Buscar

Violência doméstica e a aplicabilidade da lei Maria da Penha

Prévia do material em texto

Violência doméstica e a aplicabilidade da lei Maria da Penha 
 
Waldir de Freitas Matias Júnior 
 
 
RESUMO: O presente trabalho discute a violência doméstica e a origem, efetividade e 
transformação da Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha). Discorre quanto às formas de 
violência que podem ser utilizadas pelo agressor para vitimar seus alvos – violências física, 
patrimonial, sexual, psicológica e moral. É demonstrado que o Direito, como não poderia 
deixar de ser, acompanhou a evolução social e previu mecanismos de proteção à parte 
hipossuficiente na questão da violência de gênero. Esses mecanismos foram apresentados e 
foi discutida a importância deles para efetividade da Lei Maria da Penha. 
Palavras chave: Violência Doméstica. Lei Maria da Penha. Violência contra a Mulher. 
 
 
INTRODUÇÃO 
Há muitos males sociais com os quais a sociedade e o direito devem se preocupar. 
Poucos tão enraizados na cultura popular como a violência doméstica. Este fenômeno, a 
violência doméstica, ainda convive (ou convivia, como discutiremos no decorrer do 
trabalho) com alguns agravantes: a passividade das vítimas em procurar a justiça, a 
aceitabilidade dos não envolvidos diretamente e a descrença do agressor na punibilidade e, 
pior, na própria malignidade da conduta ofensiva. Este ceticismo, por sinal, é o grande 
causador da reincidência nos casos de violência intrafamiliar. Improvável precisar a data de 
surgimento dessa espécie de crime, pois suas bases propulsoras nos levam a crer que seu 
início coincide com o próprio começo da noção de família. As vítimas mais comuns desta 
violência são as crianças, mulher e idosos, mas é possível também que tenhamos o homem 
como sujeito passivo. 
Nesse trabalho a violência doméstica contra a mulher ganha destaque. A 
banalização dos acontecimentos e a forma com que os crimes e agressores eram tratados 
motivaram um sentimento de revolta nas mulheres, que pouco a pouco conseguiram 
conscientizar grande parte da sociedade a rechaçar a sobreposição, especialmente física, do 
homem perante a mulher. Esta mobilização social, que teve importantes vitórias no século 
XX, no Brasil, teve seu grande marco com a promulgação da Lei 11.340 de 07 de agosto de 
2006. Esta Lei, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha – nome em homenagem 
a uma das grandes batalhadoras pela criação da Lei -, trouxe mudanças significativas na 
forma de se encarar a violência doméstica contra a mulher, tanto na esfera das 
possibilidades policiais como na esfera judicial, colocando a disposição das autoridades 
responsáveis mecanismos de prevenção e repressão. A Lei 11.340/2006 alcançou: a vítima, 
como, por exemplo, na seção intitulada Das Medidas Protetivas de Urgência à Ofendida; o 
agressor, a exemplo da seção Das Medidas de Urgência que Obrigam o Agressor; e ainda 
terceiros envolvidos, como no caso dos filhos. 
 
1. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 
1.1 Considerações iniciais 
Para entendermos o significado de violência, devemos, primeiramente, ampliarmos 
nossa visão do que realmente é este fenômeno. É comum vislumbrarmos a violência, 
unicamente, quando a força é usada para subjulgar. Esta noção não está incorreta, todavia 
expandiremos nosso olhar para aprofundamento do tema. 
Deve-se atentar de início que a noção de violência variará de acordo com o lugar e o 
tempo. Um ato avaliado como violento e opressor em uma determinada época pode ser 
moralmente aceito em outra. É, pois, subjetivo o julgamento de um fato como violento, 
sendo, a percepção de violência, moldada pelos costumes e, principalmente, pelas leis 
vigentes no Estado. 
Note-se, também, que o emprego do termo violência abrange outras situações. 
Observando atentamente, percebemos que o uso do vocábulo violência está sempre ligado 
ao constrangimento de direito alheio pelo uso da força do detentor do poder. 
Nos casos de violência doméstica, que é o enfoque principal do trabalho, a 
concentração do poder patinará conforme o contexto estrutural da família e as condições 
pessoais e sociais dos indivíduos envolvidos na relação. A relação homem versus mulher 
tem o ser masculino, via de regra, como o elo mais forte. De igual forma, os pais se 
sobrepõem aos filhos e os mais novos “dominam” os mais idosos. A agressão doméstica é, 
assim, um vértice bastante cruel da violência, porquanto atinja os mais fracos física, 
emocional e socialmente, dentro do ambiente familiar. Vigorou por bastante tempo na 
consciência social a ideia de que no ambiente intrafamiliar, por ser, indubitavelmente, 
referência de afeto e solidariedade, os casos de violência no seio familiar se resumiam a 
acontecimentos esporádicos, muitas vezes promovidos por enfermos mentais lato sensu - o 
que inclui os alcoólatras e os viciados em tóxicos. Porém, o crescente número de 
ocorrências e a exposição destas fez com que, pouco a pouco, a realidade fosse absolvida 
pela população. E como não podia deixar de ser, o direito teve que se ajustar a essa mazela 
que progredia a passos largos. Tanto é que no dia 17 de junho de 2004 a Lei nº 10.886 
adicionou o § 9º ao art. 129 do Código Penal, que trata do crime de lesão corporal: 
§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, 
cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, 
ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou 
de hospitalidade: Pena – Detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 
O legislador, preocupado com a banalização do comportamento opressor, 
diferenciou esta espécie de lesão corporal, majorando sua pena máxima. Cabem, por 
oportuno, dois esclarecimentos referentes ao referido parágrafo: I) Para a configuração do 
delito, não é necessário que os parentes referenciados no tipo residam juntos. Assim, se o 
filho visita o pai e por ocasião de uma discussão este vem a lhe bater, o fato de não 
coabitarem não ilide o tipo penal; II) As relações domésticas não se restringem a parentesco, 
havendo, do mesmo modo, violência doméstica se o patrão agride a empregada doméstica 
ou se um amigo fere o outro em uma república de estudantes. 
É evidente que a citada majoração de pena não serviu para mais que sinalizar a 
gradativa importância legislativa para com esse delito, uma vez que os resultados práticos, 
por óbvio, não seriam atingidos apenas com uma medida isolada. 
1.2 Formas de Violência 
Embora seja a mais comum, a violência física não é a única forma de agredir. A Lei 
11.340/06, conhecida como a Lei Maria da Penha, que estudaremos a finco no próximo 
capítulo, traz no caput do art. 5º os tipos possíveis de violência: 
art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar 
contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause 
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou 
patrimonial. 
Isto posto, passamos a detalhar cada forma de violência: 
1.2.1 Violência Física 
É a violência na qual o agressor se vale da força bruta ou de instrumento capaz de 
provocar ferimentos para penitenciar a vítima. Assim, pode-se dizer que, na violência física, 
o agente, aproveitando-se da vulnerabilidade de outrem, utiliza-se de qualquer meio para 
ofender sua integridade física. O procedimento de constatação da agressão corpórea passa, 
necessariamente, pelo exame pericial. É através deste que restará demonstrada a 
materialização do delito. 
1.2.2 Violência Psicológica 
É o comportamento que tem por fim causar dano à autoestima, ao desenvolvimento 
intelectual e social da pessoa, gerando, inclusive, crise de identidade. Aqui o agressor busca 
ferir o emocional da vítima, atacando-acom humilhações constantes, mantendo-a isolada 
do convívio social, manipulando suas atitudes e, de um modo geral, constrangendo-a 
psicologicamente. Este tipo de violência é difícil identificação prática, pois se trata de uma 
forma subjetiva de ataque, que não deixa marcas externas, mas apenas no íntimo de quem o 
sofre. 
1.2.3 Violência Sexual 
Nesta forma de violência, o agente utiliza as formas de violências já citadas, física e 
psicológica, para finalidade específica, que é o constrangimento sexual. O conceito de 
constrangimento sexual abarca várias situações, que variam desde intimidar a vítima a 
manter ou presenciar relação sexual não desejada a impedi-la de usar qualquer método 
contraceptivo. 
Convém esclarecer que, conquanto não seja simples provar e punir, até mesmo pela 
falta de conhecimento da população, é possível caracterizar a violência sexual entre 
cônjuges ou companheiros. É que a relação marital não suprime direitos básicos como o de 
dispor do próprio corpo e a dignidade da pessoa humana. Assim, é possível o estupro intra-
matrimônio, não sendo a coação sexual, nestes casos, exercício regular do direito, como 
defendem alguns, mas, sim, abuso de direito. 
1.2.4 Violência Moral 
Configura-se essa forma de violência quando o agressor atinge com palavras a 
honra subjetiva ou objetiva da vítima, ou imputa a esta a prática de um crime. Conforme o 
art. 7°, inciso V da Lei 11.340/06, violência moral é aquela conduta que tipifique calúnia, 
difamação ou injúria, que são crimes contra a honra, previstos, respectivamente, nos artigos 
147, 148 e 149 do Código Penal. Calúnia é imputar a outrem a autoria de crime que sabe 
não ser este o autor. Difamação é o ataque a honra objetiva da vítima, ou seja, é manchar a 
imagem que a sociedade tem do indivíduo. Injúria, por sua vez, é a ofensa a honra subjetiva, 
ofendendo o sentimento de dignidade que a própria pessoa tem dela. 
1.2.5 Violência Patrimonial 
A violência patrimonial se dirige aos bens, objetos, instrumentos de trabalho e 
valores da vítima. Nesta situação, as ações praticadas pelo agressor são reter, destruir e 
subtrair. 
1.3. Efetividade da Lei 11.340/2006 – MARIA DA PENHA 
Nesse ponto, cumpre explanar como a Lei Maria da Penha se materializou no 
mundo do Direito e como que efetivamente ajuda no combate a violência. Os mecanismos 
de prevenção, proteção e punição que foram criados pela Lei Maria da Penha que 
modificaram o modo de enfrentar essa questão tão prejudicial à sociedade. 
De certo que tais mudanças ajudarão no decréscimo quantitativo de casos de 
violência contra a mulher, mas, mesmo após seis anos da publicação da Lei 11.340/2006, 
não há meios de cravar os resultados da Lei em análise, porquanto não haja integração de 
um sistema que trate especificamente dos números relativos a ataques contra a população 
em decorrência da violência doméstica. 
Dito isso, passa-se a analisar individualmente os mais importantes mecanismos 
previstos na Lei Maria da Penha que visam, sobretudo facilitar o acesso feminino à justiça, 
dar qualidade de vida às mulheres que sofrem ou sofreram com comportamento agressivo 
do homem e, porque não, erradicar a própria cultura machista de domínio e impunidade. 
1.3.1. Das Medidas Protetivas de Urgência 
Eis aqui o ponto chave à efetividade da Lei em comento. A lei 11.340/06 trouxe no 
seu capítulo II as medidas protetivas imediatas que devem ser usadas como arma pelo 
Estado, representado nesta atuação pelo magistrado, pelo membro do Ministério Público e 
pela autoridade policial, para combater a violência contra a mulher. Trata-se, portanto, do 
rol de opções que podem (devem) ser tomadas, cumulativamente ou não, de forma cautelar, 
para assegurar principalmente a segurança da vítima, uma vez que estas ficariam ainda mais 
vulneráveis a agressões depois de externar as autoridades a violência sofrida. 
Os artigos 22 e 24 enunciam em seu bojo as medidas protetivas de urgência. Não é, 
diga-se, um rol exaustivo, nuremus clausus. Assim, há medidas esparsas na Lei que 
também podem servir como meio de proteção a ser aplicado pelo Estado-juiz. 
Faz-se necessário esclarecer que as medidas cautelares tuteladas em face da 
proteção da integridade física, psicológica e patrimonial da mulher, de forma sumária, não 
ficam sujeitas ao previsto no art. 806 do digesto processual civil, que reza: Cabe à parte 
propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida 
cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório. É que a natureza das 
medidas protetivas da Lei Maria da Penha tem caráter satisfativo, não podendo se limitar a 
temporalidade prevista na seara civil. E não poderia ser de outra forma. Se da inércia da 
parte em iniciar a ação principal em 30 (trinta) dias resultasse a sustação da medida cautelar, 
a eficácia concreta da lei restaria fragilizada. 
Há na Lei uma subdivisão entre as medidas protetivas de urgência. São elas: as 
medidas protetivas que obrigam o agressor e as que protegem a vítima, as quais passamos a 
estudar agora. 
1.3.2. Que obrigam o agressor 
O inciso I do art. 22 da Lei 11.340/06 prevê a possibilidade de ser decretada a 
suspensão da posse ou restrição do porte de armas. De pronto percebemos a preocupação 
do legislador com a incolumidade física da mulher. Para correta aplicação dessa medida, 
deve-se observar a legalidade na posse ou do porte da arma, pois em se tratando de 
manutenção irregular da arma, não é caso de aplicação da medida cautelar aqui tratada, mas 
sim de enquadramento nos artigos 12, 14 ou 16 da Lei 10.826/03, conforme o caso, 
devendo a arma ser apreendida pela autoridade policial e posteriormente inutilizada. Assim, 
fácil perceber que a cautelar prevista no inciso I da Lei Maria da Penha se refere à posse ou 
ao porte autorizado de arma. Neste caso, é necessário pedido judicial para que suspenda ou 
restrinja o uso da arma e que seja comunicado o órgão encarregado do registro e licença, 
para que esta se for à hipótese, seja cassada. 
É cabível também a determinação de outras medidas como o afastamento do lar, 
domicílio ou local de convivência (art. 22, II), proibição de aproximação com a vítima (art. 
22, III, alínea a) e a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes (art. 22, IV). Como 
se vê, em suma, as medidas que obrigam o agressor objetivam a proteção da ofendida, 
evitando o contato entre vítima e agressor. Verifica-se que a preocupação do legislador não 
é apenas com o ambiente familiar, pois a perturbação psicológica pode se estender a outros 
locais, como o local de trabalho da vida. Outrossim, não se restringe a vítima a necessidade 
de distanciamento, podendo a ser suspensa a convivência com os familiares e com as 
testemunhas. 
Existe previsão no já citado artigo 22 que a ofendida pode requerer a prestação de 
alimentos provisionais ou provisórios (inciso V). Esclarece-se, por oportuno, que a doutrina 
não faz distinção entre os termos “provisionais” e “provisórios”, sendo aplicados ao 
fenômeno de prestação precária. Esta é uma medida bastante sensata e tem como 
pressuposto lógico a aplicação cumulativa de alguma das medidas que preveem o 
afastamento do ambiente familiar. Tendo a mulher dependência financeira e estrutural do 
marido, faz-se mister a prestação provisional dos alimentos, sob pena de se impor a 
vítima outro sofrimento. Ademais, como somos sabedores, o sistema judiciário brasileiro 
tem como característica a lentidão, provocada, dentre outros motivos, pelo excesso de 
impugnações e recursos que podem ser interpostos. Destarte, não pode ficar a vítima, 
durante toda a pendência do litígio, desamparada economicamente. 
1.3.3. Que Protegem a Vítima 
Paratratar dessa espécie de medida protetiva de urgência, cabe colacionar o artigo 
23 da Lei Maria da Penha. 
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras 
medidas: 
I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou 
comunitário de proteção ou de atendimento; 
II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao 
respectivo domicílio, após o afastamento do agressor; 
III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos 
direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; 
IV – determinar a separação de corpos. 
O inciso I se complementa com o art. 35, I e II que prevê a criação e manutenção 
pelos entes públicos dos centros de atendimento integral e multidisciplinar e das casas-
abrigos. A Lei diz que a competência para encaminhar a vítima para este programa de 
proteção é da autoridade policial e do juiz. Todavia, é atribuição do Ministério Público a 
requisição de serviços públicos de segurança, pelo que se entende que o órgão também 
detém competência para imposição dessa medida. 
Quanto aos incisos II, III e IV, é preferível comentá-los conjuntamente, porquanto o 
último abranja os primeiros. Cuida-se da possibilidade de determinar a separação de corpos 
entre o agressor e a vítima. Interessante atentar para o fato que o Juizado de Violência 
Doméstica e Familiar contra a Mulher só é competente para apreciar e aplicar o pedido de 
separação de corpos como medida protetiva de urgência, de modo que se houver interesse 
da vítima ingressar com ação principal, de separação judicial ou outras afins, a vara 
competente é a de Família. 
Convém explicar que a medida de separação de corpos também é aplicável nas 
relações homoafetivas e nos casos de união estável, uma vez que com a promulgação da 
carta magna de 1988 restou equiparado o instituto da união estável com o casamento civil. 
Ademais, em respeito aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, não há 
mais que se falar em distinção de tratamento legal em razão de orientação sexual. 
1.3.4 Da equipe de atendimento multidisciplinar 
Muito já se foi falado sobre os danos psicológicos e físicos que decorrem de uma 
situação de agressão doméstica. De igual forma, já foi exposto os sentimentos que 
circundam um processo com tal origem – medo, insegurança, dúvida, etc. Pois bem. Foi 
provavelmente pensando nisto que a Lei Maria da Penha trouxe nos artigos 29 a 32 
disposições sobre a criação e funcionamento de uma equipe multidisciplinar para atuar 
junto aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Estas equipes 
seriam formadas por profissionais especializados nas áreas de psicossocial, jurídica e de 
saúde. 
A área psicossocial deve contar com psicólogos e assistentes sociais, a jurídica com 
advogados, enquanto que a de saúde com médicos, psiquiatras, etc. Os objetivos dessas 
equipes estão dispostos no artigo 30, quais sejam, elaborar laudos e falar em audiência 
visando melhor embasar fática e tecnicamente o membro do Ministério Público, o Juiz e o 
Defensor público, além de desenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento e 
prevenção endereçados ao agressor, a vítima e demais familiares envolvidos nessa 
problemática. 
Creio ser fundamental esse tipo de acompanhamento, uma vez que, nem que seja no 
aparelho estatal, a vítima precisa encontrar apoio para suprir a vulnerabilidade social 
enfrentar e se sentir amparada pelos meios de justiça. Pela óptica do Estado-juiz também se 
faz importante essa equipe, pois são especialistas que têm contato mais próximo (em 
comparação ao juiz) com a vítima e capacidade profissional pra embasar os atos jurídicos 
dos aplicadores do direito. É óbvio que o Juiz, Promotor de Justiça ou Defensor Público 
não ficam adstrito ao laudo ou opinião da equipe médica, pois se assim fosse estaria 
transferindo a atividade julgadora para estes, o que não se admite. Deve se ter em vista 
também o vértice quanto ao agressor. Trata-se, via de regra, de pessoa de temperamento 
desequilibrado, em quem um apoio sócio-psicológico pode influir de maneira bastante 
positiva, evitando, possivelmente, casos de reincidência. 
Um óbice ao mecanismo de auxílio aqui tratado é o material. Como se sabe, não há 
como ser, de pronto, implantadas essas equipes em todos os Juizados de Violência 
Doméstica e Familiar contra a Mulher. Na verdade, nem os Juizados foram criados em 
todas as comarcas. Pior: não há prazo estabelecido em lei para implementação deles. 
Espera-se, devido a sua importância no combate à violência doméstica, que recursos sejam 
disponibilizados para o surgimento dos JVDFM e com eles as equipes de atendimento 
multidisciplinar. 
1.3.5. Do atendimento pela autoridade policial 
Criticava-se bastante a forma com que as vítimas eram recebidas em sede de 
delegacia para relatar um caso de violência doméstica contra a mulher. Analisando a atitude 
da mulher agredida em procurar uma delegacia de polícia para relatar um caso delicado 
como o da violência doméstica, percebe-se que ela pode advir de dois comportamentos: de 
uma atitude impetuosa da vítima que acabara de ser violentada ou de ação que resultou de 
um período longo de coação, no qual houve muita reflexão sobre a atitude correta a se 
tomar. Em ambos os casos, a vítima, após ir procurar ajudar policial, voltavam com o 
mesmo sentimento: frustração. É que, antes da Lei Maria da Penha, as normas vigentes e, 
por que não, as próprias autoridades não davam ao atendimento policial para com a vítima 
do crime em tela a importância devida. A vítima chegava à delegacia, relatava seu caso e 
saia de lá sem nenhuma garantia policial, às vezes mais insegura do que quando chegou. 
Com o advento da 11.340/2006, essa situação mudou. Previu-se na lei uma série de 
possibilidades e deveres de a autoridade policial se fazer mais participativa em delitos dessa 
natureza. O artigo 11 trouxe as providências a serem tomadas enquanto que o artigo 12 
dispõe sobre os procedimentos a serem observados. 
No rol de providências que podem ser efetuadas estão: garantir proteção policial; 
encaminhar a ofendida ao hospital; havendo risco de vida, transportar a ofendida e seus 
dependentes para abrigo ou local seguro; acompanhar a ofendida até a sua residência para 
que retire seus pertences; e informa-la quantos aos direitos e serviços que estão a disposição 
dela. Percebe-se, de imediato, a preocupação do legislador em garantir à vítima, quando 
necessário, um mínimo de independência em relação ao agressor, levando-a ao hospital, 
garantindo abrigo, acompanhando-a a residência, etc. Essa proteção policial é deveras 
importante, especialmente em crimes contra a mulher, nos quais temos a marcante presença 
da vulnerabilidade e do temor da vítima. 
Entre os principais procedimentos a serem observados em sede policial destacamos 
a lavratura do boletim de ocorrência (não mais apenas o termo circunstanciado, que se 
refere apenas a crimes de menor potencial ofensivo), e a remessa no prazo de 48h do 
expediente ao Juiz já com as medidas protetivas requisitadas pela ofendida, o que 
representa um avanço. As medidas protetivas, tratadas em tópico a parte, podem ser 
requisitas pela vítima na própria delegacia, o que dá celeridade na busca por proteção, 
essencial à efetividade da medida. 
1.3.6. Identificação Criminal 
Segundo a Constituição Federal de 1988, o civilmente identificado não será 
submetido a identificação criminal. Porém, o próprio constituinte originário possibilitou 
que a lei infraconstitucional trouxesse ressalvas. E foi assim com a Lei de Crimes 
Organizados. E é assim com a Lei Maria da Penha. Essas exceções permitem que mesmo o 
agressor portando documento de identificação,será submetido à datiloscopia e a 
identificação fotográfica. 
 
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Diante de todo o exposto, percebe-se que o direito avançou significativamente no 
combate às desigualdades que envolvem as relações domésticas como um todo e mais 
precisamente na relação homem versus mulher. Essa revolução promovida pelo direito foi 
precedida de muitos movimentos sociais que materializaram o inconformismo da sociedade 
para com os crimes intrafamiliares e de gênero. Nas inovações trazidas pela Lei Maria da 
Penha, observamos mecanismos capazes de mudar o panorama da violência contra a 
mulher. Para isso, é necessário que os poderes responsáveis apliquem-nos. Não cabe 
apensas ao judiciário a tarefa de dar aplicabilidade à Lei em comento. Vimos que a 
autoridade policial tem importante tarefa, prestando as medidas imediatas de urgência. 
Pelo que foi apresentado, entendo que, com o advento da Lei 11.340/2006, um 
passo importante foi dado em defesa da mulher. Porém, é fundamental que a vontade de 
mudança não se restrinja a pureza da Lei, necessitando de participação ativa dos 
aplicadores do direito e da polícia, tanto administrativa como judiciária, pois, ao que parece, 
na pratica, os comandos legais são entendidos por estes como discricionários. 
Noto também a relevância da continuidade da mudança na legislação. O legislador 
deve ficar atento à eficácia e efetividade dos mecanismos que foram criados, para que as 
inovações tão importantes à sociedade sejam otimizadas e alcancemos o objetivo de 
proteger a mulher e equilibrar as relações de gênero, na medida em que os hipossuficientes 
não se sintam oprimidos diante das agressões e passem a acreditar na eficiência dos 
mecanismos legais. 
 
REFERÊNCIAS 
BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Aspectos Assistenciais, Protetivos e Criminais da 
Violência de Gênero. Editora: Saraiva, 2014. 
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência Doméstica: A Lei Maria da 
Penha Comentada por Artigo. Editora: Revista dos Tribunais, 2014. 
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. A efetividade da Lei 11.340/2006 
de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Editora: Revista dos Tribunais, 
2010. 
HERMMAN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com Nome de Mulher. Violência Doméstica 
e Familiar: considerações à Lei nº 11.340/2006 comentada artigo por artigo. Editora: 
Servanda, 2007. 
SCHRAIBER, L. B., D’OLIVEIRA, A. F. P. L. Violência contra mulheres: interfaces com 
a saúde. Interface – Comunic., Saúde, Educ., v.3, 1999. 
 
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico 
publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MATIAS JÚNIOR, Waldir de Freitas. 
Violência doméstica e a aplicabilidade da lei Maria da Penha. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 abr. 2016. 
Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55646&seo=1>. Acesso em: 01 maio 
2018.

Continue navegando