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China construindo um capitalismo com características socialistas

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
MBA EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Fichamento de Estudo de Caso
Simone Botelho de Oliveira
Trabalho da Disciplina Intervenção do Estado no Domínio Econômico,
 Tutor: Prof. Ronald Paschoal
Santos 
2018
FICHAMENTO
TÍTULO: Intervenção do Estado no Domínio Econômico
CASO: China: Construindo um “Capitalismo com Características Socialistas”
REFERÊNCIA: SPAR, Debora; OI, Jean. China: Construindo um “Capitalismo com Características Socialistas”. Boston: Harvard Business School Publishing, 2006.
TEXTO: Debora Spar e Jean Oi (2006) relatam o histórico da China e a sua abertura recente e pausada de mercado com motivo de evitar instabilidade política e desigualdade social.
A China surgiu no vale do rio Amarelo mais ou menos em 2200 a.C. com o desenvolvimento de técnicas de agricultura permanente e estrutura social durável, crescendo rapidamente. O clã familiar era o núcleo, havia agrupamento de aldeias quase auto-suficientes.
Por volta de 1120 a.C. a dinastia Zhou, de sacerdotes guerreiros, dominou a região e foi flexível, cobrando impostos e produzindo arte, literatura e filosofia – a exemplo de Confúcio. Isso ocorreu até 403 a.C. Com seu declínio, começaram-se as guerras entre senhores feudais até que uma família saísse campeã. Qin Shi Huang, ao fim, governou por onze anos, matou estudiosos de Confúcio, dividiu as terras e empreendeu, além de criar um sistema que ligava as aldeias às províncias, e essas a ele. Esse tipo de administração durou dois milênios.
A China defendia e prezava a estabilidade; a autoridade do pai e a devoção e obediência eram mantidas e o padrão era repetido para o império. Os chineses consideravam seu território o Reino Central, com o imperador servindo de elo entre o céu e a terra e os quatro bárbaros em volta. Não havia interesse em explorar o mundo.
Os chineses foram invadidos pelos mongóis em 1280 e pelos manchus em 1644, mas não tiveram muitas mudanças até o século XIX quando os bárbaros chegaram para ficar. Em 1840 um contrabando de ópio de mercadores britânicos que tentavam reduzir seus déficits comerciais foi barrado e os britânicos atacaram para defender seus direitos dando início à Guerra do Ópio até que em 1842 o imperador cedeu, deixando Hong Kong para eles e abrindo mais cinco portos ao comércio.
As potências ocidentais vieram em seguida e repartiram a China em esferas de influência.
Em 1898, depois dos golpes, o imperador Guang Xu tentou reformar o estado e acabou ofendendo os inimigos, sendo deposto pela imperatriz Dowager Ci Xi, que revogou as reformas dele. A China teve caos e lutas entre reformistas e reacionários até a morte da imperatriz em 1908. O poder central desintegrou e pelos próximos quarenta anos a China foi governada por Kuomintang (KMT), partido revolucionário, liderado por Sun Yatsen e pelo Géneral Chiang Kaishek que o sucedeu após sua morte. O controle era débil e Mao Zedong, um líder carismático ia no interior conseguindo apoio ao partido comunista chinês, com táticas de guerrilha e encorajamento pela reforma agrária.
Em 1932 o Japão invadiu a Manchúria e destruiu o resto da China unificada; os KMT e os comunistas lutavam internamente e em 1937, com o ataque maciço japonês e a corrupção, o KMT foi enfraquecido. Os comunistas tomaram a autoridade moral e vantagem militar pelo contato com os camponeses que os consideravam defensores do país. Os japoneses se renderam em 1945 e o Partido Comunista Chinês (PCC) expandiu. Em 1949 Chiang Kaishek fugiu para Taiwan, prometendo um dia libertar a China do PCC.
Em outubro, Mao Zedong proclamou a República Popular da China e tornou Beijing a capital. Ele conseguiu em cinco anos de governo organizar e administrar a maior sociedade do mundo e reconstruir sua economia. A estrutura era hierarquizada, com órgãos partidários e filiação crescendo depressa. O sistema bancário foi nacionalizado, houve regulação de preços e arrecadação de impostos agrícolas. Mao reconstruiu e expandiu o sistema ferroviário, aumentou as produções industrial e agrícola e controlou grande parte do comércio e da indústria. A reforma agrária foi completada e o PCC encorajou as famílias rurais a formarem o que viriam a ser cooperativas de produtores agrícolas.
Em 1958 Mao, pelo plano “Um Grande Salto Adiante”, reorganizou as comunidades pedindo a adoção de um sistema de cozinhas, refeitórios e creches comunitárias, para que parassem de depender da família. Os salários seriam de acordo com a necessidade de cada um e não haveria produção suplementar. Os chineses foram levados a aumentar a produção de aço, mas as metas intangíveis e as estatísticas de produção falsas revelaram resultados negativos. Por volta de 1960 a produção tinha desacelerado e nem Mao pôde ignorar a fome e a exaustão das pessoas, ficando ausente da vida pública. Deng Xiaoping e outros pragmáticos do PCC correram atrás de incentivos e produção.
Os anos que se seguiram foram relativamente estáveis. A produtividade voltou a subir. Em 1966 Mao tentou a Revolução Cultural e, ordenando a destruição dos antigos pensamentos e costumes, fechou universidades e escolas, tornando os alunos em guardas vermelhos, que causavam revolução indo contra qualquer vestígio anti-comunista ou capitalista. Em 1969 a anarquia veio com as facções dos guardas vermelhos lutando entre si até que o exército convocado por Mao restaurou a ordem. Os jovens foram para o interior e ficaram conhecidos como geração perdida.
Em 1973 Deng, que havia sido expurgado como incursor do capitalismo, foi chamado de volta para Beijing. Os preços eram baixos e serviam para cobrir os custos de produção; o preço máximo tinha a ver com quanto era possível ser armazenado e Deng mudou isso, permitindo que os agricultores produzissem por conta própria e vendessem o excedente e outras culturas que não de subsistência em mercados recentemente liberados. Os preços de aquisição pelo Estado foram aumentados e o mercado regulou o valor. Comunidades agrícolas foram substituídas pelo arrendamento e a posse ficou para as famílias, apesar de a propriedade permanecer coletiva.
Deng encorajou a política de filho único para diminuir a falta de comida. Tiveram episódios de violência a quem não obedecesse a regra, mas o crescimento populacional começou a abaixar.
Em 1979 foram criadas quatro zonas econômicas especiais ao longo da costa, abertas aos investimentos com incentivos fiscais. Da metade ao fim da década de 1980 o governo foi abrindo o país mais agressivamente, introduzindo um sistema dual de taxas de câmbio (empresas estrangeiras podiam converter a moeda recebida a taxa de câmbio de mercado). Com mais progressos na abertura para comércio exterior e transformação de costas em zonas econômicas especiais, em 1992 o investimento estrangeiro era grande.
Na década de 1980 o governo começou a tarefa de transformar o sistema de planejamento central de empresas estatais no país. Elas eram enormes e ineficientes, tinham também papel de agências sociais. Em 1983 introduziu o sistema de responsabilidade contratual: a empresa e seu ministério controlador contratavam com meta de desempenho. As empresas, no que passasse as metas, eram livres para administrar como quisessem, mas podiam ir à falência.
Na prática não foi assim que ocorreu. As empresas continuaram ligadas às autoridades centrais, exercendo funções sociais, vendendo frequentemente a preços controlados e obtendo financiamento por laços políticos. 
Foram feitas empresas municipais e de aldeias, e as autoridades locais facilitavam seus empréstimos e eram menos tolerantes a prejuízos pois não tinham mais abundância de recursos governamentais. Elas tiveram sucesso e cresceram em produção. Na década de 1980 as exportações também aumentaram.
Tentou-se direcionar o país para a fixação de preços baseada no mercado internacional e na oferta e demanda. A maioria dos preços flutuava delimitada pelo Estado. Após 1984 foi adotado o sistema dualde preços: as empresas ainda tinham que vender a cota de produção para o Estado a preços fixos, mas agora também poderiam vender o excesso no livre mercado. As empresas estatais ficaram vulneráveis à corrupção, pois poderiam adquirir insumos a preços fixos e vender pelo preço de mercado.
Em 1988 a agricultura e a indústria cresciam, mas a inflação também. As empresas estatais e locais corriam para gerar lucros e fundos para o governo e realizavam empréstimos com instituições financeiras locais para expandir. Ao mesmo tempo, para evitar o desemprego, o orçamento central continuava apoiando estatais que geravam prejuízo. As pressões da inflação acumularam e a autoridade financeira fugia cada vez mais do poder central para as províncias.
Em 1989 o governo congelou o crédito fornecido pelos bancos estatais, os órgãos apertaram o controle administrativo sobre importações e crédito e cortaram investimentos estatais, elevaram os juros e desvalorizaram a moeda para que a inflação caísse. Funcionou, porém, o governo se dispôs contra seus aliados: a agricultura, as empresas e os trabalhadores urbanos. Isso eclodiu nas mobilizações de estudantes apoiando a ala pró-reformas por um mês naquele mesmo ano na praça Tiananmen, em Beijing, após a morte do Secretário-geral Hu Yaobang. No fim, tanques e soldados do exército atacaram a manifestação matando a muitos. A comunidade internacional condenou o PCC por esse gesto.
A década de 1990 rumou cada vez mais para a economia de mercado capitalista, com aval para novas bolas de valores, abolição de agências reguladoras e políticas da era Maoísta, criação de novas instituições, reforço nos cofres públicos e restabelecimento do controle de fundos pelo governo. Usou-se instrumentos monetários para oprimir associações de crédito informais e semi-oficiais; começaram a atacar os problemas da privatização. Em 2001 Jiang Zemin, sucessor de Deng, iniciou a diminuição da lacuna ideológica defendendo a permissão de capitalistas chineses à filiação ao PCC.
A estratégia do governo era de estabelecer um novo sistema de tributação para aumentar as receitas e aperfeiçoar o controle. Isso foi feito na mesma época que o governo iniciou o ajuste de seu sistema dual de taxas de câmbio, cuja taxa de mercado favorecia a conversão dos recibos para firmas estrangeiras, mas não servia para as empresas nacionais. Em 1994 a diferença entre as taxas oficial e de mercado aumentava, então o governo uniu as duas numa única taxa, prevalecendo a de mercado, e como consequência, assim a moeda desvalorizou.
A China acelerou o processo de privatização. A reestruturação do país na década de 1990 foi gradual. Em 2003 a liderança política passou de Jiang Zemin para Hu Jintao deixando o PCC com controle incontestável sobre o país. 
O país asiático exercia papel cada vez mais importante: se associou à OMC em 2001 e em 2004 se tornou o terceiro maior exportador do mundo, além de emergir como força diplomática. No entanto, ainda tinha características de país em desenvolvimento: o setor bancário ligado ao Estado, estatais produzindo grande parte dos produtos industrializados e mercados de capitais escassos.
Os maiores bancos estatais tinham trilhões em empréstimos vencidos e não pagos. A China era incapaz de prosseguir com a liberação financeira sem um setor bancário eficaz.
Em 2005 havia crescente pressão dos Estados Unidos em relação à taxa de câmbio por ela estar abaixo do valor real do iuane (desde 1994 fixa), contribuindo para o superávit na balança de pagamentos chinesa e nas reservas cambiais estáveis dela. Mas, mexer no valor do dinheiro significava dificuldades para os exportadores e diminuição do emprego.
A desigualdade tinha crescido, em contraste com a ideologia socialista, era o que apontava o aumento do coeficiente de Gini. Isso podia abalar a legitimidade da liderança para com os mais pobres. Para continuar crescendo os 8% ao ano, era preciso liberalizar o setor financeiro sem produzir os efeitos indesejados mencionados, além da questão ambiental.
O PCC também lutava para impedir a corrupção generalizada. Em 2005 o governo iniciou uma campanha de educação moral para preservar o ideal progressista nos membros.
A China era mais aberta, mas não era uma democracia. 
O Exército da Libertação Popular desde 1990 vinha ganhando guerras intensas e de curta duração além de administrar indústrias civis e militares. 
Grupos seletos da sociedade ainda eram reprimidos violentamente.
Não havia eleições nacionais e quase não existiam liberdades individuais. Os líderes queriam equilibrar o controle político e a reforma econômica gradual. 
Apenas o Banco Popular da China (PBOC) subordinava os empréstimos de outros principais bancos e fazia todas as funções financeiras, com filiais e agências; além dele só havia uma rede de cooperativas de crédito autônomas nos municípios. Tudo funcionou bem nos primeiros anos: o PBOC trabalhava com o Ministro da Fazenda administrando a macroeconomia com cautela; o acesso à moeda estrangeira foi limitado e o iuane ficou atrelado ao dólar norte-americano. No fim, os empréstimos não quitados cresceram excessivamente, assim como o poder dos subordinados ao PBOC.
No início da década de 1990 o Estado começou a reformar os bancos lentamente, experimentando instrumentos monetários como operações de mercado aberto e controle nas taxas de juros, as cotas de créditos foram eliminadas, a gestão foi reestruturada e a Comissão Reguladora de Bancos da China foi deixada responsável pela supervisão.
Buscou-se centralizar o poder do PBOC e deixá-lo mais próximo do mercado. Infelizmente, todas as reformas não foram suficientes para diminuir os empréstimos vencidos que ameaçavam a estabilidade interna dos bancos e a credibilidade externa para com outras entidades financeiras.
Em 1999 o governo tomou medidas grandes: emprestou 1,4 trilhões RMB do PBOC e dos bancos comerciais estatais para adquirir a mesma quantia de empréstimos vencidos dos principais bancos estatais e em 2004 retirou 60 bilhões de dólares das reservas cambiais da China e os injetou direto nos bancos para dar baixa na quantia de empréstimos vencidos e transformar os bancos em empresas cotadas na bolsa e receber investimentos estrangeiros.
O governo ainda estabeleceu quatro novas empresas de gestão de ativos (AMC) que receberam empréstimos vencidos e teriam que se reestruturar ou transferir o débito restante, com potencial para conversão delas em mercado de capitais moderno.
Em 2005 as AMC, que eram do Estado, estavam bem e os lucros operacionais dos principais bancos tinham começado a subir, apesar de não se compararem aos equivalentes ocidentais. Os avanços na venda de ações foram pequenos. As cooperativas rurais continuavam com dívidas e muitas estatais não mostravam progresso no mercado.
Funcionários do governo americano afirmavam que com a entrada da China na OMC ela não podia mais usar sua moeda como instrumento de política comercial, tinha que eliminar o atrelamento durante o tempo e assim permitir a flutuação do iuane. Esse não era o interesse pois o iuane fixo era crucial para o crescimento e a estabilidade econômica do país, oferecendo vantagem internacional para as firmas nativas. No terceiro trimestre de 2005 a China cedeu um pouco, flutuando e atrelando a moeda novamente ao dólar, obtendo um aumento leve e perceptível.
A preocupação com a desigualdade era grande. Em 2005 pequenos seguimentos da pobreza rural estavam pela primeira vez declinando, o que não tinha justificativas com a ideologia política na China integrando os princípios fundamentais do Marxismo às práticas concretas atuais.
O próprio comunismo dificultava a correção das diferenças, pois ao chegar à população rural pobre, grande parte dos benefícios já estavam comprometidos. No Ano Novo de 2004 o presidente e o premier anunciaram a abolição dos impostos agrícolas e das sobretaxas aos pequenos agricultores, mas o efeito de redistribuição foi menor que o esperado. Transferências de renda também foram ineficazes devido a corrupção.
Em 2005esperava-se usar instrumentos mais potentes: subsídio para garantir padrão de vida mínimo aos moradores das cidades, seguro-desemprego para algumas categorias de trabalhadores, programas de seguro-saúde e pensão e a revitalização do antigo sistema previdenciário.
O governo não queria desacelerar o crescimento nem deixar que as forças do mercado equilibrassem a renda; havia dependência dos funcionários para realizar as políticas públicas e medo de concessão de muito poder a eles, dessa forma corrompendo a estratégia de reforma.
Os responsáveis pelo sistema hukou, que ditava onde os trabalhadores podiam morar legalmente, não queriam que ele fosse eliminado e muitos migrantes ilegais acabavam ficando impossibilitados de receber assistência social.
O quadro resultou em revoltas esporádicas em toda a China no começo do século XXI, protestos em relação à ocupação ilegal de terras e manifestações violentas em certos pontos em 2005, representando no conjunto a insatisfação popular e uma ameaça de instabilidade política, a qual os líderes estavam comprometidos em evitar, mas tinham que equilibrar crescimento contínuo e distribuição de renda. 
Spar e Oi (2006), desse modo, resumem o impasse à questão não respondida sobre a sobrevivência do comunismo chinês, ou a necessidade de estabelecimento democrático para o avanço no mercado.
LOCAL: www.hbsp.harvard.edu/educators
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SPAR, Debora; OI, Jean. China: Construindo um “Capitalismo com Características Socialistas”. Boston: Harvard Business School Publishing, 2006.
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