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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Geisa Karine Betezek Rodrigues A FIXAÇÃO DA PENA BASE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO CURITIBA 2012 Geisa Karine Betezek Rodrigues A FIXAÇÃO DA PENA BASE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO Projeto do Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Murilo Henrique Jorge CURITIBA 2012 TERMO DE APROVAÇÃO Geisa Karine Betezek Rodrigues A FIXAÇÃO DA PENA BASE NO DIREITO PENAL BRASILEIRO Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná ________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador de Monografia Banca Examinadora: Orientador: _________________________________ Prof. Dr. Murilo Jorge Membro da Banca: _________________________________ Membro da Banca: _________________________________ Dedico este trabalho aos meus pais e minhas irmãs, por todo apoio e contribuição familiar para minha formação acadêmica. Agradeço a Deus acima de tudo. Agradeço ao meu orientador, Murilo Jorge, pela inestimável orientação e auxílio prestado na elaboração deste trabalho, contribuindo para minha formação acadêmica, colocando- me em contato com a prática forense fonte de conhecimento de inspirações e problemas, razão do meu interesse pelo curso de Direito, em especial o ramo de Direito Penal. ‘’ O homem que perde a riqueza, perde muito; Aquele que perde um amigo perde mais; Mas aquele que perde a coragem perde tudo’’. MIGUEL DE CERVANTES SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 8 2 HISTÓRICO DA PENA ...................................................................................... 9 3 CONCEITO DE PENA.......................................................................................... 14 4 TEORIAS DA PENA ............................................................................................ 15 4.1 TEORIA ABSOLUTA ......................................................................................... 15 4.2 TEORIA RETRIBUTIVA .................................................................................... 16 4.3 TEORIA MISTA ................................................................................................. 18 5 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PENA ........................................................... 20 5.1 HUMANIDADE .................................................................................................. 20 5.2 NECESSIDADE E SUFICIÊNCIA ...................................................................... 21 5.3 CULPABILIDADE .............................................................................................. 22 5.4 INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA ........................................................................ 24 5.5 NE BIS IN IDEM ................................................................................................ 25 6 APLICAÇÃO DA PENA ....................................................................................... 27 6.1 CONCEITO DA APLICAÇÃO DA PENA ........................................................... 27 6.2 FIXAÇÃO DA PENA BASE ............................................................................... 28 6.3 CONCEITO DE CIRCUNSTÂNCIAS ................................................................. 30 6.3.1 Circunstâncias judiciais .................................................................................. 31 6.3.1.1 Culpabilidade ............................................................................................... 32 6.3.1.2 Antecedentes .............................................................................................. 36 6.3.1.3 Conduta social ............................................................................................. 39 6.3.1.4 Personalidade do agente ............................................................................. 40 6.3.1.5 Motivos do crime ......................................................................................... 42 6.3.1.6 Circunstâncias do crime .............................................................................. 44 6.3.1.7 Consequências do crime ............................................................................. 45 6.3.1.8 Comportamento da vítima ........................................................................... 47 7 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 49 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 51 ANEXO.................................................................................................................... 55 7 RESUMO Considerando que a fixação da pena é seguida pelo modelo trifásico, que é a análise da pena base, a análise das circunstâncias legais e as causas de aumento ou de diminuição de pena. O presente estudo busca realizar uma análise crítica sobre a primeira fase da pena, que é a pena base, sendo o artigo 59 do Código Penal. Este artigo refere-se ao primeiro momento da aplicação da pena e neste estão contidas as circunstâncias judiciais que são a culpabilidade, a conduta social, os antecedentes, personalidade, motivos do crime, circunstâncias do crime, consequências do crime e o comportamento da vítima. Estas são analisadas e valoradas pelo juiz e que após, decide o quantum da pena base. Com base nesta análise do juiz, surge-se uma problemática, posto que esta é uma análise subjetiva de julgador e este muitas vezes não tem conhecimento técnico, para tal função, ficando a pena base injusta ao agente. PALAVRA CHAVE: Circunstâncias Judiciais. Fixação da Pena Base. Culpabilidade. Conduta do Agente. Antecedentes. Motivos do Crime. Circunstância do Crime. Consequência do Crime. Comportamento da Vítima. 8 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por finalidade a análise da fixação da pena base, sendo o artigo 59, do Código Penal. Este código adotou a teoria de Nelson Hungria, o qual dividiu a aplicação da pena em três fases, modelo trifásico. A primeira fase foi chamada de pena base, a segunda é as circunstâncias agravantes e atenuantes legais e a terceira é as causas de aumento ou de diminuição de pena. O Magistrado antes analisar as fases da aplicação da pena define a pena a ser imposta segundo o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, que diz que é obrigatoriedade do Juiz declinar de forma fundamentada os motivos pelos quais foi levado a aplicar e optar por uma espécie de pena. Após a definição da mesma, o Magistrado passa a análise da primeira fase da aplicação da pena, em que serão analisadas ascircunstâncias judiciais, as quais são a culpabilidade, a conduta do agente, antecedentes, personalidade, motivos do crime, circunstâncias do crime, consequências do crime e o comportamento da vítima. Nesta fase o juiz analisará e valorará estas circunstâncias judiciais e definirá o quantum da pena a ser aplicada a esta fase. A análise destas circunstâncias judiciais é feita de forma subjetiva pelo Magistrado e este muitas vezes não tem conhecimento técnico, para tal função, ficando a pena base injusta ao agente. 9 2 HISTÓRICO DA PENA As diversas fases da evolução vingança penal deixam claro que não se trata de uma progressão sistemática, com princípios, períodos e épocas caracterizadores de cada um dos estágios. Bittencourt (2006) fala ainda que a doutrina mais aceita é aquela que se divide em uma tríplice, o qual seria a vingança privada, a vingança divina e a vingança pública, mas todas elas sempre marcadas por um profundo sentimento religioso/espiritual. Este doutrinador fala ainda que: Nas sociedades primitivas, os fenômenos naturais maléficos eram recebidos com manifestações divinas (“totem”) revoltadas com a pratica de atos que exigiam reparação. Nesta fase, punia-se o infrator para desagravar a divindade. A infração totêmica, ou, melhor dito, a desobediência, levou a coletividade a punir o infrator para desagravar a entidade. O castigo aplicável consistia no sacrifício da própria vida do infrator. Na verdade, a pena em sua origem distante representa o simples revide à agressão sofrida pela coletividade, absolutamente desproporcional, sem qualquer preocupação com algum conteúdo de justiça. (BITENCOURT, 2006, p.36). Esta fase se convencionou chamar de vingança divina, nesta época a religião exercia grande influência e que a repressão causaria satisfação da divindade. Noronha (1998) fala que “o princípio que domina a repressão é a satisfação da divindade, ofendida pelo crime. Pune-se com rigor, antes com notória crueldade, pois o castigo deve estar em relação com a grandeza de deus ofendido”. Bitencourt (2006) refere-se a esta época como: Trata-se de direito penal religioso, teocrático e sacerdotal, e tinha como finalidade a purificação da alma do criminoso, por meio do castigo. O castigo era aplicado, por delegação divina, pelos sacerdotes, com penas cruéis, desumanas e degradantes, cuja finalidade maior era a intimidação. (BITENCOURT, 2006, p.36-37). 10 A severidade da pena era sua principal característica e esta era aplicada pelos sacerdotes. Nesta época a Igreja ganhou poder e instituiu o Tribunal da Inquisição, que segundo Gonzaga (1998): Através da inquisição unem-se mais fortemente dois Poderes e reafirma-se a doutrina política baseada na idéia das duas espadas: a da Igreja e a do Rei delegadas ambas por Deus, para o exercício da autoridade das duas esferas, espiritual e temporal, com supremacia da primeira. Tanto a justiça comum como a canônica devem trabalhar cojugadamente, somando esforços no sentido de manter a fé, a ordem e a moralidade pública. (Gonzaga, 1998, p. 98). Evoluiu-se, posteriormente, para a vingança privada que era imposta como uma vingança particular e não guardava proporção com quem cometia o crime à espécie de crime cometido. A sua execução ficava a cargo do ofendido e sua família, sendo que em algumas vezes o autor do crime era escravizado e morto, nesta época os efeitos da pena eram desproporcionais, pois, por vezes, eram estendidas aos familiares do acusado, não tinham qualquer preocupação com o conteúdo de Justiça. Muitos autores explicam este primeiro período, mas Nilo Batista (2001) explica o método de proporção utilizada: Na antiga legislação babilônica editada pelo rei Hamurabi, verifica-se que se um pedreiro constituísse uma casa e esta desabasse, matando o morador, o pedreiro seria morto. No entanto se também morresse o filho do morador, o filho do pedreiro haveria de ser sacrificado. De nada adiantaria ter observado as regras usuais nas construções de uma casa, ou pretender associar o desabamento a um fenômeno sísmico (uma acomodação do terreno, por exemplo). Seria sempre, objetivamente responsável. Ele e sua família, dependendo da extensão do dano causado. (BATISTA, 2001, p. 102). Nota-se que, nesta época a pena se estendia a família do acusado também, independente de ter sido ela a causadora do fato. Verifica-se também que a pena não tinha caráter de privação da liberdade. 11 Com a evolução social, surge-se a Lei de Talião, determinando a reação proporcional ao mal praticado: olho por olho, dente por dente, pois igualou o infrator e a vítima, representando a tentativa de humanização da sanção criminal. A Lei de Talião foi muito importante na época que foi adorada ao Código de Hamurabi, este pertencente à Babilônia, no Êxodo, dos Hebreus e na Lei das XII Tábuas, dos Romanos, mas com o tempo foram vendo que não adiantava mais utilizar esta lei, pois os crimes começaram a aumentar e a população começou a ficar deformada, pela perda de membros, sentido ou função. A partir dai evoluiu-se para a composição, em que o infrator comprava a sua liberdade, livrando-se da pena. Com a organização social do Estado, este afastou a vingança privada, que seriam os interesses privados e o da vingança divina, que era atender os interesses divinos, para atender ao interesse do Estado, tendo como objetivo a segurança do soberano ou monarca pela sanção penal. A pena passou a ser feita pelo Estado, deixando para trás os modelos de vingança privada e divina, mas ainda guardou traços de crueldade e desumanidade, e ainda há a desproporcionalidade na aplicação da pena. Nesta fase ainda permanecia as penas corporais, penas pecuniárias e penas capitais, segundo Bitencourt (2006): O surgimento da prisão-pena explica-se menos pela existência de um propósito humanitário e idealista de reabilitação do delinquente, e mais pela necessidade emergente de possuir um instrumento que permitisse a submissão da classe menos favorecida ao regime dominante, vale dizer, o capitalismo. O importante era fazer com que o recluso se acostumasse com o modo de produção, submetendo-se ele e tomando ainda mais fácil o controle social. (BITENCOURT, 2006, p. 38). Guzman (1983) diz que na metade do século XVIII, os filósofos e juristas dedicaram suas obras a censurar a legislação penal vigente, defendendo as liberdades do indivíduo e enaltecendo os princípios da dignidade da pessoa humana. 12 Como relação às crueldades e a desproporções das penas aplicadas, surge o período humanitário, o qual teve diversos doutrinadores que seguiam esta corrente, como Voltaire, Mostequieu, Rousseau, que foram os fiéis representantes desse período e estes pugnam pela defesa da liberdade, igualdade e justiça. Segundo Fernandes apud Bittencourt: “A pena deve ser proporcional ao crime ao crime, devendo-se levar em consideração, quando imposta, as circunstâncias pessoais do delinquente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzindo a impressão de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel para o corpo do delinquente. (FERNANDES, 1931, p.55). Este movimento foi denominado de Iluminismo, o qual atingiu o seu poder com a Revolução Francesa, que pregava a reforma do sistema punitivo. Este período representou a tomada de posição cultural e espiritual de parte significativa da sociedade da época. Um dos autores que se referiu a esta fase foi Cesare Beccaria (2000), que em 1764, em seu famoso Dei Delitti e dele Pene, marcou o inicio definitivo do Direito Penal Moderno, da EscolaClássica de Direito Penal e em sua obra ela diz que: “é melhor prevenir o crime do que castigar”. Segundo este as penas impostas neste período eram muito severas e começaram a ser substituídas, por penas privativas de liberdade e que seu foco principal era a humanização e racionalização das penas. Não renuncia a ideia de que a prisão tenha um sentido punitivo e sancionador, tendo este um novo fundamento de justiça penal e as penas agora assumiram um fim unitário. Mirabete (2003), fala que “os princípios básicos pregados pelo filósofo que, não sendo totalmente original, firmou em sua obra os postuladores básicos do direito penal moderno, muitos dos quais adotados pela declaração dos Direitos dos Homens, da Revolução Francesa”: 1. Os cidadãos, por viverem em sociedade, cedem apenas uma parcela de sua liberdade e diretos. Por essa razão, não se podem aplicar penas que atinjam direitos não cedidos, como acontece nos casos da pena de morte e das sanções cruéis. 2. Só as leis podem fixar as penas, não se permitindo ao juiz interpretá- las ou aplicar sanções arbitrariamente. 13 3. As leis devem ser conhecidas pelo povo, regidas com clareza para que possas ser compreendidas e obedecidas por todos os cidadãos. 4. A prisão preventiva somente se justifica diante de provas de existência de crima e de sua autoria. 5. Devem ser admitidas em Juízo todas as provas, inclusive a palavra dos condenados (mortos civis). 6. Não se justificam as penas de confisco, que atingem os herdeiros do condenado, e as infames, que recaem sobre toda a família do criminoso. 7. Não se deve permitir o testemunho secreto, a tortura para o interrogatório e os juízos de Deus, que não levam a descoberta da verdade. 8. A pena deve ser utilizada como profilaxia social, não só para intimidar o cidadão mas também para recuperar o delinquente. (MIRABETE, 2003, p. 38-39). A Revolução Francesa, cujos principais representantes foram Voltaire, Montesquieu e Rousseau, que fazem severas criticas aos excessos imperantes na legislação penal desta época, propondo-se assim a individualização da pena, à proporcionalidade além da necessidade da diminuição da crueldade, isso foi um marco muito importante na história da aplicação da pena e para a humanidade. Como se vê a prisão nesta época tinha finalidade ressocializadora e não só punitiva. A primeira teoria de defesa social parece somente no final do século XIX, com a revolução positivista, embora se possam encontrar antecedentes remotos do movimento defensivista na filosofia grega e no próprio Direito Canônoco medieval. Filippo Gramatica (1941) funda, em 1945, o Centro Internacional de Estudo de Defesa Social, que objetivava renovar os meios de combate à criminalidade. Para este o Direito Penal deve ser substituído por um direito de defesa social com o objetivo de adaptar “o indivíduo à ordem social”. Marc Ancel,(1985) em 1954, publica a nova defesa social, e este a definiu como “uma doutrina humanista de proteção social contra o crime”. Prado e Bittencourt (1993) dizem que este movimento pregava uma nova postura em relação ao delinquente embasada nos seguintes princípios: Filosofia humanista, que pregava a reação social objetivando a proteção do ser humano e a garantia dos direitos do cidadão; a) Análise crítica do sistema existente e, se necessário, sua contestação; b) Valorização das ciências humanas, que são chamadas a contribuir, interdisciplinarmente, no estudo e combate do problema criminal. c) Valorização das ciências humanas, que são chamadas a contribuir, interdisciplinarmente, no estudo e combate do problema criminal. 14 3 CONCEITO DE PENA A pena é conceituada por diversos doutrinadores, dentre os quais foi Beccaria (2000), que a definiu como um “obstáculo político contra o delito”. Já Fragoso (1991) disse que “é a perda de bens jurídicos imposta pelo Órgão da Justiça a quem comete crime. Trata-se da sanção característica do Direito Penal, em sua essência retributiva”. Para Franz Von Liszt (2002), “a pena é um mal imposto pelo juiz penal ao delinquente, em virtude do delito, para expressar a reprovação social em relação ao ato e ao autor”. Giuseppe Betiol (1976) diz que “a pena é uma consequência jurídica do crime, isto é, a sanção estabelecida pela violação de um preceito penal”. Aníbal Bruno (1977) conceitua a pena como “a sanção, consistente na privação de determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de um fato definido na lei como crime”. Damásio (1998) conceitua muito bem a pena que “é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”. Portanto, a pena foi definida por estes autores como sendo a privação de certos bens jurídicos, para que o autor do crime não volte a cometê-los. 15 4 TEORIAS DA PENA Para solucionar a criminalidade o Direito Penal encontrou uma solução diferente para à questão. Essas soluções foram chamadas de teorias da pena, que são opiniões científicas sobre a pena, principal forma de reação do delito. Aníbal Bruno (1977) define que as teorias da pena como sendo: ...teorias da pena, que são as mesmo tempo teorias do Direito Penal, porque, desde que neste ramo do Direito o mais característico e relevante é a sanção que protege a norma e, em função dela os seus pressupostos, as teorias servem para a justificação da medida punitiva, para a elucidação da sua essência e dos seus objetivos, servem aos mesmos fins em relação ao Direito Penal. (BRUNO, 1977, p.91 ). As teorias da pena foram divididas em três, as quais seriam: as teorias absolutas, que estão ligadas essencialmente às doutrinas da retribuição ou da expiação; as teorias relativas, que se analisam como as de prevenção geral e as de prevenção especial. E por fim, as teorias mistas ou unificadoras, que seriam as duas teorias em conjunto. 4.1 TEORIA ABSOLUTA As características do Estado absolutistas eram a identidade entre o soberano e o Estado, a unidade entre a moral e o Direito, entre o Estado e a religião, além da metafísica afirmação de que o poder do soberano era-lhe concedido diretamente por Deus. Kant e Hegel foram os principais representantes desta teoria, aquele dizia que quem não cumpre as disposições legais não era digno do direito a cidadania, portanto, tinha que ser castigado. Já Hegel (1971) diz que “a pena é a negação da negação do Direito”. 16 Kant (1972) definiu que “a pena tem por finalidade única o restabelecimento da ordem moral, perturbada pelo crime. O castigo compensa o mal e dá reparação moral. O Estado acha-se adstrito a assegurar essa compensação”. Bitencourt (2006) leciona que tal teoria tem por finalidade que “a pena tem como fim fazer justiça, ainda mais. A culpa deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena”. Esta teoria teve seus seguidores, mas sofreu diversas críticas, dentre as quais se destaca Roxin (1986), segundo ele: A teoria da retribuição não nos serve, porque deixa na obscuridade os pressupostos da punibilidade, porque não estão comprovados os seus fundamentos e porque, como profissão de fé irracional e além do mais contestável, não é vinculante. Nada se altera com a substituição, que amiúde se encontra em exposições recentes, da ideia de retribuição (que se recorda em demasia o arcaico princípio do talião), pelo conceito dubio de ‘expiação’, na medida em que, se com ele se alude apenas a uma ‘compensação’ da culpa legitimada estatalmente, subsistem integralmente as objeções contrauma ‘expiação’ deste tipo. Se, pelo contrário, se entende a expiação no sentido de uma purificação interior conseguida mediante o arrependimento do delinquente, trata-se então de um resultado moral, que por meio da imposição de um mal, mais facilmente se pode evitar, mas que em qualquer caso, se não pode obter pela força. (ROXIN, 1986, p. 129). Em razão das diversas críticas sobre esta teoria surgiu à teoria relativa ou preventiva opondo-se aos pensamentos da teoria absoluta. 4.2 TEORIA RELATIVA OU PREVENTIVA A teoria relativa ou preventiva diz que, esta não visa retribuir o fato delitivo cometido e sim prevenir a sua prática, esta é imposta para que o delinquente não volte a delinquir. Esta teoria têm seus fundamentos baseados na ideia de que a pena não pode justificar-se sem a consideração de sua necessidade para obtenção de um fim específico, o qual seria a prevenção da prática de novos delitos. 17 Essas ideias prevencionistas se desenvolveram no período do Iluminismo, surgem na transição do Estado absoluto ao Estado liberal. Segundo Ramirez e Malarée (1998): Essas ideias tiveram como consequência levar o Estado a fundamentar a pena utilizando os princípios que os filósofos do Iluminismo opuseram ao absolutismo, isto é, de Direito Natural ou estrito laicismo: livre-arbítrio ou medo (racionalidade). Em ambos, substitui-se o poder físico, poder sobre o corpo, pelo poder sobre a alma, sobre a psique. O pressuposto antropológico supõe um indivíduo que a todo momento pode comparar, calculadamente, vantagens e desvantagens da realização do direito e da imposição da pena. A pena, conclui-se, apóia a razão do sujeito na luta contra os impulsos ou motivos que o pressionam a favor do direito e exerce uma coerção psicológica ante os motivos contrários ao ditame do Direito. (RAMIREZ e MALARÉE, 1998, p.57). O doutrinador desta época que fala é Litsz apud Boschi (2006), em que define a pena como sendo: Pena não simplesmente retribuir o fato passado, mas, isto sim, por meio dela, prevenir novos delitos, corrigindo, consoante classificação que faz dos criminosos, o corrigível, intimando o intimidável e, finalmente, neutralizado ou tornando inofensivos, mediante pena de privação de liberdade, os que não são corrigíveis nem intimidáveis.” (BOSCHI, 2003, p. 119-120). Zaffaroni (2000) subdivide esta teoria em duas a teorias relativas da prevenção geral e a teorias relativas da prevenção especial. Cita este autor que “na prevenção geral a pena surte sobre os membros da comunidade jurídica que não delinquiram, enquanto a prevenção especial age sobre o apenado.” Bitencourt (2006) em sua obra também se refere à prevenção geral e a prevenção especial. Para a primeira teoria, a ameaça da pena produz no indivíduo uma espécie de motivação para que não cometa o delito. A segunda teoria, esta procura evitar a prática do delito, mas ao contrário da prevenção geral, esta atua diretamente ao delinquente em particular, com o objetivo de que este não volte a delinquir. A prevenção geral também foi definida por Castro Netto diz: Através da aplicação e execução da pena, seriam satisfeitas as necessidades de punição da sociedade, obtendo-se como resultado a 18 consolidação de comportamentos conformados ao direito. Essa finalidade atribuída à prevenção geral positiva também permite concluir que a pena é ignorada, reduzindo a exemplo de uma estratégica política criminal. Ocorre que, numa sociedade pluralista, Estado não está legitimado a corrigir quer que seja, tampouco pode, através da pena visar o arrependimento. O Estado não tem legitimidade para impor valores morais – o pluralismo exige respeito pelas diferenças e tolerâncias de qualquer subjetividade humana, por mais perversas que sejam. Dessa maneira, e ainda considerando que muitos delitos são cometidos por razões socioeconômicas, só é possível que ao delinquente sejam oferecidas novas oportunidades de integração social. A oportunidade ofertada será aceita ou não conforme melhor lhe prouver. Jamais poderá ser imposta, já que em uma sociedade pluralista cada um pode viver conforme deseja, inclusive à margem da sociedade. Dai resulta que a prevenção especial, no estado de direito, só pode ser atribuído o fim de não dessocializar o individuo sujeito à intervenção punitiva do estado. E tal fim só pode ser alcançado quando for proporcionando o livre desenvolvimento de sua personalidade, criando-se bases para o auto desenvolvimento livre ou, ao menos, condições que impeçam que a pena seja fator dessocializante. Na vigência do Estado de Direito, o utilitarismo só pode encontrar sua expressão na intervenção mínima. (CASTRO NETO, 2001, p. 92-93). A prevenção especial objetiva a segregação do criminoso como meio de impedi-lo a delinquir, portanto sua ressocialização, segundo Castro Neto (2001). Com isso, conclui-se que, tal teoria tem a finalidade de prevenção e não de punição, tendo em vista que a pena não é um instrumento moral e sim um instrumento útil à sociedade. 4.3 TEORIA MISTA OU ECLÉTICA Já a teoria mista ou eclética, esta é a fusão das duas teorias, qual seja, punir e prevenir. Mir Puig (1998) entende-se que a retribuição, a prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo e complexo fenômeno que é a pena. Esta teoria também abrange a pluralidade funcional da pena, qual seja, a diferença entre fundamento e fim da pena. O fundamento da pena é aquele em que a sanção penal deve-se fundamentar-se no delito, ou seja, o fato praticado, sendo assim uma retribuição justa ao crime cometido. 19 Carnelutti (2000) conceituou a teoria mista: O fim principal da pena não poderia ser outro senão a retribuição como reação contra o delito, expressada através da expiação ou da vingança, ressaltando, porém que a pena tinha um fim secundário, acessório, que consistia na prevenção especial, de impedir que o réu voltasse a delinquir. (CARNELUTTI, 2000, p. 29). Segundo Mir Puig (1998), estas teorias atribuem ao Direito Penal uma função de proteção à sociedade e é a partir dessa base que a doutrina se divide, em duas posições: a posição conservadora e a posição progressista. A posição conservadora, representada pelo Projeto Oficial do Código Penal Alemã de 1962, caracterizada pelos que acreditam que a proteção da sociedade deve ter como base a retribuição justa, e, na determinação da pena, os fins preventivos desempenham um papel exclusivamente complementar, sempre dentro da linha retributiva; por outro lado, surge a corrente progressista, materializada no chamado Projeto Alemão, de 1966, que inverte os termos da relação: o fundamento da pena é a defesa da sociedade, ou seja, a proteção de bens jurídicos, e à retribuição corresponde a função apenas de estabelecer o limite máximo de exigências de prevenção, impedindo que tais exigências elevem a pena para além do merecido pelo fato praticado. (MIR PUIG, 1998, p. 59). Bitencourt (2006) diz que essa teoria tem a ideia de prevenção, diz ainda que, a retribuição que esta deve ter em suas bases teóricas, seja através da culpabilidade ou da proporcionalidade, ou ambas ao mesmo tempo, desempenham um papel apenas limitador das exigências de prevenção. Em resumo, esta teoria aceita a retribuição justa e o princípio da culpabilidade como critérios limitadores, portanto, a pena não pode ir além da responsabilidade do fato praticado. Conclui-se que o sistema penal brasileiro adotou esta teoria, em seu artigo 59, do Código Penal, pois indica o fundamento e a finalidade da pena. 20 5 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PENA 5.1 HUMANIDADE O princípio da humanidadeé definido por Bittencourt (2006) como “esse princípio sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados.”. Segundo Zaffaroni (2003) o principio da humanidade determina: A inconstitucionalidade de qualquer pena ou consequência do delito que crie uma deficiência física (morte, amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica etc.), como também qualquer consequência jurídica inapagável do delito. (ZAFFARONI, 2003, p. 108). Já Nucci (2006) entende que o princípio da humanidade: "Significa que o direito penal deve pautar-se pela benevolência, garantindo o bem-estar da coletividade, incluindo-se o dos condenados. Estes não devem ser excluídos da sociedade, somente porque infringiram a norma penal, tratados como se não fossem seres humanos, mas animais ou coisas. Por isso estipula a constituição que não haverá penas: a) de morte (exceção feita à época de guerra declarada, conforme previsão do código Penal Militar); b) de caráter perpétuo; c de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis (art. 5º, XLVII), bem como que deverá ser assegurado o respeito à integridade física e moral do preso (art. 5°, XLIX). Na realidade, houve, em nosso entendimento, um desvio na redação desse inciso. O que a constituição proíbe são as penas cruéis (gênero), do qual são espécies as demais (morte, perpétua, trabalhos forçados, banimento). E faltou, dentre as específicas, descrever as penas de castigos corporais. Logo a alínea e é o gênero (penas cruéis); as demais representam as espécies." (NUCCI, 2006, p. 89). Este princípio nos diz que a dignidade da pessoa humana está em primeiro lugar e que é proibido ter penas cruéis e infamantes, como a pena morte, pena perpétua, de banimento, proibição de torturas e maus tratos. 21 Dotti (2005) fala que o princípio da humanidade é expressamente consagrado na Constituição italiana ao declarar: “le pene non possono consistere in trattamenti contrari ao senso di umanitá” (Art. 27, nº 2). A Convenção Americana sobre Direitos Humanos em seu artigo 5º, em seu parágrafo 2º, estabelece que ninguém deve ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inciso XLIX, assegura aos presos “o respeito à integridade física e moral” e em seu inciso XLVII, que diz que é vedada a aplicação de pena de natureza cruel e degradante. A Lei de Execução Penal, em seu 1º artigo, tem como objetivo do cumprimento da pena a reintegração social do condenado. Portanto, qualquer modalidade de cumprimento de pena tem que se ter a concomitância de dois objetivos, os quais seriam o castigo e a reintegração social, se não olharmos para os dois objetivos em conjunto estaremos contrariando o que diz o princípio da humanidade. Este se caracteriza pela impossibilidade da pena privativa de liberdade resumir-se ao isolamento total do preso, devendo a pena ser proporcional a estas medidas compensatórias ao encarceramento como forma de estimular a sua efetiva ressocialização. Concluindo, o princípio da humanidade nos trás a dignidade da pessoa humana, não autorizando a aplicação de penas cruéis e desumanas, buscando a reintegração social do réu. 5.2 NECESSIDADE E SUFICIÊNCIA A pena é um instrumento estatal necessário para a proteção dos bens jurídicos, individuais e coletivos, sem os quais a sociedade se dissolve e os seus membros se eliminam. René Dotti (2005) diz que a pena é uma “amarga necessidade”. Esta também tem que ser suficiente para reprovar e prevenir o crime. Em sua obra Rene Dotti cita que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em Paris em 1789, proclamava em seu artigo 8º que “a lei deve 22 estabelecer somente penas estritas e evidentemente necessárias”. Em seu artigo 15, diz que “a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias; as penas devem ser proporcionais ao delito e úteis à sociedade”, segundo Dotti (2005). O sistema brasileiro utiliza à necessidade da pena como um dos parâmetros da fixação da pena, em seu artigo 59, do Código Penal. Está presente também no artigo 121, parágrafo 5º e artigo 129, parágrafo 8º, em que diz “se as consequências de infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Neste caso o Magistrado reconhece a culpabilidade do agente, reconhece o fato punível, mas deixa de aplicar a pena por ser desnecessária. Profere como se vê uma sentença autofágica, que reconhece o crime e ao mesmo tempo a extinção da punibilidade (em razão do perdão judicial). A Constituição Federal e o Código Penal adotam o princípio da necessidade e suficiência da pena como referência primária para que a pena seja suficiente e necessária, não ultrapassando os seus limites. 5.3 CULPABILIDADE Este princípio nos diz que não há pena sem culpabilidade, sendo que a pena não pode ultrapassar a medida de sua culpabilidade, sendo a proporcionalidade na culpabilidade. Este princípio deve ser entendido como fundamento e limite de toda pena, sempre respeitando à dignidade do ser humano. René Dotti (1998) diz que “o princípio da culpabilidade é extraído da norma constitucional que proclama a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República”. 23 Zaffaroni e Pierangeli (2003) conceitua a culpabilidade como: Na culpabilidade de ato, entende-se que o que se reprova ao homem é a sua ação, na medida da possibilidade de autodeterminação que teve no caso concreto. Em síntese, a reprovabilidade de ato é a reprovabilidade do que o homem fez. Na culpabilidade de autor, é reprovada ao homem a sua personalidade, não pelo que fez e sim pelo que é. (ZAFFARONI, 2003, p.89-90) Muñoz Conde (1988) afirma que a culpabilidade não é um fenômeno isolado, individual, afetando somente o autor, mas é um fenômeno social. Este doutrinador diz ainda que: Não é uma qualidade da ação, mas uma característica que se lhe atribui, para poder ser imputada a alguém como seu autor e fazê-lo responder por ela. Assim, em última instância, será a correlação de forças sociais existentes em um determinado momento que irá determinar os limites do culpável e do não culpável, da liberdade e da não liberdade. (MUÑOZ CONDE, 1988, p. 120). Bitencourt (2006) atribui triplo sentido ao princípio da culpabilidade, que seria o fundamento da pena, o elemento da determinação ou medida da pena e o conceito contrário à responsabilidade objetiva. Este doutrinador fala que a culpabilidade como fundamento da pena, se refere ao fato de poder ou não aplicar uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, o fato que é proibido pela lei penal. Para se utilizar a culpabilidade como fundamento tem que ter alguns elementos, como a capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta, na ausência destes elementos é suficiente para impedir a aplicação da pena. A culpabilidade como elemento da determinação ou medida da pena, esta funciona como limitador da aplicação da pena, impedindo que a pena seja imposta de maneira além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade. Finalmente a culpabilidade como conceito contrário à responsabilidade objetiva, aqui este princípio impede a atribuição da responsabilidade objetiva, ou seja, ninguém será responsabilizado por um resultado imprevisível. 24 Conclui-se que, a culpabilidade é indicada como o primeiro dado para a fixação da pena, conforme a necessidade e a suficiência para a reprovação eprevenção do crime. 5.4 INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA O princípio da Individualização da pena consiste no ato de aplica-la em conformidade com quem praticou o fato definido como crime. A principal ideia deste princípio é que cada ser humano é único, sendo assim a aplicação da pena deve ser única também. René Dotti (2005) define a individualização como: A palavra individualização refere-se apenas ao individuo, no sentido natural de solitário, vale dizer, cada ser humano em relação à sua espécie. Não se aplica as coisas, mas somente ao homem que ocupa um lugar na natureza. Ao declarar a existência de direitos e garantias fundamentais, a CF os especifica em direitos e deveres individuais e coletivos. (DOTTI, 2005, p. 70). A Constituição Federal de 1988 declara este princípio em seu artigo 5º, inciso XLVI, que diz “a lei regulará a individualização da pena”, aqui a Carta Magna declara a existência da individualização da pena, este termo refere-se exclusivamente à pessoa humana e que atua como sujeito ativo das infrações penais. Sendo assim, o ilícito penal é fruto da conduta humana, individualmente considerada, mesmo sendo ela praticada em concurso, eventual ou necessário, de duas ou mais pessoas, neste caso a pena será individualizada a cada partícipe, sempre respeitando a culpabilidade de quem praticou. Outro inciso do artigo 5º, da Constituição Federal que fala sobre o assunto é o inciso XLV, que diz que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens, nos termos da lei, serem estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”, portanto, a sanção penal não pode ser 25 aplicada a quem não seja o autor ou partícipe do fato punível, sendo a mesma intransferível da pessoa do condenado. Bittencourt (2006) em sua obra disse que a individualização da pena, ocorre em três momentos distintos, individualização legislativa, a individualização judicial e a individualização executória. O primeiro a individualização legislativa, que é o processo em que são selecionados os fatos puníveis e cominada às sanções penais, estabelecendo seus limites e critérios para a fixação da pena. A individualização judicial é aquela elaborada pelo juiz em sua sentença, é a atividade que concretiza a individualização legislativa e esta baseada nos critérios do artigo 59 do Código Penal. Finalmente, a individualização executória, esta ocorre no momento mais difícil da sanção, que é o seu cumprimento. Ainda, este princípio não admite a condenação de pessoa jurídica, mas somente a de pessoas físicas, em face da exigência da culpabilidade, que é um fundamento e limite da pena. Portanto, conclui-se que, o princípio da individualização da pena está presente para que esta seja individual a quem a cometeu, no limite de sua culpabilidade. 5.5 NE BIS IN IDEN O princípio ne bis in idem ou non bis in idem constitui o limite ao poder punitivo do Estado, é através deste que procura-se impedir mais de uma punição individual pelo mesmo fato, que seria a dupla punição, segundo Dotti (2005). Prado diz que, este princípio tem duas naturezas, a material e a substancial. A primeira natureza tem conteúdo material relativo à imposição de pena e a natureza substancial tem a proibição de sancionar ou punir alguém duas ou mais vezes pelo mesmo fato. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 8º, diz que, “o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. 26 O Pacto Internacional de Direitos Civis, em seu artigo 7º, diz que “ninguém pode ser processado ou punido novamente por uma infração pela qual já tenha sido absolvido ou condenado definitivamente, de acordo com a lei e o procedimento penal de cada país”. O mencionado princípio poderia ser considerado uma restrição ao poder punitivo do Estado, mas se tornou uma garantia de liberdade, pois não poderá o Estado punir novamente pelo mesmo crime. Portanto, o princípio do ne bis in idem veda que a consequência penal ultrapasse a medida do injusto e da culpabilidade. 27 6 APLICAÇÃO DA PENA 6.1 CONCEITO DA APLICAÇÃO DA PENA A aplicação da pena é o momento em que o Magistrado entende pela condenação do réu a partir de elementos probatórios necessários, passa a aplicar o preceito secundário descrito no tipo penal. A aplicação da pena é a fase mais difícil para o juiz, pois este tem que analisar muito bem cada passo desta. Ferreira (2000) diz que: Engana-se quem pensa que a aplicação da pena seja um ato mecânico, de simples cálculo aritméticos. A arte de aplica-la é, talvez, mais difícil do que a de julgar. No julgar, há uma escolha entre o certo e o errado. No aplicar a pena, às vezes, há uma opção entre a vida e a morte; ou entre a prisão e a liberdade. (FERREIRA, 2000, p. 21). Em síntese a dosimetria da pena é uma tarefa difícil ao Magistrado, pois este terá que possuir conhecimentos técnicos para fundamentar a sua decisão. Ainda para se chegar à aplicação da pena, este Magistrado terá que individualizar a pena, que é aplicá-la a quem cometeu. A individualização da pena se inicia como um processo legislativo, em que o legislador elaborou um determinado tipo penal, o qual tem penas mínimas e máximas para cada delito. O Código Penal de 1830 dispunha que nos casos em que não houvesse pena determinada a certo delito, apenas limites máximos e mínimos, as penas seriam aplicadas com atenção as circunstâncias agravantes e atenuantes. No entanto, o Código Penal de 1940, inovou, em seu artigo 42, determinou que o Juiz ao aplicar a pena devesse tomar por base os antecedentes, a personalidade do agente, a intensidade do dolo ou grau da culpa, os motivos, as circunstâncias e a consequência do crime, fixando esta nos limites legais. 28 Dentro desta inovação surgiram várias discussões com relação à aplicação da individualização da pena acerca de qual método seria o melhor para a aplicação. Hungria e Lyra foram os que discutiram sobre o assunto e Lyra defende o método bifásico, em que a individualização deveria se dar em dois momentos. O primeiro momento seria a determinação da pena base, em que caberia ao Juiz valorar as circunstâncias judiciais e as circunstâncias legais agravantes e atenuantes, e um segundo momento, faria incidir a pena base nas eventuais majorantes e minorantes. Contudo Hungria (2000) disse que a melhor forma de se individualizar a pena seria através do método trifásico, no qual o Juiz deveria considerar como pena base, as circunstâncias judiciais, para então passar a análise das agravantes e atenuantes para ao fim aplicar à pena provisória os aumentos e diminuições determinados pelas majorantes e minorantes. Com a reforma do Código Penal em 1984, adotou o método de Hungria, o qual seria o sistema trifásico para a aplicação da pena. O Juiz fará a dosimetria da pena através de etapas, quais sejam: a determinação da pena base, a análise das circunstâncias legais e a análise das causas especiais de aumento e diminuição de pena. O presente estudo é sobre a fixação da pena base, portanto ficará restrita a explicação desta. 6.2 FIXAÇÃO DA PENA BASE A fixação da pena base é a primeira fase para aplicação da pena, segundo o método de Hungria, que é o sistema trifásico, artigo 68 do Código Penal. Nesta fase o Juiz analisa as circunstâncias judiciais, do artigo 59 do mesmo código, sobre esta incidirão as circunstâncias legais e as causas deaumento e diminuição da pena, que ao final determinará a pena definitiva. Ferreira (2000) conceitua a pena base como “a pena que tenha que ser aumentada ou diminuída, de quantidade fixa ou dentro de determinados limites é, a 29 que o juiz aplicaria se não existisse a circunstância ou causa que importe o aumento ou a diminuição da pena”. O código em vigência não traz o que é a pena base somente faz referencia ao artigo 68, o qual diz que a pena base será fixada atendendo-se aos critérios do artigo 59 do Código Penal. A jurisprudência nos traz que: Ao proceder à individualização da pena, o Juiz, após aferir um leque de circunstâncias de natureza subjetiva – culpabilidade, antecedentes, conduta social e personalidade do agente – e de natureza objetiva – motivos, circunstâncias e consequências do crime -, fixará aquela aplicável dentre as cominadas, em quantidade que for necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do delito, definindo, a seguir, o regime inicial de cumprimento de pena, a qual não deve ser excessiva nem demasiadamente abranda, mas justa, adequada e idônea, em qualidade e quantidade suficientes para reprimir a prática da infração e promover a tutela da sociedade. (RE 62210-7/SP, REG 95.12306 – Min. Rel. Vicente Leal, 06/09/96, Brasília – DF). Bitencourt (2006) preceitua que: O Código não estabelece quais devem ser considerados favoráveis ou desfavoráveis do réu, atribuindo ao juiz o dever de investigá-los durante a dilação probatória e, posteriormente individualizá-los e valorá-los, na sentença. Na verdade, todos, conjuntamente, e quaisquer deles, isoladamente, podem ser favoráveis ou desfavoráveis ao réu. Por isso embora formem um conjunto, devem ser analisados individualmente, sem insuficiente, consoante reitera jurisprudência, considerações genéricas e superficiais, ou mesmo conclusões sem embasamento legal. (BITENCOURT, 2006. p. 711). A ausência de fundamentação, ou da análise das circunstâncias judiciais ou mesmo a sua análise deficiente gera nulidade absoluta da decisão judicial. As jurisprudências corrobora o assunto: É indispensável, sob pena de nulidade, a fixação da pena-base, com apreciação e fundamentação das circunstâncias judiciais, sempre que a pena for aplicada acima do mínimo legal. (STF, RTJ 121/101; RHC 66.751, DJU 03/03/89). 30 É indispensável, quando a pena é aplicada no mínimo legal. (STF, RHC 64.682, DJU 13/03/89). Nesta fase, não será permitido fixar a pena abaixo do mínimo, ainda que todas as circunstâncias sejam favoráveis ao agente, nem acima do máximo. Bitencourt diz que se todas as circunstâncias forem favoráveis ao réu deve esta permanecer em seu mínimo, contudo, se estas forem desfavoráveis ao mesmo, à fixação da pena base deverá aproximar-se do termo médio, que é representado pela média da soma dos dois extremos, quais seja limite mínimo e máximo. 6.3 CONCEITO DE CIRCUNSTÂNCIAS Circunstância significa o que está em volta, ao redor. Em nosso ordenamento as circunstâncias são chamadas de circunstâncias judiciais, que significam os elementos que estão em volta, que estão fora do tipo penal, mas dentro do fato criminoso. O legislador quando colocou as circunstâncias judiciais dentro do Código Penal tinha ideia de que é impossível prever todos os elementos que irão compor o fato típico. Gilberto Ferreira (2000) descreve muito bem as circunstâncias judiciais, relata que estas tem papel fundamental na fixação e na individualização da pena. Elas servem para agravar ou atenuar a conduta criminosa, isto é, podem tornar o agente mais ou menos culpável, conforme for sua conduta mais ou menos reprovável. Em síntese, a existência delas provoca o aumento ou diminuição da pena prevista no tipo penal e permite que a individualização seja feita, pois conforme já visto, um crime nunca é exatamente igual a outro. (Ferreira, 2000, p. 68). Para que se possa falar nas circunstâncias temos que conhecê-las, são denominadas as espécies das circunstâncias judicias. Nosso legislador as definiu 31 pelo seu grau de importância e na reprovação da conduta delituosa, portanto, as dividiu em quatro grupos distintos, quais sejam, as circunstâncias judiciais, as circunstâncias agravantes e atenuantes, as causas especiais de aumento ou diminuição da pena e as qualificadoras. Todas estas estão previstas no Código Penal, sendo as circunstâncias agravantes e atenuantes, previstas no artigo 61, 62 e 65 deste código, as causas especiais de aumento e diminuição de pena estão previstas na parte geral e especial deste ordenamento e são de extrema importância, a fim de aumentar ou diminuir a pena, mas sempre em quantidade fixas. Já as circunstâncias qualificadoras, estas estão previstas na própria descrição do fato tido como criminoso, por serem elementares do tipo e por fim, as circunstâncias judiciais, estas estão previstas no artigo 59, do Código Penal, sendo este o objeto deste trabalho. 6.3.1 Circunstâncias judiciais – artigo 59 do Código Penal Bittencourt (2006) define as circunstâncias judiciais como: Os elementos constantes no artigo 59 são denominados, as circunstâncias judiciais, porque a lei não os define e deixa a cargo do julgador a função de identificá-los no bojo dos autos e mensurá-los concretamente. Não são efetivas “circunstâncias do crime”, mas critérios limitadores da discricionariedade judicial, que indicam o procedimento a ser adotado na tarefa individualizadora da pena-base. (BITENCOURT, 2006, p. 700). As circunstâncias judiciais exercem um papel importante na aplicação da pena na medida em que dão parâmetros para a fixação da pena base, para concessão do regime prisional, entre outras. O Código Penal em 1984 que já previa o tema acrescentou em seu corpo a “conduta social” e o “comportamento da vítima” e o Código Penal de 1940, substituiu “a intensidade do dolo e o grau de culpa” pela culpabilidade do agente. 32 Ferreira (2000) destaca que “os critérios estabelecidos no artigo 59, todos eles, se destinam a apurar o grau de reprovabilidade, representada por certa quantidade de pena, que o fato praticado está a merecer”. Passa-se então a estudar cada uma das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, bem como a problemática de sua aplicação no caso concreto. 6.3.1.1 Culpabilidade A culpabilidade tem seu conceito baseado no direito natural, e nesta época era considerada imputável a toda pessoa que decidisse ou não praticar o delito. Superando o direito natural passou-se a conceituar a culpabilidade por uma visão positivista. Segundo a teoria de Von Liszt (1998), no final do século XIX, a culpabilidade foi definida como “a noção de direito compreendia em duas partes fundamentais: uma externa (o ato em si, mecânico, puro de valorações subjetivas) e interna (a relação psíquica, nas espécies de dolo e a culpa em sentido estrito)”, mas esta teoria tem falhas, pois ela consiste no nexo psicológico entre o fato e seu autor. (Velo apud Boschi, 2006). Bellavista (1942) definiu a culpabilidade como sendo “a relação psicológica entre o agente e a ação que ocasiona um evento querido ou não querido, ainda que não previsto, mas previsível”. (BELLAVISTA, 1942 apud BITENCOURT, 2006). Assim surgiu a teoria psicológico-normativa, que segundo Bittencourt (2006): Vê a culpabilidade como algo que se encontra fora do agente, isto é, não mais como um vínculo entre este e o fato, mas como um juízo de valoração a respeito do agente. Em vez de o agente ser portador da culpabilidade, de carregar a culpabilidade em si, no seu psiquismo, ele passa a ser oobjeto de um juízo de culpabilidade, que é emitido pela ordem jurídica. (BITENCOURT, 2006, p. 700-701). 33 Com o passar do tempo esta teoria ganhou destaque, pois a culpabilidade passou a ter elementos como a imputabilidade, elemento psicológico-normativo (o dolo e a culpa) e exigibilidade de conduta conforme o Direito. Wezel diz que culpável é o agente que sabendo da reprovabilidade da conduta, decide livremente praticá-la, mesmo sabendo que devia agir de maneira diversa, este elaborou a teoria normativa pura da culpabilidade e acabou por aprimorar a teoria normativa, segundo WEZEL apud BITENCOURT (2006). A teoria normativa pura da culpabilidade foi um avanço, pois esta encontrou no finalismo a sua utilização. Segundo Mir Puig (1998) “o finalismo desloca o dolo e a culpa para o injusto, retirando-os de sua tradicional localização, a culpabilidade, com o que a finalidade é levada ao centro do injusto”. Esta teoria trouxe inúmeras consequências, uma delas foi a separação do tipo doloso para o tipo culposo, sendo dolo e culpa, e estes não sendo mais considerados como espécies ou elementos da culpabilidade, mas sim como integrantes do injusto pessoal. Esta teoria também trás a mesma divisão dos elementos da culpabilidade, sendo o primeiro elemento; a imputabilidade. Esta como elemento do dolo consiste na aptidão ou capacidade para ser culpável, este deixou de ser um pressuposto prévio da culpabilidade e converteu-se em condição central da reprovabilidade, isto se assenta no fato de que o núcleo da culpabilidade já não se centraliza na vontade delituosa e sim nas condições de atribuidade do injusto. Wezel diz que a culpabilidade é a reprovabilidade do fato antijurídico individual e que se reprova “é a resolução de vontade antijurídica em relação ao fato individual”, segundo WEZEL apud BITENCOURT (2006). Ferreira (2000) nos diz que: O agente que, tendo condições de autodeterminação (imputabilidade), praticasse conscientemente um fato que sabia ser ilícito e que desejou praticá-lo, mas que poderia não tê-lo feito (se quisesse, uma vez que poderia agir de outro modo) ou evitando (porque era previsível). (FERREIRA, 2006, p. 85). 34 A possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato, como segundo elemento, Vidaurri (1988) afirma que, “a consciência da ilicitude (antijuricidade) baseia-se no conhecimento das circunstâncias aludidas. Por isso, ao conhecimento da realização do tipo deve-se acrescentar o conhecimento da antijuridicidade”. (VIDAURRI, 1988 apud BITENCOURT, 2006). Segundo esta teoria finalista o simples não conhecimento da norma, não afasta o dolo natural, mas exclui a culpabilidade. Prelecionam Zaffaroni e Pierangeli (2003), que “A culpabilidade se conforma com uma possibilidade exigível de compreensão da antijuridicidade, não requerendo uma efetiva compreensão do injusto, que, na maioria dos casos, não existe ou é imperfeito”. O terceiro elemento é a exigibilidade de obediência ao Direito, precisa-se obedecer ao que o tipo penal revela. Após conceituarmos a culpabilidade, se faz necessário analisar o fundamento da culpabilidade como circunstância da pena. Foram formuladas varias teorias, uma delas é a teoria da culpabilidade pela condução de vida, segundo Mezger, em que defendia que o comportamento seria reprovável, porque o agente pelo modo em que conduz a vida adquiriu hábitos que o levaram a delinquir. Outra teoria seria o da culpabilidade pela omissão do cumprimento do dever de orientar, o qual entendia que a reprovação se originaria no desrespeito aos valores protegidos pelas normas jurídicas. Finalmente a teoria defendida por Boschi (2006), que seria a que melhor explica porque o homem é suscetível de pena: A funcionalidade da culpabilidade há de atuar (...) como importante fator de contenção dos excessos na punição estatal, protegendo o indivíduo contra a prepotência e propiciando um tratamento igual para o igual e (...) desigual para o desigual, estabelecendo-se que o limite máximo da pena seja respeitado. (BOSCHI, 2006, p. 197). 35 Bittencourt (1999) afirma que “a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria ideia de culpabilidade”. Sustenta ainda que o Magistrado deve ter em vista o real significado do elemento culpabilidade, para que não incorra em erros. Faz-se necessário analisar que a culpabilidade que fundamenta a condenação é diferente daquela como circunstância judicial. A primeira é fundamento da pena, sendo objeto de análise juntamente com a tipicidade e antijuridicidade e a culpabilidade como circunstância judicial que leva em consideração a reprovabilidade do delito. Delmanto (2002) explica que: O Juiz leva em consideração... o maior ou menor índice de reprovabilidade do agente, não só em razão de suas condições pessoais, como também em vista da situação de fato em que ocorreu a indigitada prática delituosa, sempre levando em conta a conduta que era exigível do agente na situação em que o fato ocorreu. (DELMANTO, 2002, p. 110). Neste caso não se avalia a culpabilidade como fundamento para a condenação e sim faz uma análise da graduação da pena, em outros termos, afere- se ao grau de reprovabilidade da conduta cometida no delito, devendo-se a conduta fática em sua totalidade. Cabe ao Magistrado avaliar o grau de reprovabilidade da conduta praticada, não se esquecendo, porém, a realidade concreta em que ocorreu especialmente a maior ou menor exigibilidade de outra conduta, diz Bittencourt (2006) e este afirma ainda que “quanto mais intenso for o dolo, maior será a censura; quanto menor a intensidade, menor é a censura”. A jurisprudência fala que: O artigo 59 do CP orienta que o juiz deve estar atento à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima. Neste momento, as instâncias inferiores ao julgar o caso em comento entenderam que o fato de o crime ter acarretado o enriquecimento dos condenados, em detrimento do patrimônio público, a conduta merecia 36 ser reprovada de maneira que a pena base não fosse fixada no mínimo legal. O raciocínio contraria a legalidade. A reprovabilidade em abstrato da conduta já está prevista no tipo penal, inicialmente: reclusão de dois anos no caput do 312. Daí porque caracterizado o bis in idem. (HABEAS CORPUS Nº 62.790 - MG (2010/0028746-8) Rel. MINISTRO OG FERNANDES. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS) O Magistrado tem que tomar o cuidado na hora de valorar a culpabilidade dentro das circunstâncias judiciais, pois poderá este ferir o princípio do ne bis in idem e este veda que a consequência penal ultrapasse a medida do injusto e da culpabilidade. Portanto, se este não valorar corretamente a aplicação desta circunstância ocorre bis in idem. Entende-se agora a dificuldade que o juiz encontra para aplicar a culpabilidade como circunstância da pena, pois haverá sempre um juízo ideológico a interferir na valoração desta e com isto não terá como resultado uma pena justa. 6.3.1.2 Antecedentes O artigo 59 do Código Penal considera que os antecedentes são fatos anteriores praticados pelo réu, podendo ser bons ou maus. São considerados maus antecedentes aqueles praticados pelo indivíduo que merecem a reprovação da autoridade pública. Bittencourt (2006) diz que a finalidade desse modulador, como os outros constantes no artigo 59 do Código Penal, é simplesmente para demonstrar a maior ou menor afinidadedo réu com a prática delituosa, para podermos começar a fixação da pena base. Mirabete (2003) em sua obra define os antecedentes como: Os antecedentes (bons ou maus) do agente. Verifica-se a vida pregressa do réu, com base no que constar do inquérito policial (art. VIII e IX, do CPP) e nos demais dados colhidos durante a instrução do processo, apurando-se se já foi envolvido em outros fatos delituosos, se é criminoso habitual, ou se sua vida anterior é isenta de ocorrências ilícitas, sendo o delito apenas um incidente esporádico. (MIRABETE, 2003, p. 283). 37 Nucci (2006) define os maus antecedentes como: Definição de maus antecedentes: outra questão temerosa, firmando-se o entendimento que antecedentes são os aspectos passados da vida criminosa do réu é a análise do que pode ser incluído neste contexto. Há duas posições predominantes 1) considera-se tudo o que consta na folha de antecedentes do réu sem qualquer distinção (posição predominante atualmente). Como diz Roberto Lyra. “os precedentes penais caracterizam a reincidência, mas os processos arquivados ou concluídos com absolvição, sobretudo por falta de provas, os registros policiais, as infrações disciplinares e fiscais, podem ser elementos de indicação veemente.” (NUCCI, 2006, p.395). Ferreira (2000) diz que, para efeitos de antecedentes devem ser considerados também o bom comportamento do réu, as boas ações praticadas por este, os inquéritos que foram arquivados por causas impeditivas à ação penal, as ações penais em que o réu foi absolvido em razão de falta de provas. Bittencourt (2006) sustenta o entendimento de que não se pode considerar como maus antecedentes, os inquéritos policiais instaurados e processos criminais em andamento, a absolvição por insuficiência de provas, prescrição abstrata, retroativas e intercorrentes, segundo este violaria a presunção de inocência. Se estes forem considerados maus antecedentes em outros processos, nos quais já tenha havido condenação, representaria uma nova condenação e isso é inadmissível. A jurisprudência consolidou o entendimento que somente as condenações transitadas em julgado, que não gerem reincidência, podem ser consideradas para fins de caraterização de maus antecedentes. Somente se consideram ‘maus’ antecedentes que comportem condenação previa, passada em julgado sendo os demais irrelevantes na valoração das circunstâncias judiciais ao art. 59 do Código Penal. (AP. 1.0313.00.010102- 9/001, 3ª C., Rel. Jane Silva, 25.06.2004). Uma parte da doutrina e da jurisprudência defende que ao contrário da reincidência, os efeitos negativos dos antecedentes não estão limitados no tempo. O artigo 64, inciso I, do Código Penal diz que: sendo possível a consideração como 38 maus antecedentes de condenação cuja pena já foi cumprida há mais de cinco anos, pois a prescrição quinquenal apenas se dá para a reincidência. Não podendo assim ter o caráter de perpetuidade dos antecedentes, uma vez que fere o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da humanidade das penas. Salo de Carvalho (2001) participa deste entendimento: Cremos urgente instituir sua temporalidade, fixando um prazo determinado para a produção dos efeitos impostos pela lei penal. O recurso à analogia permite-nos limitar o prazo de incidência dos antecedentes no marco de cinco anos – delimitação temporal da reincidência – visto será única orientação permitida pela sistemática do Código Penal. (SALO DE CARVALHO, 2001, p. 51) A doutrina moderna entende que o autor do fato criminoso passa a ser julgado não pelo que fez e sim pelo que fez em seu passado, pela visão de Suannes (1999) isso fere Direitos Fundamentais, vejamos: Tais considerações [da Escola Positivista] são absolutamente incompatíveis com o pensamento da Criminologia contemporânea que não mais vê na pena propósitos reeducadores ou recuperadores, mas tão-somente aquilo que, na prática, ela realmente é: uma retribuição por aquilo que se fez. Faz, pagou. Caso encerrado. Censurável eticamente esse bis in idem (o fato anterior é levado em conta duas vezes: quando sentenciado lá e quando sentenciado aqui!). (SUANNES, 1999, p. 239). Verifica-se que, sob os aspectos dos Direitos Fundamentais não se pode valorar o passado do agente sob pena de incidir o bis in idem. 6.3.1.3 Conduta social Bittencourt (2006) conceitua a conduta social como: Deve-se analisar o conjunto do comportamento do agente em seu meio social, família, na sociedade, na empresa, na associação do bairro, etc. Embora sem antecedentes criminais, um indivíduo pode ter sua vida recheada de deslizes, infâmias, imoralidades, reveladores de desajuste social. Por outro lado, é possível que determinado indivíduo, mesmo portador de antecedentes criminais, possa ser autor de atos beneméritos, ou de grande relevância social ou moral. No entanto, nem sempre os autos 39 oferecem elementos para analisar a conduta social do réu; nessa hipótese, a presunção milita em seu favor. (BITENCOURT, 2006, p. 629-630). Mirabete (2003) conceitua a conduta social como “a situação nos diversos papéis desempenhados junto à comunidade, tais como suas atividades relativas ao trabalho, à vida, à família, etc”. Segundo Nucci (2006) a conduta social do agente é: É o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc. O Magistrado precisa conhecer a pessoa que estará julgando, a fim de saber se merece uma reprimenda maior ou menor, daí a importância das perguntas que devem ser dirigidas ao acusado, no interrogatório, e às testemunhas, durante a instrução. (NUCCI, 2006, p. 396). O STJ se manifestou nesse sentido: A conduta do réu tanto pode ser favorável ou contrariamente basta conferir casa hipótese de julgamento. Ademais, não se trata de novidade que é uma circunstância que envolve a vida do acusado antes do delito, sob os aspectos de relacionamento familiar e social. (STJ, RSTJ 17/472). O Tribunal de Justiça do Paraná já considerou para fins de majoração a relação familiar do sentenciado, vejamos: Possível à majoração da pena base quando se apresentado desfavorável à conduta do acusado, demonstrando que, além de ser também usuário de drogas, estar desempregado, não estudar e estar em constantes atritos familiares. (Acórdão nº 3052. AP. Crim. 0254041-6, 5ª Câmara Criminal, Rel. Dês. Rosana Andriguetto de Carvalho, DJ 7219 de 06/10/2006). Ferreira (2000) explica que a conduta social da à oportunidade de o juiz de avaliar o comportamento do réu em outras épocas, como a vida de estudante, com o trabalhador, na família, como pessoa componente da vida social, toda a vida antes de cometer o delito. A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso VIII, diz que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política, 40 salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa fixada em lei”. O artigo 3º do mesmo diploma legal acima diz que um dos objetivos fundamentais do Estado é “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Não obstante é comum em interrogatórios dos réus serem dirigidas perguntas em relação à religião, uso de bebidas alcóolicas, se fuma, ou até mesmo a sua orientação sexual, e com base nestas perguntas é que se é analisada a conduta social do acusado. Estas questões não poderiam ser levadas em consideração para a majoração da pena base, pois fazem parte da esfera moral do réu e não deveria ser perguntadasem seus interrogatórios. O juiz quando decidir majorar a pena utilizando esta circunstância judicial terá que fundamentar sua decisão, utilizando sempre a norma, mas esta não tem previsão legal, portanto, resta demonstrado que a majoração da pena base com base em valores morais é incompatível com a Constituição Federal. 6.3.1.4 Personalidade do agente A personalidade deve ser entendida como sendo as qualidades morais e sociais do indivíduo. Aníbal Bruno (2002) define personalidade, “é um todo complexo, porção herdada e porção adquirida, com o jogo de todas as forças que determinam ou influenciam o comportamento humano”. Nucci (2006) conceitua a personalidade como: Trata-se do conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa, parte herdada, parte adquirida. “A personalidade tem uma estrutura muito complexa. Na verdade é um conjunto somatopsíquico (ou psicossomático) no qual se integra um componente morfológico, estático, que é a conformação física; um componente dinâmico-humoral ou fisiológico, que é o temperamento. (...) Na configuração da personalidade congregam-se elementos hereditários e sócio-ambientais, o que vale dizer que as experiências da vida contribuem para a sua evolução. Esta se faz em cinco fases bem caracterizadas: infância, juventude, estado adulto, maturidade, velhice” (Guilherme Oswaldo Arbenz Compendio de Medicina Legal). É imprescindível, no entanto, haver uma análise do meio e das condições onde o agente se formou e vive, pois o bem-nascido, sem ter 41 experimentado inovações de ordem econômica ou abandono familiar, quando tende ao crime, deve ser mais severamente apenado do que o miserável que tenha praticado uma infração para garantir a sua sobrevivência. (NUCCI, 2006, p. 398). Nucci (2006) faz uma diferença do que são fatores positivos e negativos da personalidade, iniciando pelo fator positivo que é bondade, paciência, amabilidade, maturidade, responsabilidade, tolerância, honestidade, simplicidade, desprendimento material, solidariedade. Já os negativos são maldade, agressividade, impaciência, rispidez, hostilidade, imaturidade, irresponsabilidade, mau-humor, covardia, frieza, insensibilidade, intolerância, desonestidade, soberba, inveja, cobiça, egoísmo. Para se analisar a personalidade deve verificar alguns critérios, como a boa ou má índole, a sua maior ou menor sensibilidade ético-social, a presença ou não de eventuais desvios de caráter de forma a identificar se o crime constitui um episódio acidental na vida do réu, portanto, são critérios difíceis de valorar. Ferreira (2000) em sua obra diz que: O Magistrado não tem condições de avaliar cientificamente a personalidade do criminoso. Primeiro, porque ele não tem um preparo técnico em caráter institucional. A noção sobre psicologia e psiquiatria as adquire como autodidata. Segundo, porque não dispõe de tempo para se dedicar a tão profundo estudo. Terceiro, porque em razão das deficiências materiais do Poder Judiciário e da polícia, o processo nunca vem suficientemente instruído do modo a permitir uma rigorosa análise da personalidade. (FERREIRA, 2000, p. 86). O Magistrado deve ponderar no momento da fixação da pena-base quando analisar esta circunstância, pois a personalidade é difícil de valorar, sendo que para alcançar esta valoração, o Juiz teria que possuir conhecimentos técnicos, portanto, chegamos a uma discussão e a jurisprudência veio falar sobre o assunto: Havendo nos autos notícias de que o condenado responde a inquéritos policias e ações penais por diversos crimes, em varias cidades e na Justiça Federal, revela-se oportuna a remessa de copia do acórdão que confirmou a sentença condenatória as autoridades judiciárias, a fim de que possam bem avaliar a sua personalidade. (AP. Crim, 2000.04.01.056441-0-RS, 7ª turma, Rel. Vladimir Freitas, v.u). 42 Teles (1998) se refere à inviabilidade de se utilizar a personalidade como parâmetro da fixação da pena-base: Aqui, outra circunstância que não tem relação direta com o fato praticado, a personalidade não é um conceito jurídico, mas do âmbito de outra ciência. Deve o juiz, ao teor do art. 59, considera-la no momento da fixação da pena base? [...] Ora, a personalidade não é um conceito jurídico, mas do âmbito de outras ciências – Psicologia, Psiquiatria, Antropologia – e deve ser entendida como um complexo de características individuais próprias, adquiridas, que determinam ou influenciam o comportamento do sujeito. Considera-la no momento da fixação da pena é considerar o homem, enquanto ser, e não o fato por ele praticado. [...] O exame da personalidade, de outro lado, não pode ser feito a contento do juiz, o âmbito restrito do processo penal, sem o concurso de especialistas – psiquiatras, psicólogos, etc. O magistrado não é formado e preparado para o exame aprofundado de características psíquicas do homem, e permitir-lhe exame apenas superficialmente para um desiderato tão grave – perda da liberdade – seria de uma leviandade inaceitável num ordenamento jurídico democrático e sério. Facultar ao juiz a consideração sobre a personalidade do condenado importa em conceder ao julgador um poder quase divino de invadir toda a alma do indivíduo para julgá-la e aplica-lhe a pena pelo que ela é, e não pelo que ele, homem fez. (TELES, 1998, p. 81). Outra jurisprudência moderna veio falar sobre o assunto: A valoração negativa da personalidade é inadmissível em Sistema Penal Democrático fundado nos Princípios da Secularização: ‘o cidadão não pode sofrer sancionamento por sua personalidade – cada um tem como entende’. [...] Mais, a alegação de ‘voltada para a prática delitiva’ é retórica, juízes não tem habilidade técnica para proferir juízos de natureza antropológica, psicológica ou psiquiátrica, não dispondo o processo judicial de elementos hábeis (condições mínimas) para o julgador proferir ‘diagnósticos’ desta natureza. (TJRS, AP Crim. Nº 70004496725. Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, de 29/03/1993). A jurisprudência sobre o tema diz que esta circunstância judicial, a personalidade, é difícil de ser valorado, com isso, o Magistrado tem que ter cuidado ao analisá-la quanto da fixação da pena. 6.3.1.5 Motivos do crime Os motivos constituem a fonte propulsora da vontade criminosa, diz Bittencourt, e ainda que, não há crime sem motivo. Pedro Vergara, citado por Bitencourt (2006), afirma que "os motivos determinantes da ação constituem toda a soma dos fatores que integram a personalidade humana e são suscitados por uma 43 representação cuja ideomotricidade tem o poder de fazer convergir, para uma só direção, todas as nossas forças psíquicas". (Vergara, 1999). Mirabete e Fabbrini (2003) definem os motivos do crime como: Os motivos do crime, ressaltados na pregação positiva, realçam a necessidade de efetuar um perfil psíquico do delinquente e da causação do crime para uma correta imposição de pena. O crime deve ser punido em razão de motivos que podem levar a uma substancial alteração da pena, aproximando-se do mínimo quando derivam de sentimentos de nobreza moral ou elevando-se quando indicam um substrato antissocial. (MIRABETE, 2003, p. 285). Ainda, Ferreira coloca que os motivos “é um fator que desencadeia a ação criminosa, de modo que se afirmar que não há crime sem motivo”. (Ferreira, 2000). Nucci (2006) citando Lyra explica que: O motivo, cuja forma dinâmica é móvel, varia de indivíduo para indivíduo, de caso a caso, segundo o interesse ou o sentimento. Tanto o dolo como a culpa se ligam a figura do crime em abstrato, ao passo que o móvel muda incessantemente dentro de cada figura concreta de crime, sem afetar a existência legal
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