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D O U T R I N A Princípio da Insignificância: os Vetores (Critérios) Estabelecidos pelo STF para a Aplicação na Visão de Claus Roxin FERNANDO ANTÔNIO C. ALVES DE SOUZA Advogado Criminalista; Especialista em Ciências Criminais pela UFPE; Professor de Direito Penal. RESUMO: O presente artigo vem trazer uma contribuição de como o Prof. Dr. Claus Roxin entende sobre os vetores (critérios) estabelecidos pelo STF para que seja aplicado o princípio da insignificância em casos de escassíssima relevância que chegam aos Tribunais Superiores, notadamente ao cimeiro do Poder Judiciário (STF) para serem eliminados do Direito Penal. PALAVRAS-CHAVE: Princípio da Insignificância (Geringfügirkeitsprinzip). Desvalor da Ação e Desvalor do Resultado. Vetores (Critérios) Estabelecidos pelo STF. Claus Roxin. 1. O tema princípio da insignificância (Geringfügirkeitsprinzip) foi, segundo informa o site do STF no link “Notícias do STF”, o primeiro do ranking das matérias mais lidas do referido Tribunal, no mês de março do ano de 20091. 2. O referido princípio é tema constante da reflexão e dos estudos do Prof. Dr. Luiz Flávio Gomes2, que em recente artigo, aduz: “(...) o estarrecedor é ver como boa parcela da magistratura brasileira continua ignorando a sua força científica, cogente e normativa”. E fulmina: “São fatos banais, bagatelares, que jamais deveriam estar tomando o tempo dos juízes e promotores. Por que é preciso chegar ao STF para ver admitido o princípio da insignificância?”. 3. É a pergunta que nos fazemos quando noticiam os meios de im- prensa (impressa, falada, televisiva, Internet), v.g., Folha de Pernambuco, 1 Notícias STF. Veja as matérias mais acessadas no site do STF em março. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 01 abr. 2009. 2 GOMES, Luiz Flávio. Insignificância: é preciso ir ao STF para vê-la reconhecida. Disponível em: <http:// www.lfg.com.br> Acesso em: 23 abr. 2009. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 31 – Ago-Set/2009 – DOUTRINA24 “Desempregado furta duas latas de queijo do reino e é preso”, 19.07.08, p. 1, Polícia, cujo “final feliz” é novamente notícia em outro periódico Jornal do Commercio, “Prisão que comoveu até a polícia acaba seis dias depois”, p. 4, Cidades, ainda está respondendo ao processo! O que dizer de outro processo que ficou conhecido como o caso de “Juvenal e as Galinhas”, condenado em primeiro grau a uma reprimenda de 06 (seis) anos de reclusão – reduzida para 05 (cinco) anos, face à confissão –, no regime semiaberto, cuja pena fora re- duzida pelo TJPE (HC 146152-7, 2ª C.Cr.) para 02 (dois) anos! Por ter cometido o “hediondo” crime de ter furtado (art. 155, §§ 1º e 4º, I e IV, do CP), 02 (duas) galinhas! Que “sorte” a de Juvenal que teve a pena reduzida para 02 (dois) anos e de uma das galinhas por ter sido, à época, recuperada com vida! Daí se dizer que o positivismo jurídico legalista, quando não temperado pela prudência, equilíbrio e razoabilidade (bom senso) do juiz, conduzir a aberrações inomináveis! 4. Sabido e ressabido, que o Direito Penal por ser nobre e, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária, só deve intervir (processualmente falando) para impor sanção quando for absolutamente necessário: nos casos em que a ofensa ao bem protegido (relevante e essencial) for intolerável, e, mesmo assim, depois de esgotados outros meios não penais de proteção, v.g., Direito Civil, Administrativo, Tributário etc., ou seja, deve ser a ultima ratio do sistema, e não prima ratio ou sola ratio3. Carlos Vico Mañas4 em sua clássica obra aduz: “A norma, escrita, como é sabido, não contém todo o direito”. 5. Mais recentemente vale destacar o estudo e pesquisa de Fabiana Costa Oliveira Barreto5 em sua obra onde detecta a demora em julgamentos de processos envolvendo furtos de R$ 1,00 (um real). A própria CF reconhece o princípio da insignificância (princípio implícito é expressamente reconhecido na cláusula constitucional de reserva, prevista no art. 5º, § 2º). 6. Diante disso, o STF em diversos julgados sobre o tema cria vetores (critérios) para a aplicação do princípio da insignificância – que nada mais são do que o desvalor da ação e o desvalor do resultado –, vejamos: (a) A mínima ofensividade da conduta do agente (die minimale Bedrohung durch das Verhalten des Täters); 3 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal: parte geral. São Paulo: RT, 2007. v. 2. p. 307. Ainda: “(...) o que não se justifica é aplicação do Direito Penal. Não podemos utilizar um canhão para matar um passarinho!”. 4 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 67. 5 BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Flagrante e prisão provisória em caso de furto: da presunção de inocência à antecipação de pena. São Paulo: IBCCrim, 2007. DOUTRINA – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 31 – Ago-Set/2009 25 (b) Nenhuma periculosidade social da ação (die fehlende soziale Gefahr in seiner Aktion); (c) O reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento (den geringen Grad der Missbilligung seines Verhaltens); (d) A inexpressividade da lesão jurídica provocada (die Irrelevanz des hervorgerufenen Rechtsbruchs als Fundament hat). Estabelecidos pelo famoso HC 84.412/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 02.08.04; mais recentemente outros julgados do mesmo Tribunal seguem os vetores (critérios) estabelecidos (STF, HC 96.151-7, Rel. Min. Celso de Mello, DJe 06.03.09 – Fonte: DVD Magister, versão 25, ementa 10202888, Editora Magister, Porto Alegre, RS; HC 92.438, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 19.12.08; HC 95.089, Rel. Min. Eros Grau, DJe 19.12.08), o que tem sido também adotado pelo STJ em seus julgados. Que se registre o novel entendimento da 7ª Turma do TRF da 4ª Região, na ACR 2007.70.01.005749-0/PR, 7ª T., Rel. Des. Fed. Néfi Cordeiro, DEJF 25.02.09, p. 12516, por decisão unânime, sob o argumento logo trazido na ementa da decisão de que, no essencial: “1. A Lei nº 11.719/08 criou hipótese de absolvição sumária, que admite o reconhecimento da insignificância, seja como excludente da ilicitude (como condição objetiva de punibilidade), seja como atipia (como condição de tipicidade). (...)”, isto na forma do art. 397, III, do CPP. 7. Com invulgar clareza doutrina o festejado Prof. Dr. Claus Roxin7 no essencial: “O Direito Penal é de natureza subsidiária. Onde bastem os meios do Direito Civil ou do Direito Público, o Direito Penal deve retirar-se. (...) Consequentemente, e por ser a reação mais forte da comunidade, apenas se pode recorrer a ela em último lugar”. 8. Diante de tantos casos em que o princípio fora desprezado ousamos perguntar ao criador do referido princípio8 se os vetores estabelecidos pelo STF estavam corretos, eis a resposta de Claus Roxin (tradução aos cuidados do Diretor e Professor do Centro Cultural Brasil-Alemanha – CCBA, Christoph Ostendorf): 6 Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, v. 28, fev./mar. 2009, p. 121-123. 7 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998. p. 28. 8 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. 14. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1. p. 21-22. Que doutrina: “O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política criminal y sistema del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino minima non curat praetor”. Ver ainda: ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico-penal. Trad. por Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 47-48. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 31 – Ago-Set/2009 – DOUTRINA26 “Sehr geehrter Herr Alves de Souza, Estimado Sr. Alves de Souza, Vielen Dank für Ihre Zuschrift vom 22. April, die ich wegen vieler Reisen erst jetzt beantworten kann. Muito obrigadopela sua mensagem do dia 22.04, que em decorrência de muitas viagens, somente consigo responder hoje. Eine quasi offizielle Definition des Geringfügigkeitsprinzips gibt es im deutschen Recht nicht. Die vom Supremo Tribunal Federal angegebenen Kriterien treffen aber im Wesentlichen das, was man unter Geringfügigkeit versteht. Uma definição quase oficial do princípio da ‘insignificância’ não existe no Direito alemão, porém os critérios elencados pelo STF na essência estão de acordo com o que se entende por ‘insignificância’. In Deutschland werden geringfügige Taten hauptsächlich im Prozessrecht behandelt und können nach § 153 der Strafprozessordnung zu einer Einstellung des Verfahrens führen, ‘wenn die Schuld des Täters als gering anzusehen wäre und kein öffentliches Interesse an der Verfolgung besteht’. Na Alemanha atos insignificantes são normalmente tratados no Direito Processual e podem, segundo o § 153, CPP, levar a um arquivamento (parada) do processo, se a culpa do agente é visto como insignificante, e não existe interesse público na perseguição. Manche Länder haben aber eine Regelung im Strafgesetzbuch. So sagt zum Beispiel Artikel 1 § 2 des polnischen Strafgesetzbuchs: ‘Keine Straftat ist eine verbotene Tat, deren Sozialschädlichkeit geringfügig ist’. Alguns países dispõem de uma regra no CP. Assim, o art. 1º, § 2º, do CP polonês: ‘Nenhum ato criminoso é ato proibido, cujo prejuízo social é insignificante’. Ich halte eine materiell-rechtliche Regelung für vorzugswürdig, weil sie größere Rechtsklarheit schafft. Alles in allem gehört aber das Problem der Bagatellkriminalität zu den am wenigsten geklärten Fragen des Strafrechts. Eu prefiro um regulamento de direito material, pois cria uma maior segurança jurídica. De uma forma geral, o problema da ‘criminalidade insignificante’ (Bagatellkriminalität) é uma das questões menos esclarecidas do Direito Penal. Sie dürfen von meiner Antwort gerne beliebigen Gebrauch machen. Você pode utilizar a minha resposta. Mit freundlichen Grüßen Atenciosamente, Ihr – Claus Roxin.” DOUTRINA – Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal Nº 31 – Ago-Set/2009 27 9. O referido princípio da insignificância deve sim ser utilizado pelos juízes quando os critérios que orientarem os casos sejam os acima explicitados, ou seja, quando levados em conta – unicamente –, o desvalor da ação e o desvalor do resultado e nada mais. 10. Espera-se que agora, diante de tantos casos noticiados, o legislador comece a se definir com clareza sobre a questão da insignificância e adote expressamente o referido princípio, para que a jurisprudência não continue oscilante e hesitante, pois a pergunta que não quer calar, faz-se novamente pertinente: por que é preciso chegar ao STF para ver admitido o princípio da insignificância? TITLE: Principle of insignificance: the vectors (criteria) established by the STF for the application in the vision of Claus Roxin. ABSTRACT: The present article brings a contribution as to what Prof. Dr. Claus Roxin sees as the vectors (criteria) established by the STF for applying the principle of insignificance in cases of scantest relevance that go to the Superior Courts, notably to the summit of the Judiciary (STF), to be eliminated of the Criminal Law. KEYWORDS: Principle of Insignificance (Geringfügirkeitsprinzip). Worthlessness of Action and Worthlessness of Result. Vectors (Criteria) Established by the STF. Claus Roxin.