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Online 6- A reorientação da política eterna do estado brasileiro: a guinada americanista
Introdução
A escrita biográfica se tornou uma das principais características da historiografia contemporânea, o que evidencia a falência das abordagens estruturalistas, como a história social francesa, que durante décadas considerou a biografia um tipo menos legítimo de pesquisa histórica. Por isso, com o objetivo de apresentar a você as tendências mais atuais da pesquisa historiográfica, a sexta aula de nosso curso de História do Brasil Republicano propõe a reflexão a respeito da política externa desenvolvida pelos primeiros governos republicanos a partir de uma perspectiva biográfica. Vamos estudar as atuações daqueles que foram o principal formulador e o principal crítico da política externa republicana: respectivamente, o tradicional líder monarquista José Maria da Silva Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco, e o escritor paulista Eduardo Prado. A partir da ação político-intelectual desses dois personagens, é possível perceber a complexidade do período, que foi caracterizado pela insegurança e pela instabilidade típica dos momentos de transição. A política externa desenvolvida pelos primeiros governos republicanos escolheu dois objetivos como prioridades: resolver os problemas de fronteiras que ainda tencionavam as relações com os países vizinhos e propor uma aproximação com os Estados Unidos, o que ficou conhecido na época como “pan-americanismo brasileiro”. Essas duas prioridades demonstram o interesse da jovem República brasileira em estreitar laços com seus vizinhos americanos, inserindo-se efetivamente na geopolítica continental, o que destoou notoriamente do “europeísmo”, principal característica da política externa idealizada e efetivada pelo regime monárquico. É necessário contextualizar essa orientação na história política do continente americano, que, como vimos na primeira aula desse curso, é caracterizado pela tradição republicana. Quando, em 1889, o Brasil se tornou uma República e deixou de ser um “corpo estranho” no Novo Mundo, tornou-se necessária a aproximação com os vizinhos continentais, que, ao longo do século XIX, trataram a monarquia tropical brasileira com grande desconfiança, situação que se manifestou de forma explícita na Guerra do Paraguai (1864-1870). É exatamente essa reorientação o tema desta sexta aula. A República não poderia se consolidar apenas internamente. Também era necessário fazê-lo perante a opinião pública internacional. Esse foi um dos grandes desafios dos primeiros governantes da República brasileira.
A repercussão da proclamação da República brasileira na opinião pública internacional
Em um momento no qual a imprensa já estava bem-desenvolvida, quando os jornais circulavam com certo dinamismo entre os países ocidentais, a proclamação da República no Brasil repercutiu bastante internacionalmente.
Vejamos, a seguir, a visão de Boris Fausto sobre essa repercussão:
Recebida com restrições na Inglaterra, a proclamação da República foi saudada com entusiasmo na Argentina e aproximou o Brasil dos Estados Unidos. A mudança de regime se deu quando estava em curso, em Washington, a I Conferência Internacional Americana, convocada por iniciativa dos Estados Unidos. O representante brasileiro na conferência foi substituído por Salvador Mendonça, republicano histórico, que coincidiu com muitos dos pontos de vista norte-americanos (2006, p. 142).
O golpe militar de novembro de 1889 pôs fim ao período no qual o Brasil foi uma exceção política no continente americano. É claro que uma mudança dessa natureza foi acompanhada de perto pela comunidade política internacional e provocou uma sensível reorientação na política externa que até então vinha sendo desenvolvida pelo governo monárquico.
Tratou-se da busca por uma aproximação maior com as repúblicas americanas, sobretudo com os Estados Unidos, o que, necessariamente, não significou o total abandono do diálogo com os países europeus.
O pan-americanismo
Estudaremos, agora, o pan-americanismo(Doutrina criada no século XIX que pregava a solidariedade entre as nações americanas. Como o pan-americanismo era parte integrante da política externa dos Estados Unidos, o governo imperial brasileiro, tradicional aliado das potências europeias, procurou manter distância das articulações para a criação de um sistema político continental. Com o advento da República e a aproximação dos Estados Unidos, o governo brasileiro passou a se envolver mais na defesa do pan-americanismo, chegando mesmo a abrigar a III Conferência Pan-Americana, realizada no Rio de Janeiro em 1906.) do Barão do Rio Branco. 
A mudança no eixo diplomático ficou ainda mais clara a partir de 1902, quando José Maria da Silva Paranhos Jr., aquele que, na monarquia, havia sido o Barão do Rio Branco, assumiu o comando do Ministério das Relações Exteriores.
A longevidade da presença de José Paranhos nessa pasta ministerial mostra que, apesar da instabilidade dos primeiros anos de vida do regime da República, houve certa continuidade naquilo que se refere ao planejamento da política internacional. 
Seria exagerado dizer, ainda de acordo com as considerações de Boris Fausto, que a política externa criada e desenvolvida por José Paranhos buscou um alinhamento automático com os Estados Unidos.
O objetivo, na verdade, era alcançar, para o Brasil, a posição de primeira potência sul-americana.
O Barão do Rio Branco (1845-1912) foi um dos patronos da diplomacia brasileira e um dos principais representantes do “adesismo”. O adesismo foi um termo utilizado para designar o movimento de adesão à República por parte das lideranças monarquistas.
A aproximação com os EUA e seus benefícios
Foi sob o comando do Barão do Rio Branco que o Ministério das Relações Exteriores se tornou um dos segmentos mais nobres do serviço público brasileiro. 
O barão era um defensor enfático da Doutrina Monroe. (Foi assim que ficou conhecida a política internacional desenvolvida pelos Estados Unidos no início da década de 1820, quando James Monroe era o presidente. O lema da Doutrina Monroe era “A América para os americanos”, o que, na prática, significava a crítica à influência dos países europeus, particularmente a Inglaterra, nos assuntos no continente americano. A Doutrina Monroe propunha que os Estados Unidos se tornassem o grande parceiro diplomático das jovens nações americanas.).
Ao lado de uma política estratégica de aproximação com os Estados Unidos, vista como forma de assegurar a hegemonia brasileira na América do Sul, o Barão do Rio Branco tratou também de ampliar o número de representantes do Brasil no exterior a fim de intensificar as relações internacionais do país.
De acordo com a historiadora Alexandra de Mello e Silva, o pan-americanismo de Rio Branco foi ilustrativo do pragmatismo político desse líder, que não demonstrou o menor constrangimento ao prestar seus serviços à causa do novo regime. 
Vejamos o que nos diz Alexandra:
Um traço característico do pensamento de Rio Branco é a sua clara percepção da emergência dos EUA como polo de poder hemisférico e mundial, e das vantagens que se poderia retirar das relações com a nova potência. Tanto Joaquim Nabuco quanto Rio Branco viam a associação estreita com os EUA como um recurso de poder simbólico destinado a ampliar o capital diplomático do Brasil e assegurar a defesa dos interesses nacionais. Estes últimos eram definidos em termos de supremacia brasileira na América do Sul, defesa da unidade nacional através da consolidação das fronteiras, defesa da soberania nacional dentro e fora (em relação à Europa) do continente, e ampliação do prestígio internacional do país.
Mello e Silva, 1995, p. 138.
Como podemos ver na reflexão da autora, seria reducionista afirmar que a estratégia geopolítica desenvolvida pelo Ministério chefiado por Rio Branco consistiu exclusivamente na busca pela aproximação com os Estados Unidos.
Houve também o interesse em consolidar as fronteiras nacionais e terminar com litígios que comprometiamhavia décadas a harmonia na relação entre o Brasil e seus vizinhos limítrofes. (NOS LIMITES)
No início da República, os principais pontos de conflitos fronteiriços se localizavam na região norte/noroeste do território nacional: querelas( DISPUTAS) com a França e a Inglaterra por causa dos limites com as Guianas (Naquilo que se refere aos problemas de limites com as Guianas, não houve grandes desdobramentos políticos, já que as partes envolvidas não se opuseram às decisões da arbitragem internacional. No caso do Amapá, a vitória coube à diplomacia brasileira, mas isso não ocorreu na Questão do Pirara . Nessa ocasião, a delimitação proposta pelo Brasil foi derrotada pela Inglaterra. No sul, após o arbitramento dos Estados Unidos, a diplomacia brasileira obteve uma importante vitória sobre a representação argentina na Questão de Palmas..), e com a Bolívia e o Peru por causa do Acre(De todos esses casos, certamente o que se mostrou mais complexo foi o do Acre. Esse território pertencia à Bolívia e ao Peru, sendo constantemente marcado pelos conflitos entre os exércitos desses países e grupos brasileiros envolvidos com a exploração da borracha, produto que, na época, era extremamente valorizado nos mercados internacionais. Depois de um período marcado por grandes tensões, no qual ambos os lados radicalizaram suas posições, quando um grupo de brasileiros proclamou a independência do Acre, enquanto o governo boliviano decidiu arrendar o território para uma grande empresa norte-americana, chegou-se finalmente a um acordo. Em 1903, foi assinado o Tratado de Petrópolis, pelo qual a Bolívia cedia ao Brasil seus direitos sobre o Acre em troca de uma indenização e de algumas compensações comerciais. Seis anos mais tarde a questão seria definitivamente concluída com a assinatura de um tratado entre o Brasil e o Peru.). Já no sul, a disputa era travada com a Argentina, em torno da região de Palmas, que está situada no oeste dos estados de Santa Catarina e Paraná.
A Questão do Pirara foi um conflito diplomático entre Portugal (depois o Brasil) e Inglaterra iniciado no início do século XIX e terminado em 1904. Envolvia a posse de territórios entre o atual estado de Roraima e a atual Guiana.
Mapa com as áreas contestadas pelos ingleses. A escala está levemente desproporcional.
Se algum dos soldados que defendiam a soberania portuguesa na região do vale do rio Branco fosse questionado quanto aos mais resistentes invasores enfrentados, ele certamente apontaria os ingleses. A disputa entre partes do território luso-brasileiro entre Portugal e Inglaterra foi além de combates e invasões, envolveu a diplomacia internacional, a advocacia e vários anos sem uma definição final.
A Questão do Pirara foi de todos os contenciosos fronteiriços em que o Brasil se envolveu, o único em que o país saiu em desvantagem. Com a perda da área, o Brasil não só deixou de ter acesso à Bacia do Essequibo, através do Rupununi, como deu a então Guiana Inglesa (atual República Cooperativa da Guiana) acesso à Bacia Amazônica através dos seus afluentes Tacutu e Irengue.
A Questão de Palmas, foi um contencioso em Relações Internacionais, entre os governos da Argentina e do Brasil, entre 1890 e 1895, que disputaram aquele território, hoje brasileiro.
O Barão do Rio Branco e a nobreza meritocrática brasileira
José Maria da Silva Paranhos Jr. é um típico representante de certa concepção de nobreza que particularizou a história do Brasil durante grande parte do século XIX. Diferentemente do que aconteceu com suas congêneres( SEMELHANTES) europeias, a monarquia brasileira não estabeleceu a hereditariedade como principal critério para a aquisição de títulos honoríficos.( DIGNO DE RESPEITO). Ou seja, no Brasil Império, o fato de o pai ter um título de nobreza não significava necessariamente que o filho também o teria. 
Era necessário prestar serviços à monarquia e demonstrar fidelidade ao trono. 
Por isso, podemos dizer que a nobreza brasileira foi meritocrática( MERECIMENTO), e não hereditária.
Nesse sentido, é possível afirmar que José Paranhos foi uma espécie de exceção, já que herdou o título de seu pai, José Maria da Silva Paranhos. ( O PRIMEIRO VISCONDE DO RIO BRANCO E UM DOS DIPLOMATAS MAIS IMPORTANTES DO SÉCULO XIX BRASILEIRO).
Tal fato, porém, não se deve apenas ao aspecto hereditário, mas também, sobretudo, à questão técnica. De acordo com o cânone político-ideológico brasileiro, o serviço público deveria ser ocupado por uma nobreza qualificada para exercer essa função.
Foi exatamente esse o caso de José Paranhos Jr., que foi treinado naquela que foi uma das principais instituições de ensino em funcionamento no Brasil nesse período: a Faculdade de Direito de São Paulo.
Eduardo Prado, o monarquismo e a crítica ao pan-americanismo
A trajetória político-intelectual do escritor paulista Eduardo Paulo da Silva Prado( 1860-1901) já foi examinada em aulas anteriores, quando estivemos interessados nos conflitos políticos travados nos primeiros anos da República brasileira.
Já vimos, então, que Eduardo Prado foi uma das principais lideranças monarquistas, tendo se envolvido diretamente com algumas tentativas restauradoras ao longo da década de 1890. 
Como desdobramento dessa postura antirrepublicana, Eduardo Prado criticou a aproximação dos primeiros governos republicanos com os Estados Unidos, o que já era perceptível uma década antes da efetivação de José Paranhos como o principal condutor da política externa brasileira.
Em 1893, Eduardo Prado escreveu A ilusão americana, certamente um dos principais ataques impressos às novas instituições, sendo, por isso, o primeiro livro a ser censurado pela República brasileira. 
Tratou-se de uma obra na qual o escritor paulista criticou, entre outros fatores, a política externa elaborada pela diplomacia republicana.
A definição da República como uma espécie de interrupção da marcha nacional rumo à civilização, representada na América, segundo Eduardo, pela monarquia católica, foi uma das principais marcas do antirrepublicanismo que começou a se constituir a partir do final da década de 1880 na obra desse autor.
Não tardou para que a ditadura militar chefiada por Floriano Peixoto se manifestasse a respeito do livro de Eduardo Prado, considerado subversivo pelos censores a serviço do governo. Em decorrência disso, todos os exemplares foram recolhidos ainda na Tipografia Salesiana, onde haviam sido impressos.
A fuga de Prado
Eduardo Prado estava em sua fazenda do Brejão quando recebeu, em meados de novembro de 1893, a visita de seu grande amigo Álvaro de Carvalho, que trazia consigo um bilhete assinado por Bernardino de Campos, presidente do Estado de São Paulo entre 1892 e 1896(1841-1915).
Tratava-se de uma advertência de que, no Rio de Janeiro, a administração florianista já havia autorizado à prisão de Eduardo, e homens do Exército já policiavam os portos de Santos e do Rio de Janeiro para evitar qualquer tentativa de fuga.
De acordo com as considerações da historiadora Carmen Lucia Tavares Felgueiras, que se dedicou a estudar a obra de Eduardo Prado, esse escritor analisou a sociedade norte-americana a partir de um viés crítico no qual a “tradição protestante foi fundamentada na ideia de competição, padrão que, segundo Eduardo Prado, tentou ser seguido pela recém-proclamada República brasileira e consistiu, por isso, em um dos piores erros do novo regime” (1999, p. 34).
Começou assim a fuga de Eduardo pelo sertão da Bahia, por onde ele chegou ao porto de Salvador e embarcou em um navio inglês que o levou à Europa, onde permaneceu até fevereiro de 1895, quando, após o fim do governo de Floriano Peixoto, voltou ao Brasil.
Conclusão
Conforme o conteúdo visto, podemos perceber que, nos conflituosos primeiros anos de vida da República brasileira, a política externa também foi um tema polêmico que se constituiu em objeto de disputas entre os republicanos, sendo eles históricos, como Salvador de Mendonça, ou adesistas, como José Paranhos Jr., e as lideranças monarquistas,como Eduardo Prado.
As disputas, sob aspecto algum, pararam por aí e se desdobraram também na esfera econômica. 
É exatamente esse desdobramento que veremos em nossa próxima aula.

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