Buscar

Artigo-A-incapacidade-dos-capazes.pdf

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 14 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1 
 
 
A INCAPACIDADE DOS CAPAZES 
 
Juliana Mendonça Alvarenga 
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas 
Oficial de Registro Civil no Estado de Minas Gerais 
 
Marcelo de Rezende Campos Marinho Couto 
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas 
Oficial de Registro de Imóveis no Estado de Minas Gerais 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
O presente artigo busca analisar situações que o legislador, ao argumento de proteger 
determinado grupo de indivíduos, cria normas ‘protetivas’ inderrogáveis que levam à 
restrição do exercício de sua capacidade. 
O título do artigo é, na verdade, um jogo de palavras com o título do livro A capacidade 
dos incapazes, de autoria de Maria de Fátima Freire de Sá e Diogo Luna Moureira (SÁ; 
MOUREIRA, 2011), no qual é feita, com maestria, uma releitura da teoria das 
incapacidades visando demonstrar que as situações concretas precisam ser analisadas, 
caso a caso, para se determinar a possibilidade do exercício de direitos pelos 
‘incapazes’, conforme o discernimento verificado. 
Se na obra que inspirou este artigo o enfoque dado é para a ‘vontade’ dos incapazes, no 
presente artigo pretendeu-se olhar pelo lado dos legalmente capazes que, por força da lei 
ou de situações do cotidiano, são tolhidos do pleno exercício de sua autonomia privada. 
Assim, o livro A capacidade dos incapazes mostra que a incapacidade não deve ser 
vista em sua forma generalizada, pois, na maioria das vezes, o incapaz pode, sim, 
realizar diversos atos da vida civil. Segundo os autores, deve-se privilegiar, sempre que 
possível, a autonomia das partes, dentro da sua capacidade. Desta forma, o fato de estar 
curatelado ou de ser incapaz, não significaria, necessariamente, em uma incapacidade 
para todos os atos da vida civil, não cabendo qualquer possibilidade de exercer sua 
autonomia. 
Conforme explicam os autores Maria de Fátima Freire de Sá e Diogo Luna Moureira, 
não se está a “defender a supressão da incapacidade absoluta do Direito Privado, mas 
2 
 
 
promover sua releitura, não mais identificando como uma presunção absoluta. Isso 
significa, ainda que potencialmente, dar voz ao incapaz.” (SÁ; MOUREIRA; 2011, p. 
138) 
O que tentaremos mostrar neste artigo é a incapacidade dos capazes, ou seja, a 
incapacidade definida em lei unicamente pelo fato de o indivíduo ter atingido 
determinada idade, que, como se sabe, tem variado ao longo do tempo. 
Hoje, o indivíduo com mais de setenta anos não pode mais exercer sua autonomia para a 
escolha de um regime de bens, mas, ao mesmo tempo, a lei não restringiu que este 
mesmo indivíduo possa fazer testamento, procurações, alienações de bens móveis e 
imóveis, doações, dentre outros. Talvez em mais alguns anos, esta incapacidade 
presumida será definida em lei aos setenta e cinco ou oitenta anos. 
O que se tentará demonstrar é que a restrição imposta em lei é inconstitucional e que a 
incapacidade não pode ser presumida, devendo ser averiguada por um tabelião, da 
mesma forma como já ocorre em outros atos nos quais se exige instrumento público. 
 
2 A DESCONSTRUÇÃO DA TEORIA DAS INCAPACIDADES 
 
O direito civil clássico diferencia os conceitos de capacidade e personalidade. Enquanto 
a personalidade diz respeito à pessoa (natural ou jurídica) e sua aptidão para adquirir ou 
titularizar direitos, a capacidade é a possibilidade de exercício direto destes direitos pelo 
seu titular. Assim, toda pessoa natural tem personalidade jurídica, desde que nasça com 
vida, ficando resguardados os direitos do nascituro desde a concepção, nos termos do 
artigo 2o do Código Civil. Já a aptidão para exercer estes direitos decorre da capacidade 
jurídica, de modo que os absolutamente e os relativamente incapazes sofrerão uma 
restrição ao exercício direto dos direitos que titularizam, em razão de uma presunção 
legal de sua vulnerabilidade. 
Segundo Luiz Guilherme Loureiro (2012): 
 
Importante princípio geral sancionado pelo Código Civil, e confirmado pela doutrina e 
jurisprudência, é de que a capacidade das pessoas se presume sempre, enquanto sua 
incapacidade, como se trata de uma exceção, deve ser provada de modo evidente e 
completo. (LOUREIRO, 2012, p. 42). 
 
3 
 
 
No entanto, o Direito Civil clássico tinha uma visão extremamente patrimonialista, 
objetivando a proteção da pessoa através de normas que garantissem que seus bens 
materiais não fossem transferidos a terceiros, seja por alienação, casamento ou 
responsabilidade civil, sem a observância de uma série de formalidades, tais como a 
assistência ou representação para a prática de atos da vida civil, necessidade de alvará 
judicial para alienação de bens de incapazes, diminuição da responsabilidade por ato 
ilícito praticado por incapaz, imposição de regime de separação de bens em 
determinadas circunstâncias, dentre outros. 
Com a pós-modernidade e o neoconstitucionalismo, houve uma mudança de paradigma 
no Direito, de modo que o ser humano passou a ocupar o centro do ordenamento 
jurídico, sendo objetivo deste atender aos anseios das pessoas, não apenas patrimoniais, 
mas principalmente os existenciais, como a busca pela realização pessoal. O sistema 
jurídico passou a ser lido à luz da Constituição e os direitos fundamentais tiveram sua 
eficácia ampliada, já sendo reconhecida a sua aplicação direta, inclusive nas relações 
horizontais (CUNHA JÚNIOR, 2015, passim). 
O Direito Civil, historicamente patrimonialista, vem passando por uma releitura, de 
modo que institutos milenares, tais como o contrato, a propriedade e a família, ganham 
nova roupagem e funções, em razão das questões existenciais que os envolvem1. 
A antiga discussão sobre o início da personalidade jurídica se resolvia com a escolha de 
uma das teorias (natalista, concepcionista e condicional), pois tinha uma conotação 
estritamente patrimonial. Entretanto, o reconhecimento da existência de direitos de 
cunho existencial faz com que o enquadramento em uma teoria não resolva, de forma 
satisfatória, a gama de situações que envolvem a pessoa em gestação2. 
 
1 A título de exemplo, em relação aos contratos, César Fiuza ensina que “é a necessidade ou o desejo que 
impulsiona a vontade dos contratantes” (FIUZA, 2014, p. 503), e o define como sendo o “ato jurídico 
lícito, de repercussão pessoal e socioeconômica, que cria, modifica ou extingue relações convencionais 
dinâmicas, de caráter patrimonial, entre duas ou mais pessoas, que, em regime de cooperação, visam 
atender desejos ou necessidades individuais ou coletivas, em busca da satisfação pessoal assim 
promovendo a dignidade humana” (FIUZA, 2010, p. 15, grifo nosso). 
2 “As teorias mais restritivas dos direitos do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam 
raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002. O 
paradigma no qual foram edificadas transitava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais. 
Porém, atualmente isso não mais se sustenta. Reconhecem-se, corriqueiramente, amplos catálogos de 
direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa – como a honra, o nome, imagem, integridade 
moral e psíquica, entre outros. [...] Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias 
restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito 
à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos 
condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à 
vida, que é direito pressuposto a todos os demais.” (BRASIL, STJ, RESP 1.415.727/SC). 
4 
 
 
De igual modo, em relaçãoà capacidade, havia um sistema binário de 
capacidade/incapacidade, no qual a pessoa era enquadrada em uma das categorias 
(capaz, relativamente incapaz ou absolutamente incapaz), atraindo, para si, todas as 
consequências normativas desta classificação. 
A exclusão dos ‘enfermos ou deficientes mentais’ e dos ‘excepcionais’ do rol de 
incapazes dos artigos 3o e 4o do Código Civil, decorrente da aprovação do ‘Estatuto da 
Pessoa com Deficiência’, leva a uma reflexão obrigatória quanto à melhor forma de 
proteção dos vulneráveis, não apenas no aspecto patrimonial, mas também no 
existencial, levando em conta sua autonomia e discernimento. 
De outro lado, traz também à tona uma questão relativa às chamadas ‘normas de ordem 
pública’, consideradas ‘inderrogáveis’ pela vontade das partes, e que limitam a 
liberdade de escolha e autodeterminação de pessoas capazes, ao argumento de conferir-
lhes maior proteção. 
O maior exemplo que temos é a imposição legal do regime da separação de bens no 
caso de casamento de pessoa com mais de 70 anos, com as consequências jurídicas 
decorrentes deste regime3. 
O Código Civil de 1916 possuía norma semelhante4, impondo a separação de bens 
quando o homem era maior de 60 anos ou a mulher maior de 50 anos. O Código Civil 
de 2002 manteve a mesma orientação, fixando a idade de 60 anos para homens e 
mulheres, com posterior alteração legislativa para 70 anos. 
Por mais que inúmeros doutrinadores e a jurisprudência reconheça a improcedência da 
restrição (FARIAS; ROSENVALD, 2014, p. 311), o texto continua válido e em vigor, 
sendo aplicado, diuturnamente, nos autos de habilitação de casamento, só podendo ser 
afastado por decisão judicial. 
 
3 DA (IM)POSSIBILIDADE DA ESCOLHA DO REGIME DE BENS PELO MAIOR 
DE SETENTA ANOS 
 
 
3 O Código Civil proíbe que pessoas casadas pelo regime da comunhão obrigatória contratem sociedade 
entre si (art. 977), bem como exclui o cônjuge sobrevivente da sucessão hereditária, em concorrência com 
os descendentes (art. 1.829, I). 
4 Dizia o parágrafo único do artigo 258 do Código Civil de 1916: “É, porém, obrigatório o da separação 
de bens no casamento: [...] II. Do maior de sessenta e da maior de cinquenta anos.” 
5 
 
 
 O Código Civil determina que o regime da separação de bens é obrigatório 
quando um dos cônjuges foi maior de setenta anos de idade, nos termos do inciso II do 
artigo 1.641. 
Esta restrição mostra a intervenção desnecessária do Estado na vida privada das pessoas 
e no planejamento familiar do casal, ao pressupor uma incapacidade do idoso de gerir 
sua própria vida e tomar decisões de cunho patrimonial. 
De acordo com Taisa Maria Macena de Lima e Maria de Fátima Freire de Sá (2015), 
“[...] o legislador ordinário partiu do pressuposto de que o idoso é, necessariamente, 
vulnerável, ainda quando não se encontre em quaisquer das situações capituladas nos 
artigos 3o e 4o do CC/02, que disciplinam o regime das incapacidades.” (LIMA; SÁ, 
2015, p. 22). 
Neste caso, a norma jurídica aparenta proteger o maior de setenta anos, mas o faz de 
forma tão autoritária e inderrogável, considerando-o incapaz para escolher um regime 
de bens, que invade sua esfera privada, ofendendo sua autonomia. Nas palavras de 
César Fiuza (2015): 
 
[...] é o princípio da autonomia privada, juntamente com a cláusula geral de tutela da 
pessoa humana, de onde, de certa forma, derivam a própria autonomia privada e todos 
os demais direitos fundamentais, que fornecem ao indivíduo, não um indivíduo amorfo, 
sem face e sem alma, mas o consumidor, o trabalhador, o empresário, o cônjuge ou o 
companheiro, o pai ou o filho, enfim, a esse indivíduo vivo e consciente a proteção 
contra a interferência abusiva do Poder Público, da regulação estatal desmesurada, 
irascível e ilegítima, de toda arbitrariedade do Estado, que, infelizmente, ainda é prática 
algo que habitual no Brasil, nesse início de século. (FIUZA, 2015, p.46). 
 
Da mesma forma, Luiz Guilherme Loureiro (2012) defende que “a idade, por mais 
avançada que seja, não retira da pessoa o atributo da capacidade: pode ela realizar todos 
os atos da vida civil, não sendo admissível a presunção legal de que a senilidade 
prejudica a higidez mental” (LOUREIRO, 2012, p. 42). 
Curioso é que, recentemente, a Constituição Federal foi modificada através da Emenda 
Constitucional 88, de 7 de maio de 2015, passando a dispor, em seu artigo 100, que “os 
Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de 
Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de 
idade”. 
6 
 
 
De igual modo, a Lei Complementar 152, de 2015, aplicou esta idade de 75 anos para 
aposentadoria compulsória de titulares de outros cargos públicos da União, Estados, 
Distrito Federal e Municípios, membros do Poder Judiciário, Ministério Público, 
Defensorias e Tribunais e Conselhos de Contas. 
Assim, como assimilar o fato de um Ministro do Supremo Tribunal Federal, com mais 
de setenta anos, poder julgar casos que terão repercussão na vida de todos os brasileiros, 
mas não poder escolher seu próprio regime de bens, caso decida se casar, firmando o 
pacto antenupcial conforme lhe aprouver? 
Como entender o fato de que, um dia antes de se completar setenta anos, a pessoa 
poderá se casar, optando pelo regime da comunhão universal de bens, que engloba a 
comunicabilidade de bens recebidos por doações e herança, bem como de todos os bens 
preexistentes, mas, um dia depois, será obrigado a se casar pelo regime da separação de 
bens? 
 Ao presumir uma incapacidade, ainda que com a intenção protetiva, não se 
deveria abrir um caminho alternativo que viabilizasse a superação da regra no caso 
concreto, sem a necessidade de se valer da onerosa e demorada via judicial? 
 Sabe-se que o Direito se vale de critérios objetivos e subjetivos para determinar 
a capacidade das pessoas, nos artigos 3o e 4o do Código Civil. Contudo, quando opta 
pelo critério objetivo da idade, fixando a incapacidade absoluta dos menores de 16 anos 
e a incapacidade relativa dos maiores de 16 e menores de 18 anos, permite que este 
critério seja superado pela realidade da vida. 
 Assim, a emancipação pelo reconhecimento dos pais ou obtida judicialmente, ou 
a obtenção de economia própria, decorrente de relação de emprego, estabelecimento 
civil ou comercial5 são fatores que afastam o critério objetivo. 
 Ensina César Fiuza que: 
 
[...] efetivamente, ninguém se deita incapaz e acorda capaz, no dia seguinte, só porque 
completa 18 anos. É exatamente por isso que se admitem a emancipação e a interdição. 
Se, por outro lado, o legislador fixa limites de idade, não é, seguramente, nem o foi 
jamais, no intuito de traçar fronteiras intransponíveis entre um nível e outro. [...] No 
entanto, eles não são, e nunca foram absolutos. Sempre se admitiu algum flexibilização, 
haja vista a possibilidade de emancipação. (FIUZA, 2014, p.165). 
 
5 Além das demais hipóteses do artigo 5o do Código Civil. 
7 
 
 
 
 Voltando ao caso dos maiores de 70 anos, a restrição imposta a uma pessoa 
capaz não oferece um caminho alternativo para a escolha de regime de bens no 
casamento, revelando-se verdadeira presunção absoluta de incapacidade. A “norma os 
infantiliza, os idiotiza, o que não condiz com a realidade. Hoje, uma pessoa de 70 anos 
é, de fato, ainda um jovem. Ademais, o que interessa é se o indivíduo tem consciência 
ou não do que esteja fazendo, pouco importando se seja velho ou novo.” (FIUZA, 2014, 
p. 1.184). 
Em artigo publicado em 1980, sob a égide do CódigoCivil de 1916, João Baptista 
Villela já criticava a obrigatoriedade do regime da separação de bens para homens 
maiores de 60 anos e mulheres maiores de 50 anos, pois se a lei presumia que não 
haveria afetividade em matrimônios de pessoas acima desta idade, mas sim casamentos 
por interesse, o legislador deveria proibi-lo, e não regulamentá-lo unicamente sob o viés 
patrimonial (VILLELA, 1980, p. 35-36). 
Além da previsão legal, de imposição do regime da separação de bens aos maiores de 
setenta anos, sabe-se que várias comarcas de Minas Gerais contam com recomendações 
do Ministério Público de que só sejam feitas escrituras de união estável de pessoas 
acima de setenta anos com um atestado médico que certifique não haver qualquer 
incapacidade ou falta de discernimento daquele que quer praticar o ato. 
Entretanto, constatada a capacidade das partes, ao se lavrar a escritura declaratória de 
reconhecimento de união estável, os cônjuges poderão optar pelo regime que quiserem, 
não ficando restritos à separação de bens. Assim, aqueles que desejarem estabelecer 
apenas união estável acabam tendo mais direito de escolha que os que resolvem se 
casar. 
Sabe-se que a união estável não precisa de ato formal para existir, sendo desnecessária a 
lavratura de escritura pública perante o Tabelião. O ato público, contudo, facilita a 
prova da relação, caso seja necessário. Na ausência da escritura de união estável e/ou de 
pacto escrito quanto às relações patrimoniais, aplicar-se-á o regime da comunhão 
parcial6. 
Entretanto, o legislador presumiu que o maior de setenta anos que queira se casar deve 
ter seu regime de bens estabelecido em lei, não cabendo ao nubente optar por outro, mas 
se esqueceu de estabelecer o mesmo regramento àqueles que se unem através da união 
 
6 Conforme artigo 1.725 do Código Civil: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os 
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.” 
8 
 
 
estável, que em praticamente nada se difere de um casamento. Assim, privilegiou e 
resguardou a autonomia das pessoas ao não impor um determinado regime para uniões 
estáveis, dando tratamento desigual a institutos semelhantes. 
O legislador presumiu que qualquer pessoa acima dos setenta anos, que pretenda se 
casar, é vulnerável, e, para ‘protegê-la’, determinou o regime de separação de bens, sem 
qualquer possibilidade de escolha, só lhe restando a via judicial. 
 Muito desta proteção vem de ideias retrógadas no sentido de que pessoas mais 
velhas só se casam e só encontram alguém para dividir sua vida caso este outro alguém 
esteja interessado em seu patrimônio. É como se uma pessoa acima dos setenta anos não 
pudesse criar laços de afeto e amor com outra pessoa. Parece que o legislador só 
imaginou o casamento de pessoas mais velhas, em geral homens, se casando com 
mulheres novas, que só têm interesse no patrimônio ou em alcançar certo status social. 
 Esqueceu, porém, que na maioria das vezes o casamento ocorre entre pessoas de 
idades similares, que buscam um companheiro para conversas, viagens e para se ter 
como companhia em uma fase da vida adulta em que os filhos de ambos já estão criados 
e casados. Diferentemente dos casamentos realizados entre pessoas muito jovens, 
aqueles celebrados por pessoas mais velhas não estão focados em paixões que podem se 
acabar de forma repentina. Ao contrário, estão muito mais relacionados a uma 
afetividade que provavelmente irá durar mais pelo fato de envolver um amor mais 
maduro. 
 Assim, entende-se que a restrição imposta pelo legislador é, além de 
inconstitucional, preconceituosa. Não há como se decretar a incapacidade de alguém 
capaz para a prática de determinado ato quando a pessoa não apresenta qualquer tipo de 
falta de discernimento, unicamente baseada em sua idade. 
 Conforme dispõe Stefano Rodotà (2010): 
 
Idade, incapacidade, estado de saúde física ou mental não são condições objetivas que 
podem ficar registradas de uma vez por todas [...] Estas são as condições que têm de ser 
pesquisadas, identificando casos em que a assistência de um terceiro podem 
acompanhar a vontade débil para uma decisão em que o protagonista é o sujeito 
interessado.7 (RODOTÀ, 2010, p. 45, tradução nossa). 
 
7 La edad, la discapacidad, el estado de salud física o mental no son condiciones objetivas que puedan 
quedar registradas de una vez por todas […] Son condiciones que han de ser sondeadas, identificando 
9 
 
 
 
 Até o ano de 2010, a pessoa acima de sessenta anos não podia decidir sobre o 
regime de bens, devido à presunção de incapacidade. Recentemente, esta idade foi 
aumentada em dez anos, através da Lei 12.344, de 9 de dezembro de 2010. Talvez 
amanhã, teremos este marco aos oitenta anos. Mas como ficam as pessoas que se viram 
restringidas de adotar o regime de bens que queriam e se depararam, logo depois, com a 
mudança na legislação na qual não seriam mais enquadradas como incapazes de decidir 
sobre o regime de bens? Poderiam pedir a retificação do regime ao tabelião ou a 
alteração somente poderia ser feita judicialmente, demonstrando-se a razão para a 
modificação, conforme prescreve o artigo 1693, §2º, do Código Civil de 2002? 
 Apesar da restrição com relação à escolha do regime de bens, a lei não previu 
nenhuma restrição de idade em relação à prática de atos como testamento, alienação de 
bens móveis ou imóveis, doações, dentre outros. 
 Para testar, basta que a pessoa, independente da idade, seja capaz, podendo 
praticar o ato de forma particular, pública, ou ainda na modalidade de testamento 
cerrado. Assim, poderá, em caso de não haver herdeiros necessários, dispor da 
totalidade de seus bens ou, caso haja, da metade deles. 
 No caso do testamento público, a capacidade e o discernimento são verificados 
pelo Tabelião, tendo em vista que o testador deverá comparecer perante o mesmo e 
declarar suas disposições de última vontade. 
 Qual seria a justificativa para o legislador ter restringido a autonomia privada no 
caso da escolha do regime de bens e não tê-lo feito para as disposições de última 
vontade, ou nos casos de doação e alienação onerosa? 
 Poder-se-ia defender o legislador no sentido de que este buscou, com a 
imposição do regime da separação de bens, resguardar seu patrimônio durante a vida do 
cônjuge, já que o testamento é negócio jurídico que só produz efeitos após a sua morte, 
não impactando na subsistência e no patrimônio da pessoa, em vida. 
 Entretanto, tal argumento cai por terra quando aos maiores de 70 anos também é 
permitido, independentemente da idade, fazer quaisquer tipos de transações envolvendo 
bens móveis ou imóveis, inclusive doações. 
 
los casos en que el auxilio de un tercero puede acompañar la voluntad débil hacia una decisión en la que 
el protagonista sea el sujeto interesado. 
10 
 
 
 Olhando por este lado, se o objetivo é proteger o patrimônio da pessoa, o 
caminho seria restringir atos de disposição gratuita (e não apenas a doação universal), 
ao invés de intervir na formação de sua família. 
 Com o casamento, o patrimônio permanece na esfera patrimonial do casal, sendo 
obrigatória a anuência dos cônjuges para a prática de diversos atos jurídicos, tais como 
alienação de bens imóveis e prestação de fiança e aval. 
 Mesmo no caso do regime da comunhão universal de bens, que seria o ato de 
disposição mais ampla, um dos cônjugesestaria ‘transferindo’ ao outro metade de seu 
patrimônio (parte disponível), o que seria, em tese, possível ser feito através de doação 
ou testamento. 
 Não obstante estas questões envolvendo direito material, o ordenamento jurídico 
se utiliza da obrigatoriedade de instrumento público para a validade e eficácia de 
diversos atos e negócios jurídicos. Explica Leonardo Brandelli (2007) que: 
 
Não é em vão a exigência de determinadas formas dentro do direito. Têm elas o condão 
de proteger a manifestação da vontade, correta, livre e sem vícios, e, hodiernamente, 
têm também a função de proteger o hipossuficiente. O instrumento público-notarial tem 
cumprido a contento tal missão, tutelando a manifestação da vontade e exercendo a 
polícia jurídica de correção dos atos praticados, bastando para comprovar tal assertiva 
observar o ínfimo número de escrituras públicas que dão ensejo a lides que deságuam 
nos tribunais. (BRANDELLI, 2007, p. 209). 
 
 Esta intervenção se dá através da lavratura dos atos em Tabelionatos de Notas, 
através do Tabelião e seus prepostos, que agem de forma independente e isenta, 
analisando a identidade e capacidade das partes no momento da prática do ato, 
certificando que as partes têm discernimento e consciência relativamente ao ato que está 
sendo praticado e seus reflexos. 
 A exigência do pacto antenupcial adotar a forma pública, através da lavratura de 
escritura escolhendo regime de bens diverso do supletivo (comunhão parcial), faz com 
que as partes sejam obrigadas a comparecer perante o Tabelião, ocasião em que será 
analisada a capacidade e discernimento para o ato. 
 Assim, por que o legislador deixou a cargo das serventias extrajudiciais a análise 
da capacidade para atos como testamento, procurações, alienações de bens imóveis, mas 
11 
 
 
restringiu que fosse feito da mesma forma com relação à escolha do regime de bens pelo 
maior de 70 anos? 
 Entende-se que, caso o legislador julgue ser necessário proteger uma pessoa a 
partir de determinada idade, esta proteção não pode ter um caráter rígido ou imutável 
que lhe retire o direito de exercer sua autonomia. 
 Desta forma, deveria ser dado ao maior de setenta anos a possibilidade de 
comparecer a um Tabelionato onde seria averiguada a sua capacidade e discernimento 
para se casar sob regime de bens diverso do supletivo, da mesma forma como é feito em 
diversos outros atos formalizados perante os tabeliães. 
 Stefano Rodotà (2010), discorrendo no sentido de que cada caso deve ser 
analisado individualmente, sob pena da autonomia privada ser tolhida de forma geral, 
assim dispõe: 
 
O reconhecimento integral da personalidade e, portanto, a plenitude da vida, rompem 
este regime e impõe, nas imediações da realidade, caso a caso, o reconhecimento de 
situações que podem e devem ser dado relevância à vontade quem, caso contrário, seria 
considerado incapaz. Deve ser contemplada a pessoa em uma longa série de facetas 
concatenadas, reconhecendo-lhe, algumas vezes, sua capacidade autônoma de escolha e, 
em outras, acompanhada das diversas formas de auxílio8 (RODOTÀ, 2010, p. 44, 
tradução nossa). 
 
 Assim, uma das formas de auxílio, como citado por Rodotà, pode-se dar através 
do Tabelião. Segundo Leonardo Brandelli (2007), “o notário exerce sua função no 
âmbito da normalidade jurídica [sendo tal função] posta à disposição de todas as 
pessoas a fim de proteger os seus direitos subjetivos” (BRANDELLI, 2007, p. 165). A 
prática de atos nos tabelionatos ocorre de forma célere, corriqueira e sem lide, 
possibilitando a análise de cada situação, de cada negócio jurídico, de cada 
manifestação de vontade, valorizando a autonomia e buscando a elaboração de um ato 
hígido e conforme o Direito. 
 
8 El reconocimiento integral de la personalidad y, por tanto, de la plenitud de la vida, rompen este 
esquema e imponen, en la inmediatez de lo real, caso por caso, el reconocimiento de situaciones en las 
que puede y debe darse relevancia a la voluntad de quien, de lo contrario, sería considerado incapaz. Hay 
que contemplar a la persona en una larga serie de facetas concatenadas, reconociéndole unas veces su 
autónoma capacidad de elección y otras acompañándola con diversas formas de auxilio. 
12 
 
 
 Como já exposto anteriormente, com as alterações introduzidas pelo Estatuto da 
Pessoa com Deficiência no Código Civil, a teoria das incapacidades passa a ter uma 
leitura que impõe a análise do caso concreto, da pessoa real, do discernimento para a 
prática do ato. Essa postura vale não apenas para os ‘incapazes’ que se tornaram 
capazes, mas também para todos aqueles que se encontrem em situação de 
vulnerabilidade. 
 O próprio Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) reconhece a possível 
vulnerabilidade de pessoas com mais de 60 anos, sendo recomendável que os atos que 
envolvam a renúncia ou disposição de direitos sejam praticados perante notários. 
 Diversas situações envolvendo vulneráveis já se realizam perante as serventias 
notariais, nem sempre por exigência legal, mas em razão da atuação preventiva feita 
pelo notário. 
 O INSS, por exemplo, exige que os segurados nomeiem, somente através de 
procuração pública, seus procuradores para fins de movimentação e retirada dos 
benefícios. Com isso, a autarquia federal tem uma garantia maior quanto ao ato 
praticado pelo procurador, em geral representando um idoso, especialmente no que diz 
respeito à capacidade do mandante e livre escolha do mandatário. 
 O mesmo ocorre nos negócios jurídicos e mandatos envolvendo analfabetos, 
haja vista que a não compreensão dos instrumentos escritos podem ser superadas com a 
interveniência do notário. 
 Instituições financeiras também costumam exigir procuração lavrada por 
instrumento público para que o correntista outorgue poderes de movimentação da conta-
bancária, evitando, assim, discussões acerca do mandato realizado. 
 Esclarece Leonardo Brandelli (2007) que 
 
[...] a qualificação jurídica dos atos feita pelo notário latino possibilita a realização de 
atos jurídicos perfeitos, de acordo com o ordenamento jurídico, de modo a garantir uma 
eficaz segurança jurídica a priori. Assim, ou a lide não aparecerá, ou, se aparecer, será 
muito mais facilmente solucionada em razão da prova qualificada consistente no 
documento notarial, de modo que, nesse sentido, a função notarial diminui 
significativamente a litigiosidade civil e, por conseguinte, os custos decorrentes dessa 
litigiosidade. (BRANDELLI, 2007, p. 70). 
 
13 
 
 
 Portanto, talvez o caminho a ser trilhado, na reconstrução da teoria das 
incapacidades, passe pela atividade notarial, atuando de forma preventiva e 
individualizada, possibilitando que situações de vulnerabilidade sejam neutralizadas e 
que a autonomia privada possa ser exercida sem limitações autoritárias e abstratas por 
parte do Estado-legislador. 
 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 Ao longo do presente estudo tentou-se demonstrar a descabida interferência do 
Estado na esfera privada, ao impor o regime da separação de bens a pessoa capaz, pelo 
fato de ser maior de setenta anos. 
 Tendo em vista que já é requisito de validade do pacto antenupcial a sua 
celebração por instrumento público, a atuação notarial já seria suficiente para averiguar 
a capacidade das partes e proteger situações de possível vulnerabilidade de algum dos 
contraentes. 
 No entanto, se a intenção do legislador é proteger o maior de setenta anos, sem 
extirpar sua autonomia privada, o melhor caminho seria adotar como regime legal 
supletivo a separação de bens, quando envolver pessoa em potencial situação de 
vulnerabilidade,permitindo, contudo, que outro regime pudesse ser escolhido, através 
de escritura pública de pacto antenupcial. 
 
REFERÊNCIAS 
 
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1415.727/SC. Rel. Min. Luis Felipe 
Salomão. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 29 set 2014. 
BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. São Paulo: Saraiva, 2007. 
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. Salvador: Editora 
JusPodivm, 2015. 
FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. Salvador: 
Editora JusPodivm, 2014. v. 6. 
FIUZA, César. Contratos. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 
FIUZA, César. Direito civil: Curso completo. São Paulo: RT, 2014. 
14 
 
 
FIUZA, César. Dignidade humana, autonomia privada e direitos da personalidade. In: 
FIUZA, César (Org.). Autonomia privada: Direitos da personalidade. Belo Horizonte: 
Editora D’Plácido, 2015. 
LIMA, Taisa Maria Macena de; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Ensaios sobre a velhice. 
Belo Horizonte: Arrais Editores, 2015. 
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros públicos: Teoria e prática. São Paulo: Método, 
2012. 
RODOTÀ, Stefano. La vida y las reglas. Entre el derecho y el no derecho. Madrid: 
Editorial Trotta, 2010. 
SÁ, Maria de Fátima Freire de; MOUREIRA, Diogo Luna. A capacidade dos incapazes: 
Saúde mental e uma releitura da teoria das incapacidades no direito privado. Rio de 
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011. 
SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Manual de 
Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2015. 3.ed. 
VILLELA, João Baptista. Liberdade e família. Revista da Faculdade de Direito da 
UFMG, Belo Horizonte, v. 3, n. 2, p. 9-46, 1980.

Outros materiais