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1 DISCIPLINA: TÓPICOS DE HISTÓRIA CULTURAL DO MUNDO ANTIGO II PROFESSOR: LUIZ OTÁVIO DE MAGALHÃES Elomar Figueira Mello e o Auto da Catingueira: Cultura oral e cultura erudita no sertão do Rio Gavião Sinopse O Auto da Catingueira é uma ópera em cordel, tendo seu corpo composto de Bespa e Cantos. A Bespa, espécie de prefácio ou introdução é o que seria o Prólogo na ópera europeia. Os atos desta, aqui no Auto, se apresentam em forma de cantos, em número de cinco. Na Bespa, um cego cantador vindo de longe guiado por um menino, chega à casa de um certo fazendeiro na caatinga e dá início à narrativa da história de uma moça muito bonita que vivia a pastorar cabras pelos ermos da caatinga, em tempos mui pretéritos – não se sabe quando. Bespa Narrador Sinhores dono da casa o cantadô pede licença prá puchá a viola rasa aqui na vossa presença prás coisa qui vô cantano assunta imploro atenção iantes porém eu peço a Nosso Siô a benção iantes porém eu peço a Nosso Siô a benção. Pois sem ele a idea é pensa pru cantá e prú tocá é mensa a mão. Prá todos qui istão me ouvino istendo a invocação Sinhô me seja valido inquanto eu tivé cantano pra qui no tempo currido cumprido tenha a missão... Foi lá nas banda do Brejo muito bem longe daqui qui essas coisa se deu num tempo qui num vivi nas terra qui meu avô herdô de meu bisavô e pai seu. Dindia contô cuan’meu avô morreu Minha avó contô cuan’meu avô morreu e hoje eu canto para os filhos meus e eles amanhã para os filhinhos seus... Nessa terra há muitos anos viveu um rico sinhô dono deu um grande fecho Zé Crau cantô mais Alexo honras viva de sua mesa: treis son Sarafin treis son Balancesa treis son Sarafin treis son Balancesa. Suas posse era tanta qui se a memóra num erra vi dizê que ele tinha mais de cem minreis de terra, ai. Nos tempos desse sinhô Dindinha contô pra mim viveu Dassanta a fulô filha de um tal cantadô Anjos Alvo Sinhorin Anjos Alvo Sinhorin dele o qui pude apurá foi o relato d’um vaquêro neto de um marruêro matadô de marruá qui era cumpaiêro seu nos Campo do Sete Istrêlo No campo do sete istrêlo Malunga e violero Ranca-tôco de ribada Séro distimido e ordêro Num gostava de zuada Rematô o velho na fêra Manso passô a vida intêra Mais morreu sem temê nada ai Primeiro Canto: Da Catingueira Neste primeiro canto, o narrador dá dados biográficos ao tempo em que fala do lugar onde nasceu a catingueira, onde se batizou, de seus pais etc. e, sobretudo, de sua grande beleza, cujo oráculo – preconizado por videntes e cegos cantadores de feira diziam que esta beleza lhe traria um fim precoce e terrivelmente trágico. Dassanta é o seu nome. Ela nasceu na Lage do Gavião nua quadra iscura de janêro nua noite de chuva e de truvão 2 e no mei do mais grande aguacêro batizou-se na Vila do Poção na igreja do Santo Padruêro nua quadra iscura de janêro nasceu Dassanta do Gavião. Nua noite de relampo e truvão resolvêro fazê o sacramento seu pai quéla e cum facho na mão sua mãe muntada num jimento sairo no mei da iscurdão sofreno mais cum muit’ contentamento. Nua quadra iscura de janêro e no mei do mais grande aguacêro resolvêro fazê o sacramento. Dispois que a manhã era chegada eles tomem chegaro nu lugá a minina tava toda moiada levaro intonce prá batizá e logo adispois do sacramento seu pai foi percurá o iscrivão prá pudê fazê o assentamento da era dela na lei do Poção o cujo foi quem falô primeiro vai te custa cinco mili réis apois o pai dela era um vaqueiro qui num ganhava nem um derréis e o puquim qui sua mãe levô o vigaro abocô num inviéis pegaro intonce a boca da istrada cuns instambo cheio de vento. Dassanta recebeu o sacramento mais nunca teve a era assentada. Conta as pessoa mais velha qui Dassanta era bunita qui mitia medo tia nos olho a febre perdedêra qui matava mais qui cobra de lajedo os pé piqueno e os cabelo cumprido embaixo do vestido um bando de segredo rica das mão vazia qui tia de um tudo e nada possuía apois seu pai era um pobre vaquêro qui ficô cego bem môço cuan’tia o pé ligêro o corpo manêro e o rompante grosso. Nasceu e se criô no sei da Catinga na terra sêca de Nosso Sinhô onde nem todo ano a planta vinga foi Deus qui um dia assim determinô apois nesse chão onde o cristão num xinga nem o cangacêro lá nunca pisô. Lá de vêis incuano um jagunço Pinga vino das banda do Mato-Cipó... As relegião qui eu canto as mendinga canta qui Jesus nela passô cuano o Rei das Treva e das mandiga pirsiguia o Prinspe Salvadô... Pagano os rasto dele na Catinga ia as pombinha fogo-pagô ai nessa terra qui é véa e qui é minina donde as lubrina lá nunca chegô a siriema braba das campina. No sei da Catinga nasceu e criô. Mais o pió qui era qui sua buniteza virô u’a besta fera naquelas redondêza in todas brincadêra adonde ela chegava as mulé dançadêra assombrada ficava já pois dela nas fêra os cantadô dizia qui a dô e as aligria na sombra dela andava e adonde ela tivesse a véa da foice istava a véa da foice istava in toda as brincadêra adonde ela ia iantes dela chegava na frente as aligria dispois só uvia era o trincá dos ferro. As mãe soltando uns berro chorano maldizia e triste no ôtro dia era só chôro e intêrro chôro e intêrro, chôro e intêrro chôro e intêrro, chôro e intêrro. Dassanta era bunita qui inté fazia horrô no sertão pru via dela muito saingue derramô conta os antigo quela dispois da morte virô passo das asa marela jaçanã pomba-fulô fulô rôxa do Panela só lá tem essa fulô. Dispois da morte virô passo japiassoca assú dispois da morte virô passo japiassoca assú passo japiassoca assú passo japiassoca assú. Dispois da morte virô passo japiassoca assú passo japiassoca assú passo japiassoca assú. Segundo Canto: Dos Labutos Este canto trata do dia a dia dos fazeres e labutares de Dassanta que, sendo por certo a mais velha (18 anos) dentre os irmãos, a ela cabia guardar o rebanho. Então, pastora tangerina levava as cabras a pastorar longe de casa, durante os dias no período em que o verde começava a escassear. E durante o período da seca, o rebanho – que era cuidado pelos irmãos menores – pastava no fecho, nas proximidades da casa. Nesta quadra, sem ter descanso, ela ia com os pais para a desmancha de mandioca, também longe, nas terras amarelas, encosta do mato-cipó. 3 Lagoa da Tinquijada pasto das cabra lijêra siguino os rebãin donde vai no poço da catingueira bem longe da casa dos pai Dassanta burrêga marrã passava vigiano os rebãin de seu sinhô todas manhã e tomem as tarde intêra... Se alevantava c’os aruvai curria pru chiquêro abria portêra se ajuelhava pidia a bença ao pai panhava o café o assuca e a chiculatêra botava água na cumbuca e o balaizim de custura ispindurava na cintura e rumpia facêra boian boian chiquê chiquê minhas cabria lambancêra e as veis ela se alembrava das moda qui seu pai cantava e ôtras qui aprendeu nas fêra e cuan’ a sêca chegava as cabra ia prus fêcho qui ficava reservado e a mucana assim deixava de piligriná nos êxo e vagá pelos serrado. Seu pai lhe ricumendava vai nos pano tira uns lãin pega maiado e martelo junta os trem cum tua mãe ela no casco eu in pelo num carece toma bãin basta ajeitá os cabelo junta a traia siazia ferramenta côcho e prancha albarda o casco in martelo se o Sinhô fô primitido inda hoje nóis arrancha no pôso do Sete Istrêlo. Foi lá qui nua desmancha qui ela cunheceu um tropêro moço e muito viajado nas istrada do sertão qui ali chegô cansado nua bespa de São Juão. Dispois de tê arranchado e agasaiado a tropa foi no ôi d’água tomô um bãin e logo trocôde rôpa calçô um pá de butin novo e muito riluzente botô no bolso um jasmim um lenço branco e um pente e preparado assim tava qui mitia medo fermoso feito um gaiêro xotano in noite de lua pelos alto do lajêdo infestano as mão sua tinha cinco anel nos dêdo... Já a foguera tava acesa todo mundo no terrêro festejava São Juão foi cuan entrô tropêro feito um prinspe feiticêro foi aquele quilarão o danado foi riscano no terrêro feito um rái Dassanta junto dos pai prêle foi se paxonano pois o turuna pachola qui tia pauta c’o Cão mais pió que ua pistola qui tingui febre ispanhola chegô cua viola na mão uns conta quêles casô ôtros qui se ajuntô ôtros qui si imbrechô já ôtros qui num casô não. Terceiro Canto: Das Visage e das Latumia Neste canto o narrador sai de cena e entrega a narrativa à própria personagem Dassanta que passa a falar dos acontecimentos, visagens, assombrações e latumias sucedidas durante dias e muitas noites em que, por circunstancias, ela era obrigada a reduzir o rebanho numa malhada e no meio deste pernoitar. [...] Quarto Canto: Do Pidido Neste, Dassanta já “arranchada” com o tropeiro Chico das Chagas que conhecera numa véspera de São João, durante uma desmancha de mandioca, enquanto o tropeiro arreia o burro para ir à feira, pede-lhe que compre além dos dicumeres, alguns aviamentos, adornos baratos, coisinhas para se aprontar, vez que na próxima lua cheia eles irão a uma festa no lugar chamado Cabicêra, justamente onde a tragédia vai se dar cumprindo a agoureira sentença do oráculo das feiras. 4 Já qui tu vai lá prá fêra traga di lá para mim água da fulô que chêra, um nuvêlo e um carrin. Trais um pacote de misse meu amigo ah se tu visse aquele cego cantadô um dia ele me disse jogano um mote de amô qui eu havéra de vivê pur esse mundo e morrê aina em flô. Passa naquela barraca daquela mulé reizêra onde almuçamo paca, panelada e frigidêra. Inté você disse u’a lôa gabano a bóia bôa qui das casa da cidade aquela era a primêra. Trais pra mim u’as brividade qui eu quero matá a sôdade faiz tempo qui fui na fêra ai sôdade... Apois sim vê se num isquece quinda nessa lua chêa nóis vai brinca na quermesse lá no Riacho d’Arêa na casa daquele home feiticêro e curadô qui o dia intêro é home filho de Nosso Sinhô mais dispois da mêa noite é lubisome cumedô dos pagão qui as mãe isqueceu do batismo salvadô e tem mais dois garrafão cum dois canguin responsadô. Apois sim vê se num isquece de trazê ruge e carmim ah se o dinheiro désse! eu quiria um trancilin e mais treis metro de chita qui é prêu fazê um vestido e ficá bem mais bunita qui Madô de Juca Dido qui Zefa de Iô Joaquim. Já qui tu vai lá pra fêra meu amigo trais essas coisinha para mim. Já qui tu vai lá pra fêra meu amigo trais essas coisinha para mim. Quinto Canto: Das Violas da Morte Dassanta e seu companheiro Chico das Chagas chegam ao lugar Cabicêra. Está acontecendo a festa. Ao entrarem, logo de começo, um cantador violeiro profissional, de passagem, vindo do norte, ao ver Dassanta fica impressionado com a beleza da mulher. Sacou da viola e desrespeitando a ordem da festa num acorde deu um corte na música e na dança sentenciando que se ali naquela função e naquele lugar houvesse algum homem de valor, que este lhe enfrentasse naquela liça, pois que o campo de justa já estava armado. Os olhares de todos se voltaram para o tropeiro, que apesar de insignificante repentista dado tão somente a pequenos debates amigáveis em bocas-de-forno e rancharias era também o único que poderia rebater tamanha insulta. Então, com as condições mínimas, ante os olhares de todos e, sobretudo o de Dassanta, Chico não teve saída. Aos senhores, com Chico das Chagas e o Cantador do Nordeste, a peleja das Violas da Morte. Clariô Ai clariô, ai ai clariô Ai clariô, ai ai clariô Ai clariô, ai ai clariô Purriba dos lajedo o luá chegô já cá na cabicêra a função pispiô amiã cêdo a lua já entrô e eu vô passá a noite intêra cantano clariô. E eu qui vim só só prá vê meu amô sei qui vô ficá só pois ela num chegô. Ai clariô, ai ai clariô Ai clariô, ai ai clariô Ai clariô, ai ai clariô As baronesa já abriu as fulô nos catre e nas marqueza as figura sentô a pé-de-bode abriu asa e cantô nas baxa e nas verêda seu canto raiô 5 E eu qui vim só só prá vê meu amô sei que vô fica só pois ela num chegô. Ai clariô, ai ai clariô Ai clariô, ai ai clariô Ai clariô, ai ai clariô Das violas da morte Cantador do Nordeste Sinhores dono da casa o cantadô pede licença prá puxá a viola rasa aqui na vossa presença. Venho das banda do Norte cum pirmissão da sentença cumprino mia sina forte já por muitos cunhicida buscano a inlusão da vida ou os cutelo da morte e das duas a prifirida a qui mim mandá a sorte. Já qui nunciei quem sô dêxo meu convite feito pra qualqué dos cantadô dos qui se dá pur respeito aqui qui pru acaso teja nessa função de aligria e prá qui todos me veja puxo alto a cantoria nessa viola de peleja qui quano num mata aleja cantadô de arrilia. Só na iscada du’a igreja labutei cu’a duza um dia cinco morrêro d'inveja treis de avêcho, um de agunia. Matei os bichos cum mote qui já me deu treis mulé: é a história dum cassote cum cuati e cum saqué. O cassote com o pote cuô pru cuati um café iantes ofreceu um lote num saco prá o saqué o saqué secô o pote dexô o cuati só cua fé de qui dent do tal pote inda tinha algum café e xispô sambano um xote o inxavido do saqué qui cuati quá qui cassote boto o bicho e bato um bote o qui é qui o saqué qué? Iantes porém aviso sô malvado num aliso triste ô feliz é o cantadô queu apanhá prá dá o castigo apois quem canta cumigo sai difunto ô sai dotô. Tropeiro Sinhô cantadô chegante me adisculpa o tratamento nessa hora nesse instante mêrmo aqui nesse momento tá um cantô sinificante sem fama sem atrivimento qui num é muint falante nem de muint cuicimento mais prá titos e valintia só trais u’a viola na mão falta o iluste cumpanhêro marcá o lugá da prufia se lá fora no terrêro ô aqui mêrmo no salão. Cantador do Nordeste Vamo logo mão a obra dexa as bestage de lado qui a lua já feiz manobra no seu campo alumiado. Vosmicê que sois daqui vai deixano ispilicado as moda dos cantori que lhe é mais agradado se vamo cantá o moirão o martelo ô a tirana ô a ligeira sussarana parcela de muntirão ô intonce ao invéis a obra de nove pés de oito, sete ô seis ô se deiz pés im quadrão. Vamo logo, mão, a obra dexa essas coisa de lado vamo cantá no salão tô mais riúna qui a cobra qui traiz no rabo incravado um invenenado ferrão. Tropeiro Apois sim tá certo vamo cantá qualqué canturia. 6 Num me deito nem me acamo pra arrotá sabedoria. Vamo cantá meu amigo as moda que fô chegano num corremo assim o pirigo de tá semp ispilicano presse povo qui eu digo inducado iscutano. Apois pra entender parcela martelo ou coco tirano, tem que batê mil cancela na istrada dos disingano. E inda prurriba tem qui sabê sofrê e isperá mermo saben’ qui num vem as coisa do seu sonhá. Na istrada dos disingano andei de noite e de dia, apois sim tá certo vamo cantá qualquer cantoria. Apois sim tá certo vamo cantá qualquer cantoria. Cantador do Nordeste Na istrada dos disingano andei de noite e de dia inludido percurano aprendê o qui num sabia. Quano eu era moço um dia arrisulvi saí andano pela istrada da aligria aligria percurano. Curri doido atrais dela entrô ano saiu ano bati mais de mil cancela na istrada dos disingano.Bati mais de mil cancela na istrada dos disingano. Pispiêmo cum moirão na obra dos sete pés. Tropeiro Voismicê me diz então os assunto de u’a veiz. Cantador do Nordeste Num tem preferênça não, só quero dá nesse salão u’a dimonstra pra ocêis. Tropeiro Fí do mermo pai é irmão, o ovo que fica é o indeis. Cantador do Nordeste O que o homi junta c’as mão a mulé ispáia cum os péis. Tropeiro Lhe agaranto cum certeza qui a maió das bunitêza foi a noite de Santo Reis. Cantador do Nordeste Na noite de Santo Reis inté os bichim cumpariceu. Tropeiro Junto c’uns pastoris fiéis prá lová o Fí-de-Deus. Cantador do Nordeste Os rei mago era trêis, os gálo cantô trêis veiz, hove trêis festa no céu. Tropeiro O colega mucadim vai se dá por agravado. Cantador do Nordeste De tá seno honrado assim cantano cum gent’ letrado? Tropeiro É bondade cumpanhêro, sô aprendiz de violêro, voismicê dotô formado. Cantador do Nordeste Dexemo de lado tanta curtisia já and’ infarado de vê todo dia cantadô panhado nas mia armadia. É cão condenado o pescoço ao cutelo sigura o martelo qui eu sô ventania. Tropeiro Cantadô qui eu invejo é o ferrêro e a jía qui à noite nos bréjo canta o qui de dia aprendeu nos andejo qui inquanto drumia seus óio in marejo parado fazia. Isso é queu invejo, viu seu ventania? Isso é queu invejo, 7 viu seu ventania? Cantador do Nordeste Mi dê a ispilicação dum soim qui tive acordado. Tava o tempo assim parado na maió comodação de repente num istralado, vêi um rai e um truvão chuveu fôgo e azeite quente, curria pur todo o chão pela terra toda gente na maió das aflição. Tropeiro Os tempo já tão chegado meu ilustre cantadô. Veja no livro sagrado em São Lucas 21 adonde tá acentado tudo qui o Meste falô sobre as éra derradêra, peste, fome, guerra e dô. Aflição na terra intêra foi qui vosmicê sonhô. Cantador do Nordeste Tano atráis dessa vióla sô um muro intranspuníve. Quano puxo da cachola boto o mundo torto in níve. Planto taba nasce bola, faço inté os impussíve maio ferro, faço sola, só quem tá morto num vive. Tano atraiz dessa vióla sô um muro intranpuníve. Tropeiro O maió de tod’os muro foi o muro de Jericó. Alto, largo, firme e duro, paricia u’a pedra só. Mais pelas órdi secreta do Sinhô de toda terra os soldado c’uas trombêta tocaro uns tóco de guerra e o murão caiu pur terra, só ficô munturo e pó. Cantador do Nordeste Todo cantadô errante trais nos peito u'a marzela nas alma luá minguante istrada e som de cancela. Fonte que ficô distante qui matava a sêde dela e o coração mais discrente dos amô da catinguêra. Ai o amô é u'a serepente êsse bicho morde a gente vamo pois cantá parcela? Tropeiro Eu sô cantadô de côco eu num canto parcela parcela é feiticêra eu côrro as légua dela! Chegano num lugá adonde têja ela eu vô me adisculpano e dano nas canela! Conhici um cantadô distimido e valente que mangava do amô e zombava a fé dos crente. Mais um dia ele topô nos batente du’a jinela cum o bicho do amô mucama pomba e donzela. E o cantadô aos pôco foi se paxonano pruela ’té qui um dia ficô lôco de tanto cantá parcela e hoje vêve pela istrada rismungano qui a culpada foi a mucama da jinela. Eu sô cantadô de côco apois quem canta parcela corre um risco São Francisco morrê doido cantan'ela. Cantador do Nordeste O colega cumpanhêro inté qui sabe cantá. Quero num voltado intêro o qui lhe vô priguntá. Tropeiro Num é coisa do meu agrado cantá a priguntação se já lhe tem respostado é só por inducação. Sempre qui sô cunvidado lembro certa ocasião na Serra do Corta Lote im casa de Iô Zélente João Guelê largava um móte fazeno a priguntação. Quantas pena tem a treis-pote quantos dente ti’a o pente qui o canguin pintiava o cão? No meio de tanta gente num hove u’a só respostação. 8 Nesse instante, de repente, na porta grande da frente batero palma cu’a mão. Zélente acudiu primêro sem dá pru fé um cavalêro já ti’a intrado no salão. Foi um sirviço mal feito foi um alarm’ foi um bagacêro! Arrancô-se o povo intêro levano tudo nos peito. Contam qui o sanfonêro qui vêi prá fazê o forró foi quem arrancô primêro. Na frente curria só cu’a sanfona ispindurada no butão do palitó e im cada curva da istrada, a riúna malsombrada tocava u’a nota só. E o turuna mais curria já sem folgo ele pidia, Ai tem dó de mim seu Cão. É qui o homi ti’a o pé redondo e tali com’um marimbondo, ti’a no rabo um ferrão. Cantador do Nordeste O colega adversáro num tem o canto apurado se cantasse pur saláro há muit qui era finado. E pra acabá essa brincadêra qui já me dêxa injuado me diga num fim de fêra, qual os trêis trem mais falado. E os assunto siguinte vai dexano ispilicado: qual seu nome pur intêro adondi foi batizado num isqueceno cumpanhêro de dizê cidade e istado nome dos pai, dos avó, si é soltêro ou si é casado. Por ôtras se véve só ô se véve acumpanhado. Agora feito um feitiço tá o meu colega imbruiado apois quero tudo isso num só folgo respostado. Tropeiro São trêis coisa custumêra qui muito se tem falado no arrematá das fêra: cachaça, fumo e fiado. E si não ando inganado, me chamo Chico das Chága Largo de João do Brocado, pur ali naquelas plaga no distrito de Brumado no alto sertão da Bahia adondi fui batizado pur meu pai Juão Malaquía. Mi’a mãe chama Isidóra, meus avó Donato e Bia. E essa aqui do meu lado, essa é mi’a cumpanhêra mi’a vida, meu bucado, mi’a viola gemedêra. Japiassoca do brejo, mi’a sina é u’a perdedêra derna qui vi ela eu vejo, qui andano andad e andejo violêro malsinado, vô morreno a vida intera. Cantador do Nordeste Acho qui já tá na hora de fazê a louvação dos sinhô e da sinhora que si incontra no salão tombém dos qui lá de fora nos assunta cum atenção. Os dono da casa eu louvo nessa lovação primêra. No dia do casamento acudiro todo o povo cum grande contentamento o povo da terra intera. A noiva cum seu vistido custurado sem imenda sem costura foi ticido pur seres cheio de prenda aranha deu um fi cumprido caipora teceu a renda. No dia do casamento vei gente de todo o lado só não veio a viola mi’a purque não anda suzi’a nem o rei mais a rai’a purque num fum cunvidado. Tropeiro Num sei cantá lovação pra ôtra qui num sej’ela quano vô na iscuridão me guia duas istrela minha istrada é um quilarão, me alumia os olhos dela. Num sei cantá lovação pra ôtra qui num sej’ela prumode ela no sertão, no rito do coração sem corda sem craviéla, 9 geme as viola e os violão geme os batê das concela, nas baxa nos chapadão geme os vento nas parcela de noite nos casarão geme as portas e jinela. Num sei cantá lôvação pra ôtra qui num sej’ela. Cantador do Nordeste Óia lá seu cantadô ocê quano fala nela fala cum modo e cum jeito apois a febre do amô fela riúna se inroscô bem cá dent’ de meus peito e adispois qui entrô virô pé-duro turuna, cascavé craúna qui se ofende ô mata ô cega ô dexa o cabra cum defeito. Tropeiro Hoje aqui nessa função eu tô pressintin’ um chêro de sangue, morte e de dô. Eu dei pôca ligação pensei qui era busão o qui mi’a mãe falô minin essa noite intêra ela sonhô qui tu tava nu’a função na Cabicêra decente e nu’a buniteza qui fazia gosto inté. Intoce quano acordei vi moiado o cabicêro. Apois te vi acuado num canto de um terrêro trançado cumviolêro facão, viola e mulé. Cantador do Nordeste Apois sim facão, viola e muié mulé, viola e facão, como quêra são três coisa qui in mi’a vida intêra sempre fôro a mi’a perdição. Quano um dia me intindi pur gente me ajuelhei, pidi a meu pai a benção mi’a irirmã chorano, mi’a mãe duênte disse num arrogo qui cortava a gente: Vai minino in busca da inlusão mais num ti isqueça de nosso Sinhô te apega quele nas hora de aflição. Mais hoje qui vivo a pená no mundo sem mãe, sem pai, tali cuma um vagabundo já nem sei mais o qui minh’alma qué. Pra quem viveu penano a vida intêra tanto faiz morrê numa boca de fêra cum’acuado num canto dum terrêro trançado cum violêro, facão, viola e mulé. Tropeiro Pru essa aqui do meu lado pru essa minha cumpanhêra meus dia já tão contado cantô um cego na fera. Dê cá meu faco afiado pois nunca fui dispeitado na vida dessa manêra e iantes do dia raiado eu já te’o isprimentado se mi’a sina é u’a perdedêra. Derna qui vi ela eu vejo qui andan’ andad e andejo violêro malsinado vô morrendo a vida intêra. Cantador do Nordeste Seja cuma ocê quizé cumigo niguém agüenta mete mão na ferramenta. Nos camim do Canindé dois cego nu’a trumenta pelejava andano a pé um cegado de pimenta ôtro de olhos de mulé. Cumigo ninguém agüenta sodade do Canindé. Mulé bunita e pimenta a morte dos olhos é a morte dos olhos é Tropeiro Vino das banda do norte no rasto do cantadô o anjo branco da morte chegô, sutilo e sentô prurriba de mi’a sorte coché sorte de cantadô. Vindo das banda do norte, chegô essa noite iantes d’aurora dispois qui os galo cantá os soin qui mãe Isidora sonhô. Valei-me Nossa Si’ora Si’ora Mãe do Siô qui essa noite, iantes d’aurora, eu vô. Cruzei camim de caipóra nessa ribada do amô essa noite, iantes d’aurora, eu vô. E hoje mi’a viola chora 10 dum jeito qui nunca chorô essa noite, iantes d’aurora, eu vô. Dassanta Meu amigo e cumpanhêro cum lincença de miscê um pidido derradêro assunta o qui vô dizê. Nos campo do Sete Istrêlo ficô tanto bem-querê. Nos campo do Sete Istrêlo ficô tanto bem-querê. Dexemo lá três bichim drumino nas inocênça inté mei disprivinido de pano e subrivivênça. Dêxa de cabeça dura pra que guardá pinião? Pula cruiz da sipultura qui finquêmo onte no chão pur aquela nossa jura que fizemo cum iança resguardo de paridura guardamento de criança. Inda te’o u’a isperança de te vê rico e bastado. Óia o céu, tá carregado acho que ronco um truvão. Tanta coisa pur fazê o roçado tá aberto o teado discuberto as têa já tão no chão. Violêro tem clemênça ficô vazi o surrão nem u’a panela no fogo. Inté a chave da dispensa veio no teu currião. Se vancê num ôve meus rôgo trêis canto de incelença turdua meu coração. Pra que tanta disavênça nessa função tão decente violêro pare e pensa só um bucadim na gente. Viola cum violênça é plantá na terra quente de manhã ispáia a semente de noite coe incelença. Nos campo do Sete Istrêlo ficô tanto bem-querê. Nos campo do Sete Istrêlo ficô tanto bem-querê. Tropeiro Num tem jeito é mi’a sina é sina de cantadô ôve os galo na campina cantô! Cantador do Nordeste Solta a viola violêro malunga e cantadô Puxa fita pro terrêro, já vô! Tropeiro Cruzei camim de caipóra Nessa ribada do amô Cantador do Nordeste Num tem jeito mi’a hora chegô!!! Ai clariô, ai ai clariô Ai clariô, ai ai clariô Ai clariô, ai ai clariô... Narrador Minha vó contô quano meu avô morreu Dindinha contô quano vovô morreu qui foi triste aquela função lá na Cabicêra qui Dassanta, a burrega marrã foi incontrada num canto do terrêro junto c’uns violêro mortos naquela manhã. 11
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