numa 'disciplina' e, portanto, de
endossar exigências rodes; por outro lado, a relação
não é, não deve resvalar para o dueto: ela é, por essên-
cia, plural. Nesta relação, o professor fornece a matéria
para raciocínios, ensina a ráciocinar, mas acíma de
tudo, ensína que é possível raciocina,s".
O professor de História pode ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de
trabalho necessárias; o saber-fazer, o saber-fazer-bem, lançar os germes do históri-
co. Ele é o responsável em ensinar o aluno a captar e valorizar a diversidade dos
pontos de vista, de provar que cada um tem a sua razão de ser, e não apenas de
justificá-Ios todos no mesmo nível e teimar em aniquilá-Ios em beneficio de uma só
idéia tirânica. A ele cabe ensinar o aluno a levantar problemas e reintegrar o proble-
ma levantado num conjunto mais vasto de outros problemas, procurando, em cada
aula de História transformar temas em problemáticas.
Ensinar História passa a ser, então, dar condições para que o aluno possa
participar do processo do fazer, do construir a História. É fazer o aluno entender que
o conhecimento histórico não se adquire como um dom - como comumente ouve-se
os alunos afirmarem: "eu não dou para aprender História"-nem mesmo como uma
mercadoria que se compra bem ou mal.
A aula de História é o momento em que, ciente do conhecimento que possui,
o professor pode propiciar a seu aluno a apropriação do conhecimento histórico
existente, através de um esforço e de uma atividade na qual ele retome a atividade
que edificou esse conhecimento.
É, também, o espaço em que um embate é travado diante do próprio saber -
de um lado, a necessidade do professor ser o produtor do saber, de ser participe da
produção do conhecimento histórico, de contribuir pessoalmente. De outro lado, a
opção de tornar-se apenas um eco do que os outros já disseram.
Dilaceramentos e embates podem ser capturados em sua concreticidade no
grande espetáculo que é a sala de aula. Isto porque a aula não é, apenas, um espa-
ço de transmissão de informações, mas uma relação de interlocutores que constro-
em sentidos. Trata-se de um espetáculo impregnado de tensões, onde se torna
inseparável o significado da relação teoria e prática, ensino e pesquisa e se eviden-
cia, de forma mais explícita, os dilaceramentos da profissão de professor e os em-
bates da relação pedagógica.
No que se refere ao fazer histórico e o fazer pedagógico, um elemento se
destaca no conjunto dos desafios enfrentados pelos educadores na sala de aula, e
pode ser lembrado como necessário à formação do professor de História: - realizar a
transposição didática dos conteúdos e do procedimento histórico e também da rela-
ção entre as inovações tecnológicas e o ensino de História.
A noção ou o conceito de transposição didática, forjado "em sua origem por
um sociólogo e iniciado pelas didáticas das matemáticas
ndesigna o processo de transformação científica, didática
sacia:, que afeta os objetos de conhecimento até a sua
tradução no campo escolar. Ele permite pensar a trans-
formação de um saber dito científico em um saber a ensi-
nar, tal qual aparece nos programas, manuais, na palavra
do professor considerados não somente científicos ... Isto
significa, então, um verdadeiro processo de criação e não
somente de simplificação, de redução ... Nós preferimos
empregar um termo que marca mais fortemente este pro-
cesso, o de recomposição didática6n.
A reflexão acerca da transposição didática ou recomposição didática do pro-
cedimento históric07 implica, ainda, em apontar uma certa ordem de questões. Em
6 L'analyse didactique du role des supports informatifs dans I'enselgment de "histoire et de Ia geo-
~raPhie. INRP - Institut National de Recherche Pedagogique. Équipe de didactique des Sciences Humaines.
7ans France, 1992, p. 14.
Algumas considerações acerca do procedimento histórico e o ensino de História foram feitas por MARSON,
~dalberto. Reflexões sobre o procedimento histórico. IN.: Repensando a História. Rio de Janeiro, marco
ero, 3' Ed., sld., págs. 37-64.
primeiro lugar, é preciso diferenciar esta prática de outras constitutivas da formação
do professor e do cotidiano da sala de aula.
É normal, por exemplo, que no dia-a-dia do magistério, sejam consideradas
como sinônimas palavras como procedimento histórico, método didático, técnicas,
recursos, materiais e estratégias de ensino. Todas elas, é claro, referem-se a um
conjunto de ações necessárias às atividades didáticas.a.
Etimologicamente a palavra método vem do grego meta = até e odos = cami-
nho e, na Didática Geral tem significado os meios postos em prática, racionalmente,
para a obtenção de um resultado determinado. Existem, por exemplo, métodos didá-
ticos como o de Decrofy - os centros de interesse - que influenciaram, no ensino de
História, as propostas de observação e estudos de meio; os métodos de projetos, de
Kilpatrick ou os denominados de "técnicas de Frenet". Além destes exemplos, pode-
se fazer referência à aplicação, no ensino de História, de métodos de aprendizagem
por repetição, por descobrimento, métodos etnográficos ou descritivos, de resolução
de problemas como estudos de caso e métodos de investigação, entre outros.
O conceito de método é mais amplo do que o de técnica. As técnicas didáti-
cas são os instrumentos ou ferramentas considerados úteis para o processo de
ensino-aprendizagem. Trata-se de um recurso didático, por exemplo, a utilização de
um filme através do vídeo cassete.
Os recursos são os materiais de que se dispõe para a ação didática. Entre
eles estão os recursos humanos em que se destaca a figura do professor.
Podem ser denominadas estratégias de ensino todas as formas de se organizar
o saber didático através de meios como o trabalho em grupo, aulas expositivas, etc.
O que se persegue, com relação à transposição didática do procedimento
histórico é algo diferente, ou seja, é procurar a realização na sala de aula da própria
atividade do historiador; buscar a articulação entre elementos constitutivos do "fazer
histórico" e do fazer pedagógico. Assim, o objetivo é fazer com que o conhecimento
histórico seja ensinado de tal forma que dê ao aluno condições de participar do pro-
cesso do fazer, do construir a história. que ele possa entender que a apropriação do
conhecimento é uma atividade que em se retoma ao próprio processo que elaborou
este conhecimento.
a Uma diferenciação sobretudo didática destes conceitos foi feita por SUAREZ, Florencio Friera. Didáctica
de Ias ciencias sociales. Madrid. Ediciones de Ia Torre, 1995.
Este é um caminho da educação histórica, da qual a sala de aula é um espa-
ço privilegiado, que pode possibilitar a desnaturalização de uma visão critica do
passado que está presente em nossas vidas, podendo até se concluir que
"ser historicamente ignorante é simplesmente ser ignorante9".
A transposição didática do "fazer histórico" pressupõe, entre outros procedi-
mentos, que se trabalhe a compreensão e a explicação histórica. Podem ser prioriza-
dos alguns pontos da explicação histórica para serem transpostos para a sala de aula
e comporem o que se denominaria a Educação Histórica. Destacam-se a problemati-
zação, o ensino e a construção de conceitos, a análise causal, o contexto temporal e o
privilegiamento de exploração do documento histórico. É preciso, no entanto, estar
atento à especificidade e à originalidade da própria explicação histórica 10.
A perspectiva da problematização histórica, ao ser transposta para o insino,
trás múltiplas possibilidades e também questões. Pode significar desde a capacida-
de mais simples de construir uma problemática com relação a um objeto de estudo,
a partir das questões postas pelos historiadores e pelos próprios alunos. Pode tam-
bém significar simples indagações ao objeto de estudo, como: Porquê?, Como?,
Onde?, Quando?
Na prática da sala de aula, a problemática acerca de um objeto de estudo
pode ser construída a partir das questões colocadas pelos historiadores ou daquelas
que fazem parte das representações dos alunos, de forma tal que eles encontrem
significado no conteúdo que aprendem. Desta maneira pode-se conseguir dos edu-
candos uma atitude ativa na construção do saber e na resolução dos problemas de
aprendizagem. É preciso que se leve em consideração, inclusive, o fato de que a
própria história coloca questões que ela própria não consegue responder e de que
há inúmeras interpretações possíveis dos fatos históricos. Neste caso, a problemati-
zação é um procedimento fundamental para a educação histórica.
A análise causal é outro elemento a ser destacado. O ensíno tradicional expli-
cava a História a partir da identificação das causas longínquas e imediatas dos fatos
históricos. A partir desta visão de ensino e do próprio conhecimento histórico, as no-
ÇÕesde casualidade levaram, muitas vezes, a uma perspectiva teleológica e intencio-
nal da História. Sem perder de vista a complexidade desta questão, é importante pos-
9
DOMINGUES, Jésus. EI lugar de Ia História en el curriculum. Um marco general de referencia. In CARRE-
;~RO, Mario et alli. La ensenanza de Ias Ciências Sociales.Madrid. Visar, 1989.
SObrea explicação histórica, Ver VEYNE, Paul. Como se escreve a história. São Paulo, Martins Fontes,
1971.
sibilitar aos alunos a compreensão de que os acontecimentos históricos não podem
ser explicados de maneira simplista. É necessário fazê-Ios entender que numerosas
relações, de pesos e características diferentes, interferem em sua realização.
Ainda mais, é preciso buscar a explicação na multiplicidade, na pluralídade e
no encadeamento de causalidades, sem a preocupação com a determinação fina-
lista de causa-acontecimento-consequência.
Na história, como em outras ciências sociais, a questão da causalidade é
bastante complexa, por isto
"as causas em História, naquilo que poderíamos chamar
em sua acepção tradicional, vem a ser somente as con-
dições necessárias para o aparecimento do efeito11".
Muito mais que as determinações causais, é importante levar o educando à
compreensão das mudanças e permanências, das continuidades e descontinuidades.
Estas noções são fundamentais na sua educação históricas e exigem, por
parte do professor, uma grande atenção aos diferentes ritmos dos diferentes ele-
mentos que compõem um processo histórico, bem como às complexas interrelações
que interferem na compreensão dos processos de mudança social.
O procedimento histórico comporta, ainda, a preocupação com a construção
e historicidade dos conceitos, bem como com a contextualização temporal.
Entende-se que, da.mesma forma que o passado está incorporado em gran-
de parte dos nossos conceitos, ele também Ihes dá um conteúdo concreto. Assim,
todo conceito é criado, datado, tem a sua história. Portanto, a construção dos con-
ceitos, como Renascimento, humanismo, totalitarismo faz parte dos procedimentos
no ensino da história. Trata-se de um trabalho de elaboração de grades conceituais
que poderão, de alguma forma, permitir que o aluno analise, interprete e compare os
fatos históricos, construindo a sua própria síntese.
Existe um consenso entre a maioria dos historiadores que o passado não
pode ser resgatado tal qual ele aconteceu e ele só pode ser reconstruído em função
das questões colocadas pelo presente. Assim também é consensual que, para re-
construir o passado, o historiador manipula as características essenciais do tempo: a
sucessão, a duração, a simultaneidade.
Para reconstruir o passado, o acontecimento no tempo, os historiadores ma-
nipulam as caracteristicas essenciais do tempo: a sucessão, a duração, a simulta-
neidade. Além disto, os próprios historiadores têm reconstruido o passado a partir de
periodizações e recortes temporais, bem como têm tentado apreender a temporal i-
dade própria das várias sociedades.
Assim, dominar, compreender e explicitar os critérios de periodização histórica,
das múltiplas temporalidades das sociedades, bem como tornar efetiva a aprendiza-
gem da cronologia, são também desafios do procedimentos histórico em sala de aula.
Finalmente, um dos elementos considerados hoje imprescindíveis do proce-
dimentos histórico em sala de aula é, sem dúvida, o trabalho com as fontes ou do-
cumentos. A ampliação da noção de documento e as transformações na sua própria
concepção atingiram, diretamente, o trabalho pedagógico.
Segundo os princípios da História denominada positivista, e numa perspecti-
va tradicional do ensino, o uso escolar do documento tem servido para destacar,
exemplificar, descrever e tornar inteligível o que o professor fala. Ele tem servido de
ilustração para que o professor enuncia.
A partir das renovações teórico-metodológicas da História, bem como das
novas concepções pedagógicas, o uso escolar do documento passou a estimular a
observação do aluno, a ajudá-Io a refletir e não pode ser considerado de uso exclu-
sivo do professor. Neste caso, o documento pode servir para tornar o ensino menos
livresco, para ajudar o professor a tornar mais viva a sua narrativa e o aluno a se
manter ativo.
A partir destas renovações, o aluno tem sido levado a construir o sentido da
história e a descobrir os seus conteúdos através dos documentos, porque o conhe-
cimento não deve ser fomecido exclusivamente pelo professor12.
As mudanças têm sído importantes para fazer com que os alunos passem da
fase da análise, observação e descrição do documento para uma fase em que este
sirva para introduzi-Io no método histórico. Outro aspecto a destacar é que elas
podem levar à superação da compreensão do documento como prova do real, para
entendê-Io como documento figurado, como ponto de partida do fazer histórico na
sala de aula. Isto pode ajudar o aluno a desenvolver o espíríto crítico, reduzir a inter-
12
Acerca das novas concepções do documento e do seu uso escolar são importantes as reflexões detEDUC, J., ALVAREZ·MARCOS, V.,LLEPELLEO, J. Construire I'histoire. France: Midi-Pyrinées, Bertrand-
acoste, 1994, págs. 37-49.
venção do professor, bem como reduzir a distância entre a história que se ensina e a
história que se escreve.
Importa, ainda, diferenciar aquelas fontes ou documentos elaborados com a
finalidade de transmitir os conteúdos do saber disciplinar, como os textos e filmes
didáticos, etc ... dos documentos propriamente ditos que podem ser utilizados com
finalidades didáticas. Estes podem ser considerados como elementos que possibili-
tam a construção de saberes e significados e não existem em si mesmos, mas a
partir de problemáticas, olhares e questões que lhe são colocadas. Assim,
"pode-se denominar suportes informativos todo conjunto
de signos, principalmente de textos, que se apresentam
como um saber constituido e se dão a ver e a ler como
uma fonte de informações sobre um objeto determinado.
O texto de um manual, um fragmento de um livro, de jor-
nal, um dossier documentário tratando de um objeto
dado, mas também uma curva estatística, um quadro, um
mapa ou plano produzido com o objetivo de uma comuni-
cação de informações disciplinar, serão considerados
como suportes informativos. Da enciclopédia ao atlas,
passando pelo manual escolar, todo discurso produzido
com a intenção de comunicar os elementos do saber dis-
ciplinar pertencem à esfera dos suportes informativos.
Estes suportes se apresentam com informativos, descriti-
vos, analíticos ou sintéticos. Por oposição aos suportes
informativos, nós a definiremos "documento" todo con-
junto de signos, visual, textual, produzido numa perspec-
tiva diferente da comunicação de um saber disciplinar,
mas utilizado com fins didáticos ... os signos que não são
reconhecidos como tais senão quando inseridos no qua-
dro de uma problemática científica13".
A transposição didática das inovações tecnológicas é, atualmente, uma outra
questão fundamental e imprescindível no ensino de História, trazendo consequênci-
as imediatas e complexas tanto para a formação dos professores como para a práti-
ca de sala de aula.
É sabido que a sociedade contemporânea, particularmente a partir da segun-
da metade deste século, produziu um aumento substancial de informações e de
tecnologias usadas em sua gestão, podendo-se até afirmar que
"estamos a nos afogar em infon:nações, mas sedentos
de conhecimentos14".
Isto significa que, apesar do crescente aumento da informação e dos meios
de difundi-Ia e gestioná-Ia ocorre, paralelamente, um aumento da distância entre os
que sabem e os que não sabem articula-Ias, pensa-Ias, refleti-Ias.
Da mesma forma, constata-se a presença direta ou indiretamente, na escola
e na sala de aula, das novas tecnologias de informação - desde a imprensa, televi-
são, video, etc ... até o computador, que pode sintetizar todos eles. Assim,
"até o momento atual os professores têm tido acesso a
um conjunto de meios de caráter diversificado, de uma
forma geral utilizados isoladamente - os livros, o gravador
de vídeo, o gravador de áudio, o retroprojetor, o projetor
de diapositivos, o computador. O termo multimedia apa-
rece normalmente associadoà utilização, num mesmo
projeto de trabalho, de diferentes tipos de media. Se pen-
sarmos na etimologia da palavra ela é, à partida, repetiti-
va. Se o termo media é, em latim, o plural de medium,
acrescentar-lhe multi é dizer duas vezes a mesma coisa
... Nos anos 80 o termo multimedia, era normalmente uti-
lizado para definir uma coleção de diferentes media ...
para descrever um package de informação transmitida
sob diferentes formas: texto, cassete, áudio, vídeo, etc ...
Nos anos 90, com o aparecimento de computadores pes-
soais que permitem acender e gerir informação áudio e
vídeo, o termo multimedia passa a ter um novo significa-
do. Os avanços tecnológicos possibilitam agora armaze-
nar diferentes elementos, provenientes de fontes diversifi-
cadas, num único medium, por exemplo, compact disc 15".
14
FIGUEIREDO, Antonio Dias. Citado por SOUZA, Ana, PATO, Aureliana, CANAVILHAS, Conceição. Novas
estratégias, novos recursos no ensino de História. Rio Tinto, Portugal: Edições Asa, 1993, pág. 25.
15
SOUZA, Ana, PATO, Aureliana, CANAVILHAS, Conceição. Ob. cit. págs. 46-47.
A relação da escola com estas novas tecnologias, via de regra, têm sido Con-
traditórias. De um lado, um certo sentimento de repulsa, no sentido de que
"a instituição é capaz de neutralizar ou de desviar todas
as medidas destinadas a transforma-Ia 16".
Por outro lado, quando acolhidas pelos educadores, tais inovações tecnológi-
cas têm, normalmente, sido usadas como técnicas de ensino, estratégias para pre-
encher ausências de professores ou como recursos para tornar as aulas menos
enfadonhas. Tratam-se de adequações superficiais, na medida em que
"a inovação não é um produto. É um processo. Uma
atitude. É uma maneira de ser e estar na educação 17".
Estudos e pesquisas atuais apontam para a necessidade do redimensiona-
mento de tais práticas, bem como em direção à priorização de reflexões acerca das
especificidades e das linguagens próprias das novas tecnologias de informação. Elas
deverão ser retomadas à luz das novas teorias das ciências humanas e pedagógicas.
Mais do que nunca, têm-se o entendimento de que
"os modos de produção das imagens remetem à um pro-
blema de natureza epistemológica que teve sua origem
com a invenção do aparelho fotográfico, primeira máquina
a registrar as imagens do mundo sensível por um proce-
dimento mecânico. A natureza mesma destas imagens,
as relações que elas estabelecem com a realidade, as
diferenciam radicalmente de outros tipos de imagens. O
cinema e o vídeo dependem do mesmo modo de existên-
cia que a fotografia ... Por outro lado, as tecnologias de
informação e sua interação com aquelas audiovisuais
provocam novas e profundas modificações na produção,
tratamento, acesso e estocagem de imagens ... Estas mo-
dificações fizeram surgir numerosas questões no domínio
do visual e interferiram também no mundo da arte, das
ciências, da comunicação e do ensino. Elas suscitam no-
vas representações, novas práticas sociais. Das imagens
16 BORDIEU. Pierre. Propostas para o ensino no futuro. Cadernos de Ciências Sociais. College de
France. Lisboa: Afrontamento, 1987. pág. 101.
17NOVOA, Antonio. Inovação para o sucesso educativo escolar. Lisboa: Aprender, n. 11, 1988, p. 5.
científicas às realizações artísticas, passando pela ima-
gem publicitária, ou a retransmissão direta dos eventos li-
gados à atualidade, se estabeleceu uma nova relação do
grande público com o conhecimento e o imaginário coleti-
vo. Como o ensino pode apreender, em seus conteúdos e
métodos, uma tal evolução?18".
Além disto, constata-se que, neste processo, não basta ater-se às caracteris-
ticas e potencial idades próprias das novas tecnologias, mas também refletir e reto-
mar a sua interação com os currículos e com a prática pedagógica em sua totalida-
de. Na verdade
"a interação destes novos meios didáticos no curriculum
poderá conduzir a mudanças mais ou menos profundas
no processo educativo, nomeadamente na definição das
finalidades educacionais, na organização e estrutura
curricular, na organização dos tempos letivos, nas me-
todologias, estratégias e atividades a implementar, quer
na sala de aula, quer fora dela, nos processos de avali-
ação e nos equipamentos escolares. Conseqüente-
mente poderá levar a transformações nos programas de
formação de professores e produzir efeitos no processo
de aprendizagem dos alunos".
Parece que, para que a prática de sala de aula adquira "o cheiro bom do
frescor" é preciso que se assuma definitivamente, os desafios que a educação his-
tórica enfrenta hoje em dia. Esta seria uma das formas de se contribuir para que os
educandos se tornem conhecedores da plural idade de realidades presentes e pas-
sadas, das questões do seu mundo individual e coletivo, dos diferentes percursos e
trajetórias históricas. É importante, também, para que ele adquira a capacidade de
realizar análises, inferências e interpretações acerca da sociedade atual, além de
aprender a olhar a si próprio e ao redor com olhos históricos, resgatando, sobretudo,
o conjunto de lutas, anseios, frustrações, sonhos e a vida cotidiana de cada um, no
presente e no passado.
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