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TGD - TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO Disciplina: Autismo Pedagógico do Instituto Souza atendimento@institutosouza.com.br Modalidade de Curso Curso Livre de Capacitação Profissional Página 1 de 17 AUTISMO Segundo o MEC, embora se tenha recorrido ao campo da psiquiatria para melhor compreender as manifestações do transtorno no cotidiano do aluno na escola, o empenho é contextualizá-lo no âmbito educacional. Nesse sentido vale abordar, também, as práticas escolares com o objetivo de propiciar a superação das dificuldades iniciais e o desenvolvimento de competências sociocognitivas das crianças com este transtorno. Espera-se que o conteúdo contribua com os professores que atuam na sala de aula comum e no Atendimento Educacional Especializado - AEE, quando estiverem diante da oportunidade de atuar junto ao aluno com Transtorno Global do Desenvolvimento. Desejamos a vocês uma ótima leitura, bons estudos e sucesso em suas práticas. Equipe Pedagógica do Instituto Souza Página 2 de 17 AUTISMO UMA PEQUENA INTRODUÇÃO SOBRE O AUTISMO O autismo é um transtorno do desenvolvimento que causa certo fascínio e desperta nosso interesse, basta analisarmos os inúmeros filmes e livros a respeito do tema, ilustrando a vida e as curiosidades do mundo autista. Algumas das representações que se têm a respeito desses sujeitos dizem que são crianças que vivem num ―mundo próprio, despovoado de personagens, ou seja, um mundo a que o outro não teria acesso. Um cenário como esse nos remete à seguinte interrogação: um ser humano poderá viver sem a presença do outro? E nós, poderíamos sobreviver fechando-nos para a presença desse outro? Tais questionamentos nos fazem pensar se seria possível vivermos de forma autônoma e num mundo particular. Quando a criança ― dispensa esse outro, imediatamente nos sentimos confrontados e instigados a pensar sobre o que seja um sujeito vivendo sem a intervenção de terceiros. Essa poderá ser uma das questões que despertam nossa curiosidade e fascínio pelo autismo: a busca por nós mesmos através de nossas crianças autistas. Saindo um pouco do universo imaginário que envolve o autismo, passemos a compreendê-lo através da história para adentrarmos no seu conceito e nas implicações desse quadro no mundo da escola. Antes de discorrermos sobre a temática do autismo, é preciso que levemos em conta alguns aspectos importantes para sua compreensão. Conforme Bosa (2002), há controvérsias com relação ao autismo nos variados Página 3 de 17 sistemas de classificação ou campos teóricos. Tal fato se dá em função de que há um acúmulo de conhecimento produzido por pesquisadores em diferentes partes do mundo, cada qual buscando características clínicas específicas para os distintos transtornos mentais. Essas especificidades são importantes para a compreensão das diversas terminologias encontradas na literatura para o autismo. O autismo é também conhecido como autismo clássico, síndrome autística típica, transtorno autista, autismo da infância, autismo infantil, autismo infantil precoce e autismo de Kanner. Também encontraremos a designação autismo atípico que difere do autismo clássico, pois é um quadro que aparece depois dos três anos e a criança poderá não apresentar déficits no âmbito das interações sociais e na linguagem, bem como se observa a inexistência de comportamentos repetitivos e estereotipados. Em se tratando da terminologia do autismo, encontraremos também a expressão espectro do autismo. Para Schwartzman (2005), não há uma única classificação para o autismo e, sim, um espectro de desordens autísticas, em que aparecem as mesmas dificuldades em graus de comprometimento variáveis. Deter-nos-emos a seguir no conceito de espectro do autismo, uma vez que essa terminologia é frequentemente usada nos diversos campos do saber quando se trata da temática dos transtornos globais do desenvolvimento. O espectro do autismo diz respeito a uma condição que varia quanto à apresentação clínica do quadro, ou seja, a forma como ele se apresenta em cada criança, variando de caso para caso. A terminologia ―espectro sugere que as causas podem ser as mais variadas possíveis, fato esse que faz com que pesquisadores do mundo todo ainda busquem identificar a etiologia precisa do autismo. De acordo com Klin (2006), avanços na genética, neurobiologia e neuro imagem estão ampliando nossa concepção sobre a natureza do autismo e sobre a formação do cérebro desses indivíduos. Página 4 de 17 O espectro do autismo refere-se a sujeitos que podem variar quanto ao grau de inteligência, indo de um comprometimento profundo à faixa das altas habilidades. Alguns falam pouco, ao passo que outros falam muito. Muitos deles usam maneirismos, estereotipias como, por exemplo, ficar rodando num lugar só; outros usam essa energia para a busca intelectual de fatos e informações sobre questões nada comuns. Para resumir, pode-se dizer que o espectro do autismo envolve uma patologia que varia amplamente em seu grau de seriedade, porém mantém em comum certos sintomas característicos que são: a dificuldade de interação social, de comunicação e comportamentos repetitivos e padronizados. O espectro do autismo engloba o autismo, a síndrome de Asperger e o transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação (TID-SOE). AUTISMO: UM POUCO DE HISTÓRIA O autismo é um campo controverso, na medida em que envolve pesquisadores de diferentes áreas e correntes teóricas, falando a respeito da temática. Para a Neurologia, o autismo é um transtorno neuro desenvolvimental, variando de gravidade, ou seja, de leve a grave, e sua determinação é puramente orgânica. Em termos psicanalíticos, pode-se dizer que no autismo houve a impossibilidade de o agente materno supor e antecipar um sujeito no bebê. Isso não quer dizer que essa mãe não tenha realizado sua função, mas que o bebê, por algum motivo, não conseguiu absorver e reconhecer seus cuidados. Página 5 de 17 Esse descompasso na dinâmica mãe-bebê acarretará a não efetivação de um laço afetivo, comprometendo a relação entre ambos, com isso, a possibilidade de a criança desenvolver um quadro autístico. Sobre esse importante momento da constituição do bebê, trataremos na introdução do tema referente aos transtornos desintegrativos da infância. Já para a Psiquiatria, o autismo é um distúrbio psicoafetivo ou uma doença geneticamente determinada. Como vimos, a compreensão do autismo requer uma análise em níveis diversos, buscando suas interfaces ao longo do tempo e da história. O termo autismo foi cunhado em 1911, por Paul Eugen Bleuler, psiquiatra suíço, para descrever um dos sintomas da esquizofrenia no adulto. Segundo Alberti (1999), para Bleuler, no autismo, o sujeito se encontra entre dois mundos, o mundo autista e o mundo de relação com os outros seres humanos, sendo que esses dois mundos são a realidade para ele. Para Bleuler, há níveis de abertura e fechamento em relação ao mundo externo. Ao afastamento da realidade Bleuler denominou autismo. Leo Kanner, psiquiatra americano, tomou emprestado de Bleuler o termo autismo e descreveu em 1943, pela primeira vez, onze casos de pacientes que, segundo ele, padeciam de um distúrbio do contato afetivo, e que mais tarde ele chamou de autistas. Para Kanner, as crianças autistas apresentavamincapacidades e impossibilidades, como por exemplo, de desenvolverem a comunicação e o contato afetivo. Kanner enfatizou nessa época aspectos da deficiência e da falta nas crianças autistas, aspectos negativos que ressoam nos nossos ouvidos e são utilizados ainda hoje por muitos profissionais como sendo verdades inquestionáveis. Página 6 de 17 Mais tarde, segundo Rocha (2001), Kanner revela-se fascinado com as proezas dessas crianças que não condiziam com um mundo despovoado e vazio como ele havia descrito anteriormente. Kanner também percebeu que elas possuíam um bom vocabulário e excelente memória. Num texto publicado em 1946, Kanner diz então que não se pode afirmar a ausência de sentido da linguagem nos autistas, indo na contramão do que havia dito anos atrás: que essas crianças não tinham capacidade de desenvolver uma verdadeira linguagem e não eram capazes de se comunicar. A conclusão a que chega Kanner é que a linguagem dos autistas é metafórica e precisa ser traduzida. A partir desse delineamento histórico, podemos compreender a criança autista como um sujeito que ocupa um lugar na contemporaneidade e que precisa ser ouvido nas suas singularidades. É um sujeito que às vezes se mostra como um estrangeiro na escola, e que, parafraseando Kanner, merece uma ―tradução. Diante disso, convidamos os profissionais que se dedicam a trabalhar com alunos autistas a percorrerem conosco as trilhas que nos levam a pensar na inclusão dessas crianças na escola, acreditando que, através do Atendimento Educacional Especializado, poderemos dar aos alunos com transtornos globais do desenvolvimento o lugar que merecem ocupar: de sujeitos que demandam um saber tanto nosso quanto da escola. O CONCEITO DE AUTISMO O autismo é um transtorno que associa algumas dificuldades da criança em termos de interação social e comunicação, bem como um repertório restrito de atividades e interesses (DSM IV-TR, 2002). Página 7 de 17 Leia-se ―repertório restrito não como algo negativo que dá ideia de déficit, mas como a forma encontrada pela criança de, por exemplo, através da incessante repetição de uma atividade, fazer com que as coisas não mudem de lugar, não sejam substituídas, o que poderia lhe causar ansiedade e confusão pelo fato de não as encontrar no lugar em que deixou. Essa dificuldade poderá ser entendida em função de que seu mundo simbólico e imaginativo é precário; sendo assim, torna-se difícil para ela compreender que as coisas mudam de lugar, mas continuam sendo as mesmas coisas; por esse motivo fala-se que os autistas resistem a alterações na rotina. De acordo com Fonseca (2009), os autistas são crianças que apresentam atrasos na linguagem ou ausência no desenvolvimento da fala, o que às vezes dificulta a manutenção de um diálogo. Os autistas poderão apresentar ecolalia que é a repetição do que alguém acabou de dizer, incluindo palavras, expressões ou diálogos. A ecolalia deverá ser entendida como um importante processo na tentativa de a criança começar a falar. É repetindo o que os outros dizem que a criança começará a fazer um estoque de memória dos sons das palavras para compreender o uso que é feito dessas palavras. Em relação ao campo da fantasia, a imaginação também parece estar comprometida, uma vez que as brincadeiras de faz-de-conta ou esconde-esconde nos primeiros anos de vida encontram-se empobrecidas ou inexistentes. Sabemos que essas brincadeiras são extremamente importantes, pois são ferramentas de que a criança dispõe para elaborar conflitos, dificuldades e medos próprios do processo de crescimento. Uma característica interessante do pensamento autista é que são sujeitos que não compreendem metáforas, ou seja, uma coisa não pode representar outra coisa, ela tem um significado fechado, real, petrificado. Vejamos o exemplo a seguir. Página 8 de 17 Antônio, um aluno autista que frequenta uma escola da rede pública de Santa Maria- RS, andando pela sala de aula, esbarrou na lixeira e derrubou o conteúdo da lata. A professora que já se encontrava incomodada com as andanças de Antônio, ao ver a cena disse com certo rigor: ―Antônio, junta tudo!. Imediatamente Antônio começou a juntar cada minúsculo pedaço de papel que aos nossos olhos poderiam passar despercebidos. Vendo o comportamento e a possível demora de Antônio na realização da tarefa, disse: ―Agora ele vai juntar tudo. A professora esqueceu que para Antônio ―juntar tudo significava exatamente não deixar sequer um resquício de papel ou de qualquer outra coisa que tivesse caído da lata, era literalmente: ―juntar tudo. Sobre as relações sociais, crianças autistas poderão apresentar déficits na interação com o outro que vão desde evitar o olhar e contato físico a uma aproximação excessiva das pessoas. Mais adiante falaremos um pouco mais sobre esse fato. Outro aspecto importante a ressaltar é que as crianças autistas costumam chamar-se pelo pronome ―tu, pois é assim que os outros a chamam; e chama aos outros de ―eu, pois assim os outros chamam a si mesmos. Movimentos repetitivos e estereotipados também são visíveis, como bater insistentemente o apagador no quadro, permanecer por vários minutos observando o ventilador de teto da sala-de-aula ou folhear compulsivamente as páginas de uma revista. Os movimentos estereotipados poderão incluir o balanceio de corpo e andar na ponta dos pés. Hoje se observa ainda o apego por vídeos infantis ao passarem horas assistindo ao mesmo filme, usando o controle remoto para repetir as partes que desejam ver. O mesmo acontece com os CDs de músicas preferidas. O AUTISMO NO DSM-IV-TR Página 9 de 17 O autismo aparece na quarta edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), da Associação Americana de Psiquiatria (1994) como um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD). Já na décima edição do Código Internacional de Doenças (CID 10), o autismo aparece no grupo dos Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TID). Tanto o CID 10 como o DSM são manuais internacionais que possibilitam que os profissionais conversem entre si numa linguagem universal. A expressão Transtornos Globais do Desenvolvimento se refere ao fato de que múltiplas áreas do funcionamento são afetadas, principalmente a área da interação social. Encontraremos também para designar a fenomenologia do autismo, a terminologia Transtorno Invasivo do Desenvolvimento ou ainda Transtorno Abrangente do Desenvolvimento. Essas são traduções para a terminologia americana Pervasive Developmental Disorder. Para sermos fiéis à Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, utilizaremos a terminologia Transtornos Globais do Desenvolvimento. O DSM é um manual americano de diagnóstico que permite a conversação entre profissionais de diferentes áreas sobre os transtornos mentais. Apresenta a descrição e classificação dos fenômenos mentais através de concepções neurobiológicas, não explicando os aspectos subjetivos envolvidos nesses quadros, ou seja, a forma como cada sujeito autista vive as suas dificuldades. É justamente aqui que queremos chamar a atenção para o autismo, quando ele se apresenta na escola e quando esses aspectos estruturais são menosprezados. Sabemos da importância do diagnóstico como um balizador, um caminho que nos dirá como cada sujeito vive sua condição e, dependendo da área em que o profissional atuar, ele delimitará o tratamento e as intervenções adequadas. Página 10 de 17 Já na escola, o diagnósticodeverá ajudar o professor a compreender como a criança funciona a partir de determinado quadro, porém, não deve ser um limitador das suas funções, comportamentos, tampouco uma profecia que não dará chances de o aluno aparecer nas suas particularidades. É fundamental ir além dos itens descritos no DSM para o diagnóstico do autismo, pois só assim enxergaremos cada aluno como um sujeito único na sua forma de se apresentar no mundo, evitando o caráter redutível do diagnóstico. Nesse sentido, precisamos apostar na capacidade de aprendizagem do aluno, convidando-o a interagir no contexto em que se encontra, enfatizando a construção de um sujeito psíquico, ou seja, um aluno que poderá desenvolver sua capacidade simbólica e de linguagem para dizer, mesmo que com simples gesto, o que quer de nós e da escola. Esse é o efeito de uma docência pautada no sujeito, e não no diagnóstico. Para exemplificar a aposta no sujeito e não no diagnóstico, traremos a seguir, conforme Virote; Callegari (2009), um pequeno trecho do depoimento de uma professora à revista Nova Escola, ao se referir ao seu aluno autista: (...) Ela sabia que precisaria inovar se quisesse que Matheus aprendesse. E o primeiro desafio era mantê-lo em sala. ―Passei a iniciar as aulas do lado de fora. Todos os dias eu cantava, lia histórias ou sugeria alguma atividade que estimulasse a alfabetização ou outro aprendizado‖, lembra. ―Era uma forma de ensinar o conteúdo, promover a integração entre as crianças e atrair o Matheus para a classe. Para lidar com as fugas repentinas para o bebedouro - onde Matheus se acalmava mexendo na água -, a professora ensinou-o a pedir para sair. Mostrava, a cada fuga, que ele podia bater com a caneca na carteira quando quisesse beber água. ―Um dia, ele bateu a caneca e permaneceu sentado, esperando a minha reação, conta a professora Helen. ―Percebi que ele tinha aprendido. A professora Helen nos ensina que a aposta no sujeito é sempre a melhor escolha e Página 11 de 17 que a inclusão de alunos com autismo requer um olhar diferenciado, na medida em que nos coloca o desafio de quebrar velhos conceitos a respeito do processo-ensino aprendizagem. A professora convida-nos a uma constante interrogação sobre quem é o sujeito autista e como trabalhar a partir do seu estilo cognitivo de aprendizagem. Um fato interessante e que merece destaque é o aumento da incidência de diagnósticos de autismo. Tal evento relaciona-se ao fato de que o DSM-IV-TR retirou a psicose infantil do seu manual, o que fez com que o autismo se tornasse o carro chefe dos Transtornos Globais do Desenvolvimento. O reflexo disso é que hoje muitas crianças são diagnosticadas como autistas, quando na verdade poderão não fazer parte do quadro, causando um aumento dos diagnósticos e, consequentemente, um aumento do número de autistas. Sobre a prevalência do autismo (MARCELLI; COHEN, 2009) relatam que é de cinco sujeitos para cada 10.000 nascimentos. Já FONSECA (2009) aponta para uma incidência mais alta do que se poderia imaginar: de 57,9 a 67,5/10.000 para toda a categoria, ou seja, de cada 148 a 170 crianças, uma estaria dentro do grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento. Percebe-se com isso que há disparidades quanto ao número de autistas hoje e, como dissemos anteriormente, esse poderá ser um dos efeitos dos diferentes critérios diagnósticos empregados para o autismo. DIAGNÓSTICO O autismo se revela antes dos três anos de idade, podendo apresentar indícios já no primeiro ano de vida da criança, quando os pais percebem que a linguagem não se desenvolveu. O diagnóstico poderá ser feito por médicos, psiquiatras infantis e neuropediatras, buscando sempre a interdisciplinaridade com psicólogos, professores e demais profissionais que se ocupam da criança. Página 12 de 17 Para a detecção do autismo alguns especialistas (ARAGÃO, 2005) aplicam um questionário conhecido como CHAT (Checklist for autism in todlers). É um instrumento que interroga sobre o jogo social, o jogo simbólico, o apontamento proto declarativo (o fato de o bebê apontar com o dedo objetos que acha interessante) que permitiria detectar o autismo a partir dos 18 meses. Aragão (2005) sugere alguns sinais de alerta para os médicos quando estes se deparam com crianças que possam apresentar algum problema no desenvolvimento: • Ausência de balbucio aos 12 meses; • Ausência de gesto de tipo apontar ou tchau com a mão aos 12 meses; • Ausência de palavra aos 16 meses; • Ausência de comunicação de duas palavras aos 24 meses; • Qualquer perda de competência (de linguagem ou social) em qualquer idade. Outro aspecto a ressaltar e que poderá nos ajudar na detecção de transtornos no desenvolvimento diz respeito à forma como as crianças com suspeita de autismo respondem a sons como: aspirador de pó, liquidificador, vozes altas, choro e barulho excessivo de crianças. Nesses momentos costumam gritar e colocar as mãos nos ouvidos para se protegerem do barulho. Sabe-se que o autista possui uma hipersensibilidade a sons (hiperacusia) e ao toque humano (defensividade tátil), sendo assim, qualquer som um pouco mais intenso poderá ferir enormemente seus ouvidos, causando sério desconforto e agitação. Nesses momentos poderão usar de estereotipias como o balanceio de corpo ou das mãos como forma de dizerem o quanto a situação está difícil de ser compreendida e Página 13 de 17 o quanto esse outro a está invadindo com seu barulho e contato físico. São respostas a reações de angústia frente ao desconhecido, bem como uma resposta à tentativa insistente do adulto de entrar em contato com a criança. Conforme Alberti (1999), é como se os sujeitos autistas fossem perseguidos pela voz e pelo olhar do outro. Nesses casos, o mais apropriado talvez seja que as abordemos de costas, escondendo-nos um pouco e cantarolando, como se esse chamado fosse mais um barulho do que uma voz. Segundo Jerusalinsky (2005, p. 57-58), os pais poderão suspeitar de um quadro de autismo quando a criança apresentar os seguintes signos (manifestações): A criança parece surda, mas não é. Isso indica que ela registra sons, mas é indiferente à voz humana. Nesses casos é importante uma consulta ao pediatra, neuropediatra ou psiquiatra infantil para um diagnóstico mais específico; Se a criança está com doze meses e ainda não balbucia e há ausência de gesto de tipo apontar ou dar tchau, ou se está com dezesseis meses e não fala; Se a criança evita olhar o rosto dos seres humanos e desvia o contato olho no olho; Se a criança com mais de cinco meses não reconhece a voz melodiosa (―mamanhês) com que seus pais falam com ela procurando-os com movimentos de cabeça ou se posicionando melhor para vê-los ou ouvi-los; Se a criança tem mais de oito meses e não sorri para agradar seus pais e não demonstra ansiedade quando é tomada nos braços por estranhos; Página 14 de 17 Se a criança apesar de estar com oito meses não reconhece seus brinquedos e tampouco imita comportamentos tentando reproduzir brincadeiras quando é solicitada, como por exemplo, bater palminhas, fazer bolinhas de saliva, botar a língua, balançar a cabeça, dançar. Vale lembrar que esses signos, quando tomados isoladamente, não perfazem o quadro do autismo, porém são signos de suspeita. Trazendo mais uma vez as contribuições de Jerusalinsky (2008), podemos observar aspectos relacionados ao brincar como um possível indicador de dificuldades na constituição psíquica da criança. Segundo o autor,é importante notarmos se a criança somente manipula os objetos e brinquedos de forma mecânica ou interage com eles, montando cenas, situações habituais que representem o cotidiano. Por exemplo: ao brincar com pratinhos, xícaras e talheres ela encena uma situação de café da manhã colocando café na xícara, mexendo o açúcar e oferecendo para o outro ou simplesmente vira, remexe, manipula os objetos de forma estereotipada sem objetivo algum? Esses são indícios que revelam inibições e pobreza expressiva no brincar, denotando que algo não vai bem com sua estruturação. Comportamentos expressos no brincar de crianças pequenas, como no caso de alunos da educação infantil, poderão estar visíveis aos olhos do professor, contribuindo para que de alguma forma a escola seja parceira na prevenção de futuros problemas de desenvolvimento. Vimos até aqui um pouco do histórico do autismo, a fim de compreendermos o conceito e as raízes desse transtorno; conversamos a respeito das manifestações do Página 15 de 17 comportamento autista, buscando sempre ver o aluno para além do reducionismo de um diagnóstico. Direcionando-nos agora para o término dessa escrita sobre o autismo, gostaríamos de compartilhar algumas reflexões sobre o papel da escola frente à inclusão de alunos com autismo, e de todos aqueles alunos que se apresentam a partir de uma subjetividade que lhes é própria: • Que a escola se deixe interrogar pelo aluno com transtornos globais do desenvolvimento para que, através das dúvidas surgidas pelo caminho, ela possa se questionar sobre o que é educar e sobre quem é esse aluno; • Que a escola permita ao aluno inventar uma trajetória possível para que ele possa falar de si através do desenho, da escrita ou da sua ―simples presença em sala de aula, saindo assim do lugar de isolamento e exclusão a que está submetido; • Que a escola se deixe tomar pelas dúvidas e interrogações sobre a inclusão de alunos com transtornos globais do desenvolvimento, abalando supostas certezas sobre o processo ensino-aprendizagem desses alunos. Acreditamos que é no momento em que a escola pode se interrogar sobre suas práticas que o novo aparece, não como efeito de uma receita sobre como educar alunos com necessidades educacionais especiais, mas, sim, como resultado de um passado que foi possível elaborar a partir de questionamentos sobre o que é ensinar e o que é aprender. Referências Bibliográficas ALBERTI, S. Autismo e esquizofrenia na clínica da esquize. Rio de Janeiro: Marca d‘Água , 1999. ARAGÃO, R. O. Transtornos mentais: detecção e prevenção na criança e no adolescente. In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, v. VIII, nº 3. São Paulo, 2005. ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. DSM-IV-TR: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4.ed.rev. Porto Alegre: Artmed, 2002. BAUER, S. Síndrome de Asperger - Ao longo da vida. Disponível em: http://gopher.udel.edu/bkirby/asperger/bauerport.html. Acesso em julho de 2009. Página 16 de 17 BERNARDINO, L.M.F. 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