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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS VIVIANE NARCISO MARQUES DIREITO DO TRABALHO ASSÉDIO MORAL & DIREITO A DESCONEXÃO DO TRABALHO GOIÂNIA – GO 2017 VIVIANE NARCISO MARQUES DIREITO DO TRABALHO ASSÉDIO MORAL & DIREITO A DESCONEXÃO DO TRABALHO Monografia apresentada à Pós-Graduação da Universidade Federal de Goiás – UFG. Orientador: Prof. Dr. Platon Teixeira Neto GOIÂNIA – GO 2017 VIVIANE NARCISO MARQUES MONOGRAFIA DIREITO DO TRABALHO ASSÉDIO MORAL & DIREITO A DESCONEXÃO DO TRABALHO Monografia apresentada à Pós-Graduação da Universidade Federal de Goiás – UFG. Orientador: Prof. Dr. Platon Teixeira Neto BANCA EXAMINADORA 1. Prof. Dr. Platon Teixeira Neto Goiânia (GO), _______ de ________________ de ________. BANCA EXAMINADORA ______________________________________________ Orientador – Prof. Dr. Platon Teixeira Neto / Universidade Federal de Goiás GOIÂNIA – GO 2017 AGRADECIMENTOS ❖ Agradeço àqueles que estiveram comigo, que me ajudaram a crescer como pessoa e como profissional durante esta Pós-Graduação. Agradeço primeiramente a Deus, ao Professor Orientador Dr. Platon Teixeira Neto, simplesmente pelo seu belíssimo trabalho em sala de aula e também fora dela, e a minha família que esteve ao meu lado em todos os momentos. DEDICATÓRIA “Dedico este trabalho primeiramente а Deus, por ser essencial em minha vida, autor de meu destino, meu guia, socorro presente na hora da angústia, e a minha família.” EPÍGRAFE Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades, lembrai- vos de que as grandes coisas do homem foram conquistadas do que parecia impossível. Charles Chaplin DIREITO DO TRABALHO ASSÉDIO MORAL & DIREITO A DESCONEXÃO DO TRABALHO GOIÂNIA – GO 2017 SUMÁRIO RESUMO ........................................................................................................ 10 SUMMARY ..................................................................................................... 11 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 12 CAPÍTULO I ................................................................................................... 14 O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO................................... 14 1. ASPECTOS CONCEITUAIS ....................................................................... 14 1.1. Assédio Moral No Ordenamento Jurídico ................................................ 15 1.2. Dignidade, Saúde E Trabalho .................................................................. 17 CAPÍTULO II .................................................................................................. 21 RESPONSABILIDADE CIVIL I ........................................................................ 21 1. DIREITO A DESCONEXÃO DO TRABALHO ............................................. 23 1.1. Novos Princípios Do Direito Do Trabalho ................................................ 24 1.2. Novas Morfologias Do Trabalho .............................................................. 30 CAPÍTULO III ................................................................................................. 33 SAÚDE MENTAL NO TRABALHO – A ERA DA ANSIEDADE ....................... 33 1.JORNADAS EXAUSTIVAS .......................................................................... 34 CAPÍTULO IV ................................................................................................. 35 O ASSÉDIO ORGANIZACIONAL ................................................................... 35 1. CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL E DA FALTA DE DESCONEXÃO – DANOS A SANIDADE FÍSICA E PSÍQUICAS DO EMPREGADO .............. 46 1.1. Assédio Moral E Suas Implicações No Direito Do Trabalho .................... 48 1.2. Responsabilidade Do Empregador Que Comete O Assédio Moral ......... 53 1.3. Responsabilidade Do Empregador Face Ao Assédio Moral Cometido Por Outro Empregado ........................................................................................... 56 CAPÍTUO V .................................................................................................... 59 RESPONSABILIDADE CIVIL II ....................................................................... 59 1. A RESPONSABILIDADE CIVIL NA JUSTIÇA DO TRABALHO .................. 61 1.1. Responsabilidade Civil E Assédio Moral .................................................. 63 1.2. Rescisão Indireta Por Ocorrência de Assédio Moral................................ 64 CAPÍTULO VI ................................................................................................. 67 PRÁTICA JURISPRUDÊNCIA – ASSÉDIO MORAL ...................................... 67 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 71 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 73 10 RESUMO O presente estudo tem como intuito examinar como a violação ao direito de desconexão do trabalho reflete-se nos diversos aspectos da vida do trabalhador, o qual se encontra inserido em um conceito, que embora não codificado no brasil, tem préstimo em todo ordenamento sendo, portanto, de grande valia dissertar sobre os aspectos jurídicos do direito a desconexão do trabalho. Quando de sua ocorrência, causa danos incomensuráveis ao empregado, a empresa, ao Poder Público, e à sociedade, além de configurar uma afronta direta a princípios constitucionais, legais e ferir os direitos humanos, colocando em risco inclusive a integridade física e mental do trabalhador. Objetiva-se correlacionar o dano moral causado pelo empregador com advindo da violação supramencionada, uma vez que muito embora exista subordinação jurídica na relação empregatícia, o trabalhador é sujeito de direitos e merece a devida reparação pelos danos sofridos, afinal, o poder diretivo do empregador não pode ser aplicado de forma irrestrita, não estando o empregado a disposição da empresa em tempo integral. Para execução deste trabalho, haverá uso de metodologia científica para melhor compreensão do tema, utilizando-se de forma predominante da pesquisa bibliográfica, e de forma secundária, da pesquisa descritiva, sempre nos limites dos objetivos propostos. Palavras-chave: Desconexão do trabalho; Assédio moral; Responsabilidade civil. 11 SUMMARY The purpose of this study is to examine how the violation of the right to disconnect from work is reflected in the various aspects of the worker's life, which is inserted in a concept that,although not codified in Brazil, Therefore, of great value to discuss the legal aspects of the right to disconnect from work. When it occurs, it causes immeasurable damages to the employee, the company, the Public Power, and society, as well as set up a direct affront to constitutional, legal and human rights, putting at risk the physical and mental integrity of the worker. It is intended to correlate the moral damage caused by the employer with the abovementioned violation, since although there is legal subordination in the employment relationship, the employee is subject to rights and deserves due reparation for the damages suffered, after all, the directive power of the employer does not Can be applied unrestricted, and the employee is not available to the company full time. To carry out this work, there will be use of scientific methodology for a better understanding of the subject, using predominantly the bibliographical research, and secondary form, of the descriptive research, always within the limits of the proposed objectives. Keyword: Disconnection from work; Harassment; Civil responsability. 12 INTRODUÇÃO Devido ás crescentes modificações ocorridas nos últimos anos, a globalização e a revolução tecnologicamente, o quadro mundial tem se transformado drasticamente em vários aspectos, o que não poderia ser diferente no âmbito trabalhista. É cediço o grau de complexidade o qual passou integrar diversos ramos empresariais, mesmo quando de pequeno porte, visto que o mercado exige progressivamente de todos que o integram, logo, os métodos de trabalho passaram a demandar cada vez mais resultados em menor tempo. Apesar da presença no ambiente de trabalho mesmo em momentos da história em que a pessoa do trabalhador ainda não era valorizada, o assédio moral vem fazendo vítimas mesmo após o advento da Constituição Federal de 1988, a qual não só elevou o homem como centro das relações, mas lhe atribui valores tão peculiares e fundamentais tais como o direito a saúde, os direitos fundamentais do trabalho, da personalidade, sobretudo, da dignidade da pessoa humana. Dentre as mudanças ocorridas, podem ser destacadas as elevadas exigências por produtividade, alimentadas pelo aumento da ocorrência bem como pelo intercâmbio de bens e capitais. O que se reflete diretamente no trabalhador através de incansáveis cobranças, tornado inviável que o empregado consiga se desconectar do trabalho. Este não é um mal que assola somente países de terceiro mundo como o Brasil, está presente em países como Portugal, França, fazendo se constante em uma defesa global, sendo que a forma como o assédio moral se manifesta, sofre variações conforme aspectos culturais e econômicos em que esta imersa determinada população. Quanto ao aspecto econômico, embora o Brasil seja um pais emergente boa parte da população ainda não tem acesso à educação, o que reflete na renda média de seus integrantes tornando-os mais vulneráveis, inclusive quanto á subordinação aos seus empregadores. Esta vulnerabilidade acarreta situações laborais que extrapolam a subordinação existente no contrato de trabalho, 13 perfazendo-se em verdadeira submissão ao empregador. Que por sua vez, acontece pelo abuso de poder frente a uma situação de desequilíbrio, pois o empregado, por medo de ser despedido arbitrariamente, se sujeita aos abusos do empregador abrindo mão da sua autoestima ante a necessidade da subsistência, não só de si próprio, mais de toda sua família. Partindo daí o empregado acaba submerso em um quadro do qual não consegue se desconectar. O Direito do Trabalho tem dever de assegurar que a relação trabalhista seja justa, contudo, verifica-se um aumento nos casos de afastamentos em decorrência de doenças do trabalho seguida de pleito judicial com fito indenizatório que, por conseguinte, acarretará consequências diretas e indiretas uma vez que o contrato de trabalho e a ação trabalhista, por não terem isolados, repercutem em todo o ordenamento jurídico. Consoante o exposto, essa dificuldade imposta ao trabalhador em desconectar do trabalho pode desdobrar-se em diversos problemas envolvendo áreas como a Psicologia, a Medicina, o Direito, trazendo consigo inúmeros prejuízos, os quais podem desdobrar-se em assédio moral, além da possibilidade de desenvolver alguma doença ocupacional. Destarte, o presente trabalho se justifica não somente pelos motivos expostos supra mais pela estrita ligação do tema com os direitos fundamentais do trabalho e, principalmente, por incumbir ao Estado assegurar o princípio da pessoa humana, este último, basilar da Constituição Federal de 1998. Por certo que o Direito não pode fechar os olhos para uma situação que padece de maior amparo. 14 CAPÍTULO I O ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO 1. ASPECTOS CONCEITUAIS Diante das crescentes modificações ocorridas nos últimos anos, o quadro mundial vem evoluindo em vários aspectos, inclusive no âmbito trabalhista. Têm se tornado comuns as ações trabalhistas em decorrência de assédio moral no ambiente de trabalho que, embora ocasione inúmeras consequências a vítima, uma delas é a violação do maior princípio do ser humano, sua dignidade. Hirigoyen (2005, 17), considera assédio moral: Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possa trazer dano à personalidade, a dignidade ou a integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu trabalho ou degradar o ambiente de trabalho. O assédio moral é um tipo de violência caracterizado pela exposição humilhante e constrangedora a que o trabalhador é submetido no local de trabalho. Onde os atos são praticados de forma progressiva e reiterada atingindo a integridade do ofendido, especialmente, sua dignidade psíquica. Sendo, portanto, de natureza psicológica (AGUIAR, 2007, 8). O assédio moral já se faz presente em diversos países como Portugal, França, fazendo-se constante em uma esfera global, no qual diferem quanto a alguns aspectos. Na França o assédio moral chama-se “harcélement moral”, em Portugal “psicoterrorismo”, ou o terror psicológico e de “mobbing” nos países de língua inglesa, utilizam-se ainda o termo “Ijime”, no Japão ou “bulling”, na Inglaterra (MOREIRA, 2006, 67). A ofensa a dignidade do trabalhador não se caracteriza em qualquer situação de violão a intimidade ou exposição aos demais colegas de trabalho. A dignidade é afrontada na medida em que a vítima sofre humilhações frequentes, degradando o ambiente de trabalho, dessa forma, assediando moralmente o alvo. A cada agressão sofrida, vai se criando uma situação 15 insustentável para a vítima, que passa a ter que lidar com um contexto laboral de hostilidade. A doutrina majoritária classifica o assédio moral laboral em vertical ascendente, vertical descendente, horizontal ou misto. O terrorismo psicológico mais frequente é o vertical descendente, posto que os sujeitos encontram-se em graus hierárquicos distintos. No assédio moral descendente a violência é praticada de cima para baixo, no qual o superior hierárquico é o sujeito ativo e seu subordinado hierarquicamente é o sujeito passivo. Sua ocorrência é mais frequente em razão do poder diretivo conferido ao empregador. São mais corriqueiras em empresas que interpõe metas difíceis de serem cumpridas em curtos prazos, como bancos, ou lojas (RUFINO 2007, 79). Quando há ocorrência de atos agressivos de forma singular ou conjunta destinados a alguém de grau superior, está presenteo assédio moral vertical ascendente. Esta modalidade é menos frequente, no entanto, Hirigoyen (2005, 38), cita dois exemplos de assédio moral ascendente: as reações coletivas de um grupo, ou as falsas alegações de assédio sexual. O assédio moral horizontal, também conhecido como assédio moral transversal, caracteriza-se pela perseguição desencadeada pelos colegas de trabalho que se encontraram no mesmo grau hierárquico de vítima, sendo que o agente agressor pode ser uma ou mais pessoas. Á vista disso, a competitividade é a principal causa. Esse tipo de assédio pode ocorrer devido a alguma discriminação do grupo em relação a alguma diferença da vítima, ou alguma rivalidade que, porventura surja entre dois colegas, diante de uma possibilidade de promoção (GUEDES, 2008, 40). Já no assédio moral misto estão presentes relações hierárquicas horizontais e verticais concomitantes. In casu, Hirigoyen (2005, 58), assevera que “deve-se distinguir o agressor principal daqueles que, pelas circunstâncias, são levados a agir de forma hostil, como por exemplo, no caso de uma pessoa assediada que passa a cometer vários erros”, sendo causa para que os colegas de trabalho não tolere suas atitudes. 1.1. Assédio Moral No Ordenamento Jurídico 16 É inadmissível no ordenamento jurídico brasileiro que a violação da dignidade da pessoa humana presente nas relações de trabalho através do assédio moral, seja justificada pelo desenvolvimento da sociedade em um contexto generalizado, visto que o Estado tem o dever de acompanhar a evolução das relações existentes. Nos séculos passados, quando o homem ainda tinha muito por conquistar em termos de reconhecimento de direitos, reconhecimento porque, a dignidade é inerente a qualquer ser humano, as pessoas eram vistas como objetos, apenas instrumentos para obtenção de riquezas, tanto que Viana (2000, 37), esboça perfeitamente essa situação: O trabalhador na sua dignidade fundamental de uma pessoa humana, não interessava ou não preocupava os chefes industriais daquele período. Era a duração do trabalho além do máximo da resistência normal do indivíduo. Os salários, que não tinham, como hoje, a barreira dos mínimos vitais, baixavam até onde a concorrência do mercado de braços permitia que eles se aviltassem. Embolsando o trabalhador regularmente as prestações devidas pelo seu trabalho, julgavam os patrões que, assim procedendo, estavam cumprindo integralmente os seus deveres com esses colaborador principal da sua fortuna crescente. Hoje, em plano século XXI, o trabalhador, figura tão importante em diversos setores, é submetido a situações aviltantes no local de trabalho, mesmo o Estado dispondo de inúmeros recursos capazes de conferir efetividade e proteção de direitos. O assediado moralmente muitas vezes nem consegue o socorro judicial almejado em razão de aspectos como hipossuficiência, falta de orientação adequada, dificuldade de prova, sensação de impunidade do agressor, mas o aspecto que mais prejudica o trabalhador que busca jurisdicional é a falta de regulamentação legislativa específica em âmbito federal que tipifique essa prática. O Brasil é um país em desenvolvimento, e conta com plenas condições de atender a população em termos legislativos. Embora exista previsão legal para o assédio sexual, o legislador não contemplou o assédio moral da mesma forma. Existem projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional e aguardam votação desde 2001. O Projeto de Lei n. 4.742/2001 acrescenta o artigo 136-A ao Código Penal Brasileiro com a seguinte redação (RUFINO, 2007, 75): 17 Art. 136 – A: Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desemprenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou trata-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica. Pena – Detenção de um a dois anos. O projeto de Lei Federal n. 5.971/2001, foi elaborado no mesmo ano, sendo que trata especificamente de coação moral no ambiente de trabalho por meio de acréscimo do art. 203 – A, que assim dispõe (RUFINO, 2007, 75): Art. 203 – A: Coagir moralmente empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por objetivo atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica. Pena – Detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. Por enquanto só existem Projetos de Lei, por esta razão o assédio moral laboral no Brasil não possui um conceito próprio, sendo de difícil definição. Este é contemplado apenas com legislações regional e municipal, e sua prática não está tipificada na esfera criminal. Diante do presente cenário trabalhista, é imprescindível a criação de disposição penal acerca do tema no ordenamento jurídico, que inclusive configure esta violência como crime, para que provoque nos agressores um incômodo capaz de desestimular a prática de tal ato, e proporcione ao assediado uma satisfação quanto à prestação jurisdicional que vai muito além da condenação indenizatória, ademais, tem sido significativo o aumento dos casos de assédio moral no ambiente de trabalho. Desta feita, somente através da criação de uma lei específica, com abrangência em todo território nacional, o Estado será capaz de criar parâmetros para combater o assédio moral no ambiente laboral, assegurando direitos fundamentais aos trabalhadores e, principalmente conferindo efetividade ao princípio da dignidade da pessoa humana. 1.2. Dignidade, Saúde e Trabalho 18 Embora o princípio da dignidade da pessoa humana seja concernente a diversas áreas do conhecimento, no Direito do Trabalho, enquanto direito social, ocupa um papel fundamental para que se tenha garantido o mínimo a que o trabalhador tem direito, entretanto, a maneira inferiorizada com que é tratado o trabalhador no ambiente laboral pode contribuir para que se coloque em risco sua efetividade, por isso, não basta que o direito exista, são necessários mecanismos que assegurem sua eficácia, que garanta integridade ao trabalhador. É cediço que o trabalho proporciona realização pessoal, atua como excelente construtor de relações interpessoais e consequentemente provedor de saúde mental do trabalhador, enfim, um importante aliado em geral, entretanto, também pode ser um fator capaz de propiciar o desenvolvimento de doenças relacionadas à saúde. O assédio moral é um fator de risco para a saúde mental, social e até mesmo física dos trabalhadores, causando ainda, danos ao meio ambiente de trabalho. Segundo a Organização Mundial de Saúde “Saúde é um estado de completo bem-estar físico mental e social, e não apenas a ausência de doenças.” Nada obstante, a Previdência Social alerta sobre a abrangência das doenças mentais que, no Brasil, ocupam o posto de segunda maior causadora de auxílio-doença, incapacidade permanente e invalidez, sendo que o transtorno mental o qual prevalece é a depressão, seguida por transtornos relacionados ao estresse transtornos esquizotípicos e adição a álcool e drogas. O maior instrumento de proteção do trabalhador contra práticas prejudiciais à saúde do trabalhador é a Constituição Federal a qual dispões no artigo 196 a seguinte redação: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. No mesmo sentido o artigo 7º, inc. XXII, ainda da Constituição Federal afirma que é direitodo trabalhador a “redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. E ainda o inciso III da Carta Magna, o qual assevera que ninguém será submetido à tortura nem a 19 tratamento desumano ou degradante. Todos esses dispositivos esboçam o real interesse do legislador em proteger a saúde e a ambiente de trabalho do empregado. Embora o contrato de trabalho celebrado entre as partes, quais sejam, empregador e empregado, por si só, possua responsabilidades recíprocas que são, inclusive, inerentes a qualquer contrato, esta pactuação já pressupões desigualdade jurídica entre as partes contratantes, e no decorrer das atividades laborais, apenas é estabelecida a assimetria entre o empregado e o empregador, passando a se fazer presente no ambiente de trabalho violações a diversos direitos, dentre eles, o direito a boas condições de labor. Ao contrário do que ocorre em alguns locais de trabalho, o empregador deve agir tanto no sentido de preservar a dignidade já existente do trabalhador como promove-la através da criação de condições que viabilizem o pleno exercício de suas atribuições, dando sentido a sua atuação no âmbito de empresa, uma vez que o trabalhador, na medida em que o contrato de trabalho vai se perfazendo, se envolve cada vez mais, tanto com suas atribuições , como com as pessoas que o cercam, o que pode ocasionar situações desrespeitosas frente à proximidade existente. Neste sentido, Ramalho (2012, 496), assevera que a especificidade da prestação do serviço e o envolvimento aprofundado da personalidade do trabalhador no vínculo laboral, que decorre, do elemento de pessoalidade no contrato, fazem com que a possibilidade da violação dos direitos do trabalhador seja muito superior. Embora esteja presente na relação de trabalho a figura do superior hierárquico, esta relação deve ser exercida com equilíbrio, havendo respeito e igualdade, vez que, apesar da dependência econômica do empregado, os direitos do trabalhador não se resumem a este aspecto, muito além, deve ser resguardada a honra, sobretudo, a dignidade da pessoa humana. O trabalho deve ser visto como instrumento para concretização da dignidade da pessoa humana, onde o trabalhador eleva seu pensamento sobre si mesmo, posto que associa a importância da atividade desenvolvida com sua própria importância, diante disso, se sente honrado e capaz de integrar-se com os demais membros da sociedade. 20 O Direito do Trabalho, por sua vez, tem como dever zelar não só pela efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, mais também os demais direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, os quais atuam de forma complementar às necessidades do trabalhador dentro e fora do ambiente laboral. Como bem ressaltado por Wanderley (2009, 111), dentro do Estado Democrático de Direito brasileiro, a dignidade da pessoa humana é princípio construtor, sendo fundamento dos direitos fundamentais. A desigualdade social e a forma como é tratada a relação trabalhista, na qual se tem um vínculo em que a pessoalidade do trabalhador é uma característica primordial, se torna imprescindível para alcançar uma sociedade igualitária em direitos e obrigações, a observância dos direitos fundamentais e da proteção à dignidade da pessoa humana, posta que funcionam como conditio sine qua non para obtenção do resultado almejado. In casu, os princípios de forma geral, são dotados de força normativa, desta feita, englobam todo o ordenamento jurídico de forma a vincular até os preceitos legislativos, uma vez que tanto o legislador como o corpo jurídico do Estado utilizam de princípios como diretrizes para melhor aplicar o direito, sendo o princípio da dignidade da pessoa humana figura como núcleo para todos os demais, portanto é imprescindível que se busque o respeitá-lo. 21 CAPÍTULO II RESPONSABILIDADE CIVIL I Uma vez superada a questão que concede o direito do empregado em ser ressarcido pelos danos decorrentes do assédio moral laboral, passa-se ao estudo da responsabilidade civil do empregador. Dellagrave (2005, 120), define a responsabilidade civil como: A sistematização de regras e princípios que o objetivam a reparação do dano patrimonial ou a compensação do dano extrapatrimonial causados diretamente por agente – ou por fato de coisas ou pessoas que dele dependam diretamente – que agiu de forma ilícita ou assumiu o risco da atividade causadora da lesão. Conforme Pereira Thome (2008, 120), “a responsabilidade civil consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma”. Em análise primária, para que seja configurada a responsabilidade civil é imprescindível a existência de dano. Sendo o empregado que sofreu a violação de seus direitos o titular apto a pleitear danos materiais e morais, decorrentes de assédio moral. Em análise secundária, além da existência de dano, para que seja configurada a responsabilidade civil do empregador faz-se necessário ainda, a comprovação do nexo casual entre o dano sofrido e a atividade desenvolvida pelo empregador. Corrobora com este entendimento (DELGADO, 2012, 45), ‘é decisivo que haja evidência da relação de causalidade entre a conduta do empregador ou de seus prepostos e o dano sofrido pelo empregado”. A responsabilidade civil pode ser objetiva ou subjetiva. A responsabilidade civil subjetiva está consubstanciada no artigo 186 e 927 do Código Civil, sendo que para sua configuração é necessário fazer prova da existência do fato assédio moral, a ação de omissão do agente ofensor, existência do dano sofrido e além de demonstrar a presença do liame causídico entre eles, demonstrar ainda o dolo ou a culpa do agente ofensor. Na responsabilidade subjetiva, “a obrigação 22 de indenizar não surge do fato danoso, mas da culpa do dolo ou do agente causador do dano” (THOME, 2008, 125). À vista da dificuldade de prova atribuída à vítima, a responsabilidade civil subjetiva passou a ser considerada insuficiente, o que deu lugar também à responsabilidade civil objetiva. Para Santos (2004, 38): Os riscos em potencial à vida, à integridade, à saúde, aliados aos perigos e às vicissitudes da vida moderna, a multiplicidade, a diversidade de acidentes e de doenças do trabalho, a crescente dificuldade de se provar a causa de grande parte dos sinistros e mesmo a culpa do autor do ato, seja ele ilícito ou lícito (...), este fatos, entre outros, foram responsáveis pelo aparecimento da teoria do risco ou da responsabilidade objetiva, como para colocar uma pá de cal na dialética de que o direito surge dos fatos econômicos, sociais, políticos, culturais, históricos etc., que constituem as fontes materiais do Direito. Portanto, na responsabilidade civil objetiva estão presentes os mesmos requisitos, diferenciando-se apenas em relação à prova de dolo ou culpa do agressor, que nesta modalidade de responsabilização não são necessários para sua configuração. Nesse contexto, uma vez demonstrada a conduta do agressor, o nexo casual e o dano, resta caracterizada a responsabilidade civil objetiva. A responsabilidade civil objetiva tem fundamentação expressa no artigo 927 e p. único do Código Civil de 2002. Já no Direito do Trabalho está prevista no artigo 2º da CLT, em que o empregador assume os riscos da atividade econômica e na responsabilidade por ato de terceiro, consubstanciada no artigo 932 e 933 do Código Civil. Nesse contexto, Mário (2011, 138) diz que: No entender do ilustre Mestre, o conceito de risco que melhor se adaptaàs condições de vida social é que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido a imprudência a negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado. Fazendo abstração da ideia de culpa, mas atentado apenas no fato danoso, responde civilmente aquele que, por sua atividade ou sua profissão, expõe alguém ao risco de sofrer um dano. Vejamos os argumentos segundo Hermes (2011, 46): O assédio moral é elemento que agride o meio ambiente de trabalho e que é um fator de risco para o empregado, dado ensejo a responsabilização civil do empregador, quando configurado. Isso porque o ambiente de trabalho resta 23 prejudicado com qualquer procedimento que traga medo e desgaste nas relações interpessoais. Quando da ocorrência de assédio moral, há uma violação contratual geradora da responsabilidade do empregador de reparar o dano causado, já que contribuiu para a ocorrência deste, ainda que indiretamente, assumindo o risco de sua conduta permissiva (SANTOS, 2011, 46). Ainda que o empregado seja vítima do assédio moral horizontal, a responsabilidade é do empregador, ficando a cargo desta adotar as medidas necessárias para coibir esta prática no âmbito da empresa, caso não as faça, o empregador incorrerá em responsabilidade pela omissão. Caso um terceiro estranho a relação contratual, ou seja, extra contratualmente, cause danos ao empregado, tais como clientes ou alunos, de acordo com Oliveira (2008, 133), a responsabilidade pode ser atribuída ao empregador desde que presentes os demais requisitos para a configuração do assédio moral no ambiente de trabalho, sendo uma hipótese e responsabilidade civil extracontratual, de forma subjetiva, cabendo ao empregado fazer prova do descumprimento do dever do empregador em manter um ambiente de trabalho saudável e sadio ou se terceiro agiu independentemente das atividades do empregado. Por todo o exposto, vislumbra-se como regra, a responsabilidade subjetiva nos casos de assédio moral laboral, muito embora a culpa seja presumida em alguns casos, quando devidamente comprovada a ocorrência do assédio em si, uma vez que o empregador além de descumprir cláusulas contratuais quando ele próprio trata o empregado de forma agressiva e desrespeitosa, também descumpre quando não exerce o seu poder fiscalizador e punitivo diante de práticas abusivas de seus prepostos em relação aos empregados ou, ainda, entre colegas de trabalho. 1. DIREITO Á DESCONEXÃO DO TRABALHO 24 O direito à desconexão é definido como aquele que assiste ao trabalhador de não permanecer sujeito à ingerência, solicitações ou inteira disposição e submissão á contatos emanados do respectivo empregador empresa para o qual o obreiro trabalha, em seu período destinado ao descanso diário, e Dito de outro modo, configura-se o direito à desconexão como o direito do trabalhador de permanecer desligado ou “desconectado” do vínculo empregatício e exigência de serviços em seus períodos de repouso, No momento em que se opera a admissão do trabalhador, este leva consigo uma série de bens jurídicos (vida pessoal, sanidade física e psíquica e ect.), os quais deverão ser objeto de proteção pelo tomador de serviços, por intermédio da adoção de medidas estipuladas pelo Direito do trabalho, para garantir o cumprimento das mesmas. Umas das medidas mais importes de prevenção da desconexão do trabalho é respeitar as horas de descanso e lazer. Nesse aspecto, o direito à saúde do trabalhador detém importância inegável, haja vista que o trabalho que constrói bens materiais e impulsiona o progresso não pode destruir o homem, ou apressar sua morte, de forma que o direito a desconexão do trabalho, cedo ou tarde, terá uma regulação mais rígida e imperativa. A causa atual para a que o direito de desconexão do trabalho seja exigido quase sempre perante a representação jurídica tem sido o assédio moral, e a pratica deste no ambiente de trabalho seja ela vertical ascendente ou descendente, ou mista tem feito os processos trabalhistas dobrarem seu contingente. 1.1. Novos Princípios Do Direito Do Trabalho Primeiramente antes de explanarmos mais a fundo os Direitos do Trabalho, é necessário uma breve explicação do termo Principio. Princípios são enunciados amplos, máximas ou assertivas que no seu todo servem como sustentáculo de informação a legislação, para a elaboração de leis que protejam o empregado. No seu bojo, são apresentados também os 25 meios para orientação ao Juiz quando da sua interpretação e clarificação de uma norma, na fase em que o Magistrado fundamenta as suas decisões. Essas assertivas servem como suporte imprescindível às lacunas e possíveis omissões da lei, atuando dessa forma como uma maneira de integrar a norma à lei. No entendimento de Amauri Mascaro Nascimento Princípios são elementos importantes, conceituados como segue: Para o positivismo, os princípios estão situados no ordenamento jurídico, na leis em que são plasmados, cumprindo uma função integrativa das lacunas, e são descobertos de modo indutivo, partindo das leis para atingir as regras mais gerais que delas derivam, restritos portanto, aos parâmetros do conjunto de normas vigentes, modificáveis na medida em que seus fundamentos de direito positivo são alterados. Portanto, os princípios do direito do trabalho têm a função de normatizar orientar tanto os magistrados do direito quanto os legisladores de normas. Nos Novos Princípios do Direito Do Trabalho estão presentes os seguintes parâmetros: • Da Proteção; • Da Irrenunciabilidade de Direitos; • Da Continuidade da Relação de Emprego; • Da Primazia da Realidade; • Da Inalterabilidade Contratual Lesiva; • Da Intangibilidade Salarial; Portanto, passemos a análise individual cada um dos Novos Princípios Do Direito Do Trabalho: • Da proteção: Consiste em conferir ao trabalhador e, também podemos dizer, ao polo mais fraco da relação de trabalho, uma proteção jurídica pela sua posição de inferioridade econômica, pela sua categoria subordinada e dependente frente às ordens, pela obediência devida ao empregador e pelo contrato de trabalho. Esse princípio tem como escopo a tentativa de equilíbrio entre os sujeitos do contrato de trabalho, quais sejam, empregado/trabalhador e empregador, visto que há uma 26 desigualdade no pacto laboral existente entre os dois sujeitos. Também tem como premissa a tutela de direitos que são assegurados por normas de cunho categórico e imperativo nos pactos laborais, na confecção e feitura do contrato de trabalho e emprego. Em contrapartida este princípio sofre e vem sofrendo os efeitos da chamada “flexibilização normatizada”, ou seja, submetido à pressão do argumento de “não onerar demais o empregador e impedir o progresso no campo das conquistas sociais”, como bem explica Alice Monteiro de Barros. Dessa forma, vale dizer, essa flexibilização seria um movimento no sentido de alterar a forma e os procedimentos de negociação das leis trabalhistas, com a finalidade de diminuir, reduzir ou decrescer encargos trabalhistas por parte do empregador frente ao contrato de trabalho do trabalhador. No nosso entendimento, devemos determinar um equilíbrio entre uma flexibilização atinente à questão trabalhista e uma legislação que de fato proteja o trabalhador, nos distanciando de um retrocesso legal, onde o trabalhador acorda prestações de serviçosem o arrimo mínimo legal e sem base em ideiais de justiça social. O princípio da proteção se subdivide em outros três princípios, como seguem: • in dubio pro operario: • Da aplicação da norma mais favorável: • Da condição mais benéfica: • In dubio pro operario: Este princípio enuncia que ao analisarmos e interpretarmos uma regra trabalhista e, entre duas ou mais possíveis interpretações, que nos tragam uma certa dúvida, incerteza e questionamento quanto a seu sentido e alcance, devemos optar pela regra mais favorável, benéfica ao empregado/trabalhador. Entretanto, no campo probatório, em se tratando de Direito Processual, esse princípio não é aplicado, visto que é imposto ao autor da demanda a prova do fato constitutivo de seu direito, e, ao réu, a prova do fato modificativo, extintivo e impeditivo do seu direito. 27 • Da aplicação da norma mais favorável: Dispõe esse princípio que em havendo duas ou mais normas que se inclinam sobre o mesmo direito, a norma prioritária será aquela que favorecer o trabalhador. Desta feita, aplicamos a norma que, em seu conjunto, proporciona ou propicia mais vantagens ao trabalhador, independentemente da posição da norma na escala hierárquica das normas. Como exemplo desse princípio, podemos citar o art. 620 da CLT que menciona As condições estabelecidas em Convenção, quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo. Consideramos importante explicitar o conceito de Convenção Coletiva do Trabalho na esfera trabalhista. A Convenção é o acordo normativo que tem como objetivo estipular condições de trabalho mais favoráveis, aplicáveis às relações trabalhistas. Ela é realizada e levada a termo entre dois ou mais Sindicatos que representam as categorias econômicas dos empregadores e a categoria dos profissionais, sendo esta última referente à categoria dos trabalhadores. Com relação ao Acordo Coletivo de Trabalho, podemos sintetizar que é um acordo normativo entre Sindicatos de categorias profissionais e uma ou mais Empresas, com objetivo de estipular e estabelecer condições de trabalho mais benéficas às relações de trabalho. A questão que encontramos importante de ser ressalvada neste caso, diz respeito à qual instrumento normativo devemos nos ater quando, no bojo de uma Convenção Coletiva, há cláusulas mais benéficas ao trabalhador e, por sua vez, no âmbito do Acordo Coletivo, há outras cláusulas e/ou dispositivos que também são tão ou mais benéficos ao trabalhadores que as primeiras. Em consideração à questão acima explicitada e, em virtude da possível dificuldade e problema de ordem técnica quanto aos critérios de comparação de normas mais favoráveis, a legislação brasileira adotou, em entendimento doutrinário (que são estudos fundamentados por grandes pensadores, doutrinadores do Direito brasileiro, a fim de balizar, explicar um ponto de vista jurídico que se aplica a uma norma específica), consubstanciado por Alice Monteiro de Barros, a Teoria do conglobamento, parcial, orgânico, mitigado ou por instituto. Tal teoria tem como objetivo solucionar a problemática de 28 possíveis ambiguidades, defendendo que “a norma mais favorável deve ser buscada por meio da comparação das diversas regras sobre cada instituto ou matéria, respeitando-se o critério da especialização”, como bem destaca Renato Saraiva. Como exemplo temos o art.3º, II da Lei n. 7.064/1982, que seguiu o entendimento da teoria em questão, ao dispor a lei, acima exemplificada, sobre os trabalhadores brasileiros contratados ou transferidos de um local de trabalho para prestar seus serviços no exterior. Dessa forma, aplicaremos a lei brasileira (CLT) de proteção ao trabalhador, naquilo que não for incompatível com a Lei n. 7.064/1982 e, sendo a lei brasileira mais favorável que a legislação territorial, em seu conjunto de normas e em relação a cada matéria, aquela será aplicada. • Da condição mais benéfica: Esse princípio indica que os benefícios e, vantagens legais constantes nos regulamentos das Empresas e que já se incorporaram ao contrato de trabalho do trabalhador, tem primazia sobre possíveis mudanças e transformações prejudiciais ao contrato de trabalho do mesmo, ou seja, as edições de normas supervenientes que dispõem sobre matéria de ordem trabalhista, mas estabelecem normas protetivas inferiores que diminuem direitos dos trabalhadores, não tem prevalência sobre o que foi acordado anteriormente no contrato de trabalho do trabalhador. As novas regras jurídicas, supervenientes somente produzirão seus efeitos a partir de novos contratos de trabalho e não quanto aos contratos firmados anteriormente às novas regras. Como exemplo temos o art.5º, XXXVI, da CF do Brasil ao tratar do direito adquirido (espécie de direito subjetivo que, de forma definitiva, se incorpora ao patrimônio jurídico de seu titular), que é princípio do direito comum e trabalhista. Após termos tratado de modo específico as três subdivisões do princípio protetor, continuamos a analisar os outros princípios do Direito do Trabalho. São eles: • Da Irrenunciabilidade de Direitos: Dispõe este princípio que os direitos trabalhistas dos trabalhadores são irrenunciáveis e indisponíveis, ou seja, não estão sujeitos à transação. Temos como exemplo: o 29 trabalhador não pode renunciar ao 13º salário, férias, e outros. Podemos citar o art. 9º da CLT, como uma maneira de consolidar a ideia de que, se os direitos trabalhistas forem transacionados por ato de má-fé e com a finalidade de burlar a lei trabalhista, estes atos serão considerados como nulos. Assim sendo, temos: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Os atos indicados no artigo em tela não serão apenas aqueles preceitos referidos na CLT; porém, outros dispositivos legais sobre regras trabalhistas serão tidos como nulos se houver fraude, má-fé, lesão e desvirtuamento das normas trabalhistas. • Da Continuidade da Relação de Emprego: Como regra geral, na esfera trabalhista, os contratos de trabalho são confeccionados e pactuados por prazo indeterminado e, dessa forma, o trabalhador passa a estar integrado à estrutura da empresa que o contratou de uma maneira permanente. Entretanto, nessa mesma esfera, também admitimos, como exceção, o contrato por prazo determinado, ou a termo, no qual sabemos quando se dará o término. • Da Primazia da Realidade: Este princípio visa uma priorização da verdade real em confronto com a verdade formal, ou seja, predomina na esfera trabalhista a realidade dos fatos em detrimento da forma. Como por exemplo: quando temos documentações e papéis versando sobre a relação contratual de um trabalhador e, o modo real, efetivo (de maneira concreta), de como os fatos da relação de trabalho/emprego ocorreram, devemos, portanto, nos basear e reconhecer os fatos concretos em detrimento dos papéis que foram apresentados, como meio de prova ao Judiciário em caso de processo trabalhista. • Da Inalterabilidade Contratual Lesiva: É a vedação de alteração contratual por parte de empregador que seja lesiva ou prejudicial aos 30 trabalhadores. Por outro lado, as alterações que impliquem maiores benefícios, são perfeitamente possíveis. Dessa maneira, o empregador, poderá realizar pequenas alterações, unilaterais (jus variandi) no contrato de trabalho do trabalhador, desde que, como foi dito acima, não cause desvantagem contratual ao trabalhador, sob pena desta situação ser levada ao Judiciário como formade demanda trabalhista. • Da Intangibilidade Salarial: O salário do trabalhador tem natureza alimentar e, dessa maneira, provê os recursos necessários ao sustento do trabalhador e de sua família. Entretanto, a Carta Magna flexibilizou esse princípio, ou seja, por meio de convenção coletiva do trabalho e/ou acordo coletivo do trabalho, há a possibilidade de redução salarial, com o intuito de preservar o contrato de trabalho do trabalhador em caso de uma determinada Empresa estar passando por uma crise econômica, de gestão ou por política interna. Entendemos que dessa forma, a redução salarial valorizaria a continuidade da relação de emprego, a manutenção do trabalhador à Empresa e ao trabalho. Importante ressaltarmos que essa flexibilização trata-se de um procedimento de exceção. 1.2. Novas Morfologias Do Trabalho No artigo de abertura, A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências, o teórico Ricardo Antunes retoma o diálogo crítico que vem realizando ao longo de sua obra com a literatura relacionada às teses do fi m do trabalho. A fase de reestruturação produtiva é entendida como subordinada às necessidades colocadas pela crise de acumulação do capital em escala mundial, tendo como uma espécie de marco inicial a chamada crise do petróleo de 1973. O autor destaca como características do momento atual as tendências à precarização e informalização do trabalho, bem como a expulsão de um contingente crescente de pessoas tornadas redundantes para o mercado de trabalho. Nesse contexto, são reforçadas e amplia- das as formas de geração de valor a partir da exploração do trabalho, ainda que sob formas “invisíveis”. 31 A questão do desemprego, tornado estrutural na nova configuração, é abordada por diferentes vias nos artigos A precarização social do trabalho no Brasil, de Graça Druck, e Cárcere e trabalho, de Isabella Jinkings. No artigo de Druck é analisada a instauração do que a autora denomina nova precarização do trabalho no Brasil, isto é a: Institucionalização da flexibilização e da precarização modernas do trabalho, renovando e reconfigurando a precarização histórica e estrutural do trabalho no Brasil, agora justificada [...] Pela necessidade de adaptação aos novos tempos globais”. Ao destacar os aspectos de continuidade do processo de precarização da década de 1990 aos dias atuais e ao analisar os impactos da crise de 2008 sobre os níveis de emprego e condições de trabalho, a autora nos chama a atenção para as insuficiências e fragilidades dos movimentos mais recentes de criação de postos de trabalho no Brasil e na América Latina. Ao refletir sobre as relações entre modo de produção capitalista e formas de punição, Jinkings revela como a passagem dos modelos prisionais anteriores, para o atual regime de “mega encarceramento” e criminalização da pobreza está relacionada à configuração atual na qual o problema não é mais a falta de braços para o trabalho, mas a incapacidade crônica de sua absorção pelo mercado. Observa- se na segunda parte do livro a viabilidade e pertinência da noção expandida da classe trabalhadora como classe-que-vive-do-trabalho, já que a consideração da realidade vivida por trabalhadores de setores produtivos os mais diversos revelam a ocorrência de várias situações em comum. Tome-se como exemplo a questão da intensificação do trabalho e seus efeitos sobre a subjetividade e o corpo do trabalhador. Em “Camareira não pode ter dor nas costas, mas a gente tem!” Kaliani Rocha analisa o processo de trabalho de camareiras do setor hoteleiro em Recife, enfatizando o papel dos riscos ergonômicos e da sobrecarga de trabalho relacionados ao adoecimento nessa categoria predominantemente feminina e “invisibilizada”. Para mencionarmos apenas um dado, considere-se que de um universo de 13 camareiras entrevistadas para a pesquisa, duas haviam desenvolvido Lesão por Esforço Repetitivo (LER) de nível 4, o mais alto da escala (o que significa deformidades e edemas). No artigo Reestruturação produtiva e saúde do trabalhador na agroindústria avícola, de Marco Neli e Vera Navarro, são investigadas as condições de 32 trabalho em uma unidade de abate e processamento de aves no Paraná. Trata- se de um dos setores mais dinâmicos da acumulação capitalista no país, sendo que desde 2004 o Brasil ocupa a posição de maior exportador mundial de aves. O trabalho se desenvolve aí em grande medida sob os moldes do “velho” taylorismo fordismo, com execução de tarefas repetitivas, ritmo intenso e supervisão rígida. Em algumas seções de trabalho, o ambiente é insalubre, exposto a baixíssimas temperaturas e forte ruído. Um dos depoimentos recolhidos demonstra os efeitos extremos causados pela sujeição e controle do tempo pelo capital que se estendem para além mesmo do ambiente de trabalho. É o relato de E. A., 25 anos, que conta a história de um colega que acordou sobressaltado às 18:30 e, vendo o céu escuro, acha que perdeu a hora para o seu turno que começa às 4:30. O equívoco só é percebido quando o trabalhador dá entrada no frigorífico e não encontra nenhum de seus colegas. “Quanto mais se corta, mais se ganha”, de Juliana Guanais, analisa o trabalho dos cortadores de cana no interior de São Paulo submetidos ao regime de salário por peça ou produção. Essa modalidade de assalariamento vincula o pagamento recebido à quantidade produzida no dia de trabalho. Seu emprego pelo setor sucroalcooleiro se dá no contexto de reestruturação produtiva desse ramo a partir da década de 1990, respondendo às necessidades de competitividade. Além de favorecer a prática de fraudes, já que a medição da produção é feita por representantes das empresas, o salário por peça impõe uma lógica perversa, através da qual é criada uma identidade de interesses fictícia em torno do aumento da produção, igualmente desejáveis por trabalhador e empresa. Em termos imediatos isso significa a intensificação do trabalho, levando, no limite, à perda precoce da capacidade de trabalho e à morte. Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil oferece um painel bastante representativo dos sofrimentos, resistências e lutas do trabalho no Brasil e no mundo. Oferecendo assim, várias possibilidades de apreensão, facultando ao leitor interessado a tarefa de identificar os elementos de unidade na diversidade de formas de ser da classe trabalhadora. 33 CAPÍTULO III SAÚDE MENTAL NO TRABALHO – A ERA DA ANSIEDADE As modificações na sociedade e nas relações sociais de produção, no decorrer do desenvolvimento do capitalismo, foram acompanhadas de mudanças nas manifestações de sofrimento e psicopatologia nos indivíduos. De acordo com o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde do Ministério da Saúde (Brasil, 2001), no Brasil coexistem múltiplas situações de trabalho caracterizadas por diferentes estágios de incorporação de tecnologia, diversas formas de organização e gestão, relações e formas de contrato de trabalho que se refletem sobre a saúde do trabalhador. O processo de reestruturação produtiva, a partir da década de 1990, com a adoção de novas tecnologias, métodos gerenciais e precarização das relações de trabalho (Faria, 2004a), trouxe consequências ainda pouco conhecidas sobre a Saúde Mental do trabalhador, expressas através de "novas" doenças como, por exemplo, A Ansiedade. De acordo com o Ministério da Saúde (Brasil, 2001), os transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho são resultado de contextos de trabalho em interação com o corpo e o aparato psíquico dos trabalhadores. Entre os contextos geradores principais de sofrimento estão:• Ambientes que impossibilitam a comunicação espontânea; • Manifestação de insatisfações e sugestões dos trabalhadores em relação à organização; • Fatores relacionados ao tempo, o ritmo e o turno de trabalho; • Jornadas longas de trabalho, ritmos intensos ou monótonos; • Submissão do trabalhador ao ritmo exagerado; • Pressão por produtividade somada com o nível de pressão exercido pela organização do trabalho; A relação específica dos transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho (Brasil, 2001) conta, hoje, com a ansiedade sendo o problema mais grave vindo como principal consequência do Assédio Moral. 34 1. JORNADAS EXAUSTIVAS Uma das causas principais da ansiedade é a jornada exaustiva de trabalho, o que a lei também prevê como trabalho escravo. O art. 149 do Código Penal estabelece pena de "reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência" para aquele que: "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto." Como se vê, a exposição do empregado a jornada extenuante de trabalho, em desacordo com os limites previstos na legislação, é um dos fatores que levam à caracterização assédio moral. A jornada exaustiva deteriora as condições de trabalho, além de repercutir negativamente na vida pessoal e particular do trabalhador, privando-o do convívio familiar e social, assim como do lazer, indispensáveis para a qualidade de vida do indivíduo. Porem a definição do que seja jornada exaustiva ainda não firmou, por completo, na doutrina. Isso só deverá ocorrer a partir da discussão dos casos e das decisões que tratem do assunto. O adjetivo exaustiva pode, aparentemente, designar o cansaço resultante de uma jornada comum. Mas aqui ele se refere a algo mais grave e diferenciado, o que pode ser percebido nas decisões noticiadas. Não se trata, então, do cansaço que vem do ritmo normal do trabalho, nem da sensação de exaustão que qualquer trabalhador sente ao fim do dia, mas de um abuso na submissão do tempo dele às necessidades impostas pelo empregador, gerando quadros graves de assédio moral laboral. 35 CAPÍTULO IV O ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL Uma das formas de expressão do assédio moral é o assédio moral organizacional. Utiliza-se esse termo para hostilizações repetitivas voltadas ao coletivo, associadas às políticas organizacionais (da empresa ou do gerente). Pesquisas recentes demonstram que tais práticas estão sendo largamente utilizadas por organizações como uma estratégia de gerenciamento do trabalho e dos trabalhadores. O assédio moral organizacional configura-se como: Interações entre o indivíduo e a organização ou a administração da empresa, as quais utilizam da violência e da hostilização, de forma continuada e crônica, na formulação de procedimentos e políticas organizacionais, na forma de mecanismos de gestão abusivos sem necessariamente existir um agressor personalizado. (Soboll, 2011, p. 42) A adoção de práticas de assédio moral enquanto estratégia de gestão tem sido utilizada com frequência por muitas organizações tendo em vista sua relação com a forma de gestão atual e o possível retorno desta prática em melhor produtividade alcançada em curto prazo. Entretanto, os resultados do assédio organizacional, para além da produtividade de curto prazo, remetem a perdas significativas em termos da vida em sociedade, dos aspectos humanos e até mesmo dos aspectos organizacionais. O assédio moral organizacional contempla as interações entre o indivíduo e a empresa, sendo geralmente mediadas por práticas abusivas de gestores, dirigentes ou outros representantes. Diferente do assédio interpessoal, o propósito destas práticas não é pessoal, mas sim administrativo (Soboll, 2011). O assédio organizacional pode ser direcionado para todo o grupo de trabalhadores ou para alvos determinados, podendo atingir muitos simultaneamente. Gestão por estresse, gestão por injúria e a gestão por medo, são expressões diretas do assédio organizacional. Nestes casos usa-se de humilhações, pressões constantes e exageradas e ameaças como instrumento de gerenciamento das pessoas no trabalho. Existem também práticas organizacionais que se configuram como plataformas sustentadoras das 36 hostilizações, a exemplo dos rankings de produtividade. Ainda que somente um dos empregados possam ser exposto ao não cumprir a meta, faz-se trabalhar "motivados" pelo medo, pela ameaça e pelo constrangimento: humilhado pela exposição de resultados pouco satisfatórios ou das premiações negativas, ameaçado pela exclusão pela demissão ou transferência, acelerado pelo estresse as cobranças inatingíveis, etc. Neste caso: O medo, a submissão, o controle dos questionamentos e do confronto das regras se instala como efeito, no coletivo dos trabalhadores, mesmo nos casos em que a agressão é direcionada apenas para um ou dois trabalhadores (Soboll, 2008, p. 62). Gosdal e colaboradores (2009) entendem que o assédio do tipo organizacional se esconde no "poder diretivo" legítimo do empregador, utilizado de forma abusiva, e envolve ofensa aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Enquanto o assédio interpessoal tem efeito de gestão (é uma consequência do assédio), o assédio organizacional usa da violência estrategicamente para fazer o gerenciamento dos trabalhadores. No último caso, trata-se de uma prática de gestão inadequadamente autorizada (de forma explícita ou sutil), ou no mínimo permitida pelas normas e pela estrutura organizacional, seja por conveniência ou mesmo negligência. O assédio moral, no entendimento de Dejours (2008), exerce um eficiente meio de intimidação, a ponto de fazer dos colegas, de forma insensível, cúmplices da desestabilização psicológica, negando e traindo a si próprios. O consentimento dos colegas para Dejours (2008), contribui para o silêncio que fortalece o individualismo e a desagregação do viver-junto, afetando não só a vítima do processo, mas a todo o coletivo. Há que se reconhecer ainda, que o assédio moral é sustentado por uma ruptura de vínculos e pela solidão alienante, mantida por todos. Para Dejours (2008) o assédio moral sempre existiu, no entanto, o que mudou é que hoje não há mais solidariedade diante destas vivências. Além do assédio moral individual, que tem como objetivo a exclusão da vítima do mundo do trabalho, discriminando-a perante o grupo, há também o assédio moral denominado organizacional. Este último tem por objetivo a sujeição de um grupo de trabalhadores às agressivas políticas mercantilistas da empresa por meio do estabelecimento abusivo de metas. 37 A moderna organização do trabalho tem como objetivo a instauração do mercado globalizado, através da competitividade e de grandes resultados a baixos custos. A reestruturação e reorganização do trabalho fizeram com que o trabalhador se adequasse a novas características, ou seja: qualificação, polivalência funcional, visão sistêmica do processo produtivo, autonomia e flexibilização, entre outras. Nessa nova perspectiva filha da globalização, exigem-se do trabalhador maior escolaridade, competência, eficiência, competitividade, criatividade, tudo com o objetivo de produzir mais e com o menor custo possível. Dessa forma, o trabalhador atual está submetido a um ambiente laboral com características completamente competitivas, obrigando-os a também se tornaremmuito competitivos, sob pena de não se desenvolverem no local de trabalho. De acordo com Alkimin (2011): No interior das organizações do trabalho, constantemente, são implantadas novas políticas de gestão dos fatores produção-trabalho, para ajustamento ao mercado competitivo que demanda maior produtividade, com grande qualidade, rapidez, pronto atendimento e baixo custo, exigindo do trabalhador, nem mercado de escassez de trabalho formal e pleno emprego, capacidade técnico-profissional e grande empenho para adaptação às reestruturações produtivas e organizativas, inclusive no que tange às mudanças e inovações introduzidas por medidas flexibilizadoras das condições de trabalho. (ALKIMIN, 2011, p. 69). O assédio moral organizacional compreende, assim, um conjunto sistemático de práticas reiteradas, provindas dos métodos de gestão empresarial, que tem por finalidade atingir determinados objetivos empresariais relativos ao aumento de produtividade e à diminuição do custo do trabalho, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos aos trabalhadores na empresa. Diante das novas formas de gestão administrativa ou de reestruturação produtiva advindas dos efeitos da globalização na organização produtiva e do trabalho, as empresas precisam se reestruturar para adotarem padrões internacionais de qualidade a fim de enfrentar a competitividade e a lucratividade. Por isso, vivencia-se hodiernamente a era do controle da qualidade total. E o resultado disso é a busca cada vez mais desordenada de obtenção do lucro, que acontece através do estabelecimento de metas, por sua vez, abusivas. 38 A valorização do trabalho em equipe assume um valor secundário, já que a premiação pelo desempenho é só para alguns trabalhadores, ou seja, os que atingem as metas estabelecidas, esquecendo-se que o grupo também é o responsável pelos resultados da empresa. O individualismo exacerbado reduz as relações afetivas e sociais no local de trabalho, gerando uma série de atritos, não só entre as chefias e os subordinados, como também entre os próprios subordinados. O implemento de metas, sem critérios de bom-senso ou de razoabilidade, gera uma constante opressão no ambiente de trabalho, com a sua transmissão para os gerentes, líderes, encarregados e os demais trabalhadores que compõem um determinado grupo de trabalho. Não obstante a opinião de Cavalcante e Jorge Neto, é sabido que o mundo do trabalho hoje também valoriza ações e dinâmicas coletivas criando grupos de trabalho nas empresas para a realização de tarefas específicas. Entretanto, mesmo nesses grupos de trabalho, ou entre eles, podem surgir práticas de assédio moral organizacional dirigidas a uma única pessoa ou a um grupo de pessoas. Portanto segue se o registro da decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região sobre assédio moral organizativo, veja-se: • ASSÉDIO MORAL ORGANIZACIONAL. CARACTERIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DE RESSARCIMENTO DE DANO CAUSADO AO EMPREGADO. O assédio moral organizacional caracteriza-se pelo emprego de “condutas abusivas, de qualquer natureza, exercida de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação, constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio de ofensa aos seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e psíquicos”, os quais podem ser objeto de reparação em virtude da responsabilidade social atribuída às empresas, a partir da função social ostentada no art. 170 da Constituição. A desumanização das relações de trabalho está impregnada dos valores organizacionais brasileiros. • ESTRATÉGIAS DE VENDAS. PARTICIPAÇÃO DO EMPREGADO EM COMPETIÇÃO DE PAINT BALL E USO DE BÓTONS COLORIDOS PARA IDENTIFICAR O ATINGIMENTO DE METAS ESTABELECIDAS 39 NA EMPRESA. LIMITES AO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR. AUSÊNCIA DE POSSIBILIDADE DE RECUSA. DANO MORAL CARACTERIZADO. As modernas estratégias de venda adotadas pelas empresas com a finalidade de identificar as reações das pessoas diante de imprevistos não podem deixar de lado as individualidades de cada um e até mesmo as fobias que podem decorrer da participação compulsória, capaz de produzir lesões psíquicas de natureza grave. Atualmente, estudos na área de Psicologia e Neurociências comprovam a possibilidade de ocorrência de lesão física produzida por agentes psíquicos, sobretudo no que toca ao estresse crônico, capaz de produzir danos irreversíveis no sistema imunológico do indivíduo. De acordo com Gênova (2009), os velhos processos produtivos (fordismo/toyotismo) estão sendo substituídos por outros processos de produção (neofordismo/neotoyotismo), em que novas sistemáticas de trabalho emergem, no cronômetro e na produção em série e de massa, constando uma substituição pela flexibilização na produção, pela especialização flexível, por novos padrões de busca de produtividade, por formas de adequação da produção à lógica do mercado. Em razão disso, as empresas procuram se intensificar, no âmbito organizacional, por meio da terceirização, da redução de encargos trabalhistas e previdenciários e pela busca incessante da produtividade através da mão-de- obra que vem se tornando cada vez mais barata e exigente. Não basta que as empresas de grande porte fiquem mais enxutas e que aumentem a sua produtividade, é necessário que o operário seja qualificado, executor de inúmeras tarefas e integrado ao núcleo de pessoas. Para Gênova (2009), como consequência dessas novas formas de gestão: O polivalente operário defronta em pleno século XXI com o intenso ritmo de trabalho gerado pelos novos sistemas ou novas formas de gestões. Essa intensidade de trabalho, as grandes mudanças e a forte pressão são fatores determinantes para o esgotamento físico e psicológico. Ainda consoante Gênova (2009), em razão disso, a reestruturação produtiva reduz emprego e ainda causa inúmeras doenças em virtude do excesso de trabalho exigido pelas empresas. 40 A moderna organização do trabalho centrada no ideário capitalista e liberal aliada à nova política de concorrência e de competitividade que norteia o mundo globalizado impõe a busca da produtividade à custa do sacrifício da mão-de-obra humana, exigindo do trabalhador alta produtividade, resistência às mudanças, polivalência e multifuncionalidade. Esses fatores tornam o ambiente de trabalho propenso às práticas degradantes, humilhantes e exploradoras. Portanto, com o novo modo de produção capitalista, cobram-se maior produção, melhores resultados, maior eficiência, mais comprometimento, maiores responsabilidades, mesmo que a saúde física e mental no ambiente de trabalho não seja respeitada. Segundo Candido: O trabalhador passou a ser um instrumento de uso. Ficou relegado a um segundo plano o caráter humano. Sem maiores óbices, construiu-se uma postura de exigências excessivas, por parte daquele que detém o poder e o capital, instalando-se uma permissividade de desmandos imoderados. Logo, o assédio moral rompeu as barreiras da moralidade em vista das condições do mercado de trabalho, onde manda quem pode, obedece quem necessita. (CANDIDO, 2011, p. 33). De acordo com Franco Filho (2001), os padrões do fordismo, taytismo e até mesmo do toyotismo já estão sendo superados, fala-se em uma era na qual se vive uma ordenação econômica caracterizada pela rapidez e pela eficiência obtidas mediante o uso dos computadores e de programas inteligentes alcunhada por gatismo – termo derivado de Gates (Bill), dono da Microsoft,maior empresa de informática do mundo – que significa a nova ordem econômica mundial orientada pelo uso da informática. Nesta nova era, tudo acontece em uma velocidade alucinante, e o tempo de resposta e as oportunidades diminuem cada vez mais. Assim, conforme Candido (2011), é possível observar que: A política neoliberal provocou uma mudança radical nas relações interpessoais, estabelecendo um novo paradigma; os conflitos hoje fazem parte de um novo ambiente organizacional, em que se instituíram metas, resultados, produção dirigida de acordo com a balança comercial e a busca pela estabilização financeira. As propostas produzidas pela globalização por si só favorecem o enraizamento do assédio moral. As novas técnicas de gestão vinculando o caráter da pessoa ao perfil da empresa é uma evidente demonstração do 41 dirigismo neoliberal, no qual prevalecerão os mais fortes. Os empregados com menos condições de competição serão esfacelados de imediato, ou então serão futuras vítimas de assédio moral pela falta de características impostas pela organização. Também para Candido (2011), como consequência desse processo, vê-se: O estímulo à produção mediante a competitividade gera um contexto profissional perfeito para o aparecimento do assédio moral. Num sistema em que as pessoas são instigadas todo o tempo, a defenderem o que é seu – seu emprego, sua produção, sua promoção, sua premiação – a todo o custo, as demais pessoas que as rodeiam deixam de ser consideradas colegas de trabalho e passam a ser encaradas como inimigos em potencial. Daí nasce o tratamento hostil, que muitas vezes desencadeia um processo tão grave como o assédio moral, produzindo profissionais infelizes. (CANDIDO, 2011, p. 51). Emerick (2009) assegura que, para absorverem eficazmente os postulados da "Qualidade Total": As empresas precisam racionalizar todas as suas forças componentes, de modo que tudo e todos aspirem ao resultado desejável: aumento da produtividade e redução dos custos. Entre estas forças/elementos componentes da empresa, encontram-se os trabalhadores, que precisam, pois, ser seduzidos, conquistados e convencidos a deixar de lado seus interesses particulares em nome de um bem maior: o bem da empresa. No assédio moral organizacional, tem-se como finalidade, assim, o aumento da produtividade, a diminuição dos custos e a exclusão de trabalhadores que a empresa não deseja manter em seus quadros. Neste sentido, destaca Emerick (2009): Os programas de metas são uma consequência da reinvenção do capitalismo, e conduzem o ritmo de trabalho a níveis intoleráveis. Os trabalhadores são implantados em uma organização do trabalho dominada pela busca do rendimento máximo, absolutamente despreocupada com os problemas humanos. (EMERICK, 2009, p. 20). E, ainda concorde Emerick (2009), nos tempos atuais de forte competitividade: A predominância da ideia de lucro e a prevalência de interesses econômicos criaram ambiente propício para a disseminação da estratégia empresarial de busca agressiva por resultados, não sendo tão raras as situações em que o empregador pressiona desmedidamente o empregado para alcançar as metas estabelecidas, em evidente extrapolação dos limites do poder diretivo. (EMERICK, 2009, p. 93). 42 Eberle e outros (2009), ao discorrerem sobre o assédio moral organizacional, assinalam tratar-se de: Processo contínuo de hostilidades, estruturado via política organizacional ou gerencial. Que tem como objetivo imediato aumentar a produtividade, diminuir custos, reforçar os espaços de controle, ou excluir trabalhadores que a empresa não deseja manter em seus quadros. Pode ser direcionado para todo o grupo indiscriminadamente, ou para alvos em seus quadros determinados a partir de um perfil (ex. todas as gestantes da empresa, ou todos os trabalhadores que a empresa deseja despedir, mas não quer arcar com os custos da dispensa sem justa causa). Ainda, para Eberle e outros (2009), nos casos de assédio moral organizacional: Os abusos são, geralmente, envoltos de um discurso organizacional capaz de justificar tais práticas como necessárias e úteis, em nome dos valores relevantes na empresa e da sobrevivência organizacional, com tendência à naturalização da violência. (EBERLE et al., 2009, p. 23). Adriane Araújo (2012), ao discorrer sobre o assédio moral organizacional, assevera: Compreende o conjunto de condutas abusivas, de qualquer natureza, exercido de forma sistemática durante certo tempo, em decorrência de uma relação de trabalho, e que resulte no vexame, humilhação ou constrangimento de uma ou mais vítimas com a finalidade de se obter o engajamento subjetivo de todo o grupo às políticas e metas da administração, por meio da ofensa a seus direitos fundamentais, podendo resultar em danos morais, físicos e/ou psíquicos. (ARAÚJO, 2012, p. 7). O assédio moral organizacional tem como finalidade o engajamento subjetivo do grupo de trabalhadores (seu controle e disciplina) às metas de produção e regras de administração. Tanto o assédio moral individual quanto o organizacional violam os direitos da personalidade do trabalhador. Conforme Araújo (2012), no que tange, especificamente, ao assédio moral organizacional: Pelo fato de envolver um feixe de indivíduos, ele prescinde da comprovação de dano físico ou psíquico das vítimas ou mesmo da situação de estresse. A relevância jurídica dessa prática se expressa no simples desrespeito reiterado e sistemático aos direitos fundamentais dos trabalhadores assediados, de maneira a gerar lhes situações de vexame, humilhação e constrangimento. (ARAÚJO, 2012, p. 61). 43 De acordo com Araújo (2012), o assédio moral organizacional não se restringe à modalidade de assédio moral vertical descendente, ele também pode se apresentar na forma de assédio moral horizontal e vertical ascendente. Relata a autora que essa situação decorre da pulverização do exercício do poder em todos os níveis da empresa. Os colaboradores, se colocados diante de um membro da equipe improdutivo ou de baixa produtividade, podem assumir condutas abusivas com a finalidade de pressionar o dissidente a atingir níveis de produção e de qualidade exigidos pela administração. Esse é o grande êxito dos círculos de Qualidade Total e da divisão do trabalho em equipes. O grupo de trabalhadores é levado a se colocar na posição do verdadeiro empreendedor, crendo-se realmente participante das decisões da empresa. Pelo mesmo motivo, pode-se originar um assédio moral vertical ascendente, em que a empresa omissa em relação ao problema nada mais faz do que se aliar aos subordinados agressores e pressionar o chefe imediato para que assuma o comprometimento por ela exigido, demonstrando liderança, mesmo que não tenha recebido qualquer treinamento para esse fim, e atingindo as metas da administração. Um das moléstias que afetam o trabalhador como resultado desse assédio moral organizacional, que se dá através da exigência desequilibrada de metas no ambiente de trabalho é a Síndrome de Burnout. Por meio do assédio moral organizacional, cria-se um terror psicológico capaz de gerar um esgotamento físico e mental ao empregado, influenciando, ainda, no aparecimento de outras enfermidades que poderão se cronificar. A Síndrome de Burnout compreende uma espécie de exaustão emocional ou estresse, que pode ser considerada como doença do trabalho, capaz de acarretar a incapacidade temporária ou definitiva para a prestação de serviços. De acordo com Candido (2011, p. 233), o termo Burnout deriva de uma composição gramatical originada de duas palavras inglesas, burn e out (to burn out),
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