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1 PR OA MI S EM CA D PROAMI PROGRAMA DE ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA 2 Estimado leitor É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. E quem não estiver inscrito no Programa de Atualização em Medicina Intensiva (PROAMI) não poderá realizar as avaliações, obter certificação e créditos. Os autores têm realizado todos os esforços para localizar e indicar os detentores dos direitos de autor das fontes do material utilizado. No entanto, se alguma omissão ocorreu, terão a maior satisfação de na primeira oportunidade reparar as falhas ocorridas. A medicina é uma ciência em permanente atualização científica. À medida que as novas pesquisas e a experiência clínica ampliam nosso conhecimento, modificações são necessárias nas modalidades terapêuticas e nos tratamentos farmacológicos. Os autores desta obra verificaram toda a informação com fontes confiáveis para assegurar-se de que esta é completa e de acordo com os padrões aceitos no momento da publicação. No entanto, em vista da possibilidade de um erro humano ou de mudanças nas ciências médicas, nem os autores, nem a editora ou qualquer outra pessoa envolvida na preparação da publicação deste trabalho garantem que a totalidade da informação aqui contida seja exata ou completa e não se responsabilizam por erros ou omissões ou por resultados obtidos do uso da informação. Aconselha-se aos leitores confirmá-la com outras fontes. Por exemplo, e em particular, recomenda-se aos leitores revisar o prospecto de cada fármaco que planejam administrar para certificar-se de que a informação contida neste livro seja correta e não tenha produzido mudanças nas doses sugeridas ou nas contra-indicações da sua administração. Esta recomendação tem especial importância em relação a fármacos novos ou de pouco uso. Associação de Medicina Intensiva Brasileira Rua Domingos de Moraes, 814. Bloco 2. Conjunto 23 04010-100 – Vila Mariana - São Paulo, SP Fone/fax (11) 5575-3832 E-mail: cursos@amib.com.br http://www.amib.com.br SISTEMA DE EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA A DISTÂNCIA (SEMCAD®) PROGRAMA DE ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA (PROAMI) Artmed/Panamericana Editora Ltda. Avenida Jerônimo de Ornelas, 670. Bairro Santana 90040-340 – Porto Alegre, RS – Brasil Fone (51) 3025-2550 – Fax (51) 3025-2555 E-mail: info@semcad.com.br consultas@semcad.com.br http://www.semcad.com.br 3 PR OA MI S EM CA D PROAMI PROGRAMA DE ATUALIZAÇÃO EM MEDICINA INTENSIVA ORGANIZADO PELA ASSOCIAÇÃO DE MEDICINA INTENSIVA BRASILEIRA Diretores acadêmicos Cleovaldo T. S. Pinheiro Werther Brunow de Carvalho Artmed/Panamericana Editora Ltda. SISTEMA DE EDUCAÇÃO MÉDICA CONTINUADA A DISTÂNCIA 4 Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED/PANAMERICANA EDITORA LTDA. Avenida Jerônimo de Ornelas, 670 – Bairro Santana 90040-340 – Porto Alegre, RS Fone (51) 3025-2550. Fax (51) 3025-2555 E-mail: info@semcad.com.br consultas@semcad.com.br http://www.semcad.com.br Capa e projeto: Tatiana Sperhacke Diagramação: Ethel Kawa Editoração eletrônica: João Batysta N. Almeida e Barbosa Coordenação pedagógica: Evandro Alves Supervisão pedagógica: Magda Collin Processamento pedagógico: Evandro Alves, Luciane Ines Ely e Michelle Freimüller Revisões: Israel Pedroso e Dinorá Casanova Colla Coordenação-geral: Geraldo F. Huff Diretores acadêmicos: Cleovaldo T. S. Pinheiro Professor adjunto do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Medicina pela UFRGS. Especialista em Terapia Intensiva, titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). Chefe do Serviço de Medicina Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Coordenador do Programa de Residência em Medicina Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Werther Brunow de Carvalho Professor livre-docente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Especialista em Medicina Intensiva Pediátrica, titulação pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Chefe das Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricas do Hospital São Paulo, Hospital Santa Catarina e Beneficência Portuguesa de São Paulo. P964 Programa de Atualização em Medicina Intensiva (PROAMI) / organizado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira. – Porto Alegre: Artmed/Panamericana Editora, 2004. 17,5 x 25cm. (Sistema de Educação Médica Continuada a Distância (SEMCAD) 1. Medicina intensiva – Educação a distância. I. Associação de Medicina Intensiva Brasileira. II. Título. CDU 616-084/-089:37.018.43 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023 PROAMI. Programa de Atualização em Medicina Intensiva ISSN 1679-6616 5 PR OA MI S EM CA D Presidente José Maria da Costa Orlando Vice-Presidente Waldemar Henrique Fernal 1º Secretário Marcelo Moock 2º Secretário Luiz Alexandre Alegretti Borges 1º Tesoureiro Rosa Goldstein Alheira Rocha 2º Tesoureiro Afonso José Celente Soares Associação de Medicina Intensiva Brasileira Diretoria 2004/2005 Associação de Medicina Intensiva Brasileira Rua Domingos de Moraes, 814. Bloco 2. Conjunto 23 04010-100 – Vila Mariana - São Paulo, SP Fone/fax (11) 5575-3832 cursos@amib.com.br www.amib.com.br 6 7 PR OA MI S EM CA D MANEJO DAS SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS 9 José Verri PROFILAXIA DAS HEMORRAGIAS DIGESTIVAS EM UTI 33 Mário Reis Álvares-da-Silva TÉTANO 57 Janete Salles Brauner ATUALIZAÇÃO EM FÁRMACOS ANALGÉSICOS, SEDATIVOS E BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES UTILIZADOS EM UTI 81 Rachel Duarte Moritz PÓS-OPERATÓRIO DE CIRURGIAS DE CARDIOPATIAS CONGÊNITAS 109 Paulo Ramos David João e Fernando Faria Júnior AUTO-AVALIAÇÃO DO MÓDULO 4, DO CICLO 1 141 SUMÁRIO 8 9 PR OA MI S EM CA D MANEJO DAS SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS Médico cardiologista e intensivista. Serviço de Medicina Intensiva do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. JOSÉ VERRI INTRODUÇÃO Síndromes coronarianas agudas é a expressão usada para se referir ao es- pectro que compreende angina instável e infarto do miocárdio. Por uma questão prática, com implicações prognósticas e de estratégia terapêutica, dividem- se os infartos em dois tipos: ■■■■■ infartos sem elevação do segmento ST do eletrocardiograma (ECG); ■■■■■ infartos com elevação do segmento ST do ECG. A fisiopatologia, na grande maioria dos casos, é baseada na ruptura de uma placa aterosclerótica vulnerável e conseqüente formação de um trombo no local. Esse trombo é totalmente oclusivo nos casos de infarto com elevação do segmento ST e produz uma obstru- ção apenas parcial na angina instável e no infarto sem elevação do segmento ST. OBJETIVOS Ao final da leitura deste capítulo, você deverá será capaz de: ■■■■■ reconhecer itens que servem para identificação de pacientes de alto risco para apresentar a síndrome coronariana aguda; ■■■■■ identificar os principais pontos para o diagnóstico de síndromes coronarianas agudas; ■■■■■ reconhecer e aplicar técnicas de tratamento e manejo em casos de síndromes coronarianas agudas. 10 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS ESQUEMA CONCEITUAL Manejo das síndromes coronarianas agudas Síndromes coronarianas agudas: similaridades e diferenças Síndromes coronarianas agudas sem elevação do segmento ST Achados angiográficos Identificação de pacientes de alto risco Infarto do miocárdio com elevação do segmento ST Objetivos imediatos do manejo Alívio da dor Redução do MVO2 Otimizaçãoda perfusão miocárdica Estabilização hemodinâmica Choque cardiogênico Abordagem inicial Tratamento Arritmias Arritmias ventriculares SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS: SIMILARIDADES E DIFERENÇAS A angina instável é definida pela ausência de elevação anormal e transitória de CK-MB ou troponinas (marcadores séricos de necrose miocárdica). A angina instá- vel caracteriza-se por dor torácica (angina) de recente começo, progressivamente mais freqüente, ou desencadeada por estímulos cada vez menores (até em repou- so). O infarto sem elevação do segmento ST tem um quadro clínico mais variável, cujo espectro abrange desde uma apresentação indistinguível daquela da angina instá- vel até a do infarto com elevação do segmento ST, diferenciando-se da primeira pela presença de marcadores séricos de necrose miocárdica e do último pela ausên- cia de elevação do segmento ST. 11 PR OA MI S EM CA D LEMBRAR O infarto com elevação do segmento ST geralmente tem apresentação mais dra- mática, com dor torácica intensa e prolongada (mais de vinte minutos), acompa- nhada de alguma combinação de sudorese, náuseas/vômitos, dispnéia e sensação de morte iminente. No infarto com elevação do segmento ST, o ECG mostra supradesnível de pelo menos 1mm do segmento ST, em pelo menos duas derivações contíguas (2mm nas derivações V1 a V3), ou bloqueio de ramo esquerdo novo (ou presumivelmente novo), além da presença de marcadores séricos de necrose miocárdica. A angina instável e o infarto sem elevação do segmento ST podem apresentar-se com: ■■■■■ ECG normal; ■■■■■ inversão de onda T; ■■■■■ infradesnível do segmento ST; ■■■■■ ou alguma combinação dos dois últimos. O prognóstico, incluindo a mortalidade hospitalar, é melhor na angina instável, inter- mediário no infarto sem elevação do segmento ST e mais reservado no infarto com elevação do segmento ST. É importante observar que um infarto com supradesnível do segmento ST não é sinôni- mo de infarto com onda Q; assim como infarto sem supradesnível do segmento ST não significa, necessariamente, infarto sem onda Q. A observação se faz pertinente porque a maioria (75 a 80%), mas não todos os casos de infarto com elevação do segmento ST, desenvolve ondas Q. Da mesma forma, cerca de um quarto dos pacientes com infarto sem elevação do segmento ST acaba por desenvolver ondas Q. A mortali- dade é maior no infarto com onda Q em relação ao infarto sem onda Q. Note-se que o aparecimento de ondas Q ocorre de várias horas a poucos dias após o início do quadro (tardiamente, portanto, em relação à instituição de importantes medidas terapêuticas iniciais). Como os achados laboratoriais que vão confirmar (ou refutar) definitivamente o diagnós- tico de infarto não são imediatamente disponíveis, o manejo inicial das síndromes coronarianas agudas é baseado no quadro clínico e no ECG. A angina instável e o infarto sem elevação do segmento ST (síndromes coronarianas sem elevação do segmento ST), que freqüentemente têm quadro clínico e ECG indistinguíveis (Figura 1), são abordados de maneira semelhante. O infarto com elevação do segmento ST (Figura 2), por sua vez, recebe, além de algu- mas medidas gerais em comum com as síndromes coronarianas sem elevação do seg- mento ST, tratamento específico que consiste de trombolítico ou angioplastia de emergência (primária), se o paciente for atendido em até doze horas a contar do início dos sintomas. 12 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS LEMBRAR Figura 1 - Infarto sem elevação do segmento ST. No paciente com síndrome coronariana aguda, o supradesnível do segmento ST ou bloqueio de ramo esquerdo devem ser prontamente reconhecidos por terem impor- tante e imediata implicação terapêutica. 1. Defina angina instável, infarto sem elevação do segmento ST e infarto com elevação do segmento ST, apontando similaridades e diferenças. ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 2. Qual a importância da onda Q nos diferentes tipos de infarto? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ SÍNDROMES CORONARIANAS AGUDAS SEM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST A estratificação de risco que, nas síndromes coronarianas agudas sem supradesnível do seg- mento ST, pode identificar pacientes com prognósticos significativamente diferentes, deve permi- tir a seleção daqueles mais graves para monitorização intensiva e tratamento mais agressivo: ácido acetilsalicílico, heparina, inibidores da glicoproteína (GP) IIb/IIIa, doses máximas de antianginosos (incluindo nitroglicerina endovenosa [EV] contínua), e revascularização, quando apropriada. 13 PR OA MI S EM CA D LEMBRAR Por outro lado, os pacientes de baixo risco podem ser manejados fora da UTI e trata- dos menos agressivamente: ácido acetilsalicílico e antianginosos por via oral (VO), ape- nas. De fato, existe um subgrupo desses pacientes (sem dor torácica nas últimas seis horas, com ECG normal e sem marcadores séricos de necrose miocárdica), que podem ser submetidos a um teste de esforço; aqueles com o teste normal podem ser libera- dos da sala de emergência para casa. A estratificação de risco, nas síndromes coronarianas agudas, é um processo que se inicia quando da suspeita diagnóstica, e é atualizado freqüentemente durante a investigação, de acordo com a evolução clínica e a resposta ao tratamento. Estudos relativamente recentes têm mostrado que a freqüência de angina refratária, infarto e morte é muito baixa com o tratamento clínico agressivo; a maioria dos pacientes hospitalizados com angina instável torna-se assintomática com alguma com- binação de ácido acetilsalicílico, heparina, nitrato, antagonista de cálcio e betabloqueador. De fato, em um estudo de pacientes transferidos para um hospital terciário para manejo de angina refratária ao tratamento clínico, 83% tornaram-se assintomáticos quando um trata- mento clínico efetivamente agressivo foi instituído; angina instável realmente refratária ao tratamento clínico ocorreu em apenas 9% dos pacientes.3 Vários estudos recentes têm avaliado a eficácia da heparina de baixo peso molecular, inibidores da GP IIb/IIIa e estratégia invasiva precoce, em pacientes com síndrome coronariana aguda sem elevação do segmento ST. Os pacientes-controle desses estudos receberam tratamento clínico convencional: fármacos antianginosos, ácido acetilsalicílico e heparina. Nesses pacientes-contro- le, a incidência de morte (1 a 2%) e infarto (2%) foi relativamente baixa. ACHADOS ANGIOGRÁFICOS No estudo TIMI IIIb,4 740 pacientes foram submetidos a cateterismo cardíaco entre dezoito e 48 horas após a admissão: 19% não tinham estenose significativa, 38% tinham estenose de apenas um vaso, 29% tinham estenoses emdois vasos e 5% tinham estenoses nas três coronárias; apenas 4% apresentavam estenose de tronco de coronária esquerda. Entre as mulheres com angina de repouso e alterações eletrocardiográficas, 25% não tinham estenose significativa nas artérias coronárias. Apesar de muitos médicos acreditarem que a aparência angiográfica da estenose “culpada” permite identificar o paciente que vai morrer, ter infarto, angina recorrente ou necessidade de revascularização, estudos têm demonstrado que nem as carac- terísticas angiográficas e nem a presença de trombo são úteis para prever a proba- bilidade de eventos adversos subseqüentes nesses pacientes. 14 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS LEMBRAR IDENTIFICAÇÃO DOS PACIENTES DE ALTO RISCO A grande maioria dos pacientes hospitalizados com síndrome coronariana aguda sem elevação do segmento ST torna-se assintomática e não tem angina recorrente, (re)infarto ou morte; como resultado, não se beneficia de coronariografia sistemática. Assim, se pudermos identificar os pacientes de maior risco para complicações cardíacas subseqüentes, a coronariografia (e revascularização) pode ser usada seletivamente nesse grupo. Algumas variáveis clínicas, eletrocardiográficas e marcadores séricos são extre- mamente úteis para identificar os pacientes com síndrome coronariana aguda que es- tão sob maior risco para eventos cardíacos desfavoráveis. No âmbito das variáveis clínicas, por exemplo, pacientes com estertores pulmonares ou disfunção sistólica B3 como manifestação de insuficiência cardíaca e aqueles com hipotensão ou insufici- ência mitral têm mortalidade relativamente alta. Pacientes com recorrência da angina após 48 horas de hospitalização têm mortalidade de 20% em um mês, enquanto naqueles sem recorrência de angina, a mortalidade é de apenas 2%. Os achados eletrocardiográficos mais úteis para identificar os pacientes de alto risco são: ■■■■■ bloqueio de ramo esquerdo; ■■■■■ infradesnível do segmento ST. De fato, a flutuação de ST-T combinada com sintomas persistentes implica uma mortalidade de 42% em um ano; de outra forma, a mortalidade em dois anos é de apenas 5%. Em contraste, apenas anormalidades de onda T não conferem maior risco de morte ou infarto; além disso, pacientes com angina pós-infarto sem alterações de ECG têm prognóstico semelhante ao dos pacientes sem angina pós-infarto. Recentemente, as troponinas acrescentaram uma nova dimensão à estratificação de risco nas síndromes coronarianas agudas sem elevação do segmento ST. Troponina T e troponina I são proteínas reguladoras localizadas no aparato contrátil do miócito, que, quando detectadas em concentrações anormais no sangue, guar- dam uma relação direta com o risco de morte. O manejo das síndromes coronarianas agudas inclui certas intervenções farmacológicas es- pecíficas, que têm impacto favorável sobre a história natural da doença, além de algumas medi- das gerais, como o repouso absoluto no leito durante as primeiras doze horas; após esse período o paciente é, então, liberado para sentar em uma poltrona, enquanto permanecer clinica- mente estável. A dieta por via oral é reinstituída assim que o paciente apresentar estabilidade clínica, com as restrições pertinentes às suas necessidades individuais, como dia- betes. Não é necessária, por exemplo, a restrição de sal se não houver hiperten- são ou insuficiência cardíaca. 15 PR OA MI S EM CA D Tratamento Terapêutica antitrombótica (ácido acetilsalicílico, heparina e inibidores da GP IIb/IIIa) Fármacos antiisquêmicos (betabloqueadores, nitratos e/ou antagonistas de cálcio) Revascularização miocárdica (cirúrgica ou por cateter) Cirurgia Características Usada para impedir a progressão do trombo, permitindo que a fibrinólise endógena dissolva o coágulo e reduza o grau de estenose coronariana. Ácido acetilsalicílico é mantido indefinidamente, de maneira que, se novos eventos ocorrerem, serão menores o grau de trombose e a probabilidade de progressão para oclusão coronariana total. Diminuem o desequilíbrio entre a oferta e a demanda miocárdicas de oxigênio. Deve-se, no entanto, ter o cuidado de não usar antagonistas de cálcio do grupo da nifedipina sem um betabloqueador associado, bem como evitar o uso de diltiazem ou verapamil em pacientes com manifestações de insuficiência cardíaca. Reservada para aqueles pacientes com angina realmente refratária e/ou identificados como de alto risco e que, submetidos à coronariografia, tiverem achados anatômicos apropriados. Alternativa de escolha para os pacientes diabéticos e para pacientes com: • estenose de tronco de coronária esquerda; • estenoses em três vasos (especialmente com disfunção ventricular esquerda). Se o paciente demonstrar alguma ansiedade, comumente relacionada à situação clínica e ao ambiente de UTI, é útil uma sedação leve, com benzodiazepínico. Heparina, 5.000 U, via subcutânea (SC), a cada doze horas, reduz o risco de trom- bose venosa profunda e embolia pulmonar nos pacientes acamados por períodos prolongados, quando não estiverem sob efeito de outra forma de anticoagulação. Os objetivos do tratamento dos pacientes com síndrome coronariana aguda sem ele- vação do segmento ST (ver Quadro 1) estão focados em: ■■■■■ estabilização e “pacificação” da placa instável; ■■■■■ tratamento da isquemia residual; ■■■■■ prevenção secundária a longo prazo. Quadro 1 MODALIDADES DE TRATAMENTO DA SÍNDROME CORONARIANA AGUDA SEM SUPRADESNÍVEL DO SEGMENTO ST A hospitalização por síndrome coronariana aguda é uma oportunidade que se deve aproveitar para identificar os fatores de risco que levaram a este evento e iniciar a intervenção sobre aqueles modificáveis: fumo, dislipidemia e hipertensão. 16 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS Fármaco Ácido acetilsalicílico Enoxaparina Abciximab (inibidor da GP IIb/IIIa) Ticlopidina Clopidogrel Considerações Inicial: 200 a 300mg. Demais doses diárias: 100mg. Dosagem: 1mg/kg de peso, SC, a cada doze horas. É pelo menos tão eficaz e de uso mais prático que a heparina não-fracionada. Usado como tratamento adjuvante na angioplastia, reduz a incidência de complicações cardiovasculares recorrentes. 500mg, seguidos de 250mg a cada doze horas, por 2 a 4 semanas. 300mg, seguidos de 75mg/dia, por 2 a 4 semanas. LEMBRAR LEMBRAR As complicações como insuficiência cardíaca e arritmias graves, que ocorrem predominantemente nos pacientes com marcadores séricos de necrose miocárdica (infarto) e, mais freqüentemente, se houver história de infarto prévio, disfunção ventricular esquerda e/ou idade avançada, são manejadas como nos pacientes com infarto com elevação do segmento ST. No Quadro 2, a seguir, são apresentadas considerações sobre fármacos usados no tratamento da síndrome coronariana aguda sem supradesnível do segmento ST. Quadro 2 FÁRMACOS USADOS NO TRATAMENTO DA SÍNDROME CORONARIANA AGUDA SEM SUPRADESNÍVEL DO SEGMENTO ST Quando implantado um stent coronariano, antiplaquetários como ticlopidina e clopidogrel também podem ser usados no lugar do ácido acetilsalicílico, nos raros casos de real contra-indicação a este fármaco. 3. Defina que variáveis clínicas, eletrocardiográficas e marcadores séricos são impor- tantes na identificação das síndromes coronarianas agudas. ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................4. Com que regime antiplaquetário deve ser tratado um paciente com infarto com eleva- ção do segmento ST e história de intolerância (dispepsia) ao ácido acetilsalicílico? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 17 PR OA MI S EM CA D Figura 2 - Infarto com elevação do segmento ST. 5. Em um paciente com dor torácica aguda com trinta minutos de duração e sudorese, com elevação do segmento ST > 2mm em três derivações contíguas, qual a implicação dos marcadores séricos de necrose miocárdica no manejo inicial? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ (Veja as respostas para as questões 4 e 5 ao final do capítulo). INFARTO DO MIOCÁRDIO COM ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST Metade das mortes por infarto do miocárdio ocorre nas primeiras duas horas de evolução, geralmente por fibrilação ventricular e, entre os pacientes que chegam com vida ao hospital, um quarto das mortes subseqüentes acontece nas primeiras 48 horas. Assim, justifica-se a imediata admissão do paciente em um ambiente com: ■■■■■ monitorização contínua do ritmo cardíaco; ■■■■■ disponibilidade para reanimação cardiopulmonar; ■■■■■ cardioversão elétrica. O prognóstico do paciente que se apresenta com infarto do miocárdio varia muito (mortalidade hospitalar média de 5 a 30%), mas pode ser estimado de maneira relativamente simples, ainda na sala de emergência. A classificação de Killip (Quadro 3) é extremamente útil na avaliação inicial do paciente com infarto. As características listadas abaixo permitem identificar pacientes com maior risco, mesmo antes de um exame físico mais detalhado: ■■■■■ idade avançada; ■■■■■ freqüência cardíaca maior do que 100bpm; ■■■■■ PA sistólica menor do que 100mmHg. 18 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS Classe I II III IV Exame do tórax Normal Estertores < 50% dos pulmões e/ou B3 Estertores em toda a extensão dos pulmões Choque Mortalidade (sete dias) 3% 12% 20% 60% Além dessas variáveis, também estão associadas a uma maior probabilidade de complicações: a localização (anterior) do infarto, história de diabetes ou infarto prévio. Quadro 3 CLASSIFICAÇÃO DE KILLIP OBJETIVOS IMEDIATOS DO MANEJO Os objetivos imediatos do manejo do paciente com infarto do miocárdio são: ■■■■■ o alívio da dor; ■■■■■ a redução do consumo miocárdico de oxigênio (MVO2); ■■■■■ a manutenção (ou otimização) da perfusão miocárdica; ■■■■■ a estabilização hemodinâmica. Idealmente, os dois primeiros objetivos são alcançados ainda na sala de emergência, e as medidas iniciais para a obtenção dos demais são instituídas também na sala de emergência ou na sala de cateterismo cardíaco, ou seja, antes da transferência do paciente para a UTI. Alívio da dor O alívio da dor é obtido, inicialmente, com oxigênio suplementar (quando a saturação da hemoglobina for menor que 90%), nitroglicerina e doses repetidas de morfina. Redução do MVO2 A redução do consumo miocárdico de oxigênio é obtida através da sedação e pelo próprio alívio da dor e, quando for o caso, pela redução da freqüência cardíaca para menos que 70bpm, e da pressão arterial média para cerca de 80mmHg, com uma com- binação de betabloqueador e nitroglicerina. Otimização da perfusão miocárdica A otimização da perfusão miocárdica inclui uso de ácido acetilsalicílico, na seguinte dosagem: 200 a 300mg VO, na admissão, e 100mg/dia. 19 PR OA MI S EM CA D LEMBRAR Para pacientes cuja elevação do segmento ST ou bloqueios de ramo esquerdo se apresenta em até 12 horas pós inicio dos sintomas, usa-se trombolítico (por exem- plo, estreptoquinase1.500.000U, EV, em uma hora) ou angioplastia primária. A escolha entre o uso de trombolíticos ou angioplastia primária deve levar em conta a disponibili- dade imediata de um e outro e a eventual presença de contra-indicação ao uso de trombolítico; mas a angioplastia é preferível em pacientes com choque cardiogênico ou idade superior a seten- ta anos. As contra-indicações para trombolíticos são hemorragia digestiva; dissecção aórtica; trauma ou cirurgia nas últimas duas semanas, gravidez, história de hemorragia cere- bral, ou qualquer acidente vascular cerebral no último ano. Em alguns casos são usados, ainda, outros antitrombóticos, como: ■■■■■ heparina (se o trombolítico usado for o tPA); ■■■■■ abciximab (com angioplastia); ■■■■■ ticlopidina ou clopidogrel (angioplastia com stent). Estabilização hemodinâmica A estabilização hemodinâmica, quando necessária, pressupõe a correção de hipotensão, congestão pulmonar e a síndrome de baixo débito. A hipotensão (e o baixo débito freqüentemente associado), quando não acompanhada de con- gestão pulmonar, em geral responde à administração de volume intravascular. A congestão pulmonar, em uma primeira instância, é tratada com: ■■■■■ Oxigênio suplementar, morfina e nitroglicerina; ■■■■■ Na ausência de resposta satisfatória, usa-se diurético (se não houver evidência de hipovolemia) e máscara de pressão positiva contínua (CPAP); ■■■■■ Algumas vezes, podem ser necessárias medidas mais agressivas, como intubação traqueal e ventilação mecânica e/ou balão intra-aórtico. A síndrome de baixo débito, quando não responsiva à reposição volêmica, ou quando associa- da à congestão pulmonar, é a forma extrema de insuficiência cardíaca (choque cardiogênico) e exige um manejo agressivo que inclui alguma combinação de: ■■■■■ fármacos inotrópicos (dobutamina, dopamina, milrinona); ■■■■■ balão intra-aórtico; ■■■■■ marca-passo (se houver bradicardia); ■■■■■ ventilação mecânica. 20 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS Fármacos Betabloqueadores Inibidores da enzima de conversão da angiotensina Procedimentos Após uma dose inicial EV de: • propranolol 0,15mg/kg; • atenolol 5-10mg; • ou metoprolol 15mg. Se não houver contra-indicação, administra-se propranolol, em dosagens crescentes, até 180-240mg/dia, VO. Alternativamente, pode-se utilizar atenolol 100mg/dia ou metoprolol 200mg/dia. Captopril é administrado na dose inicial de 6,25mg, se a pressão arterial média não for menor que 80mmHg, aumentando-se a cada oito horas, até 75mg/dia. Alternativamente, podem ser usados lisinopril (5-10mg/dia), ramipril ou trandolapril. LEMBRAR Nessa situação, as informações obtidas através do cateter de Swan-Ganz são úteis para orientar o manejo inicial e monitorizar a resposta e evolução subseqüentes. Além da monitorização contínua do ritmo cardíaco, o paciente é submetido a reavaliações clínicas freqüentes e à implementação contínua das medidas já instituídas, até que se obte- nha cada um dos quatro objetivos enumerados anteriormente. Alcançada a estabilizaçãodo qua- dro clínico, o manejo do infarto tem como racional a prevenção, a identificação precoce e o tratamento apropriado das eventuais complicações próprias das primeiras 48-72 horas de evolução. Devem receber anticoagulação “plena” (por exemplo, enoxaparina 1mg/kg de peso, SC, a cada doze horas) pacientes com: ■■■■■ infarto anterior extenso; ■■■■■ insuficiência cardíaca; ■■■■■ fibrilação atrial; ■■■■■ trombo no ventrículo esquerdo. No Quadro 4, a seguir, apresentamos os fármacos e seu uso na estabilização hemodinâmica. Quadro 4 ESTABILIZAÇÃO HEMODINÂMICA - FÁRMACOS E PROCEDIMENTOS O paciente com glicemia elevada, especialmente se maior que 200mg/dL, deve ser tratado com insulina EV contínua. Pacientes com angina pós-infarto, como outros pacientes com angina instável, são tratados com antianginosos (betabloqueador, nitrato e/ou antagonista de cálcio) e antitrombóticos (ácido acetilsalicílico e heparina). Se não houver controle satisfatório da angina, devem ser consideradas coronariografia e revascularização (por cateter ou cirurgia), quando esta for apropriada. 21 PR OA MI S EM CA D *PCP: pressão capilar pulmonar (em mmHg). **IC: índice cardíaco (em L/min/dm2). Classe I II III IV PCP* <18 >18 <18 >18 IC > 22 > 22 < 22 < 22 Mortalidade 2 % 10 % 22 % 56 % As complicações hemodinâmicas do infarto podem ser identificadas (ou suspeitadas) clinica- mente e confirmadas pela monitorização hemodinâmica invasiva (cateter de Swan-Ganz), que é útil em situações como: ■■■■■ hipotensão que não responda a medidas simples (elevação dos membros inferiores, adminis- tração de líquidos); ■■■■■ insuficiência cardíaca moderada à severa; ■■■■■ hipoxemia sem uma causa óbvia; ■■■■■ sopro sistólico novo. Estabelecida a monitorização hemodinâmica, o manejo subseqüente é determinado pela classi- ficação de Forrester (Tabela 1). Tabela 1 CLASSIFICAÇÃO HEMODINÂMICA DO INFARTO (FORRESTER) A partir da classificação de Forrester, veremos a seguir como se caracterizam os pacientes de cada classe: ■■■■■ Classe I - têm padrão hemodinâmico normal; ■■■■■ Classe II - têm hipertensão venocapilar pulmonar, são tratados com diurético e/ou nitrato, se apresentarem manifestações clínicas de congestão pulmonar; ■■■■■ Classe III - têm hipovolemia (absoluta ou relativa) e devem receber volume se tiverem hipotensão ou manifestações clínicas de hipoperfusão tecidual (pele fria, oligúria, alteração do estado mental); ■■■■■ Classe IV - têm choque cardiogênico, que será discutido, em separado, mais adiante. A hipotensão acompanhada de bradicardia é relativamente comum no infarto inferior, pode ser desencadeada ou agravada pelo uso de nitrato e responde à elevação passiva dos membros inferiores e administração de atropina (0,5 a 1mg, EV). O estado hiperdinâmico, caracterizado por taquicardia e hipertensão, é facilmente controlado com betabloqueadores. O comprometimento do ventrículo direito ocorre em dois terços dos casos de infarto inferior (do ventrículo esquerdo), sendo que, em metade das vezes, com alguma repercussão hemodinâmica (hipotensão e pressão venosa central elevada). O ECG mostra elevação do seg- mento ST em V4R. Esses pacientes são particularmente sensíveis à hipovolemia, bradicardia ou perda da sincronia atrioventricular (bloqueio átrioventricular de segundo ou terceiro grau). 22 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS LEMBRAR O manejo, quando do comprometimento do ventrículo direito, baseia-se nos seguintes procedimentos: ■■■■■ administração agressiva de volume (eventualmente com algum suporte inotrópico pela dopamina ou dobutamina); ■■■■■ manutenção do ritmo sinusal; ■■■■■ manutenção da seqüência atrioventricular (estimulação artificial com marca-passo seqüencial, se necessário). A falência ventricular esquerda pode apresentar-se sob a forma de congestão pulmonar e/ou baixo débito cardíaco. A monitorização hemodinâmica com cateter de Swan-Ganz facilita o manejo dos pacientes com falência ventricular esquerda, o qual inclui, como referido anteriormente, medidas para ga- rantir oxigenação adequada (cateter nasal, CPAP, ventilação mecânica) e, nos pacientes sem hipotensão significativa, alguma combinação de: ■■■■■ morfina; ■■■■■ diurético; ■■■■■ inibidor da enzima de conversão da angiotensina; ■■■■■ nitroglicerina ou nitroprussiato de sódio; ■■■■■ dobutamina; ■■■■■ balão intra-aórtico. Para os pacientes com hipotensão não-responsiva à administração de volume, o manejo inclui o uso de fármacos vasopressores (dopamina, noradrenalina) e balão intra-aórtico. A insuficiência mitral aguda ou a ruptura do septo ventricular quase sempre levam a uma situação de insuficiência cardíaca grave ou choque cardiogênico. Essas compli- cações geralmente são anunciadas por um sopro sistólico novo (freqüentemente com frêmito, no caso da segunda) e confirmadas pelo ecocardiograma. Além do manejo inicial da insuficiência cardíaca/choque cardiogênico, o tratamento quase sempre inclui cirurgia de urgência/emergência. A insuficiência mitral, por disfunção isquêmica de um dos músculos papilares ou deiscência de parte do aparelho subvalvular, está comumente associada a infartos relativamente pequenos. A ruptura completa é rara, envolve freqüentemente o músculo papilar póstero-medial, e geralmente ocorre no primeiro infarto. A comunicação interventricular (ruptura do septo ventricular) complica 1 a 3% dos infartos, ocorre com freqüências equivalentes no infarto anterior e inferior e é responsável por cerca de 5% dos óbitos hospitalares por infarto. O prognóstico de pacientes com insuficiência mitral é pior no infarto inferior, especial- mente se houver comprometimento extenso do ventrículo direito. 23 PR OA MI S EM CA DA ruptura da parede livre do ventrículo esquerdo responde por aproximadamente 10% dos óbitos hospitalares por infarto, geralmente ocorre na primeira semana de evolução e é mais freqüente no primeiro infarto, quando compromete a parede lateral, e em hipertensos, mas é rara em pacientes abaixo dos sessenta anos. 6. Elabore um algoritmo envolvendo os diversos procedimentos em jogo para a manu- tenção dos objetivos imediatos do paciente com infarto do miocárdio. 7. Em que ambiente deve ser manejado um paciente com síndrome coronariana aguda, assintomático, há mais de seis horas, com ECG normal, sem marcadores séricos de necrose miocárdica, se um teste de esforço não estiver disponível para estratificação de risco subseqüente? Como você trataria esse paciente? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 8. Em um paciente com síndrome coronariana aguda, que implicação tem o fato de um bloqueio de ramo esquerdo ser novo ou antigo (crônico)? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................(Veja as respostas para as questões 7 e 8 ao final do capítulo). CHOQUE CARDIOGÊNICO O choque cardiogênico é a forma extrema de insuficiência cardíaca. Ocorre quando o coração é incapaz de manter a perfusão tecidual em repouso, como resultado do comprometimento da sua função de bomba, e acomete cerca de 8% dos pacientes com infarto. Achados de necropsia mostram que o choque cardiogênico tipicamente se instala quando ocorre a perda de pelo menos 40% da massa do ventrículo esquerdo em um único infarto ou, cumulativamente, se o paciente tem história de infarto(s) prévio(s). 24 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS LEMBRAR O choque resultante da incompetência inotrópica pura (isto é, na ausência de problemas me- cânicos) é mais comum em infartos de parede anterior. No entanto, um infarto inferior acom- panhado de significativo comprometimento do ventrículo direito também pode levar ao cho- que. Por outro lado, a perda de um componente funcional do coração (aparelho valvular mitral, parede livre ou septo ventricular), por isquemia ou necrose, pode resultar em choque cardiogênico, quer por seu efeito isolado, quer pela combinação desta com a perda concomitante de uma quan- tidade crítica de massa miocárdica. Pacientes cujo infarto complica com choque cardiogênico: ■■■■■ têm idade mais avançada; ■■■■■ apresentam principalmente infarto anterior; ■■■■■ freqüentemente têm história de infarto prévio, angina e insuficiência cardíaca, quando compa- rados a pacientes com infarto que não desenvolvem choque. Além disso, são achados relativamente comuns: ■■■■■ oclusão da artéria descendente anterior; ■■■■■ comprometimento de múltiplos vasos; ■■■■■ oclusão persistente da coronária relacionada ao infarto. Pacientes em choque cardiogênico apresentam baixo débito cardíaco associado à evidência de hipoxia tecidual na presença de volume intravascular adequado (classe IV de Forrester). A maioria dos pacientes com choque cardiogênico pode ser identificada pelo exame clínico através das seguintes características: ■■■■■ hipotensão arterial; ■■■■■ evidência de má perfusão periférica, como oligúria, cianose, pele fria e úmida, altera- ção do nível de consciência; ■■■■■ persistência do choque após a correção de fatores não miocárdicos como hipovolemia, arritmias, hipoxemia e acidose; ■■■■■ outras manifestações freqüentes incluem taquipnéia, taquicardia e pulso filiforme. Em um paciente com infarto, a combinação de hipotensão, turgência jugular e pulmões limpos sugere comprometimento maciço do ventrículo direito, ou, menos provavelmente, embolia pulmonar ou tamponamento cardíaco. A ausculta cardíaca freqüentemente mostra um ritmo de galope, sendo que o surgimento de um novo sopro sistólico deve sugerir insuficiência mitral ou ruptura do septo ventricular. 25 PR OA MI S EM CA D LEMBRAR É importante notar, no entanto, que o paciente com choque cardiogênico, justamen- te por apresentar baixo débito cardíaco, pode não ter fluxo sangüíneo suficiente para gerar um sopro, que de outra forma seria óbvio. Em situações de choque cardiogênico, a monitorização hemodinâmica mostra: ■■■■■ hipotensão arterial sistêmica, pressão sistólica < 90mmHg ou um valor 30mmHg abaixo do habitual para o paciente, por pelo menos trinta minutos; ■■■■■ diferença arteriovenosa de oxigênio aumentada, > 5,5mL/dL; ■■■■■ índice cardíaco reduzido (< 2,2 L/min/m2), em presença de uma pressão capilar pulmonar elevada (> 18mmHg). Somente 11% dos pacientes com choque cardiogênico apresentam-se à sala de emer- gência já em choque; os demais desenvolvem o choque após a admissão hospitalar. De fato, o choque cardiogênico geralmente se apresenta sob uma de três formas: ■■■■■ subitamente, nas primeiras quatro a seis horas de evolução do infarto, como resultado de dano miocárdico maciço ou ruptura da parede livre do ventrículo esquerdo; ■■■■■ progressivamente, ao longo de dias, por extensão ou expansão da área de infarto; ■■■■■ subitamente, entre dois e dez dias após a instalação do infarto, com o aparecimento de um novo sopro sistólico (insuficiência mitral ou ruptura do septo ventricular) ou dissociação eletromecânica (ruptura da parede livre do ventrículo esquerdo). Esses episódios podem ou não estar associados à dor torácica, mas são freqüentemente acom- panhados por dispnéia aguda e sensação de morte iminente. ABORDAGEM INICIAL Medidas básicas de ressuscitação e suporte devem ser iniciadas imediatamente enquanto se prossegue na avaliação diagnóstica, que inclui monitorização hemodinâmica invasiva e a utiliza- ção de métodos de imagem. O ecocardiograma é o método de eleição para a avaliação da função ventricular (global e segmentar) e para a identificação de eventual derrame pericárdico, disfunção valvular ou shunt intracardíaco. A monitorização hemodinâmica invasiva deve ser instituída tão logo o diagnóstico de choque cardiogênico seja considerado e consiste na cateterização da artéria pulmo- nar (cateter de Swan-Ganz). Outras medidas essenciais incluem: ■■■■■ monitorização contínua do ritmo cardíaco; ■■■■■ monitorização contínua da diurese; ■■■■■ mensurações repetidas da gasometria arterial, eletrólitos e hematócrito. 26 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS 9. Elabore um prontuário em que estejam contempladas as informações importantes na definição de um quadro de choque cardiogênico. ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ TRATAMENTO A mortalidade do choque cardiogênico tem permanecido excepcionalmente alta quando se utiliza uma estratégia contemplativa. Um manejo mais agressivo, que está associado a um melhor prognóstico, inclui o uso liberal de: ■■■■■ trombolítico; ■■■■■ balão intra-aórtico; ■■■■■ coronariografia precoce seguida de revascularização (cirúrgica ou por cateter) em caráter de urgência. São também partes essenciais do tratamento: ■■■■■ a manutenção do ritmo sinusal; ■■■■■ uma reposição volêmica cuidadosa (na ausência de edema pulmonar); ■■■■■ a garantia de ventilação e oxigenação adequadas; ■■■■■ a correção precoce de desequilíbrios eletrolíticos e ácido-base; ■■■■■ a instituição de analgesia e sedação, de acordo com as necessidades do paciente. Em presença de falência inotrópica sem hipotensão grave, a dobutamina (2-20μg/kg/ min, EV), agonista adrenérgico sintético, é o fármaco inotrópico sugerido, pois aumenta o fluxo coronariano diastólico, reduz a pressão de enchimento do ventrículo esquerdo e não causa vasoconstrição sistêmica (aumento da pós-carga). Se não houver resposta satisfatória, pode-se associar ou substituir a dobutamina pela milrinona, inibidor da fosfodiesterase, que não causa estímulo adrenérgico (dose de ataque: 50μg/kg em dez minutos, e infusão contínua de 0,375-0,750μg/kg/min). Em caso de hipotensão grave, a dopamina (5-20μg/kg/min) ou noradrenalina (2- 20μg/min) podem ser úteis para manter a pressão arterial sistêmica em níveis adequa- dos (priorizando a perfusão miocárdica e cerebral), às custas de estímulo alfaadrenérgico. Vasodilatadores podem ser benéficos para pacientes em choque cardiogênico, pelo efeito de redução da pré e pós-carga, mas devem ser usados com extremo cuidado, pelo risco de piorarem a hipotensão arterial,com redução do fluxo coronariano. São especialmente úteis em pacientes com insuficiência mitral ou ruptura do septo ventricular. 27 PR OA MI S EM CA D Os vasodilatadores nitroglicerina e nitroprussiato de sódio são as opções, sendo que a nitroglicerina é menos potente como vasodilatador arteriolar, mas tem a vantagem de não produzir o fenômeno do “roubo” coronariano (fluxo sangüíneo preferencial para áreas não-isquêmicas). O papel do digital no choque cardiogênico limita-se à modulação da freqüência ventricular no flutter e fibrilação atrial. O balão intra-aórtico é a forma de assistência mecânica da circulação mais comumente utilizada, diminuindo a impedância à ejeção do ventrículo esquerdo, com conseqüente diminuição do consumo de oxigênio pelo miocárdio e aumento na pressão diastólica de perfusão coronariana. O cateter-balão é introduzido na artéria femoral por técnica percutânea, e avançado retrogradamente até a aorta torácica descendente. Sincronizado com o ECG, o balão é inflado logo após o fechamento da válvula aórtica, e desinflado imediatamente antes do início da próxima sístole. Como resultado, ocorre uma diminuição das pressões do ventrículo esquerdo, aumento do débito cardíaco e da perfusão tecidual (aumento da diurese e diminuição dos níveis de lactato sistêmico e coronariano). Outras formas de assistência mecânica da circulação são: ■■■■■ oxigenadores de membrana extracorpóreos; ■■■■■ dispositivos de assistência ventricular; ■■■■■ sistemas de bypass cardiopulmonar; ■■■■■ dispositivos cardíacos mecânicos totais. A assistência mecânica da circulação pode ser uma medida temporária no choque cardiogênico de mecanismo potencialmente reversível ou, ainda, servir como “ponte” para o transplante cardíaco. Em pacientes com choque cardiogênico secundário à complicação mecânica do infarto (insuficiência mitral ou ruptura do septo ventricular), a cirurgia tem um papel definido. Não há consenso sobre a necessidade de uma coronariografia prévia à cirurgia para orientar uma eventual revascularização associada à correção do defeito mecânico. 10. Represente esquematicamente os procedimentos relativos ao tratamento de choque cardiogênico. 28 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS LEMBRAR ARRITMIAS A bradicardia sinusal é relativamente comum em infartos inferiores e, geralmente, não tem re- percussão hemodinâmica. Quando associada à hipotensão, deve ser tratada com atropina (doses repetidas de 0,5mg EV, até um total de 2,5mg) e/ou marca-passo temporário. O bloqueio atrioventricular de primeiro grau e o de segundo grau tipo I (Wenckebach) assintomático não requerem tratamento. Todos os pacientes com distúrbio da condução atrioventricular com repercussão hemodinâmica devem ser tratados com marca-passo temporário. Nos casos de bloqueio atrioventricular de segundo grau tipo II ou bloqueio atrioventricular total (terceiro grau), quando associados a infarto anterior, há relativo consenso com relação à necessidade de marca-passo, embora o prognóstico nesse último caso seja ruim, mesmo com a colocação do dispositivo. O bloqueio atrioventricular total assintomático, no infarto inferior, pode prescindir do marca- passo e é quase sempre reversível. Nas situações de bloqueios bi ou trifasciculares são contro- versas as indicações de marca-passo, mas nos casos de bloqueio de ramo direito e esquerdo alternados há unanimidade quanto à propriedade da colocação do mesmo. As taquicardias supraventriculares, no infarto, geralmente são secundárias à insuficiência car- díaca. Outras causas incluem distúrbios eletrolíticos, doença pulmonar obstrutiva crônica, hipoxemia, pericardite e embolia pulmonar. A taquicardia sinusal, quando não for secundária à dor ou ansiedade, ou a uma das situações mencionadas anteriormente, mais provavelmente é manifestação de síndrome hiperdinâmica e tem boa resposta aos betabloqueadores. Na fibrilação ou flutter atrial, se não houver repercussão hemodinâmica, basta modular a resposta ventricular com betabloqueador, verapamil ou digoxina. Se a arritmia for persistente, deve-se considerar a anticoagulação, e, se houver repercussão hemodinâmica, é necessária a cardioversão elétrica. Extra-sístoles supraventriculares não requerem tratamento específico, mas freqüentemente prenunciam uma taquiarritmia sustentada. 29 PR OA MI S EM CA DARRITMIAS VENTRICULARES As extra-sístoles ventriculares, o ritmo idioventricular acelerado e a taquicardia ventricular não-sustentada (menos de trinta segundos, sem repercussão hemodinâmica) não requerem tratamento específico. A taquicardia ventricular sustentada, sem repercussão hemodinâmica, deve ser tra- tada com lidocaína EV. Se houver instabilidade hemodinâmica, mas com pulso em artérias centrais, uma cardioversão elétrica (sincronizada), com carga inicial de 50J, deve ser realizada imediatamente. Na ausência de pulso em artérias centrais, a taquicardia ventricular é, tecnicamente, uma parada cardíaca e deve ser manejada como a fibrilação ventricular: desfibrilação (não-sincronizada) com 200, 200 a 300 e 360J. RESPOSTAS ÀS QUESTÕES Questão 4 Resposta: Ácido acetilsalicílico inicialmente (pelo rápido início de ação), substituído posterior- mente por ticlopidina ou clopidogrel se o paciente desenvolver dispepsia. Questão 5 Resposta: Nenhuma. O manejo inicial é baseado apenas no quadro clínico e no ECG. Questão 7 Resposta: Em hospital, mas não na UTI, pois se trata de paciente de baixo risco e tratamento com ácido acetilsalicílico e um antianginoso VO (betabloqueador, por exemplo). Questão 8 Resposta: Se o bloqueio de ramo esquerdo for novo (ou presumivelmente novo), o paciente é manejado como infarto com elevação do segmento ST (com trombolítico ou angioplastia primá- ria); de outra forma o tratamento é o de síndrome coronariana aguda sem elevação do segmento ST. 30 MA NE JO D AS SÍ ND RO ME S C OR ON AR IAN AS AG UD AS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Theroux P, Fuster V. Acute coronary syndromes: unstable angina and non-Q-wave MI. Circulation 1998;97:1195. 2. Braunwald E. Unstable angina: an etiologic approach to management. Circulation 1998; 98:2219. 3. Grambow DW, Topol EJ. Effect of maximal medical therapy on refractoriness of unstable angina pectoris. Am J Cardiol 1992;70:577. 4. The TIMI IIIb Investigators. Results of the TIMI IIIb Trial. Circulation 1994; 89:1545. 5. Bar FW, Raynaud P, Renkin JP et al. Coronary angiographic findings do not predict clinical outcome in patients with unstable angina. JACC 1994; 24:1453. 6. Gazes PC, Mobly FM, Faris HM et al. 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O tema da prevenção será abordado de forma a desenvolver habilidades para a sua atuação em dois diferentes níveis: ■■■■■ profilaxia da recorrência do sangramento péptico e do sangramento secundário à hi- pertensão portal, ■■■■■ profilaxia das ulcerações de estresse. OBJETIVOS Ao final da leitura deste capítulo, espera-se que você possa: ■■■■■ reconhecer a importância do tema “profilaxia das hemorragias digestivas em UTI”; ■■■■■ ter melhores condições para avaliar um paciente com hemorragia digestiva; ■■■■■ ter elementos e desenvolver habilidades para abordar esse problema clínico, que é freqüente nas unidades de tratamento intensivo, com ênfase em sua adequada profilaxia. 34 PR OF ILA XIA D AS H EM OR RA GI AS D IG ES TIV AS EM U TI ESQUEMA CONCEITUAL Uso de agentes antiulcerosos na fase aguda Abordagem inicial Causas de sangramento Achados na endoscopia e prognóstico Profilaxia do ressangramento digestivo por doença péptica ou por hipertensão portal Uso de antibióticos Uso de fármacos vasoativos e tratamento endoscópico Profilaxia do sangramento digestivo por ulcerações de estresse Abordagem diagnóstica e terapêutica Uso de betabloqueadores e nitratos na prevenção do ressangramento Profilaxia das hemorragias digestivas em UTI O sangramento digestivo e sua origem Considerações iniciais sobre sangramento digestivo Abordagem do paciente com hemorragia digestiva Conclusão Formas de profilaxia 1. Quais seriam suas considerações iniciais sobre a profilaxia quanto a novo sangramento ou recorrência deste nas seguintes situações? Recorrência do sangramento decorrente de doença péptica - ....................................................................................................................................................... Novo sangramento em pacientes hepatopatas - ....................................................................................................................................................... Recorrência do sangramento decorrente de hipertensão portal - ....................................................................................................................................................... Casos de pacientes críticos com ulcerações de estresse - ....................................................................................................................................................... 35 PR OA MI S EM CA DCONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE SANGRAMENTO DIGESTIVO Podemos conceituar hemorragia digestiva como a presença de sangue dentro da luz do tubo digestivo, e neste caso nos referimos não ao sangramento de pe- quena monta, o sangramento oculto, mas ao sangramento maciço. Esse quadro é claramente anormal e, de acordo com sua intensidade, expõe o indivíduo a risco de vida. A hemorragia digestiva é uma situação clínica comum, com prevalência de aproximadamente 170 casos por 100.000 adultos ao ano,1 sendo responsável por cerca de 350.000 hospitalizações anuais nos Estados Unidos,2 principalmente de indivíduos acima de sessenta anos.3 O sangramento digestivo alto é mais comum do que o baixo e leva a maiores taxas de internação hospitalar. Ambos vêm se tornando mais freqüentes nos pacientes que utilizam, aguda ou cronicamente, ácido acetilsalicílico ou outros agentes antiinflamatórios não-esteróides.2,4 Esta observação é importante, especialmente no contexto de uma unidade de trata- mento intensivo, em que muitos pacientes portadores de doenças cardiovasculares internam ainda recebendo aspirina ou outros medicamentos antiagregantes plaquetários. Embora seja autolimitada na maioria dos casos, a hemorragia fornece considerável risco. A mor- talidade geral associada ao sangramento alto situa-se entre 3,5 a 7% nos Estados Unidos e 14% no Reino Unido.2 Estudos recentes sugerem que a mortalidade média esteja em torno de 6 a 8%, a despeito dos recentes avanços na terapia do sangramento agudo.1 Um grande estudo prospectivo realizado na Holanda comparou as taxas de sangramento digesti- vo alto entre 1993 e 1994 com as do ano de 2000. Embora a incidência tenha diminuído de 61,7/ 100.000 pessoas para 47,7/100.000 entre os dois períodos, as taxas de ressangramento e a mortalidade não regrediram.5 Esperamos que você concorde com a idéia de que prevenir o sangramento, ao invés de tratá-lo,parece ser a melhor estratégia frente a esses dados. Você deve estar atento ao fato de que a mortalidade associada ao sangramento digestivo no contexto da Medicina Intensiva deve ser ainda maior. Ademais, a idade deve ser considerada: nos idosos, o prognóstico do sangramento digestivo é ainda pior.3,7 Resultados interessantes para reflexão foram publicados recentemente no JAMA (Journal of the American Medical Association) referentes a estudo patrocinado pelo Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos, em que são apresentadas as causas de morte naquele país.6 Segundo o JAMA, o consumo de tabaco é a principal causa associada à morte (435.000/ano), seguida pelo sedentarismo e inadequação da dieta (400.000/ano). O consumo de álcool (85.000/ ano) e os agentes microbianos (75.000/ano) são as outras causas mais comuns. Ora, dentre estas quatro condições, as que com maior freqüência levam a população americana a óbito, o fumo e o álcool, são particularmente nocivos à mucosa gastroduodenal. 36 PR OF ILA XIA D AS H EM OR RA GI AS D IG ES TIV AS EM U TI Chama atenção, no entanto, que dentre as dez principais situações clínicas que levam diretamen- te o paciente a óbito não se encontre a hemorragia digestiva. Doenças cardíacas (710.760 mor- tes/ano) e as neoplasias malignas (553.091 mortes/ano) são as principais causas, seguidas pela doença cerebrovascular (167.661 mortes/ano) e as infecções do trato respiratório inferior (122.009 mortes/ano). Esses resultados são importantes e devem ser levados em consideração quando em frente a um paciente com sangramento digestivo agudo em UTI. Correto ou não, o raciocínio vai ao encontro da observação de que raramente a he- morragia digestiva promove a morte do indivíduo por exsanguinação.3 Não está aí a importância deste tema. Por outro lado, o sangramento pode contribuir decisiva- mente para a piora da doença de base do paciente e sua conseqüente evolução a óbito. O SANGRAMENTO DIGESTIVO E SUA ORIGEM Antes de analisarmos as causas de sangramento digestivo, é importante que você tenha em mente que nem todo o sangue eliminado pelo tubo digestivo tem nele a sua origem. Sangramentos de vias aéreas, como epistaxe e hemoptise, podem simular hemorragia digestiva quando esta for secundária ao sangue deglutido. Este dilema diagnóstico, no entanto, não é comum e pode ser sugerido pela expulsão de sangue vivo pela boca, sem que haja repercussão hemodinâmica significativa ou a presença de arcadas de vômito. A hemorragia digestiva alta tem sua origem proximal ao ligamento de Treitz (ângulo duodeno-jejunal), enquanto aquelas lesões distais ao ligamento, ou seja, da quarta por- ção do duodeno em diante (intestino delgado e, principalmente, cólon) promovem he- morragia digestiva baixa.3,7 As manifestações mais comuns do sangramento alto são hematêmese e melena. Hematêmese é o vômito de conteúdo sanguíneo, que pode variar de vermelho vivo ao aspecto característico do sangue semidigerido, tipo “borra de café”. A presença de hematêmese define a origem do sangramento como alta. Melena é a eliminação de fezes de coloração negra, pastosas e brilhantes, seme- lhantes a piche, e com odor característico. Melena requer a presença de ao menos 50 ou 100ml de sangue no trato gastrintestinal. Enterorragia, por sua vez, é a eliminação de sangue vivo pelo ânus, sendo suges- tiva de sangramento baixo. Melena pode surgir em casos em que a origem do sangramento está até no cólon ascendente. A enterorragia, por sua vez, pode ocorrer em até 10% dos casos de sangramento alto, quando, então, indica perda sangüínea muito significativa. 37 PR OA MI S EM CA D Apresentação Hematêmese Melena Enterorragia Hemorragia digestiva alta +++ ++ + Hemorragia digestiva baixa - + ++ LEMBRAR Reconhecer o provável local do sangramento pela sua apresentação é bastante útil para orientar a propedêutica e as atitudes terapêuticas a serem tomadas. Consideramos que a Tabela 1 possa ser útil para você alcançar este objetivo. Tabela 1 MANIFESTAÇÃO CLÍNICA E ORIGEM PROVÁVEL DO SANGRAMENTO DIGESTIVO Caso clínico 1 Raciocinemos frente a seguinte situação: indivíduo internado em UTI, com 75 anos de idade, com pneumonia nosocomial em tratamento, em ventilação mecânica e com insuficiência renal, apresentando sinais discretos de melhora nos últimos dias. Hemodinamicamente estável, sem necessidade de vasopressores. 2. Nesse contexto surge um sangramento digestivo. O que seria mais preocupante: esse sangramento ser manifestado por melena ou por hematêmese associada à enterorragia? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Nesse contexto de uma certa estabilidade, a significância de um sangramento digestivo manifes- tado apenas por melena certamente será bastante diferente daquela de um sangramento digesti- vo que se manifeste por hematêmese associada à enterorragia. A hematêmese é a mais temível entre as formas de apresentação de hemorragia digestiva, posto que indica sangramento muito volumoso. Certamente, podemos intuir que neste caso o indivíduo em questão teria uma evolução clínica bastante mais complexa e de risco. Mais adiante, seguiremos refletindo sobre este suposto caso. Como as lesões que levam à hemorragia digestiva baixa raramente são uma preo- cupação no contexto do sangramento digestivo em pacientes internados em UTI, a partir de agora todos os comentários serão focados para a hemorragia digesti- va alta. 38 PR OF ILA XIA D AS H EM OR RA GI AS D IG ES TIV AS EM U TI Variável Idade Choque Co-morbidades Pontos atribuídos conforme os achados 0 ponto < 60 anos FC < 100 bpm e PAS > 100 mmHg Nenhuma 1 ponto ≥ 60 e < 80 anos FC ≥ 100 bpm e PAS > 100 mmHg Nenhuma 2 pontos ≥ 80 anos PAS < 100 mmHg Insuficiência cardíaca, IAM ou doença coronariana, câncer. 3 pontos - - Insuficiência renal, doença hepática, câncer metastático. FC= freqüência cardíaca; PAS= pressão arterial sistólica; IAM= infarto agudo do miocárdio. Pontos máximos: 7. Estratificação do risco: escore < 4 indica risco baixo e mortalidade < 13%. Escore ≥ 4 indica alto risco e mortalidade > 20%. ABORDAGEM DO PACIENTE COM HEMORRAGIA DIGESTIVA ABORDAGEM INICIAL O passo inicial é clássico, porém imprescindível: avaliar a gravidade do episódio agudo. Isso pode ser feito de acordo com a repercussão hemodinâmica do sangramento. Uma pressão sistólica abaixo de 100mmHg (a despeito da freqüência cardíaca) identifica paci- entes de alto risco, com sangramento volumoso. Quando a freqüência cardíaca estiver acima de 100bpm com pressão sistólica acima de 100mmHg, o sangramento terá sido moderado. Pressão arterial e freqüência cardíaca normais sugerem hemorragia de pequena monta. Hipotensão postural é um achado importante e significativo, embora não específico de perda sanguínea, mas que deve ser valorizado. A queda acima de 10mmHg da pressão sistólica em ortostatismo sugere a redução de, ao menos, 20% do volume sanguíneo corporal. Indicam choque referente à perda de 40% do volume sanguíneo total (ou 2.000ml): ■■■■■ agitação ou letargia; ■■■■■ palidez; ■■■■■ hipotensão; ■■■■■ taquicardia.2,3,7,8 Na Tabela 2, você encontra elementos para estimara gravidade do sangramento e a mortalidade esperada, expressos em um escore de risco clínico publicado previamente.9 Tabela 2 ESCORE DE RISCO CLÍNICO APÓS HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA 39 PR OA MI S EM CA D LEMBRAR Retornando ao caso clínico 1, imaginemos que nosso paciente, ao apresentar hematêmese e enterorragia, tenha sido prontamente avaliado pela equipe assistente. A freqüência cardíaca era de 120bpm e a PAS caiu a 80mmHg. A hemoglobina sangüínea dosada logo após o sangramento era de 12,8g/dL. 3. Qual o risco estimado do paciente do caso clínico 1, segundo o escore apresentado na Tabela 2? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Ao aplicarmos em nosso paciente o escore de risco acima descrito, teremos: ■■■■■ quesito idade (um ponto), ■■■■■ quesito choque (dois pontos), ■■■■■ co-morbidades (três pontos). O escore será igual a seis, conferindo a ele um risco de morte elevado. Se o risco de mortalidade do paciente que chega ao hospital com hemorragia diges- tiva alta não tem decrescido nos últimos anos e é considerável, as taxas de óbito naqueles indivíduos que apresentam sangramento durante a sua hospitalização são ainda três vezes maiores.8 Hemoglobina e hematócrito iniciais pouco refletem a perda sangüínea e apenas devem ser verificados para comparação posterior. Após um período de 24 a 48 horas pode-se avaliar a extensão do sangramento pela repercussão no hematócrito.7,8 Na apresentação, a hematêmese define a origem alta do sangramento, conforme já destaca- do. Você pode, no entanto, se valer da aspiração nasogástrica para aqueles casos de dúvida. Este procedimento tem uma sensibilidade de 80% para a presença de uma lesão sangrante ati- va.7 Um aspirado negativo não afasta a origem alta, especialmente quando for um sangramento duodenal. Um erro freqüente é a realização de lavado gástrico. Esse procedimento não possui qualquer valor terapêutico.10 Não perca tempo com a realização do lavado gástrico. Embora se possa imaginar que a remoção do sangue de dentro da luz do tubo digestivo seja útil até para que se tenha melhores condições para o exame endoscópico, deixe isto para o próprio endoscopista. Caso ele considere neces- sário, procederá a intubação com tubo orogástrico de grosso calibre para remover o conteúdo no momento do exame. 40 PR OF ILA XIA D AS H EM OR RA GI AS D IG ES TIV AS EM U TI No Quadro 1, estão listados os principais fatores de risco em hemorragia digestiva, relaciona- dos que estão à morbimortalidade e risco de recidiva hemorrágica.2,11 Você deve estar atento a eles frente a um episódio de sangramento. Quadro 1 FATORES DE RISCO EM HEMORRAGIA DIGESTIVA • Gravidade clínica do sangramento: instabilidade hemodinâmica, sangramento persistente ou recorrente e necessidade de transfusão de grandes volumes • Idade avançada: > 60 anos • Doenças associadas • Coagulopatia • Início do sangramento durante hospitalização • Aspecto endoscópico da lesão • Necessidade de tratamento cirúrgico Caso clínico 2 Paciente feminina, 58 anos, com história de uso de antiinflamatórios não-esteróides por dor ósteo-articular crônica, interna por hematêmese e melena iniciadas há poucas ho- ras. Apresenta náuseas e dor epigástrica em queimação discreta. Não tem passado de doença péptica. Na chegada ao hospital, encontrava-se em bom estado geral, lúcida, porém agitada e taquicárdica. O exame do abdômen revelava apenas dor à palpação, porém sem defesa. A pressão arterial sistólica era de 110mmHg deitada e de 95mmHg quando em pé. 4. Você deve imaginar que a paciente do caso clínico 2 apresentou sangramento volu- moso. Quais seriam as medidas a serem tomadas neste caso? Quando deveria ser realizado o procedimento endoscópico? Os bloqueadores H2 e os inibidores da bomba de prótons são igualmente eficazes neste cenário? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 5. No caso acima, como impedir o ressangramento? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 6. Há algum papel do Helicobacter pylori nesta situação? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ 41 PR OA MI S EM CA D LEMBRAR 7. Caso a paciente apresentasse ao exame físico estigmas de doença hepática, isso influenciaria a sua conduta? ....................................................................................................................................................... ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ ........................................................................................................................................................ Esperamos que os tópicos a seguir o auxiliem a resolver as questões propostas. Reflita um pouco sobre elas, pense no que você faria, e boa leitura. ABORDAGEM DIAGNÓSTICA E TERAPÊUTICA Uma vez que você tenha rapidamente estimado a gravidade e a origem do sangramento do seu paciente, o passo seguinte é a ressuscitação e o diagnóstico específico. Aqui cabe um lembrete: é essencial diferenciar entre as duas grandes categorias de sangramento em casos de hemorragia digestiva: ■■■■■ sangramento por lesões da mucosa gastroduodenal (esofagite, úlcera péptica e erosões, por exemplo); ■■■■■ sangramento relacionado à hipertensão portal. Você deve estar atento para o fato de que até a ressuscitação será diferente nes- ses dois
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