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A distinção entre Ética

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A distinção entre Ética, Moral, Direito e Justiça. 
 
Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 3, Volume mar., Série 03/03, 2012, p.01-06. 
 
 
Embora sejam conceitos distintos; Ética, Moral, Direito e Justiça; oferecem concepções 
estreitamente relacionadas, influenciando-se mutuamente. 
 
No entanto, o entendimento destas relações carece de clareza para com suas diferenças 
básicas. 
A Ética e o Direito pretendem garantir a Justiça; apesar da Moral, em alguns contextos 
também alardear este principio, a despeito de sua relação com o que é considerado justo 
ser muito relativa, quase nunca atendendo o referenciado pelo conceito. 
O que configura um grande problema, porque o Direito deveria garantir a Justiça, mas é 
fortemente influenciado pela Moral estabelecida. 
Igualmente, racionalizando e tentando padronizar o comportamento humano, a ética 
pretende efetuar uma critica da Moral e, em certos casos, avança no campo do Direito. 
Porém, quase nunca garante que a Justiça se concretize, já que não tem poder de 
coerção, somente de coerção relativa. 
Portanto, qualquer que seja o referencial, a questão inicial e central remete ao que 
entendemos por Justiça. 
 
 
O conceito de Justiça. 
Definir o que é justo não é uma tarefa fácil, vários filósofos e juristas já discutiram o 
tema ao longo da história, sem chegar a um consenso. 
Até hoje, cotidianamente, magistrados se deparam com a problemática, em muitos 
casos, tomando decisões que não correspondem necessariamente ao correto em termos 
éticos ou morais. 
O que acontece porque o conceito de Justiça pretende ser pautado pelo Direito, nem 
sempre vinculado com a Moral e, menos ainda, com a Ética. 
Em qualquer caso, para que a Justiça seja efetivada, para que o justo possa ser 
garantido, é necessário entender a concepção em sentido amplo e suas ramificações, 
respondendo a pergunta: afinal o que é a Justiça? 
A Justiça pode ser definida como a equidade, o equilíbrio de condições entre as pessoas; 
mas é também a garantia de participação na distribuição do poder entre os indivíduos. 
O que remete a origem de sua concepção nos primórdios da humanidade e às primeiras 
civilizações. 
A palavra Justiça deriva do sânscrito yòh, correspondendo à ideia religiosa de salvação; 
a partir de onde vem o radical, no mesmo idioma, ju (yu), significando ligar, evocar a 
proteção divina. 
Uma concepção em concordância com a subjetividade inicial da Justiça, pois os 
primeiros agrupamentos humanos tiveram um viés igualitário entre seus membros, sem, 
no entanto, deixar de possuir uma hierarquia interna, comportando um paradoxo 
existencial. 
A máxima do senso comum - “alguns são mais iguais que outros” - sempre existiu 
desde os primórdios da humanidade, já que a Justiça sempre foi relativizada, 
circunscrita à vontade dos deuses e seu teor metafísico, não concreto ou palpável. 
Razão que explica o fato da Justiça não ser pautada por normas escritas, mesmo quando 
existente, entre vários povos da antiguidade; sendo relativizada, aderente a Moral 
vigente e aos interesses das elites dirigentes. 
Problema que, em dados momentos, causou a revolta da população atingida 
desfavoravelmente pela flexibilização da Justiça, cunhando o que, depois, seria 
chamado de Direito. 
É neste sentido que, entre os romanos, surgiu a Lex, a norma, a regra claramente 
definida, que deveria servir de padrão para as decisões que visam a Justiça. 
A própria origem da palavra regra simboliza o que a lei passa a representar; o termo 
vem do latim reg, determinando a ideia de comando; de onde nasceu à 
expressão regula; o fez derivar as palavras regra e régua, transmitindo a acepção de 
direção, referencial para o comportamento. 
Portanto, a Justiça é, antes de tudo, garantia da possibilidade de convivência entre 
desiguais, tentando equiparar e padronizar respostas a problemas que se apresentam, 
forçosamente, na vida em sociedade. 
Entretanto, repleto de contradições, tornou-se necessário pautar parâmetros para balizar 
o julgamento do justo e injusto, raiz da Ética, da Moral e do Direito. 
O que suscita perguntar pela questão da felicidade. 
É fato que a Justiça deveria estar atrelada a felicidade, o problema é que o Direito não 
está preocupado em este elemento em âmbito geral ou individual. 
Muito menos a Moral está preocupada com a felicidade, embora tenha uma falsa 
aparência de preocupação com a harmonia coletiva. 
Portanto, cabe investigar o conceito de Direito e sua relação, não só com a Justiça, como 
também com a Moral e a Ética. 
 
 
O conceito de Direito. 
Ao pensar no Direito, um jurista definiria o termo como expressão do conjunto 
sistematizado de regras obrigatórias, de normas, de leis, de comandos, que determinam 
e padronizam comportamentos. 
O Direito é uma Ciência interpretativa da lei, mas também normativa, impondo práticas 
e atos, inserindo-se no contexto perpetuo da heteronomia, sem espaço algum para a 
autonomia do sujeito. 
Uma vez que o decidir fica circunscrito apenas ao magistrado, ou quando muito a um 
pequeno grupo de pessoas que, teoricamente, representariam o conjunto da sociedade, o 
chamado júri popular. 
É por isto que, do ponto de vista sociológico, o Direito, como apreciação do fato ou 
fenômeno social, está subordinado a Moral, a imposição de parâmetros nem sempre 
racionalizados; vinculados com pressupostos de senso comum, míticos, religiosos, 
políticos, etc. 
Em suma, o Direito pretende ser Ciência, mas termina subordinado a critérios 
subjetivos, distantes da razão. 
Tendo como objeto a Justiça, pretende sistematizar o comportamento humano, 
fornecendo equidade entre os indivíduos, equilibrando a participação da distribuição do 
poder, em vista da desigualdade entre as pessoas, principalmente sob a ótica do sistema 
capitalista. 
Ocorre que, pertencendo ao Estado, não se isenta da influencia ideológica dos grupos 
hegemônicos; não atendendo sequer a meta de trazer felicidade coletiva, sob a desculpa 
de harmonizar os conflitos de interesses entre os indivíduos. 
No Brasil, o Direito segue a tradição romana, implicando no fato de imputar ao 
individuo a responsabilidade pela busca da felicidade. 
Na Roma antiga, quando alguém considerava que seu direito não estava sendo 
respeitado, tinha a incumbência de ele arrastar o infrator, por seus próprios meios, até o 
Fórum e apresentar o caso ao magistrado para aguardar a sentença. 
O que fazia com que os cidadãos mais poderosos, com maior número de clientes - 
agregados sustentados por ele - detivesse em mãos a justiça, a capacidade de fazer valer 
a lei. 
Concepção, dentro do capitalismo, transferida para o poder monetário que é capaz de 
pagar os melhores advogados, peritos, detetives particulares, enfim, o suporte para 
provar a verossimilhança que sustenta a verdade. 
O Direito é coercitivo, pune o infrator da norma estabelecida, porém, a lei não serve ao 
critério da felicidade ética, atendendo os interesses dos mesmos indivíduos que possuem 
recursos para fazer cumpri-la, em detrimento do que seria considerado justo pelo prisma 
ético. 
Destarte, o Direito atende também aquilo que é imposto pela Moral, complementando 
as sanções que utilizam a coação, para coercitivamente obrigar o individuo a seguir a 
norma; colocando-se com centro do Pacto Social que permite a vida em sociedade. 
Por isto mesmo, a Moral, conforme se modifica, altera a legislação e a interpretação das 
leis. 
A questão é que, hoje, a Moral é formada principalmente através dos meios de 
comunicação, que alteram e fixam mentalidades coletivas, transformando os hábitos de 
senso comum e compondo novas tradições. 
Uma tarefa que, em um passado não tão distante,já foi da religião e do sistema 
educacional. 
Não que estes tenham deixado de exercer influência, inclusive utilizando os meios de 
comunicação, mas na sociedade contemporânea perderam força para as mídias que se 
multiplicam e popularizam. 
Assim, os indivíduos que controlam os meios de comunicação acabam pautando, 
gradualmente, a Moral; exercendo direta e indiretamente influencia sobre o Direito, 
manipulado em favor dos interesses dos grupos hegemônicos. 
Portanto, será que o Direito de fato garante a Justiça? Será que propicia a efetivação do 
que é justo? 
Qualquer que seja a resposta, não garante a felicidade ética sob nenhum ângulo. 
É neste sentido que, filosoficamente, o Direito é expressão normativa do moralmente 
instituído, seguindo a tradição romana e vinculando-se com o positivismo. 
Tanto que, enquanto Ciência Humana, o Direito é Positivista, circunscrito ao poder da 
coerção que resulta da força das leis, dos costumes institucionalizados. 
Opondo-se ao Direito Natural, aquele que é considerado como resultante da natureza 
dos homens e suas relações, considerando as necessidades coletivas e individuais, 
independente das convenções morais ou interpretações do Direito Positivo. 
Estando mais vinculado com a Ética do que com outras esferas. 
Apesar do vinculo estreito entre Moral e Direito, devemos notar que são conceitos 
distintos. 
A própria origem da palavra denota que o Direito - aquilo que não é torto, é legitimo e 
reto - pretende determinar objetivamente o que é certo, teoricamente, objetivando a 
observância dos valores de convivência para harmonizar a sociedade. 
A Moral encontra grande proximidade com este conceito, porque também pretende 
harmonizar, mas utiliza a coação para impor comportamentos padronizados, a punição 
não passa de desaprovação e isolamento social; enquanto a norma, por não ser escrita, é 
mais elástica. 
A Ética apresenta-se diante das duas concepções como possibilidade de repensar 
posturas. 
Deveria servir de parâmetro para ajudar alcançar a justiça e, assim, a felicidade. 
No entanto, em uma sociedade que não sabe o que é Ética e não cultiva seus 
pressupostos básicos: será que consegue fazê-lo? 
 
 
Concluindo. 
Os juristas afirmam que o Direito é norma, forma, fato e costume; pretendendo fixa-la 
como garantia de Justiça. 
Porém, a amplitude conceitual do que pode ser considerado justo não é atendida 
plenamente pelo Direito. 
A coerção exercida pela força das leis garante a observância do que, supostamente, é 
convencionado pelo Pacto Social, em uma tentativa de harmonizar a sociedade e a vida 
coletiva. 
A Moral utiliza a coação para, através da simples expectativa de punição social, fazer as 
pessoas se encaixarem em um padrão de comportamento público, não considerando o 
justo ou a busca da felicidade. 
Já o Direito, embora também não considere a meta individual ou coletiva de busca da 
felicidade, ao menos tenta efetivar a Justiça. 
Entretanto, para concretizar esta intenção, carece da Ética como instrumental. 
O problema é a influencia enorme exercida pela Moral, com a Ética sendo colocada em 
segundo plano ou simplesmente ignorada. 
O real conceito de Justiça, fator de equilíbrio que une coesamente a sociedade e os 
indivíduos, está mais próximo da Ética do que do Direito, distanciando-se da Moral. 
Portanto, para que decisões e posturas justas sejam possíveis, antes é necessário ter 
claro os preceitos e a reflexão ética. 
 
 
Para saber mais sobre o assunto. 
LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. São Paulo: Martins 
Fontes, 1993. 
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002. 
 
 
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos. 
Doutor em História Social pela USP. 
MBA em Gestão de Pessoas. 
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela Universidade de São Paulo.

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