Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 1 A ÁFRICA EM TRANSFORMAÇÃO: A TRANSIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA PARA UNIÃO AFRICANA COMO RESPOSTA AO MUNDO PÓS-GUERRA FRIA Anselmo Otavio Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEEI/UFRGS) e-mail de contato: anselmo_otavio@yahoo.com.br Resumo O artigo em referência possui como objetivo analisar a transição de Organização da Unidade Africana (OUA) para União Africana (UA). Por meio de revisão bibliográfica de caráter variado, consistindo em livros, artigos, nos documentos constituintes da OUA - Organization of African Unity Charter de 1963 (OAU Charter) - e da UA - o Constitutive Act of the African Union de 2000 (CAAU) - entre outros documentos, e baseado nas semelhanças e divergências existente entre ambas, busca-se demonstrar que, tanto a existência da OUA como sua transição para UA, representam respostas do continente africano a contextos internacionais distintos. Palavras-Chaves: África. Organização da Unidade Africana. União Africana Abstract The featured article has the objective to analyze the transition from the Organisation of African Unity (OAU) to the African Union (AU). Through literature review varied, consisting of books, articles, the constituent documents of the OAU - Organization of African Unity Charter 1963 (OAU Charter) - and the AU - the Constitutive Act of the African Union 2000 (CAAU) - among other documents, and based on the similarities and differences between both, seeks to demonstrate that both the existence of the OAU and its transition to the AU, represent African continent responses to different international contexts. Key Words: Africa. Organization of African Unity. African Union IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 2 1. Introdução Neste ano de 2013 a principal organização de âmbito continental existente na África completou cinqüenta anos de existência. De modo geral, se buscássemos destacar um evento que marcou desde a sua fundação, em 1963, até os dias atuais, seria pouco provável não indicarmos sua transição de Organização da Unidade Africana (OUA) para União Africana (UA). Tal importância dada pelo artigo em referência a este acontecimento não busca desprezar outros fatos que também foram marcantes na história da OUA/UA. No entanto, é fato que esta transformação se torna relevante uma vez que sua existência simbolizou tanto a adaptação africana a um mundo Pós-guerra Fria, como também a adequação desta organização a novas demandas existentes na África. Surgida no pós-2ª Guerra Mundial a então OUA representava a consubstanciação dos anseios pan-africanistas de promoção da autodeterminação dos povos, do respeito à soberania dos Estados e da aclamação pela liberdade das colônias na África. De fato, a ampla participação desta organização na intensificação dos processos de independência das colônias existentes no continente, no apoio dado aos movimentos de libertação nacional e na luta contra o regime do apartheid na África do Sul, são três dentre diversos eventos que simbolizaram, por um lado, o declínio dos impérios europeus na África e, por outro, a reação deste continente a tal desintegração. Diferentemente da Organização da Unidade Africana, a União Africana é a expressão, no âmbito político, da adequação da África ao mundo Pós-guerra Fria, visto que, mesmo havendo a manutenção de pontos anteriormente valorizados pela OUA, como a busca pelo aumento da integração, da unidade e da solidariedade entre os Estados-membros, e o respeito à soberania, a integridade territorial e a independência dos Estados africanos, é perceptível que outros objetivos ganharam força na UA, tais como a resolução de conflitos por meios pacíficos, a valorização da democracia, a good governance, o direito de intervenção por parte da organização em situações relacionadas a crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade, entre outros. Em suma, enquanto a OUA servia como um importante instrumento de alcance continental voltado ao combate a qualquer forma de dominação fruto do imperialismo europeu, a UA simboliza a adequação africana ao mundo Pós-guerra Fria. IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 3 Nesse sentido, baseado em uma revisão bibliográfica de caráter variado, consistindo em livros, artigos, e na análise dos documentos constituintes da Organização da Unidade Africana, no caso, a Organization of African Unity Charter de 1963 (OAU Charter), e da União Africana, o Constitutive Act of the African Union de 2000 (CAAU), o trabalho proposto para este evento possui como objetivo central analisar os cinqüenta anos de existência desta organização, enfatizando a transição entre a OUA e a UA. Através deste estudo, busca-se demonstrar que, tanto a existência da OUA como a transição para UA, representavam respostas do continente africano a contextos internacionais distintos. 2. Respostas ao mundo pós-2ª Guerra Mundial: pan-africanismo, Organização da Unidade Africana e o fim dos grandes impérios europeus. O fim da 2ª Guerra Mundial apresentava ao mundo uma Europa destruída. Tanto os países derrotados, como Itália e Alemanha, quanto os vitoriosos, no caso, Inglaterra e França, entravam na segunda metade do século XX enfraquecidos e em declínio (Kennedy, 1989). 1 De modo geral, o surgimento do mundo dividido entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS), somado à falta de capacidade por parte das grandes potências europeias em se manterem fortalecidas no pós-2ª Guerra Mundial (Hobsbawm, 1995), tornavam-se fatores importantes no processo de desintegração dos antigos impérios europeus no continente asiático e, com destaque neste trabalho, no africano. 2 Paralelamente a esta conjuntura externa adequada aos processos de independência, o continente africano encontrava-se diante do fortalecimento do chamado pan-africanismo, movimento este que, direta ou indiretamente, se tornava um fator importantena construção de um cenário continental favorável à intensificação do surgimento de novos países na África. 1 Expondo sobre este período, Kennedy (1989, pp.312-313) faz um panorama existente no mundo pós-Segunda Guerra Mundial. Em suas palavras, “[as] antigas grandes potências – França, Itália – já tinham eclipsado. A tentativa alemã de dominar a Europa estava em colapso, bem como a tentativa idêntica do Japão no Extremo Oriente e Pacifico. A Grã-Bretanha, apesar de Churchill, estava em declínio. O mundo bipolar, tantas vezes previsto nos séculos XIX e XX, chegava finalmente”. (pp.312-313) 2 De acordo com Hobsbawm (1995), tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética eram favoráveis, ao menos em um primeiro momento, ao fim dos grandes impérios. De acordo com o autor, “[EUA e URSS] [t]ampouco ignoraram o fato de que as duas potências que haviam de fato derrotado o Eixo, os EUA de Roosevelt e a URSS de Stalin, eram ambas, por motivos diferentes, hostis ao velho colonialismo, embora o anticomunismo americano logo tomasse Washington o defensor do conservadorismo no Terceiro Mundo”. (Hobsbawm, 1995, p.314) IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 4 Discutindo acerca desta temática, Chanaiwa e Kodjo (2010, pp. 897-898) resumem este movimento expondo que, em linhas gerais, O pan‑africanismo nasceu no Novo Mundo, nos séculos XVIII e XIX, em favor da luta dos negros pela libertação, contra a dominação e a exploração dos brancos. Estes movimentos traduzem‑se pelo separatismo religioso afro‑americano (que se estenderá pouco após na África). No próprio continente africano, o pan‑africanismo, como movimento de libertação remonta, à invasão da Etiópia pelos fascistas italianos, em 1935, assim como e, sobretudo, ao quinto Congresso Pan‑africano reunido em Manchester, em outubro de 1945. Neste congresso, pela primeira vez, durante toda a história do movimento pan‑africano, os representantes africanos eram os mais numerosos e os debates envolveram, essencialmente, a libertação da África colonizada. A Conferência de Manchester não apenas se tornou um marco na história africana por dar início à fase em que o número de representantes africanos participantes de congressos pan- africanos passaria a ser preponderantes, mas também porque em sua realização foram estabelecidos pontos como a revogação de leis racistas e discriminatórias, a abolição do trabalho forçado, a busca pelo direito ao voto – bem como da igualdade de salários e da assistência médica a todos os cidadãos – o ativismo na emancipação e na total independência das colônias existentes no continente (CHANAIWA & KODJO, 2010), entre outros os objetivos que passariam a nortear os movimentos de libertação surgidos no continente africano. Reflexo dessas reivindicações pode ser encontrado durante a primeira metade da década de 1960, em que a África passou de 26 em 1960, para 33 países independentes, em 1964. Paralelo a esta luta pela independência, o movimento pan-africanista compreendeu a necessidade em criar uma estrutura política voltada a romper com qualquer forma de dominação herdada do imperialismo europeu. Em linhas gerais, é possível destacarmos a existência de duas vertentes existentes no movimento pan-africanista que mantinham visões divergentes no que se refere ao caminho que esta estrutura deveria seguir. A primeira refere- se ao chamado Grupo de Casablanca, este formado por países como Guiné, Egito, Mali, Marrocos, Líbia, o governo exilado da Argélia, Gana, entre outros membros que concordavam com a idéia de construir o chamado Estados Unidos da África, com foco na planificação e centralização do desenvolvimento econômico e na criação de um sistema de segurança IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 5 voltado para o continente. 3 De acordo com Castro (1980), é possível encontrarmos algumas tentativas de uniões que, em certa medida, compactuavam com o modelo estimado pelo Grupo de Casablanca. Em suas palavras, Uniões efêmeras chegaram a se formar. Já independente, sob o nome de Ghana, a antiga Costa do Ouro (de língua inglesa) se uniu à Guiné (de língua francesa) em 1958. Pensavam Nkrumah e Sekú Turé [então presidente da Guiné] que aí estava o núcleo geohistórico dos Estados Unidos da África: formara-se, na realidade um “segundo Canadá” na África, que pouco depois iria desfazer-se. (...) Falharam também: o RDA (“Rassemblement Democratique Africain”), entre Seku Turé, da Guiné, e Modibo Keita, do Mali (1956); a Federação do Mali, que seria formada pela união do Senegal, Dahomé (atual Benin), Sudão e Alto Volta [atual Burquina Fasso] (1959); a União dos Estados Africanos, unindo a Guiné, o Mali, a Libéria e a Mauritânica (1959); bem como a União Sahel-Benin, reunindo o Togo, Costa do Marfim, Dahomé, Alto Volta e Níger (1960) (CASTRO, 1981, p. 84). Diferentemente desta perspectiva, o Grupo de Monróvia, este composto por Nigéria, Etiópia, Libéria, Serra Leoa, entre outros, acreditava em um modelo cuja soberania, integridade territorial, gerência dos assuntos internos e independência dos Estados se tornavam pontos que não deveriam ser alterados, ou seja, essa estrutura política não deveria ser pautada na criação dos Estados Unidos da África, e sim em uma espécie de confederação entre Estados (Chanaiwa & Asante, 2010). De modo geral, durante a Cúpula de chefes de Estados africanos ocorrida em 1963, na cidade de Addis-Abeba, Etiópia, pode-se considerar que a visão defendida pelo Grupo de Monróvia foi preponderante, esta consubstanciada com a aprovação da Organization of African Unity Charter (OAU Charter), documento que criava a Organização da Unidade Africana (OUA). 4 Estruturada em Assembly of Heads of State and Government, Council of Ministers, General Secretariat, e Commission of Mediation, Conciliation and Arbitration, (art. VII da 3 De acordo com Chanaiwa e Kodjo (2010, p.900), “Na história do pan‑africanismo, como movimento de libertação, o período entre 1950‑1965 foi dominado pela figura de Kwame Nkrumah. Através de suas declarações, da sua ação e do seu exemplo, Nkrumah mobilizou, em favor da causa pan‑africana, os dirigentes africanos dos movimentos de libertação e dos Estados independentes. Segundo ele, como declarou na noite da conquista da soberania pelo seu país, a independência de Gana não tinha sentido senão na perspectiva de uma libertação completa do continente africano.” 4“Os seguintes trinta Estados estavam nela representados (as denominações são aquelas da época): Argélia, Burundi, Camarões, Congo‑Brazzaville,Congo‑Leopoldville [atual República Democrática do Congo], Costa do Marfim, Dahomey [atual Benin], Etiópia, Gabão, Gana, Guiné, Alto‑Volta [atual Benin], Libéria, Líbia, Madagascar, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Uganda, República Árabe Unida [composto por Egito e Líbia], República Centro‑Africana, Ruanda, Senegal, Serra Leoa, Somália, Sudão, Tanganyika [atual Tanzânia], Tchade, Tunísia.” (CHANAIWA & KODJO, 2010, p.903) IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 6 OUA Charter, 1963, p. 5), e ressaltando pontos valorizados pelo Grupo de Monróvia, tais como a autodeterminação dos povos, os ideais de liberdade, justiça e igualdade, o respeito aos direitos humanos e a preservação da soberania dos Estados, a OUA manteve-se fiel a luta contra qualquer forma de dominação herdada do imperialismo europeu. 5 No âmbito político, tal fidelidade refletiu-se em dois eventos que caracterizaram o papel de destaque da OUA, no caso, o apoio dado aos movimentos de libertação surgidos no continente, e o isolamento da África do Sul como forma de combater o regime do apartheid. Referente a estes episódios, conforme análise desenvolvida por Chanaiwa e Kodjo (2010), é possível indicarmos dois instrumentos utilizados por esta organização. A primeira refere-se ao incentivo dado aos países-membros para que treinassem, militarmente, os movimentos de libertação surgidos no continente. De modo complementar, a segunda diz respeito ao surgimento do Comitê Africano de Libertação, este composto por países como a Argélia, Egito, Etiópia, Guiné, Nigéria, Uganda, Senegal, Tanzânia, que se destacou ao propor auxilio financeiro a estes movimentos. Nesse sentido, a eficácia destes meios pode ser exemplificada através de movimentos como o Zimbabwe African National Union (ZANU) e o Zimbabwe African People’s Union (ZAPU) – ambos voltados à independência Rodésia do Sul, país que se tornaria independente em 1980, cujo nome passaria a ser Zimbábue - e o South West Africa People’s Organization (SWAPO) - movimento relacionado à luta pela independência da Namíbia, que ocorreu em 1990. De modo geral, o sucesso alcançado pelo ZANU e ZAPU de um lado, e da SWAPO de outro, encontra-se diretamente relacionado ao apoio de países como Angola, Moçambique, Botsuana, Tanzânia e Zâmbia a tais movimentos (Chanaiwa, 2010). Os países acima indicados também foram importantes no apoio aos partidos políticos sul- africanos que se encontravam banidos desde a década de 1960, no caso, ao African National Congress (ANC) e ao Pan African Congress (PAC), ambos voltados à luta contra o apartheid na África do Sul. De fato, embora independente, a busca em isentar o regime segregacionista de qualquer transtorno a sua manutenção (Pereira, 2007), tornou a África do Sul um dos 5 Segundo o Artigo II da OAU Charter, “(a)To promote the unity and solidarity of the African States; (b) To coordinate and intensify their cooperation and efforts to achieve a better life for the peoples of Africa; (c) To defend their sovereignty, their territorial integrity and independence; (d) To eradicate all forms of colonialism from Africa; and (e) To promote international cooperation, having due regard to the Charter of the United Nations and the Universal Declaration of Human Rights.” (Art. II da OAU Charter, 1963, p.3) IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 7 principais alvos das sanções econômicas e políticas advindas da OUA. 6 Exemplo disso pode ser visto durante a própria cúpula que levou a criação desta organização, na qual foi adotada: (...) uma resolução especial referente ao apartheid e à discriminação racial na África do Sul. Eles decidiram não somente romper as suas relações diplomáticas e comerciais com estes países, assim como intensificarem o seu combate, pela independência da Namíbia, perante a Corte Internacional de Justiça; apoiar o Comitê Especial das Nações Unidas contra o apartheid; lutar pela aplicação de sanções econômicas contra a África do Sul e oferecer aos refugiados sul‑africanos bolsas e possibilidades de estudos, além de empregos na função pública dos países africanos (CHANAIWA & KODJO, 2010, p. 907). Paralelo a luta pela libertação completa das últimas colônias existentes no continente e no combate ao regime do apartheid existente na África do Sul, a atuação da OUA também esteve atrelada ao âmbito econômico, mais especificamente, em encontrar meios que rompessem com o subdesenvolvimento e suas mazelas. De certo modo, ao acompanharmos a década de 1960, enquanto havia o aumento do número de países independentes no continente, este mesmo período foi marcado pela dificuldade destes em alcançar o desenvolvimento (Chanaiwa & Asante, 2010). Conforme análise desenvolvida por Bujra (2004), entre 1960 e 1975 a África foi marcada pelo baixo crescimento no setor agrícola, média de 1,6%, no setor manufatureiro, 6%, e nas exportações em gerais, cuja média foi de 2,8%. Na interpretação pan-africanista, os índices acima indicados refletiam a relação de dependência e desequilíbrio existente entre os países africanos - cujas exportações eram marcadas pelo predomínio dos produtos primários e as importações de bens manufaturados - e os países ocidentais, estes que eram os principais consumidores de tais produtos e exportadores destes bens (Chinweizu, 2010). Nesse sentido, romper com qualquer forma de dominação fruto do imperialismo europeu no continente significava também romper com esta dependência. É baseado nesta busca que o Lagos Plan Action (LPA) foi criado. 6 Discutindo acerca do apartheid, Bahia (2000, pp. 114-115), pode-se considerá-lo como “(...) um sistema social, econômico e político constitucional que se baseia em princípios teóricos e em uma legislação ad hoc. Neste sistema, a diferenciação corresponde à definição de grupos sociais diversos e ao seu desenvolvimento em separado. Significa a manutenção da supremacia de uma aristocracia branca, baseada numa rígida hierarquia de castas sociais, para as quais existe uma correlação entre a cor de pele e as possibilidades de acesso aos direitos e ao poder social e político.” Em linhas gerais, este sistema resultou em leis como a Proibition of Mixed Marriages (1949), lei que proibia o casamento de brancos e pessoas de outras raças, a Population Registration Act (1950), lei que distinguia a população sul-africana entre negros, brancos e mestiços, a Group Areas Act (1950), lei que separava os territórios entre brancos e negros, limitando este último grupo de poderem circular em determinadas área, entre outras s (Branco,2003). IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 8 Voltado a questões relacionadas à agricultura, indústria, recursos naturais, ciência e tecnologia, transportes e comunicações, comércio e finanças, meio-ambiente, entre outros (LPA, 1980), o LPA pode ser considerado como o instrumento da OUA voltado ao processo de independência econômica. Tal constatação ocorre visto que se por um lado o mau- desempenho africano no âmbito econômico era interpretado como fruto do imperialismo europeu no continente, por outro, a melhora destes índices passava pela crença no rompimento com a dependência econômica existente entre os países africanos e os ocidentais (LPA, 1980). Discutindo acerca disso Bujra (2004, p.6) destaca as seguintes das propostas indicadas pela LPA, 1. Self reliance as the basis of development – at the national, sub regional and regional levels; 2. Equity in the distribution of wealth at the national level as a fundamental objective of development; 3. Expansion of the Public sector viewed as essential for development; 4. As an unavoidable necessity, outside capital was to be directed to those areas where African capital is lacking or inadequate – such as mining, energy and large scale projects; 5. Inter-African economic cooperation and integration, being essential, was to be effected as soon as possible; 6. Change in the international economic order to favour Africa and Third World countries being essential, Africa should continue to fight for a NIEO (New International Economic Order). Nesse sentido, é possível indicar que algumas das soluções africanas indicadas anteriormente pela LPA - principalmente aquelas referentes ao papel que os Estados deveriam exercer no desenvolvimento econômico (Ezeoha & Uche, 2005) - caminhavam na contramão do que passava a ser preponderante no contexto econômico mundial, no caso, o neoliberalismo, modelo este que, dentre as suas características, pauta-se na diminuição do papel estatal no desenvolvimento econômico. De modo geral, através da análise acerca da década de 1980 e dos anos iniciais de 1990, é possível indicar alguns desafios que, em certa medida, simbolizavam a fragilidade e a dificuldade por parte da OUA em solucioná-los. No âmbito econômico, estes eram representados pela pobreza excessiva, pelas baixas taxas de crescimento econômico (Funke & Nsouli, 2003), pelo maior número de países pobres existentes no mundo (Penha, 2011), entre outras características que demonstravam o fracasso do LPA em acabar com o subdesenvolvimento africano. Paralelo a isso, o continente africano entrava na última década do século XX marcado pela instabilidade política, esta simbolizada por guerras civis surgidas na Somália, no Burundi, em Ruanda, na República Democrática do Congo, entre outros países IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 9 (Cardoso, 2011). Logo, se por um lado a OUA foi eficaz na intensificação dos processos de independência surgidos na África, por outro, esta organização não obteve o mesmo êxito em romper com os desafios anteriormente indicados. 3. Soluções africanas para o mundo pós-guerra Fria: o African Renaissance e a transição da OUA para UA O término da Guerra Fria simbolizou não apenas o fim do cenário internacional dividido entre Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS), mas também a fase de intensa difusão dos valores socioculturais estimados pelo Ocidente (Ianni, 2003). De modo geral, se no âmbito político a democracia passava a ser o modelo que os países deveriam adotar, no plano econômico, a vitória do capitalismo sobre o socialismo criava um cenário propício à disseminação do neoliberalismo e seus condicionantes, tais como o fim de possíveis barreiras à globalização financeira, a diminuição da participação do Estado na economia, à intensificação nos processos de privatizações de empresas estatais, e a valorização do livre- mercado e do livre-comércio (Harvey, 2005; Maldonado Filho, 1998). Paralelo a este contexto, o continente africano também entrava em um ciclo de transformações internas. Discutindo acerca destas, Nyang’oro e Shaw (2000), indicam que no decorrer da década de 1990 diversos países entraram em uma fase de crescimento econômico, e em um processo de “financeirização” da economia, esta refletida através da criação de bolsas de valores. Além destes fatores econômicos, o continente também passava a ser palco de transformações políticas, como o fim do apartheid na África do Sul, a diminuição, o isolamento ou o fim de ditaduras (Gilley, 2010), e o surgimento de eleições democráticas multipartidárias, (Nyang’oro & Shaw 2000). Portanto, diferentemente dos anos iniciais da década de 1990, quando o mundo passava por transformações e a África era vista como estática, imbuída nos desafios anteriormente indicados, e distante da globalização econômica; no final deste período o que se via era um continente entrando em uma fase de renascimento, mas comumente conhecido, como African Renaissance. De acordo com a análise desenvolvida por Hlophe e Landsberg (1999), é possível destacar duas características do African Renaissance. A primeira diz respeito à relação entre este IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 10 renascimento e o termo ganense “Sankofa”, que significa mover o continente africano em direção a um futuro próspero, prosperidade esta que seria alcançada através da valorização e do resgate ao passado africano anterior a invasão européia. Já a segunda refere-se à importância da interação entre a democracia e o desenvolvimento econômico, relação que criaria um cenário estável e favorável ao crescimento econômico, garantindo a África o acesso à globalização econômica. Em síntese, é imersa neste contexto de transformações surgidas no continente que o papel da OUA passou a ser discutido. Segundo Mbeki (2003), tal situação ocorria uma vez que o termino do apartheid na África do Sul representava o fim do último vestígio de colonização europeia na África, logo, a OUA havia alcançado seu objetivo. No entanto, como indicado anteriormente, é pouco provávelnão percebermos que os diversos conflitos surgidos no continente, e a dificuldade em romper com o subdesenvolvimento e todas as suas mazelas, não apenas eram desafios anacrônicos a uma África em transformação, como também sinalizavam a necessidade da OUA se adaptar e encontrar soluções a estas demandas. De acordo com Döpcke (2002), desde a década de 1986, através da adoção da Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos, passando pelos anos iniciais de 1990, no caso, em 1991 com a fundação da Comunidade Econômica Africana e, em 1993, com a adoção do Mecanismo para Prevenção, Administração e Solução de Conflitos, a OUA demonstrava certa tendência à reformulação. Entretanto, foi através da Cúpula Extraordinária da OUA, na cidade de Sirte, Líbia, em 1999, que esta organização passaria por mudanças. Em Landsberg (2012) é possível encontrar duas vertentes que passaram a ser predominantes durante esta Cúpula e diziam respeito acerca do futuro da OUA. A primeira refere-se ao interesse da Líbia em construir o chamado Estados Unidos da África, isto é, mover o continente para a formação de um Estado Federalista. Nesse sentido, o governo líbio resgatava a discussão levantada durante as décadas de 1950 e 1960 pelo grupo de Casablanca acerca da viabilidade em transformar o continente em um Estado. Diferentemente desta visão, a outra via se enquadrava no que o autor considerou como Pan-continentalism e tinha como principal expoente a África do Sul. Conforme sua análise, o Pan-continentalism pode ser entendido como um: IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 11 (...) process whereby states band together to create new norms, principles, institutions, and political structures, and agree to live by such norms and structures and in harmony with each other. Continentalism invokes a process of bringing order to, and stability amongst, a divergent grouping of states by getting them to commit to live by shared norms and values. (...) Continentalism is, therefore, not the process by which states seek to build a supra-national high command, but rather one through which they seek to build a continental society in which they coexist by common rules, build common institutions, and articulate common norms. (...) It advocates for a strict regulation of the conduct of the behaviour of independent states and it uses functional instruments and structures to respond to the condition of ‘anarchy’ that would obtain between states that compete against one another through institutions that function mutually and devoid of schism and antagonism. (Landsberg, 2012, pp. 438-439) Em linhas gerais, o fim da Cúpula Extraordinária da OUA simbolizou tanto o início do processo de transformação da OUA em União Africana (UA) como também o predomínio do Pan-continentalism nesta transição. Reflexo disso pode ser encontrado no Constitutive Act of the African Union (CAAU), documento fruto da cimeira de Lomé, Togo, ocorrida em 2000 em que pontos como a valorização e construção de princípios, de instituições, de estruturas políticas e de mecanismos que pudessem regulamentar o comportamento dos Estados passaram a fazer parte da UA (Landsberg, 2012). 7 Ao analisarmos o CAAU, além dos pontos anteriormente indicados, é perceptível que se de um lado este documento indicava a manutenção por parte da UA de algumas características da OUA, tais como a busca pelo aumento da integração, da unidade e da solidariedade entre os Estados-membros, o respeito à soberania, a promoção da paz, a integridade territorial e a independência dos Estados africanos. Por outro, novos pontos ganhavam importância nesta organização, tais como a valorização da democracia, dos direitos humanos e, principalmente, o direito de intervenção por parte da UA em situações relacionadas a crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade. 8 7 Entre a Cúpula Extraordinária da OUA ocorrida em Sirte, até o lançamento da UA em 2002, na Cúpula de Durban, África do Sul, houve duas outras reuniões que foram importantes no processo de transformação da OUA em UA. No ano de 2000 houve a Cimeira de Lomé, no Togo, em que foi adotado o Constitutive Act of the Union, e, no ano de 2001, na Cimeira de Lusaka, na Zâmbia, foi programado o roteiro de implementação da UA (AFRICAN UNION, 2013). 8 Dentre os objetivos encontrados no artigo 3 da CAAU (2000, pp. 5-6), pode-se destacar, “(a) achieve greater unity and solidarity between the African countries and the peoples of Africa; (b) defend the sovereignty, territorial integrity and independence of its Member States; (c) accelerate the political and socio-economic integration of the continent; (d) promote and defend African common positions on issues of interest to the continent and its peoples; (…) (f) promote peace, security, and stability on the continent; (g) promote democratic principles and institutions, popular participation and good governance; (h) promote and protect human and peoples’ rights in accordance with the African Charter on Human and Peoples’ Rights and other relevant human IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 12 De fato, de acordo com o Artigo IV da CAAU (2000, p. 7), era garantido “(h) the right of the Union to intervene in a Member State pursuant to a decision of the Assembly in respect of grave circumstances, namely: war crimes, genocide and crimes against humanity;”. Nesse sentido, embora mantendo alguns princípios encontrados no Artigo III da OAU Charter (1963, pp. 3-4), como o respeito a soberania dos Estados-membros, a busca pela paz através da negociação, mediação, conciliação e arbitragem, e a não intervenção dos assuntos internos dos Estados-Membros, a possibilidade encontrada no Artigo IV da CAAU (2000) assegurava a UA o direito de atuar na resolução de conflitos armados - papel este exercido via missões de Peacemaking e Peacekeeping - e, portanto, romper com uma das principais demandas existentes no continente (Hawkins, 2012). 9 Exemplo disso pode ser encontrado em na African Union Mission in Burundi (AMIB) de 2003. Primeira missão de paz realizada pela União Africana, a AMIB buscou, através da estabilização do país, da criação de um acordo de cessar-fogo, do apoio ao desarmamento e reintegração dos ex-combatentes, entre outros objetivos (Boshoff & Vrey, 2010), criar um cenário favorável à instalação de uma missão de paz da ONU voltada ao Burundi (Muriti, 2008). Através da participação de tropas advindas da Etiópia, de Moçambique e, principalmente, da África do Sul - países que foram importantes para a pacificação de grandeparte do território deste país (Muriti, 2008) - tal objetivo foi alcançado por meio da aprovação rights instruments; (…) (l) coordinate and harmonize the policies between the existing and future Regional Economic Communities for the gradual attainment of the objectives of the Union; (…)” 9 Discutindo acerca dos tipos de missões, Boutros-Ghali (1992, pp. 45-57), destaca quatro modelos, a saber, “Preventive diplomacy: (…) action to prevent disputes from arising between parties, to prevent disputes existing disputes from escalating into conflicts and to limit the spread of the latter when they occur. (…) The most desirable and efficient employment of diplomacy is to ease tensions before they result in conflict – or, if conflict breaks out, to act swiftly to contain it and resolve its underlying causes. (…) Peacemaking: (…) action to bring hostile parties to agreement, essentially through such peaceful means as those foreseen in Chapter VI of the Charter of the United Nations. (…)Between the tasks of seeking prevent conflict and keeping the peace lies the responsibility to try to bring hostile parties to agreement by peaceful means. (…) Peace-keeping: (…) the deployment of a United Nations presence in the field, hitherto with the consent of all the parties concerned, normally involving United Nations military and/or police personnel and frequently civilians as well. Peace- keeping is a technique that expands the possibilities for both the prevention of conflict and the making of peace. (…) Peace-building: (…) action to identify and support structures which will tend to strengthen and solidify peace in order to avoid a relapse into conflict.” Em Penna Filho (2004, p. 40), é possível encontrarmos outros dois tipos de missões, no caso, Peace-enforcing e Protective engagement. Segundo o autor, “Peace-enforcing – com uso de força militar para cessar hostilidades ou reprimir atos de agressão; (...) Protective engagement – utilizando-se essencialmente de meios militares defensivos para o estabelecimento de ambientes seguros para operações humanitárias.” IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 13 do Conselho de Segurança em criar a United Nations Operations in Burundi (ONUB), esta que englobaria a AMIB (Security Council, 2004). Somado a esta possibilidade em alcançar a pacificação via missões de paz, a UA encontra no modo em que foi estruturada importantes meios para alcançar tal fim. De fato, sua composição em “Assembly of the Union, Executive Council, Pan-African Parliament, Court of Justice, Commission, Permanent Representatives Committee, Specialized Technical Committees, Economic, Social and Cultural Council, Financial Institutions” (Art. V da CAAU, 2000, p. 8), garante a esta organização mecanismos políticos voltados tanto para a regulamentação do comportamento dos Estados-membros, como para a aceitação dos princípios e objetivos estimados e adotados por esta organização. Além disso, com este modelo de estruturação baseado no Pan-continentalism, a UA vem garantindo a possibilidade em criar ou introduzir outros mecanismos dentro desta organização. 10 Exemplo disso pode ser encontrado na New Partnership for African Development (NEPAD), programa criado em 2001 que atrela o desenvolvimento da África a aceitação de princípios que giram em torno da “Peace, Security, Democracy and Political Governance; Economic and Corporate Governance; Bridging the Infrastructure Gap; Human Resources Development; Agriculture; Environment; Culture; Science and Technology Platforms; Capital Flows e Market Access” (NEPAD, 2001), e que foi ratificado pela UA em 2002. Em certa medida, a ratificação da NEPAD simboliza, no âmbito econômico, o rompimento da UA com o pensamento pan-africanista encontrado na criação do Lagos Plan of Action, visto que, diferentemente da LPA, plano que foi amplamente criticado pelas potências ocidentais uma vez que discordava das propostas neoliberais que passavam a ser preponderantes na economia mundial, e relacionava o desenvolvimento africano ao surgimento de uma ordem internacional favorável ao fim da dependência existente entre os países africanos e os industrializados (Bujra, 2004). A NEPAD, em contrapartida, aceita a globalização, o neoliberalismo e todos seus condicionantes, e indica a democracia e a prevenção de conflitos como precondições para o desenvolvimento do continente africano (NEPAD, 2001; Chabal, 2002; Funke & Nsouli, 2003). Além disso, considera ser possível 10 De fato, além de indicar os órgãos que fazem parte da UA, o Artigo V da CAAU (2000, p. 8) também indica que “Other organs that the Assembly may decide to establish.” IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 14 alcançar o desenvolvimento via interação entre os interesses africanos e dos países industrializados. Paralelo a esta ratificação, ao longo da primeira década do século XXI, é possível indicarmos outros mecanismos que passaram a ser úteis pela UA, tais como o estabecimento do African Peer Review Mechanism (APRM) em 2003, a criação da African Standby Force (ASF) em 2005 – esta “composta por contingentes multidisciplinares, com componentes civis e militares sediados em seus países de origem, destinada ao pronto emprego em operações de manutenção da paz” (Cardoso, 2011, p. 59) – e o reconhecimento das Regional Economic Communitites (RECs), no caso a Community of Sahel-Saharan States (CEN-SAD), a Common Market for Eastern and Southern Africa (COMESA), a East African Community (EAC), a Economic Community of Central African States (ECCAS), a Economic Community of West African States (ECOWAS), a Intergovernmental Authority on Development (IGAD), a Southern African Development Community (SADC) e a Arab Maghreb Union (AMU) (African Union, 2013), como instrumentos que dinamizam a prevenção e a resolução de conflitos surgidos na África (APDSA, 2010). Em síntese, comparando a OUA com a UA, Döpcke (2002) expõe que: A UA supera a OUA, em termos de seus propósitos e finalidades, principalmente em três campos. Em primeiro lugar, assume compromisso explicito com a promoção de instituições e princípios democráticos, participação popular, Estado de direito, good governance, justiça social, direitos humanos e igualdade entre os sexos. Condena e rejeita mudança de governos através de meios não-constitucionais. Em segundo lugar, atribui mais relevância a manutenção da paz, segurança e estabilidade no continente, destacando a proibição da utilizaçãode força e ameaça nas relações interestaduais, enfatizando os princípios de co-existência pacifica de um lado, e promovendo maior cooperação na área de segurança - ate a concepção de uma politica de defesa continental - de outro. Em terceiro lugar, redefine a natureza e o caráter da ideia de “unidade”, compreendido agora como um veloz processo de crescente integração politica e socio-econômica, através da harmonização e coordenação entre os grupos de integração regional. (Döpcke, 2002, pp. 147-148) 4. Considerações Finais A partir da análise desenvolvida neste artigo foi possível indicar as diferenças e semelhanças existentes entre a Organização da Unidade Africana (OUA) e a União Africana (UA). De modo geral, enquanto a convergência em pontos relacionados ao aumento da IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 15 integração, da unidade, da solidariedade entre os Estados-membros, e o respeito à soberania, a integridade territorial e a independência dos Estados africanos representam a continuidade entre a UA e a OUA, em contrapartida, a aceitação da good governance e, principalmente, do direito de intervenção em situações relacionadas a crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade são características que demonstram o distanciamento de ambas. Nesse sentido, além de simbolizar a passagem do modo de ver pan-africanista para o African Renaissance, é possível indicar que tais diferenças existentes entre a OUA e a UA representam respostas do continente africano a contextos internacionais distintos. De fato, enquanto ao longo da Guerra Fria a reação africana ao mundo bipolar encontrava-se relacionada ao rompimento com quaisquer formas de dominação herdadas do imperialismo europeu, logo, a intensificação do processo de independência se tornava preponderante se comparada com as questões internas dos novos países. Após o fim da Guerra Fria, a resposta africana ao contexto internacional que surgia é representada pela adaptação aos valores estimados pelo Ocidente, que passaram a ser aceitos como importantes para a pacificação e a resolução dos flagelos surgidos nos países africanos, estes que se tornaram prioritários para a UA. 5. Referência Bibliográfica AFRICAN UNION. Advent of the AU. 2013. Disponível em: < http://www.au.int/en/about/nutshell > Acesso em 10/04/2013 AFRICAN UNION. Constitutive Act of the African Union (CAAU). 2000. Disponível em: <http://www.au.int/en/sites/default/files/ConstitutiveAct_EN.pdf>. Acesso em 10/04/2013 AFRICAN UNION. Organization of African Unity Charter. 1963. Disponível em: < http://www.au.int/en/sites/default/files/OAU_Charter_1963_0.pdf> Acesso em 10/04/2013 APDSA. African Peace And Security Architecture: 2010 Assessment Study. Disponível em: < http://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3- CF6E4FF96FF9%7D/RO%20African%20Peace%20and%20Security%20Architecture.pdf> Acesso em: 15/07/2013 IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 16 BAHIA. Luiz Henrique Nunes. A Política Externa da África do Sul: da internacionalização à globalização. In GUIMARÃES. Samuel Pinheiro. África do Sul: visões brasileiras. Brasília: IPRI, FUNAG. 2000. BOSHOFF. Henri. VREY. Waldemar. The African mission in Burundi. In. RAUTENBACH. George. BOSHOFF. Henri. VREY. Waldemar. The Burundi Peace Process From civil war to conditional peace. Institute for Security Studies. 2010 BOUTROS-GHALI. Boutros. An Agenda for the Peace: Preventive diplomacy, peacemaking and peace-keeping. Disponível em < http://www.unrol.org/files/A_47_277.pdf >. Acesso em: 18/03/2013 BRANCO. Luís Bernardo Nunes Mexia Castelo. A Política Externa Sul-Africana: Do Apartheid a Mandela. Tese de Doutorado em Estudos Africanos Interdisciplinares em Ciências Sociais, especialidade de Política e Relações Internacionais em África pelo ISCTE. 2003. Disponível em: <http://www.repositorio- iul.iscte.pt/bitstream/10071/542/1/Doutoramento%20Luis%20CB.pdf>. Acesso em: 06/07/2012. BUJRA. Abdalla. Pan-African Political and Economic Visions of Development From the OAU to the AU: From the Lagos Plan of Action (LPA) to the New Partnership for African Development (NEPAD). 2004. Disponível em: < http://www.bujra.com/documents/Pan- African%20Political%20and%20Economic%20Visions%20of%20Development.pdf > Acesso em: 22/04/2012 CARDOSO. Pedro Escosteguy. A nova arquitetura africana de paz e segurança: implicações para o multilateralismo e as relações do Brasil com a África. Brasília. FUNAG. 2011. 200p. CHABAL. Patrick. The quest for good government and development in África: is NEPAD the answer? 2002, Disponível em: <http://www.jstor.org/pss/3095884>. Acesso em: 22/03/2011 CHANAIWA. David. A África Austral. In MAZRUI. Ali A. WONDJI. C.(org.) História Geral da África – VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010. pp. 295-334 IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 17 CHANAIWA. David. ASANTE.S.K.B. O Pan-africanismo e a Integração Regional. In MAZRUI. Ali A. WONDJI. C.(org.) História Geral da África – VIII: África desde 1935, Brasília: UNESCO, 2010. pp. 873-896. CHANAIWA. David. KODJO. Edem. Pan-africanismo e libertação. In MAZRUI. Ali A. WONDJI. C.(org.) História Geral da África – VIII: África desde 1935. Brasília: UNESCO, 2010. pp. 897-924. CHINWEIZU. A África e os países capitalistas. In MAZRUI. Ali A. WONDJI. C.(org.) História Geral da África – VIII: África desde 1935, Brasília: UNESCO, 2010 pp. 927-963 DÖPCKE. Wolfgang. O encontro estratégico: a União Africana, o Plano NEPAD e o novo discurso internacional. In. Colóquio sobre as Relações Brasil – África. 2002. Disponível em: < http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/0174.pdf>. Acesso em: 18/03/2012 EZEOHA. Abel. UCHE. Chibuike. South África, NEPAD and the African Renaissance, 2005, Disponível em: <www.ascleiden.nl/Pdf/workingpaper64.pdf>. Acesso em: 05/01/2013 FUNKE. Norbert, NSOULI. Salah M. (2003) The NEPAD: Opportunities and Challenges. Disponível em: <http://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2003/wp0369.pdf> , Acesso em: 05/01/2012 GILLEY. Bruce. (2010) The End of the African Renaissance, Disponível em: < http://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/0163660X.2010.516612 >, Acesso em: 05/01/2011 HARVEY. David. A Brief History of Neoliberalism. 2005. 1ª Ed. Oxford University Press. Great Britain. HAWKINS. Virgil. An Overview of Peace and Security in Southern Africa. In HAWKINS. Virgil. Southern African Peace and Security Studies. Vol. 1. Nº 1. 2012 HLOPHE. Dumisani, LANDSBERG. Chris. (1999) The African Renaissance as a modern South African Foreign Policy Strategy, Disponível em: < www.ceri- sciencespo.com/archive/octo99/artcl.pdf > , Acesso em: 05/07/2011 HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos (1914-1991) – o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. IANNI, Otavio Teorias da Globalização. Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira, 2003. KENNEDY. P. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Ed. Campus, 1989. IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 18 LAGOS PLAN OF ACTION FOR THE ECONOMIC DEVELOPMENT OF AFRICA 1980- 2000. Dísponível em: <http://www.nepadst.org/doclibrary/pdfs/lagos_plan.pdf>. Acesso em: 22/06/2013 LANDSBERG. Chris. Policy Afro-Continentalism: Pan-Africanism in Post-Settlement South Africa's Foreign. Journal of African and Asian Studies. Vol. 47. Nº 4. 2012. Disponível em: http://jas.sagepub.com/content/early/2012/05/02/0021909612439741.full.pdf+html>. Acesso em: 18/03/2013 MALDONADO FILHO. Eduardo, Globalização e neoliberalismo: o surgimento do novo ou a volta ao passado? In CARRION. Raul K.M. e VISENTINI. Paulo G. Fagundes (orgs). Globalização, neoliberalismo, privatizações: quem decide este jogo? 2ªed, Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1998 MBEKI. Thabo. A New Era for Africa in a Globalizing World, Unesco, Paris, 19 November 2003. Disponível em: <http://www.dfa.gov.za/docs/speeches/2003/mbek1119.htm> . Acesso em: 14/05/2012 MURITI. Tim. The African Union’s evolving role in peace operations: the African Union Mission in Burundi, the African Union Mission in Sudan and the African Union Mission in Somalia. In African Security Review. Vol. 17, Nº 1, 2008. NEPAD. (2001). The New Partnership for Africa’s Development. Disponível em: < http://www.nepad.org/system/files/framework_0.pdf>, Acesso em: 16/09/2012 NYANG’ORO. Julius E. SHAW. Timothy M. African Renaissance in the New Millennium?From Anarchy to Emerging Markets?. In African Journal of Political Science. Vol. 5. No. 1, pp. 14-28. 2000, Disponível em: <http://digital.lib.msu.edu/projects/africanjournals/html/itemdetail.cfm?recordID=351>. Acesso em: 18/03/2013 PENNA FILHO, Pio. Segurança seletiva no pós-Guerra Fria: uma análise da política e dos instrumentos de segurança das Nações Unidas para os países periféricos - o caso africano. In Revista Brasileira de Política Internacional. 2004, vol.47, n.1, pp. 31-50. PENHA, Eli Alves. Relações Brasil-África. Editora: EDUFBA, Salvador, 2011. PEREIRA. Analúcia Danilevicz. (2007) África do Sul e Brasil: Dois Caminhos para a Transição ao Pós-Guerra Fria – 1984-1994. Tese de Doutorado em História/ UFRGS. 2007. IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa "San Tiago Dantas" (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) de 05 a 08 de Novembro de 2013 ISSN 1984-9265 _______________________________________________________________________________________________________________ Anais do IV Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC/SP) Disponível em: http://www.santiagodantassp.locaweb.com.br 19 Disponível em: < http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/10924/000603116.pdf?sequence=1>. Acesso em: 12/06/2012 SECURITY COUNCIL. Resolution 1719 (2006) Adopted by the Security Council at its 5554th meeting, on 25 October 2006. Disponível em: < http://daccess-dds- ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N06/585/71/PDF/N0658571.pdf?OpenElement >. Acesso em: 18/03/2013
Compartilhar