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Auto da Catingueira optativa musica e história

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DISCIPLINA: TÓPICOS DE HISTÓRIA CULTURAL DO MUNDO ANTIGO II 
PROFESSOR: LUIZ OTÁVIO DE MAGALHÃES 
 
Elomar Figueira Mello e o Auto da Catingueira: 
Cultura oral e cultura erudita no sertão do Rio Gavião 
 
Sinopse 
O Auto da Catingueira é uma ópera em cordel, tendo seu corpo composto de Bespa e Cantos. A Bespa, espécie de 
prefácio ou introdução é o que seria o Prólogo na ópera europeia. Os atos desta, aqui no Auto, se apresentam em 
forma de cantos, em número de cinco. 
Na Bespa, um cego cantador vindo de longe guiado por um menino, chega à casa de um certo fazendeiro na caatinga 
e dá início à narrativa da história de uma moça muito bonita que vivia a pastorar cabras pelos ermos da caatinga, 
em tempos mui pretéritos – não se sabe quando. 
 
Bespa 
 
Narrador 
Sinhores dono da casa 
o cantadô pede licença 
prá puchá a viola rasa 
aqui na vossa presença 
prás coisa qui vô cantano 
assunta imploro atenção 
iantes porém eu peço 
a Nosso Siô a benção 
iantes porém eu peço 
a Nosso Siô a benção. 
Pois sem ele a idea é pensa pru cantá 
e prú tocá é mensa a mão. 
Prá todos qui istão me ouvino 
istendo a invocação 
Sinhô me seja valido 
inquanto eu tivé cantano 
pra qui no tempo currido 
cumprido tenha a missão... 
Foi lá nas banda do Brejo 
muito bem longe daqui 
qui essas coisa se deu 
num tempo qui num vivi 
nas terra qui meu avô 
herdô de meu bisavô e pai seu. 
Dindia contô cuan’meu avô morreu 
Minha avó contô cuan’meu avô morreu 
e hoje eu canto para os filhos meus 
e eles amanhã para os filhinhos seus... 
Nessa terra há muitos anos 
viveu um rico sinhô 
dono deu um grande fecho 
 
 
Zé Crau cantô mais Alexo 
honras viva de sua mesa: 
treis son Sarafin 
treis son Balancesa 
treis son Sarafin 
treis son Balancesa. 
Suas posse era tanta 
qui se a memóra num erra 
vi dizê que ele tinha 
mais de cem minreis de terra, ai. 
Nos tempos desse sinhô 
Dindinha contô pra mim 
viveu Dassanta a fulô 
filha de um tal cantadô 
Anjos Alvo Sinhorin 
Anjos Alvo Sinhorin 
dele o qui pude apurá 
foi o relato d’um vaquêro 
neto de um marruêro 
matadô de marruá 
qui era cumpaiêro seu 
nos Campo do Sete Istrêlo 
No campo do sete istrêlo 
Malunga e violero 
Ranca-tôco de ribada 
Séro distimido e ordêro 
Num gostava de zuada 
Rematô o velho na fêra 
Manso passô a vida intêra 
Mais morreu sem temê nada ai 
 
 
 
Primeiro Canto: Da Catingueira 
Neste primeiro canto, o narrador dá dados biográficos ao tempo em que fala do lugar onde nasceu a catingueira, 
onde se batizou, de seus pais etc. e, sobretudo, de sua grande beleza, cujo oráculo – preconizado por videntes e 
cegos cantadores de feira diziam que esta beleza lhe traria um fim precoce e terrivelmente trágico. Dassanta é o 
seu nome. 
 
 
Ela nasceu na Lage do Gavião 
nua quadra iscura de janêro 
nua noite de chuva e de truvão 
2 
 
e no mei do mais grande aguacêro 
batizou-se na Vila do Poção 
na igreja do Santo Padruêro 
nua quadra iscura de janêro 
nasceu Dassanta do Gavião. 
Nua noite de relampo e truvão 
resolvêro fazê o sacramento 
seu pai quéla e cum facho na mão 
sua mãe muntada num jimento 
sairo no mei da iscurdão 
sofreno mais cum muit’ contentamento. 
Nua quadra iscura de janêro 
e no mei do mais grande aguacêro 
resolvêro fazê o sacramento. 
Dispois que a manhã era chegada 
eles tomem chegaro nu lugá 
a minina tava toda moiada 
levaro intonce prá batizá 
e logo adispois do sacramento 
seu pai foi percurá o iscrivão 
prá pudê fazê o assentamento 
da era dela na lei do Poção 
o cujo foi quem falô primeiro 
vai te custa cinco mili réis 
apois o pai dela era um vaqueiro 
qui num ganhava nem um derréis 
e o puquim qui sua mãe levô 
o vigaro abocô num inviéis 
pegaro intonce a boca da istrada 
cuns instambo cheio de vento. 
Dassanta recebeu o sacramento 
mais nunca teve a era assentada. 
 
Conta as pessoa mais velha 
qui Dassanta era bunita 
qui mitia medo 
tia nos olho a febre perdedêra 
qui matava mais qui cobra de lajedo 
os pé piqueno e os cabelo cumprido 
embaixo do vestido um bando de segredo 
rica das mão vazia 
qui tia de um tudo e nada possuía 
apois seu pai era um pobre vaquêro 
qui ficô cego bem môço 
cuan’tia o pé ligêro 
o corpo manêro 
e o rompante grosso. 
 
Nasceu e se criô no sei da Catinga 
na terra sêca de Nosso Sinhô 
onde nem todo ano a planta vinga 
foi Deus qui um dia assim determinô 
apois nesse chão onde o cristão num xinga 
nem o cangacêro lá nunca pisô. 
 
Lá de vêis incuano um jagunço Pinga 
vino das banda do Mato-Cipó... 
 
As relegião qui eu canto as mendinga 
canta qui Jesus nela passô 
cuano o Rei das Treva e das mandiga 
pirsiguia o Prinspe Salvadô... 
Pagano os rasto dele na Catinga 
ia as pombinha fogo-pagô 
ai nessa terra qui é véa e qui é minina 
donde as lubrina lá nunca chegô 
a siriema braba das campina. 
No sei da Catinga nasceu e criô. 
 
Mais o pió qui era qui sua buniteza 
virô u’a besta fera naquelas redondêza 
in todas brincadêra adonde ela chegava 
as mulé dançadêra assombrada ficava 
já pois dela nas fêra os cantadô dizia 
qui a dô e as aligria na sombra dela andava 
e adonde ela tivesse a véa da foice istava 
a véa da foice istava 
in toda as brincadêra adonde ela ia 
iantes dela chegava na frente as aligria 
dispois só uvia era o trincá dos ferro. 
As mãe soltando uns berro chorano maldizia 
e triste no ôtro dia era só chôro e intêrro 
chôro e intêrro, chôro e intêrro 
chôro e intêrro, chôro e intêrro. 
 
Dassanta era bunita qui inté fazia horrô 
no sertão pru via dela muito saingue derramô 
conta os antigo quela dispois da morte virô 
passo das asa marela jaçanã pomba-fulô 
fulô rôxa do Panela só lá tem essa fulô. 
 
Dispois da morte virô passo japiassoca assú 
dispois da morte virô passo japiassoca assú 
passo japiassoca assú passo japiassoca assú. 
Dispois da morte virô passo japiassoca assú 
passo japiassoca assú passo japiassoca assú. 
 
 
Segundo Canto: Dos Labutos 
Este canto trata do dia a dia dos fazeres e labutares de Dassanta que, sendo por certo a mais velha (18 anos) dentre 
os irmãos, a ela cabia guardar o rebanho. Então, pastora tangerina levava as cabras a pastorar longe de casa, durante 
os dias no período em que o verde começava a escassear. E durante o período da seca, o rebanho – que era cuidado 
pelos irmãos menores – pastava no fecho, nas proximidades da casa. Nesta quadra, sem ter descanso, ela ia com 
os pais para a desmancha de mandioca, também longe, nas terras amarelas, encosta do mato-cipó. 
 
 
3 
 
Lagoa da Tinquijada 
pasto das cabra lijêra 
siguino os rebãin donde vai 
no poço da catingueira 
bem longe da casa dos pai 
Dassanta burrêga marrã 
passava vigiano os rebãin 
de seu sinhô todas manhã 
e tomem as tarde intêra... 
 
Se alevantava c’os aruvai 
curria pru chiquêro abria portêra 
se ajuelhava pidia a bença ao pai 
panhava o café o assuca e a chiculatêra 
botava água na cumbuca 
e o balaizim de custura ispindurava na cintura 
e rumpia facêra boian boian 
chiquê chiquê minhas cabria lambancêra 
e as veis ela se alembrava 
das moda qui seu pai cantava 
e ôtras qui aprendeu nas fêra 
e cuan’ a sêca chegava 
as cabra ia prus fêcho 
qui ficava reservado 
e a mucana assim deixava 
de piligriná nos êxo 
e vagá pelos serrado. 
 
Seu pai lhe ricumendava 
vai nos pano tira uns lãin 
pega maiado e martelo 
junta os trem cum tua mãe 
ela no casco eu in pelo 
num carece toma bãin 
basta ajeitá os cabelo 
junta a traia siazia 
ferramenta côcho e prancha 
albarda o casco in martelo 
se o Sinhô fô primitido 
inda hoje nóis arrancha 
no pôso do Sete Istrêlo. 
 
 
Foi lá qui nua desmancha 
qui ela cunheceu um tropêro 
moço e muito viajado 
nas istrada do sertão 
qui ali chegô cansado 
nua bespa de São Juão. 
Dispois de tê arranchado 
e agasaiado a tropa 
foi no ôi d’água tomô um bãin 
e logo trocôde rôpa 
calçô um pá de butin 
novo e muito riluzente 
botô no bolso um jasmim 
um lenço branco e um pente 
e preparado assim 
tava qui mitia medo 
fermoso feito um gaiêro 
xotano in noite de lua 
pelos alto do lajêdo 
infestano as mão sua 
tinha cinco anel nos dêdo... 
 
Já a foguera tava acesa 
todo mundo no terrêro 
festejava São Juão 
foi cuan entrô tropêro 
feito um prinspe feiticêro 
foi aquele quilarão 
o danado foi riscano 
no terrêro feito um rái 
Dassanta junto dos pai 
prêle foi se paxonano 
pois o turuna pachola 
qui tia pauta c’o Cão 
mais pió que ua pistola 
qui tingui febre ispanhola 
chegô cua viola na mão 
uns conta quêles casô 
ôtros qui se ajuntô 
ôtros qui si imbrechô 
já ôtros qui num casô não. 
 
 
 
Terceiro Canto: Das Visage e das Latumia 
Neste canto o narrador sai de cena e entrega a narrativa à própria personagem Dassanta que passa a falar dos 
acontecimentos, visagens, assombrações e latumias sucedidas durante dias e muitas noites em que, por 
circunstancias, ela era obrigada a reduzir o rebanho numa malhada e no meio deste pernoitar. 
 
[...] 
 
Quarto Canto: Do Pidido 
Neste, Dassanta já “arranchada” com o tropeiro Chico das Chagas que conhecera numa véspera de São João, 
durante uma desmancha de mandioca, enquanto o tropeiro arreia o burro para ir à feira, pede-lhe que compre além 
dos dicumeres, alguns aviamentos, adornos baratos, coisinhas para se aprontar, vez que na próxima lua cheia eles 
irão a uma festa no lugar chamado Cabicêra, justamente onde a tragédia vai se dar cumprindo a agoureira sentença 
do oráculo das feiras. 
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Já qui tu vai lá prá fêra 
traga di lá para mim 
água da fulô que chêra, 
um nuvêlo e um carrin. 
Trais um pacote de misse 
meu amigo ah se tu visse 
aquele cego cantadô 
um dia ele me disse 
jogano um mote de amô 
qui eu havéra de vivê 
pur esse mundo 
e morrê aina em flô. 
 
Passa naquela barraca 
daquela mulé reizêra 
onde almuçamo paca, 
panelada e frigidêra. 
Inté você disse u’a lôa 
gabano a bóia bôa 
qui das casa da cidade 
aquela era a primêra. 
Trais pra mim u’as brividade 
qui eu quero matá a sôdade 
faiz tempo qui fui na fêra 
ai sôdade... 
 
Apois sim vê se num isquece 
quinda nessa lua chêa 
nóis vai brinca na quermesse 
 
lá no Riacho d’Arêa 
na casa daquele home 
feiticêro e curadô 
qui o dia intêro é home 
filho de Nosso Sinhô 
mais dispois da mêa noite 
é lubisome cumedô 
dos pagão qui as mãe isqueceu 
do batismo salvadô 
e tem mais dois garrafão 
cum dois canguin responsadô. 
 
Apois sim vê se num isquece 
de trazê ruge e carmim 
ah se o dinheiro désse! 
eu quiria um trancilin 
e mais treis metro de chita 
qui é prêu fazê um vestido 
e ficá bem mais bunita 
qui Madô de Juca Dido 
qui Zefa de Iô Joaquim. 
 
Já qui tu vai lá pra fêra 
meu amigo trais 
essas coisinha para mim. 
Já qui tu vai lá pra fêra 
meu amigo trais 
essas coisinha para mim. 
 
 
 
Quinto Canto: Das Violas da Morte 
Dassanta e seu companheiro Chico das Chagas chegam ao lugar Cabicêra. Está acontecendo a festa. Ao entrarem, 
logo de começo, um cantador violeiro profissional, de passagem, vindo do norte, ao ver Dassanta fica 
impressionado com a beleza da mulher. Sacou da viola e desrespeitando a ordem da festa num acorde deu um 
corte na música e na dança sentenciando que se ali naquela função e naquele lugar houvesse algum homem de 
valor, que este lhe enfrentasse naquela liça, pois que o campo de justa já estava armado. Os olhares de todos se 
voltaram para o tropeiro, que apesar de insignificante repentista dado tão somente a pequenos debates amigáveis 
em bocas-de-forno e rancharias era também o único que poderia rebater tamanha insulta. Então, com as condições 
mínimas, ante os olhares de todos e, sobretudo o de Dassanta, Chico não teve saída. Aos senhores, com Chico das 
Chagas e o Cantador do Nordeste, a peleja das Violas da Morte. 
 
Clariô 
 
Ai clariô, ai ai clariô 
Ai clariô, ai ai clariô 
Ai clariô, ai ai clariô 
 
Purriba dos lajedo o luá chegô 
já cá na cabicêra a função pispiô 
amiã cêdo a lua já entrô 
e eu vô passá a noite intêra 
cantano clariô. 
 
E eu qui vim só 
só prá vê meu amô 
sei qui vô ficá só 
pois ela num chegô. 
 
Ai clariô, ai ai clariô 
Ai clariô, ai ai clariô 
Ai clariô, ai ai clariô 
 
As baronesa já abriu as fulô 
nos catre e nas marqueza as figura sentô 
a pé-de-bode abriu asa e cantô 
nas baxa e nas verêda 
seu canto raiô 
 
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E eu qui vim só 
só prá vê meu amô 
sei que vô fica só 
pois ela num chegô. 
 
Ai clariô, ai ai clariô 
Ai clariô, ai ai clariô 
Ai clariô, ai ai clariô 
 
 
Das violas da morte 
 
Cantador do Nordeste 
Sinhores dono da casa 
o cantadô pede licença 
prá puxá a viola rasa 
aqui na vossa presença. 
Venho das banda do Norte 
cum pirmissão da sentença 
cumprino mia sina forte 
já por muitos cunhicida 
buscano a inlusão da vida 
ou os cutelo da morte 
e das duas a prifirida 
a qui mim mandá a sorte. 
 
Já qui nunciei quem sô 
dêxo meu convite feito 
pra qualqué dos cantadô 
dos qui se dá pur respeito 
aqui qui pru acaso teja 
nessa função de aligria 
e prá qui todos me veja 
puxo alto a cantoria 
nessa viola de peleja 
qui quano num mata aleja 
cantadô de arrilia. 
 
Só na iscada du’a igreja 
labutei cu’a duza um dia 
cinco morrêro d'inveja 
treis de avêcho, um de agunia. 
Matei os bichos cum mote 
qui já me deu treis mulé: 
é a história dum cassote 
cum cuati e cum saqué. 
 
O cassote com o pote 
cuô pru cuati um café 
iantes ofreceu um lote 
num saco prá o saqué 
o saqué secô o pote 
dexô o cuati só cua fé 
de qui dent do tal pote 
inda tinha algum café 
e xispô sambano um xote 
o inxavido do saqué 
qui cuati quá qui cassote 
boto o bicho e bato um bote 
o qui é qui o saqué qué? 
 
Iantes porém aviso 
sô malvado num aliso 
triste ô feliz é o cantadô 
queu apanhá prá dá o castigo 
apois quem canta cumigo 
sai difunto ô sai dotô. 
 
Tropeiro 
Sinhô cantadô chegante 
me adisculpa o tratamento 
nessa hora nesse instante 
mêrmo aqui nesse momento 
tá um cantô sinificante 
sem fama sem atrivimento 
qui num é muint falante 
nem de muint cuicimento 
mais prá titos e valintia 
só trais u’a viola na mão 
falta o iluste cumpanhêro 
marcá o lugá da prufia 
se lá fora no terrêro 
ô aqui mêrmo no salão. 
 
Cantador do Nordeste 
Vamo logo mão a obra 
dexa as bestage de lado 
qui a lua já feiz manobra 
no seu campo alumiado. 
Vosmicê que sois daqui 
vai deixano ispilicado 
as moda dos cantori 
que lhe é mais agradado 
se vamo cantá o moirão 
o martelo ô a tirana 
ô a ligeira sussarana 
parcela de muntirão 
ô intonce ao invéis 
a obra de nove pés 
de oito, sete ô seis 
ô se deiz pés im quadrão. 
 
Vamo logo, mão, a obra 
dexa essas coisa de lado 
vamo cantá no salão 
tô mais riúna qui a cobra 
qui traiz no rabo incravado 
um invenenado ferrão. 
 
Tropeiro 
Apois sim tá certo vamo 
cantá qualqué canturia. 
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Num me deito nem me acamo 
pra arrotá sabedoria. 
Vamo cantá meu amigo 
as moda que fô chegano 
num corremo assim o pirigo 
de tá semp ispilicano 
presse povo qui eu digo 
inducado iscutano. 
 
Apois pra entender parcela 
martelo ou coco tirano, 
tem que batê mil cancela 
na istrada dos disingano. 
E inda prurriba tem 
qui sabê sofrê e isperá 
mermo saben’ qui num vem 
as coisa do seu sonhá. 
Na istrada dos disingano 
andei de noite e de dia, 
apois sim tá certo vamo 
cantá qualquer cantoria. 
Apois sim tá certo vamo 
cantá qualquer cantoria. 
 
Cantador do Nordeste 
Na istrada dos disingano 
andei de noite e de dia 
inludido percurano 
aprendê o qui num sabia. 
Quano eu era moço um dia 
arrisulvi saí andano 
pela istrada da aligria 
aligria percurano. 
Curri doido atrais dela 
entrô ano saiu ano 
bati mais de mil cancela 
na istrada dos disingano.Bati mais de mil cancela 
na istrada dos disingano. 
 
Pispiêmo cum moirão 
na obra dos sete pés. 
 
Tropeiro 
Voismicê me diz então 
os assunto de u’a veiz. 
 
Cantador do Nordeste 
Num tem preferênça não, 
só quero dá nesse salão 
u’a dimonstra pra ocêis. 
 
Tropeiro 
Fí do mermo pai é irmão, 
o ovo que fica é o indeis. 
 
Cantador do Nordeste 
O que o homi junta c’as mão 
a mulé ispáia cum os péis. 
 
Tropeiro 
Lhe agaranto cum certeza 
qui a maió das bunitêza 
foi a noite de Santo Reis. 
 
Cantador do Nordeste 
Na noite de Santo Reis 
inté os bichim cumpariceu. 
 
Tropeiro 
Junto c’uns pastoris fiéis 
prá lová o Fí-de-Deus. 
 
Cantador do Nordeste 
Os rei mago era trêis, 
os gálo cantô trêis veiz, 
hove trêis festa no céu. 
 
Tropeiro 
O colega mucadim 
vai se dá por agravado. 
 
Cantador do Nordeste 
De tá seno honrado assim 
cantano cum gent’ letrado? 
 
Tropeiro 
É bondade cumpanhêro, 
sô aprendiz de violêro, 
voismicê dotô formado. 
 
Cantador do Nordeste 
Dexemo de lado 
tanta curtisia 
já and’ infarado 
de vê todo dia 
cantadô panhado 
nas mia armadia. 
É cão condenado 
o pescoço ao cutelo 
sigura o martelo 
qui eu sô ventania. 
 
Tropeiro 
Cantadô qui eu invejo 
é o ferrêro e a jía 
qui à noite nos bréjo 
canta o qui de dia 
aprendeu nos andejo 
qui inquanto drumia 
seus óio in marejo 
parado fazia. 
Isso é queu invejo, 
viu seu ventania? 
Isso é queu invejo, 
7 
 
viu seu ventania? 
 
Cantador do Nordeste 
Mi dê a ispilicação 
dum soim qui tive acordado. 
Tava o tempo assim parado 
na maió comodação 
de repente num istralado, 
vêi um rai e um truvão 
chuveu fôgo e azeite quente, 
curria pur todo o chão 
pela terra toda gente 
na maió das aflição. 
 
Tropeiro 
Os tempo já tão chegado 
meu ilustre cantadô. 
Veja no livro sagrado 
em São Lucas 21 
adonde tá acentado 
tudo qui o Meste falô 
sobre as éra derradêra, 
peste, fome, guerra e dô. 
Aflição na terra intêra 
foi qui vosmicê sonhô. 
 
Cantador do Nordeste 
Tano atráis dessa vióla 
sô um muro intranspuníve. 
Quano puxo da cachola 
boto o mundo torto in níve. 
Planto taba nasce bola, 
faço inté os impussíve 
maio ferro, faço sola, 
só quem tá morto num vive. 
Tano atraiz dessa vióla 
sô um muro intranpuníve. 
 
Tropeiro 
O maió de tod’os muro 
foi o muro de Jericó. 
Alto, largo, firme e duro, 
paricia u’a pedra só. 
Mais pelas órdi secreta 
do Sinhô de toda terra 
os soldado c’uas trombêta 
tocaro uns tóco de guerra 
e o murão caiu pur terra, 
só ficô munturo e pó. 
 
Cantador do Nordeste 
Todo cantadô errante 
trais nos peito u'a marzela 
nas alma luá minguante 
istrada e som de cancela. 
Fonte que ficô distante 
qui matava a sêde dela 
e o coração mais discrente 
dos amô da catinguêra. 
Ai o amô é u'a serepente 
êsse bicho morde a gente 
vamo pois cantá parcela? 
 
Tropeiro 
Eu sô cantadô de côco 
eu num canto parcela 
parcela é feiticêra 
eu côrro as légua dela! 
Chegano num lugá 
adonde têja ela 
eu vô me adisculpano 
e dano nas canela! 
 
Conhici um cantadô 
distimido e valente 
que mangava do amô 
e zombava a fé dos crente. 
Mais um dia ele topô 
nos batente du’a jinela 
cum o bicho do amô 
mucama pomba e donzela. 
E o cantadô aos pôco 
foi se paxonano pruela 
’té qui um dia ficô lôco 
de tanto cantá parcela 
e hoje vêve pela istrada 
rismungano qui a culpada 
foi a mucama da jinela. 
 
Eu sô cantadô de côco 
apois quem canta parcela 
corre um risco São Francisco 
morrê doido cantan'ela. 
 
Cantador do Nordeste 
O colega cumpanhêro 
inté qui sabe cantá. 
Quero num voltado intêro 
o qui lhe vô priguntá. 
 
Tropeiro 
Num é coisa do meu agrado 
cantá a priguntação 
se já lhe tem respostado 
é só por inducação. 
Sempre qui sô cunvidado 
lembro certa ocasião 
na Serra do Corta Lote 
im casa de Iô Zélente 
João Guelê largava um móte 
fazeno a priguntação. 
Quantas pena tem a treis-pote 
quantos dente ti’a o pente 
qui o canguin pintiava o cão? 
No meio de tanta gente 
num hove u’a só respostação. 
8 
 
Nesse instante, de repente, 
na porta grande da frente 
batero palma cu’a mão. 
Zélente acudiu primêro 
sem dá pru fé um cavalêro 
já ti’a intrado no salão. 
 
Foi um sirviço mal feito 
foi um alarm’ foi um bagacêro! 
Arrancô-se o povo intêro 
levano tudo nos peito. 
Contam qui o sanfonêro 
qui vêi prá fazê o forró 
foi quem arrancô primêro. 
Na frente curria só 
cu’a sanfona ispindurada 
no butão do palitó 
e im cada curva da istrada, 
a riúna malsombrada 
tocava u’a nota só. 
E o turuna mais curria 
já sem folgo ele pidia, 
Ai tem dó de mim seu Cão. 
É qui o homi ti’a o pé redondo 
e tali com’um marimbondo, 
ti’a no rabo um ferrão. 
 
Cantador do Nordeste 
O colega adversáro 
num tem o canto apurado 
se cantasse pur saláro 
há muit qui era finado. 
E pra acabá essa brincadêra 
qui já me dêxa injuado 
me diga num fim de fêra, 
qual os trêis trem mais falado. 
E os assunto siguinte 
vai dexano ispilicado: 
qual seu nome pur intêro 
adondi foi batizado 
num isqueceno cumpanhêro 
de dizê cidade e istado 
nome dos pai, dos avó, 
si é soltêro ou si é casado. 
Por ôtras se véve só 
ô se véve acumpanhado. 
Agora feito um feitiço 
tá o meu colega imbruiado 
apois quero tudo isso 
num só folgo respostado. 
 
Tropeiro 
São trêis coisa custumêra 
qui muito se tem falado 
no arrematá das fêra: 
cachaça, fumo e fiado. 
E si não ando inganado, 
me chamo Chico das Chága 
Largo de João do Brocado, 
pur ali naquelas plaga 
no distrito de Brumado 
no alto sertão da Bahia 
adondi fui batizado 
pur meu pai Juão Malaquía. 
Mi’a mãe chama Isidóra, 
meus avó Donato e Bia. 
E essa aqui do meu lado, 
essa é mi’a cumpanhêra 
mi’a vida, meu bucado, 
mi’a viola gemedêra. 
Japiassoca do brejo, 
mi’a sina é u’a perdedêra 
derna qui vi ela eu vejo, 
qui andano andad e andejo 
violêro malsinado, 
vô morreno a vida intera. 
 
Cantador do Nordeste 
Acho qui já tá na hora 
de fazê a louvação 
dos sinhô e da sinhora 
que si incontra no salão 
tombém dos qui lá de fora 
nos assunta cum atenção. 
 
Os dono da casa eu louvo 
nessa lovação primêra. 
No dia do casamento 
acudiro todo o povo 
cum grande contentamento 
o povo da terra intera. 
A noiva cum seu vistido 
custurado sem imenda 
sem costura foi ticido 
pur seres cheio de prenda 
aranha deu um fi cumprido 
caipora teceu a renda. 
No dia do casamento 
vei gente de todo o lado 
só não veio a viola mi’a 
purque não anda suzi’a 
nem o rei mais a rai’a 
purque num fum cunvidado. 
 
Tropeiro 
Num sei cantá lovação 
pra ôtra qui num sej’ela 
quano vô na iscuridão 
me guia duas istrela 
minha istrada é um quilarão, 
me alumia os olhos dela. 
Num sei cantá lovação 
pra ôtra qui num sej’ela 
prumode ela no sertão, 
no rito do coração 
sem corda sem craviéla, 
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geme as viola e os violão 
geme os batê das concela, 
nas baxa nos chapadão 
geme os vento nas parcela 
de noite nos casarão 
geme as portas e jinela. 
Num sei cantá lôvação 
pra ôtra qui num sej’ela. 
 
Cantador do Nordeste 
Óia lá seu cantadô 
ocê quano fala nela 
fala cum modo e cum jeito 
apois a febre do amô 
fela riúna se inroscô 
bem cá dent’ de meus peito 
e adispois qui entrô virô 
pé-duro turuna, 
cascavé craúna 
qui se ofende ô mata ô cega 
ô dexa o cabra cum defeito. 
 
Tropeiro 
Hoje aqui nessa função 
eu tô pressintin’ um chêro 
de sangue, morte e de dô. 
Eu dei pôca ligação 
pensei qui era busão 
o qui mi’a mãe falô 
minin essa noite intêra 
ela sonhô qui tu tava 
nu’a função na Cabicêra 
decente e nu’a buniteza 
qui fazia gosto inté. 
Intoce quano acordei 
vi moiado o cabicêro. 
Apois te vi acuado 
num canto de um terrêro 
trançado cumviolêro 
facão, viola e mulé. 
 
Cantador do Nordeste 
Apois sim facão, viola e muié 
mulé, viola e facão, como quêra 
são três coisa qui in mi’a vida intêra 
sempre fôro a mi’a perdição. 
Quano um dia me intindi pur gente 
me ajuelhei, pidi a meu pai a benção 
mi’a irirmã chorano, mi’a mãe duênte 
disse num arrogo qui cortava a gente: 
Vai minino in busca da inlusão 
mais num ti isqueça de nosso Sinhô 
te apega quele nas hora de aflição. 
Mais hoje qui vivo a pená no mundo 
sem mãe, sem pai, tali cuma um vagabundo 
já nem sei mais o qui minh’alma qué. 
Pra quem viveu penano a vida intêra 
tanto faiz morrê numa boca de fêra 
cum’acuado num canto dum terrêro 
trançado cum violêro, facão, viola e mulé. 
 
Tropeiro 
Pru essa aqui do meu lado 
pru essa minha cumpanhêra 
meus dia já tão contado 
cantô um cego na fera. 
Dê cá meu faco afiado 
pois nunca fui dispeitado 
na vida dessa manêra 
e iantes do dia raiado 
eu já te’o isprimentado 
se mi’a sina é u’a perdedêra. 
Derna qui vi ela eu vejo 
qui andan’ andad e andejo 
violêro malsinado 
vô morrendo a vida intêra. 
 
 
Cantador do Nordeste 
Seja cuma ocê quizé 
cumigo niguém agüenta 
mete mão na ferramenta. 
Nos camim do Canindé 
dois cego nu’a trumenta 
pelejava andano a pé 
um cegado de pimenta 
ôtro de olhos de mulé. 
Cumigo ninguém agüenta 
sodade do Canindé. 
Mulé bunita e pimenta 
a morte dos olhos é 
a morte dos olhos é 
 
Tropeiro 
Vino das banda do norte 
no rasto do cantadô 
o anjo branco da morte 
chegô, sutilo e sentô 
prurriba de mi’a sorte 
coché sorte de cantadô. 
 
Vindo das banda do norte, 
chegô 
essa noite iantes d’aurora 
dispois qui os galo cantá 
os soin qui mãe Isidora 
sonhô. 
Valei-me Nossa Si’ora 
Si’ora Mãe do Siô 
qui essa noite, iantes d’aurora, 
eu vô. 
Cruzei camim de caipóra 
nessa ribada do amô 
essa noite, iantes d’aurora, 
eu vô. 
E hoje mi’a viola chora 
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dum jeito qui nunca chorô 
essa noite, iantes d’aurora, 
eu vô. 
 
Dassanta 
Meu amigo e cumpanhêro 
cum lincença de miscê 
um pidido derradêro 
assunta o qui vô dizê. 
Nos campo do Sete Istrêlo 
ficô tanto bem-querê. 
Nos campo do Sete Istrêlo 
ficô tanto bem-querê. 
Dexemo lá três bichim 
drumino nas inocênça 
inté mei disprivinido 
de pano e subrivivênça. 
Dêxa de cabeça dura 
pra que guardá pinião? 
Pula cruiz da sipultura 
qui finquêmo onte no chão 
pur aquela nossa jura 
que fizemo cum iança 
resguardo de paridura 
guardamento de criança. 
Inda te’o u’a isperança 
de te vê rico e bastado. 
Óia o céu, tá carregado 
acho que ronco um truvão. 
Tanta coisa pur fazê 
o roçado tá aberto 
o teado discuberto 
as têa já tão no chão. 
Violêro tem clemênça 
ficô vazi o surrão 
nem u’a panela no fogo. 
Inté a chave da dispensa 
veio no teu currião. 
Se vancê num ôve meus rôgo 
trêis canto de incelença 
turdua meu coração. 
Pra que tanta disavênça 
nessa função tão decente 
violêro pare e pensa 
só um bucadim na gente. 
Viola cum violênça 
é plantá na terra quente 
de manhã ispáia a semente 
de noite coe incelença. 
Nos campo do Sete Istrêlo 
ficô tanto bem-querê. 
Nos campo do Sete Istrêlo 
ficô tanto bem-querê. 
 
 
 
 
 
Tropeiro 
Num tem jeito é mi’a sina 
é sina de cantadô 
ôve os galo na campina 
cantô! 
 
Cantador do Nordeste 
Solta a viola violêro 
malunga e cantadô 
Puxa fita pro terrêro, 
já vô! 
 
Tropeiro 
Cruzei camim de caipóra 
Nessa ribada do amô 
 
Cantador do Nordeste 
Num tem jeito mi’a hora 
chegô!!! 
 
Ai clariô, ai ai clariô 
Ai clariô, ai ai clariô 
Ai clariô, ai ai clariô... 
 
Narrador 
Minha vó contô 
quano meu avô morreu 
Dindinha contô 
quano vovô morreu 
qui foi triste aquela função 
lá na Cabicêra 
qui Dassanta, a burrega marrã 
foi incontrada num canto do terrêro 
junto c’uns violêro 
mortos naquela manhã.
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