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Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 1 Material didático – Bioquímica Básica QUÍMICA DE CARBOIDRATOS Sumário 1 Introdução ................................................................................................................................ 2 2 Desenvolvimento ..................................................................................................................... 2 2.1 Conceito ............................................................................................................................ 2 2.2 Classificação, propriedades químicas e funcionais .......................................................... 2 2.2.1 Monossacarídeos ........................................................................................................ 2 2.2.2 Oligossacarídeos ........................................................................................................ 7 2.2.3 Polissacarídeos ........................................................................................................... 8 2.3 Glicoconjugados – Proteoglicanos, glicoproteínas e glicolipídios ................................. 14 2.4 Carboidratos como moléculas informacionais ............................................................... 17 2.4 Introdução à digestão e metabolismo dos carboidratos .................................................. 18 3 Considerações finais .............................................................................................................. 20 4 Bibliografia ............................................................................................................................ 20 Universidade Federal de Mato Grosso Instituto de Ciências Exatas e da Terra Cursos de Química, medicina veterinária e engenharia florestal Professora Drª Bibiana M. Gai Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências da Saúde Departamento de Clínica Médica Curso de Medicina Professora Drª Cristiani F. Bortolatto Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 2 1 Introdução Os carboidratos, também chamados de hidratos de carbono, glicídios, sacarídeos ou açúcares, são as moléculas orgânicas mais abundantes na natureza. Eles desempenham uma ampla gama de funções, com destaque para a função de fornecimento de energia para as células não fotossintéticas, visto que através da sua oxidação até gás carbônico e água, energia é obtida para que a célula permaneça ativa. Neste sentido, a glicose ocupa uma posição central no metabolismo de carboidratos. Os carboidratos, sob sua forma polissacarídica, ainda podem funcionar como reserva energética (amido, glicogênio). Além disso, polímeros insolúveis de carboidratos desempenham funções estruturais e de proteção, nas paredes celulares bacterianas e vegetais e nos tecidos conjuntivos de animais. Outros polímeros agem como lubrificantes nas articulações e participam do reconhecimento e coesão entre as células. Por fim, moléculas glicoconjugadas agem como sinais que determinam a localização intracelular ou o destino metabólico de moléculas híbridas. 2 Desenvolvimento 2.1 Conceito Os carboidratos são poli-hidroxialdeídos (aldoses) ou poli-hidroxicetonas (cetoses) ou substâncias que liberam estes compostos por hidrólise. Muitos carboidratos possuem fórmulas empíricas (CH2O)n, alguns também contém N, P ou S. Eles são classificados de acordo com o tamanho ou número de subunidades que apresentam em monossacarídeos, oligossacarídeos ou polissacarídeos. Todos mono e dissacarídeos comuns têm nomes que terminam com o sufixo “ose”. 2.2 Classificação, propriedades químicas e funcionais 2.2.1 Monossacarídeos Os monossacarídeos são os açúcares simples e apresentam apenas uma unidade de poli-hidroxialdeído (aldose) ou poli-hidroxicetona (cetose). A glicose é o monossacarídeo mais abundante na natureza. Eles são incolores, sólidos cristalinos e solúveis em água (polares), sendo a maioria doce. Quimicamente, o monossacarídeo é constituído de uma cadeia carbônica não-ramificada contendo ligações covalentes simples entre os átomos de carbono e contém um ou mais grupos –OH. O grupo carbonila C=O, cria o grupo funcional que pode ser um aldeído (aldose) se estiver na extremidade da cadeia ou uma cetona (cetose) se estiver em outra posição. Os monossacarídeos mais simples são acúcares de 3 carbonos: o gliceraldeído (aldotriose) e a diidroxicetona (cetotriose). As aldoses ou cetoses podem receber diferentes denominações de acordo com o número de carbonos: trioses (3C), tetroses (4C), pentoses (5C), hexoses (6C) e heptoses Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 3 (7C). A glicose, por exemplo, é uma aldose constituída por 6 átomos de carbono; por esse motivo, diz-se que a glicose é uma aldo-hexose. Dente as hexoses mais comuns estão a glicose e a frutose. Os monossacarídeos podem apresentar-se sob a forma de isômeros, moléculas com a mesma fórmula molecular, mas com estruturas diferentes. Por exemplo, frutose e glicose são isômeros de função. Os monossacarídeos, exceto a diidroxicetona, possuem centros assimétricos. Eles contêm um ou mais átomos de carbono assimétrico (quiral), ou seja, que possui quatro ligantes diferentes. Essas moléculas podem, assim, apresentar-se sob a forma de isômeros óticos (enantiômeros) que, por convenção, são denominados levógiros (L) e dextrógiros (D), de acordo com a configuração ao redor do centro quiral mais distante do carbono da carbonila. As fórmulas de projeção Fischer são empregadas para representar as estruturas no papel, baseadas na configuração do gliceraldeído. Em geral, uma molécula com n centros quirais pode ter 2 n estereoisômeros (gliceraldeído 2 1 =2; aldohexoses 2 4 =16). Com raras exceções, a maioria dos açúcares metabolizados pelos seres humanos está na forma D. Uma forma mais específica de isomerização ocorre quando dois monossacarídeos diferem na configuração espacial de um átomo de carbono específico; neste caso, diz-se que as moléculas são epímeras (por exemplo, glicose e galactose são epímeros). A numeração dos átomos de carbono se inicia pela extremidade da cadeia mais próxima da carbonila. Cetoses com 4 e 5 átomos de carbono recebem a inserção de “ul” na aldose correspondente. Para fins de simplicação, as estruturas de aldoses e cetoses podem ser demonstradas em forma de cadeia linear (aberta). Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 4 Em solução aquosa, essas moléculas podem ser encontradas na forma de estruturas cíclicas, na qual o grupo carbonila forma uma ligação covalente com o oxigênio de um grupo hidroxila ao longo da cadeia (formação dos derivados hemiacetal ou hemicetal). A formação de um anel de 6 membros origina as piranoses, enquanto que as furanoses são anéis de 5 membros. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 5 O anel hemiacetal ou hemicetal resulta na criação de um carbono assimétrico adicional (carbono anômero) no carbono da carbonila que, dependendo da configuração espacial da hidroxila, esta pode receber a denominação alfa (α) ou beta (β) (OH para baixo é α e para cima é β). Logo, essa conformação diferente origina mais dois isômeros (esteroisômeros), denominados anômero α e anômero β. Quando em solução, ocorre interconversão dos anômeros α e β, que é chamada de mutarrotação. Em equilíbrio, a D-glicose existe como: 1/3 α-D-glicose, 2/3 como β-D-glicose (piranoses, anéis de 6 membros) e pequenas quantidades na forma linear (<1%) e de anel de 5 membros (glicofuranose). Aldoses contendo 5ou mais átomos de carbono podem formar anéis piranosídicos. Para aldohexoses como a glicose, o C1 (C=O) reage com a OH ligada ao C5 originando uma glicopiranose (anel de 6 membros semelhante ao pirano). As piranoses são mais estáveis que as furanoses e predominam nas soluções de aldohexoses. Para a frutose, uma cetohexose, o C2 (C=O) reage com a OH do C5 originando um furanosídeo (anel de 5 membros semelhante ao furano) ou com C6 originando um piranosídeo. O anel piranosídico com seis atomos não é plano, ele tende a assumir uma das duas configurações em cadeira. Derivados das hexoses Nestes compostos, um grupo hidroxila no composto original é trocado por um outro grupo substituinte (hidrogênio, grupo amino, grupo fosfato) ou um átomo de carbono é oxidado a ácido carboxílico. Por exemplo, na glicosamina, um acúcar aminado, a hidroxila do C2 é substituída por um grupo amino. A glicosamina é parte de muitos polímeros estruturais, incluindo aqueles das paredes celulares de bactérias. Desoxiacúcares como L-fucose e L-ramnose são encontrados em polissacarídeos de plantas e em oligossacarídeos complexos de glicoconjudados. Quando o carbono da carbonila da glicose é oxidado até ácido carboxílico (açúcares ácidos), é produzido ácido glicônico; outras aldoses produzem outros ácidos Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 6 aldônicos. Já a oxidação do carbono da outra extremidade da cadeia (ex. C6 da glicose) produz ácidos urônicos como o ácido glicurônico. Estes ácidos formam lactonas, que são estruturas mais estáveis. O ácido N-acetilneuramínico (ácido siálico), um acúcar ácido com 9C, é um dos componentes de glicoconjugados de origem vegetal e animal. Por fim, durante o metabolismo dos carboidratos, os intermediários são açúcares fosforilados, visto que a fosforilação causa aprisionamento da molécula dentro da célula Quando a hidroxila do carbono anomérico não está fazendo ligações (está livre), é dito que o açúcar é redutor, ou seja, que ele pode reagir com reagentes químicos e reduzí-los (o carbono, assim, torna-se oxidado). O carbono da carbonila é oxidado a carboxila. A oxidação ocorre apenas coma forma linear que existe na solução em equilíbrio com as formas cíclicas. Todos os monossacarídeos são açúcares redutores. Um dos testes mais antigos para detectar a presença de glicose na urina de pacientes diabéticos é o teste para açúcares redutores, também chamado de teste de Benedict. Esse reativo apresenta sulfato de cobre que, sob aquecimento, é capaz de oxidar o açúcar e, portanto, sofrer redução, formando um precipitado alaranjado característico. No entanto, embora seja simples, esse teste não é específico para glicose, uma vez que é positivo para outras hexoses e pentoses redutoras. Atualmente, métodos mais sensíveis e específicos para glicose são utilizados, a maioria com base na reação de oxidação catalisada pela enzima glicose oxidase. Os monossacarídeos podem ser ligados por ligações glicosídicas para criar estruturas maiores. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 7 2.2.2 Oligossacarídeos São compostos por cadeias curtas de unidades monossacarídicas, ou resíduos, unidos entre si por ligações glicosídicas. Os mais abundantes são os dissacarídeos, sendo a sacarose (D-glicose + D-frutose) um representante típico desta classe. Na célula, oligossacarídeos com 3 ou mais unidades não ocorrem como entidades livres, mas são ligados a moléculas não-açúcares, formando os glicoconjugados. Os dissacarídeos são constituídos por dois monossacarídeos unidos covalentemente entre si por uma ligação O-glicosídica, que é formada quando um grupo hidroxila (que pode ou não ser ligada ao carbono anomérico) de uma molécula de açúcar (ex. glicose) reage com o carbono anomérico de outra molécula (ex. outra glicose). Essa reação representa a formação de um acetal a partir de um hemiacetal e de um álcool. Essas ligações glicosídicas são facilmente hidrolisadas por ácido. Importante ressaltar que quando o carbono anomérico de um resíduo de açúcar está envolvido em uma ligação glicosídica, ele não pode assumir a forma linear e, portanto, torna-se um açúcar não-redutor. A nomenclatura da ligação glicosídica indica quais os carbonos que estão participando da ligação e qual o anômero envolvido (α ou β). Ordem: 1- configuração α ou β, 2-nome da unidade da extremidade não-redutora adicionando os termos furano e pirano, 3- em parênteses é indicado os átomos envolvidos na ligação glicosídica, 4- nome da segunda unidade. Muitas vezes também se utiliza a nomenclatura abreviada, para a maltose é Glc(α1→4)Glc. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 8 Maltose α(14) (redutor) Lactose β(14) (redutor) Sacarose α,β(12) (não-redutor) A maltose [Glc(α1→4)Glc] contém duas moléculas de glicose unidas por uma ligação glicosídica entre o carbono 1 (carbono anomérico) de uma unidade de glicose e o carbono 4 da outra. A primeira unidade de glicose está sob a forma de anômero α, então a ligação glicosídica é denominada α(14). A segunda unidade, que tem o carbono anomérico livre, pode estar tanto na forma α como na β. Uma vez que o carbono anomérico (C1) da segunda unidade de glicose não está participando de ligação, podendo ser oxidado, a maltose é um açúcar redutor. A lactose [Gal(β1→4)Glc] é um dissacarídeo que ocorre no leite, formado pela ligação de uma molécula de galactose (C1, anomérico) com uma molécula de glicose (C4). Como a hidroxila do carbono anomérico que faz a ligação está na forma β, a ligação glicosídica da lactose é β(14). Uma enzima específica denominada lactase, presente no trato intestinal de mamíferos, realiza a hidrólise dessa ligação. Indivíduos que não apresentam esta enzima (ou em casos onde sua ação é deficiente) desenvolvem uma condição clínica chamada de intolerância à lactose, uma vez que não conseguem digerir esse dissacarídeo, o que causa um quadro de dores abdominais, excesso de formação de gases e diarreia. Por outro lado, a sacarose [Glc(α1↔2β)Fru ou Fru(2β↔α1)Glc] é um dissacarídeo formado por uma molécula de glicose (C1, anomérico) e uma de frutose (C2, anomérico). Como a ligação ocorre entre o anômero α da glicose e o anômero β da frutose, ela é denominada α,β (12). Uma vez que ambos os carbonos anoméricos estão participando da ligação, não existe a presença de uma extremidade redutora. A sacarose é, portanto, um açúcar não redutor. A sacarose é sintetizada nos vegetais (principal produto intermediária da fotossíntese) e é a principal forma na qual os açúcares podem ser transportados das folhas até as demais partes da planta. A trealose [Glc(α1↔α1)Glc] é um dissacarídeo de glicose não-redutor e é o principal constituinte da hemolinfa (insetos). 2.2.3 Polissacarídeos Os polissacarídeos (glicanos) são polímeros de carboidratos e apresentam n unidades (>20) que formam longas cadeias, podendo ter cadeias de centenas a milhares de Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 9 unidades. Os polissacarídeos diferem uns dos outros nos tipo de unidade monomérica constituinte, nos tipos de ligação que as unem, no comprimento das suas cadeias bem como no grau de ramificação das cadeias. Então, alguns tem cadeias lineares (celulose), outros cadeias ramificadas (glicogênio). Ainda que a celulose e o glicogênio sejam formados por D-glicose, eles diferem entre si no tipo de ligação glicosídica e assim tem propriedades e funções diferentes. Os homopolissacarídeos contém apenas um tipo de unidade monomérica, enquanto que os heteropolissacarídeosapresentam mais de um tipo. Enquanto uns homopolissacarídeos servem como forma de armazenamento de energia (amido, glicogênio), outras possuem funções estruturais (celulose, quitina). Dentre os heteropolissacarídeos, destacam-se os açúcares formadores do peptideoglicano (camada rígida do envoltório bacteriano) e os glicosaminoglicanos (heparina, condroitina, queratina...), os quais fornecem suporte extracelular. De fato, a matriz extracelular que mantém unidas as células individuais fornecendo proteção, forma e suporte para as células, tecidos e órgãos é formada por vários tipos de heteropolissacarídeos. Diferente das proteínas, em geral os polissacarídeos não têm massa molecular definida, pois para sua síntese não existe molde, e portanto, no há um ponto final específico para o processo de síntese. Numa cadeia longa de polissacarídeo, a ponta redutora (ou extremidade redutora) corresponde à última molécula da cadeia que exibe um carbono anomérico que não está envolvido em uma ligação glicosídica. Essas cadeias podem ser lineares ou ramificadas. Essas cadeias podem interagir, principalmente por pontes de hidrogênio formadas intramolecularmente ou com uma cadeia diferente, formando estruturas tridimensionais, que tendem a formas hélices, espirais ou manter-se linear, dependendo da estrutura. Apesar de não apresentarem sabor doce, os polissacarídeos contribuem muito na textura dos alimentos. Eles são, geralmente, responsáveis por características sensoriais como viscosidade, consistência e resistência. 2.2.3.1 Homopolissacarídeos a) Amido O amido é a principal forma de depósito de glicose nos tecidos vegetais. Ele é um polímero de longas cadeias de glicose unidas por ligações glicosídicas. O amido contém dois tipos de polímero de glicose: a amilose e a amilopectina. A amilose é formada por cadeias longas lineares (não-ramificadas) unidas por ligações α(14). A amilopectina é constituída por cadeias ramificadas. As unidades de glicose também são ligadas por ligações do tipo α(14), mas os pontos de ramificação são α(16). O amido possui ramificação a cada 24-30 unidades. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 10 b) Glicogênio O glicogênio é a principal forma de depósito de glicose nos tecidos animais, é uma reserva energética de fácil mobilização. Assim como a amilopectina, o glicogênio é constituído por longas cadeias ramificadas unidas por ligações α(14) nas partes lineares e α(16) nos pontos onde a cadeia ramifica-se. O glicogênio possui ramificação a cada 8-12 unidades, logo é mais ramificado e compacto que o amido. Devido a extensa ramificação, este polímero contém muitos terminais não-redutores e apenas 1 redutor. Durante a degradação, a glicose é removida dos terminais não redutores. Os principais tecidos de armazenamento de glicogênio são o tecido hepático e o músculo esquelético. Tanto o amido quanto o glicogênio são armazenados na forma de grânulos. As suas moléculas são altamente hidratadas, devido aos grupos hidroxila que formam pontes de hidrogênio com a água. Os grânulos de glicogênio também contém as enzimas de síntese e degradação. O benefício de se armazenar a glicose na forma de um polímero como o glicogênio (insolúvel) é evitar um aumento osmolaridade da célula que ocorreria se a glicose estivesse em sua forma livre, o que poderia causar lise da célula pela entrada de água por osmose. Além disso, seria energeticamente impossível captar mais glicose pela diferença de concentração existente. c) Dextranas São os polissacarídeos existentes em bactérias e fungos constituídos por poli-D-glicose e com os resídos unidos por meio de ligações (α1→6). Todos contém ramificações (α1→3) e alguns Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 11 também tem ramificações(α1→2) ou (α1→4). A placa bacteriana nos dentes é rica em dextranas. Existem também as dextranas sintéticas usadas para cromatografia. d) Celulose A celulose é uma substância fibrosa, resistente e insolúvel em água, encontrada na parede celular das células vegetais. Como a amilose, a molécula de celulose é um homopolissacarídeo linear (não ramificada), mas que, diferente do amido e do glicogênio, possui 10 a 15 mil unidades de D- glicose ligadas por ligações do tipo β(14). Diferente do amido e do glicogênio, cujas ligações glicosídicas podem ser hidrolisadas por enzimas digestivas (α-amilases), a celulose não pode ser utilizada pela maioria dos animais vertebrados, uma vez que não possui a enzima que hidrolisa as ligações β(14), a celulase. Os cupins podem digerir a celulose pois contém um microorganismo simbiótico que secreta constantemente a enzima. e) Quitina A quitina é um polissacarídeo constituído por monômeros de N-acetilglicosamina em ligação do tipo β(14). Assim como a celulose, tem função estrutural e não é digerível pelos vertebrados. Ela é o principal componente do exoesqueleto dos artrópodes. Dobramento dos homopolissacarídeos Subunidades com estrutura mais ou menos rígida e ditada por ligações covalentes formam a estrutura tridimensional dos homopolissacarídeos. Essas estruturas macromoleculares são estabilizadas por interações fracas entre as moléculas ou no interior delas: pontes de hidrogênio, interações hidrofóbicas ou de van der Walls e interações eletrostáticas nos polímeros com subunidades contendo cargas elétricas. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 12 Para o amido e para o glicogênio, a estrutura tridimensional mais estável é a de uma hélice estreitamente espiralada, estabilizada por pontes de hidrogênio intracadeia. Para a celulose a conformação mais estável é aquela na qual cada resíduo em “cadeira” está girado 180º em relação às subunidades vizinhas, formando uma cadeia reta e estendida. As hidroxilas formam pontes de hidrogênio com as cadeias vizinhas. As pontes de hidrogênio intra e intercadeia em várias cadeias estendidas lado a lado produz fibras supramoleculares retas, estáveis e de grande resistência à tensão. 2.2.3.2 Heteropolissacarídeos a) Peptideoglicano O componente rígido das paredes celulares bacterianas é um heteropolímero constituídos por resíduos ácidos alternantes de N-acetilglicosamina e ácido N- acetilmurâmico unidos por ligação (β1→4). A enzima lisozima mata as células bacteriana por hidrolisar estas ligações e é encontrada em quantidade considerável na lágrima (defesa contra infecções bacterianas no olho). b) Ágar Algumas algas marinhas possuem paredes celulares que contém o ágar, uma mistura de heteropolissacarídeos sulfatados compostos por D-galactose e um derivado da L- galactose unidos por ligação éter entre C3 e C6. Os dois maiores compontentes são a agarose (não ramificada) e agaropectina (ramificada). A agarose forma géis com facilidade; o aquecimento seguido pelo resfriamento de uma suspensão de agarose provoca a formação e hélices duplas retendo água na cavidade central. Ela é empregada como meio de cultivo para culturas bacterianas, para separação de ácidos nucleicos por eletroforese e na fabricação de cápsulas de vitaminas e drogas. c) Glicosaminoglicanos A matriz extracelular é composta por uma rede de heteropolissacarídeos e por proteínas fibrosas (colágeno, elastina etc) formando um material geleificado. Dentre estes componentes estão os glicosaminoglicanos os quais são polímeros lineares constituídos por unidades repetitivas de dissacarídeos. Um destes dissacarídeos é a N-acetilglicosamina ou N-acetilgalactosamina, e o outro, na maioria dos casos, é um ácido urônico (D-glicurônicoe L-idurônico). Por vezes, uma ou mais hidroxilas podem estar sulfatadas. A combinação dos Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 13 grupos carboxilato e sulfato cria alta densidade de cargas negativas gerando uma conformação estendida para evitar repulsão. O ácido hialurônico é formado por unidades alternadas de ácido glicurônico e N- acetilglicosamina. É uma solução altamente viscosa, de consistência gelatinosa, que funciona como lubrificante nos fluidos sinoviais. Também é constituinte do humor vítreo e confere elasticidade e resistência às cartilagens e tendões. A hialuronidase é uma enzima secretada por bactérias patogênicas capaz de romper esta estrutura, facilitando a infecção. A união de glicosaminoglicanos com proteínas extracelulares dá origem aos proteoglicanos. Estes glicosaminoglicanos são mais curtos e a ligação à proteína é covalente. Dentre estes estão a condroitina sulfato, a dermatana, a queratina sulfato e a heparina. A condroitina sulfato contribui para a resistência à tensão das cartilagens, tendões, ligamentos e das paredes da aorta. A substituição de muitos resíduos de glicuronato por iduronato (epímeros) dá origem à dermatana sulfato que colabora para a flexibilidade da pele e está também presente em vasos sanguíneos e valvas cardíacas. A queratina sulfato não possui ácido urônico e está presente em uma variedade de estruturas duras formadas por células mortas como cabelos, unhas, chifres, garras, conferindo um caráter rígido. Por último, a heparina é um anticoagulante natural, sintetizada nos mastócitos. É composta por unidades dissacarídeas repetidas compostas por ácido urônico e um açúcar aminado. A heparina interage com a antitrombina, formando um complexo ternário que inativa várias enzimas da coagulação, tais como os fatores da coagulação (II, IX e X) e mais significativamente a trombina. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 14 2.3 Glicoconjugados – Proteoglicanos, glicoproteínas e glicolipídios Além de suas importantes funções de reserva de combustíveis e estruturais, os poli e oligossacarídeos também agem como portadores de informações: eles funcionam como rótulos de endereçamento em algumas proteínas e como mediadores nas interações específicas entre as células e entre as células e a matriz extracelular. Na maioria dos casos o carboidrato sinalizador é covalentemente ligado a uma proteína ou lipídio formando um glicoconjugado. a) Proteoglicanos São macromoléculas presentes na superfície da célula ou da matriz extracelular. A sua unidade básica consiste de uma proteína central ligada covalentemente a uma ou mais cadeias de glicosaminoglicanos (heparana sulfato, condroitina sulfato ou queratana sulfato). A parte glicosaminoglicano frequentemente maior e é o principal sítio de ação biológica. Os proteoglicanos são o maior compontente dos tecidos conjuntivos como as cartilagens e através das múltiplas interações não- covalentes com outras moléculas produzem resistência e elasticidade. Estas moléculas agem como organizadoras de tecidos, influenciam o Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 15 desenvolvimento dos tecidos especializados, medeiam as atividades de vários fatores de crescimento e regulam a montagem extracelular das fibrilas de colágeno. A proteína central pode pertencer a família das sindecanas. Um trissacarídeo conecta covalentemente a o(s) glicosaminoglicano(s) (ex. cadeias de heparana sulfato) à proteína geralmente em um resíduo de serina. A porção heparana sulfato pode ligar uma série de compostos extracelulares modulando a interação destes ligantes com os receptores específicos na superfície da célula. A porção glicano dos proteoglicanos aprensenta grande heterogeneidade em suas sequências o que gera diferenças na habilidade de se ligar a proteínas específicas. Os proteoglicanos podem ser secretados na matriz extracelular ou ainda fazem parte de proteínas integrais de membrana. As glipicanas são outra família de proteínas centrais, as quais são ligadas à membrana por uma âncora lipídica. Os domínios S da heparana sulfato ligam-se de forma específica a proteínas extracelulares e a moléculas sinalizadoras para alterar suas atividades. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 16 Alguns proteoglicanos podem formar agregados de proteoglicanos, enormes conjuntos supramoleculares de muitas proteínas centrais, todas ligadas a uma única molécula de hialuronato. A proteína central agrecana tem cadeias múltiplas de condroitina sulfato e queratana sulfato. As agrecanas interagem fortemente com o colágeno na matriz extracelular das cartilagens, contribuindo para o desenvolvimento e resistência à tensão deste tecido conjuntivo. Entremeadas com estes enormes proteoglicanos extracelulares estão as proteínas fibrosas da matriz como colágeno, queratina, elastina e fibronectina. b) Glicoproteínas As glicoproteínas são compostos formados pela conjugação de carboidratos e proteínas nas quais a porção carboidrato é menor e estruturalmente são mais variados que os glicosaminoglicanos nos proteoglicanos. Embora esta porção carboidrato seja menor, ela é mais complexa e portanto, mais rica em informação. Os carboidratos estão unidos ao grupo hidroxila de resíduos de serina ou treonina (O-ligados) através do carbono anomérico por ligação glicosídica, ou através de ligação glicosídica com o nitrogênio da função amida de um resíduo de asparagina (N-ligado). Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 17 A superfície externa da membrana plasmática tem muitas glicoproteínas unidas covalentemente a oligossacarídeos de complexidade variada. Além das proteínas de superfície celular e proteínas extracelulares, muitas das proteínas secretadas pelas células eucarióticas são glicoproteínas, incluindo a maioria das proteínas do plasma sanguíneo (ex. imunoglobulinas, alguns hormônios como FSH, LH, TSH etc). À adição de carboidratos às proteínas ainda não está bem compreendida. Entretanto, os agregados de carboidratos altamente hidrofílicos alteram a polaridade e a solubilidade das proteínas com as quais estão conjugados. As cadeias de oligossacarídeos ligadas a proteínas recém-sintetizadas no complexo de Golgi podem também influenciar a sequência de eventos que ocorrem durante o enovelamento do polipeptídeo e que determina a estrutura terciária da proteína. c) Glicolipídios Alguns lipídios também contém cadeias de oligossacarídeos ligadas covalentemente. Os glicolipídios e os lipopolissacarídios são componentes da membrana plasmática com cadeias de oligossacarídeos expostas na superfície externa da célula. Os gangliosídeos são lipídios de membrana das células eucarióticas, nos quais, o grupo cabeça polar, a parte do lipídio que forma a superfície externa da membrana, é um oligossacarídio complexo contendo ácido siálico e outros resíduos de monossacarídeos. Os lipopolissacarídeos constituem a característica dominante da membrana externa de bactérias gram negativas como E. coli. 2.4 Carboidratos como moléculas informacionais Os monossacarídeos podem ser montados em uma variedade de oligossacarídeos quase ilimitada; estes, por sua vez, diferem entre si pela estereoquímica e posição das ligações glicosídicas, pelo tipo e orientação de grupos substituintes, e pelo número e tipo de ramificações. Os oligossacarídeos exibem densidade de informação muito maior que os ácidos nucléicose proteínas. As lectinas são proteínas com domínios de ligação de carboidratos altamente específicos; elas são encontradas na face externa das células e iniciam as interações com outras células. Nos vertebrados existem rótulos de marcação que são “lidos” pelas lectinas que governam a velocidade de degradação de alguns hormônios peptídicos, de proteínas circulantes e de células sanguíneas. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 18 A adesão de patógenos virais e bacterianos às células alvo animais ocorre por meio da ligação de lectinas, presente nesses patógenos, a oligossacarídeos presentes na superfície da célula. As lectinas também estão presentes dentro das células, onde elas medeiam o endereçamento protéico intracelular. Existe uma complementariedade entre a lectina e o açúcar. As selectinas são lectinas da membrana plasmática que se ligam a cadeias de carboidratos da matriz extracelular ou da superfície de outras células; dessa forma, medeiam o fluxo de informações entre a célula e a matriz ou entre as células. 2.4 Introdução à digestão e metabolismo dos carboidratos Os principais sítios de digestão dos carboidratos da dieta são a boca e o intestino delgado. Os principais polissacarídeos da dieta são de origem animal (glicogênio) e vegetal (amido). A digestão inicia na boca, durante a mastigação, pela ação da amilase salivar, que atua rompendo algumas das ligações α(14), formando oligossacarídeos menores. A ação da amilase é inibida no estômago devido ao pH ácido. Assim, a digestão dos carboidratos só vai continuar quando o conteúdo gástrico atingir o intestino, onde vai sofrer a ação da amilase pancreática, que continua o processo de digestão. A digestão final ocorre pela ação das oligossacaridases e dissacaridases que, que liberam os monossacarídeos no intestino. Os monossacarídeos são, então, absorvidos pelas células da mucosa do intestino, atingindo a corrente sanguínea. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 19 No caso de algum defeito na digestão dos carboidratos, os mesmos atingem o intestino grosso onde, por uma ação osmótica, retém água no lúmen intestinal causando diarreias osmóticas. A glicose ocupa uma posição central no metabolismo dos vegetais, animais e microorganismos. É um bom combustível e sua oxidação completa gera uma grande quantidade de energia sob a forma de ATP, que é utilizada na manutenção das funções e processos celulares. Além de ser um excelente combustível, a glicose também é um importante precursor de intermediários metabólicos utilizados em diversas reações biossintéticas (aminoácidos, nucleotídeos, coenzimas, ácidos graxos...). Nas plantas vasculares e nos animais, a glicose tem 4 destinos principais: ela pode ser usada na síntese de polissacarídeos estruturais ela pode ser armazenada (como amido, glicogênio, sacarose...) ela pode ser oxidada para fornecer ATP ela pode ser oxidada pela via das pentoses para produzir ribose 5-fosfato (que participa da síntese de ácidos nucléicos) e NADPH (que participa dos processos de redução biossintética). Por outro lado, os organismos que, por algum motivo, não têm acesso à glicose de origem externa, precisam sintetizá-la. Existem 2 formas principais de sintetizar glicose: Fotossíntese: pela redução do CO2 atmosférico usando energia luminosa. Neoglicogênese: a partir de precursores com três átomos de carbono. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 20 3 Considerações finais Quimicamente, os carboidratos são poli-hidroxialdeídos ou poli-hidroxicetonas ou substâncias que os liberam por hidrólise. A sua unidade básica é uma cadeia carbônica com com no mínimo 3 carbonos, grupos hidroxila e um grupo carbonila que, dependendo da sua posição, origina uma aldose ou uma cetose. Os carboidratos podem ser classificados em monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos. Dentre os monossacarídeos está a glicose, um glicídio central no metabolismo energético. Dois monossacarídeos podem ser unidos através de um ligação O-glicosídica formando dissacarídeos como a sacarose, a maltose e a lactose. Os dissacarídeos podem ser classificados em redutores ou não-redutores. Oligossacarídeos maiores tendem a ocorrer associados a outras moléculas e não em sua forma livre, e eles contém uma variedade de informação biológica. Polímeros de carboidratos são chamados polissacarídeos e podem conter somente um tipo de unidade sacarídica (homopolissacarídeo) ou mais de um tipo (heteropolissacarídeo). Os homopolissacarídeos como o glicogênio e o amido apresentam funções de reserva energética, já a celulose e a quitina exercem funções estruturais. Dentre os heteropolissacarídeos está o peptideoglicano, componente da parede celular das bactérias, o ágar componente da parede celular de algas e os glicosaminoglicanos como a heparina, a queratina, a condroitina e o ácido hialurônico. Por fim, os carboidratos podem ser conjugados à proteínas e a lipídios formando os proteoglicanos, as glicoproteínas e os glicolipídios que em conjunto são chamados de glicoconjugados. Portanto, os carboidratos desempenham uma variedade de funções biológicas. . 4 Bibliografia Nelson, DL; Cox, MM. Princípios de bioquímica de Lehninger, 6ª edição, Porto Alegre, Artmed, 2014. Champe, PC et al. Bioquímica ilustrada, 4ª edição, Porto Alegre, Artmed, 2009. Cristiani Bortolatto e Bibiana Gai 21 ANEXOS
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