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A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa254 Maria Mariana Soares de Moura 255 A PERTINÊNCIA DOS PROVIMENTOS JURISDICIONAIS DE NATUREZA CAUTELAR NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE: UMA ANÁLISE COMPARATIVA MARIA MARIANA SOARES DE MOURA SUMÁRIO: Introdução. 1. Breves apontamentos sobre a medida cautelar: entre a urgência e a realização da justiça. 2. A concessão da medida cautelar no controle de constitucionalidade brasileiro: uma breve digressão. 3. Os fundamentos para a utilização da medida cautelar no controle de constitucionalidade de normas brasileiro. 4. A medida cautelar no controle de constitucionalidade brasileiro: legislação e requisitos. 5. A medida cautelar na prática recente: casos emblemáticos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 6. Consequências da medida cautelar no Supremo Tribunal Federal e o silêncio do Tribunal Constitucional Português. Conclusão. Grelha comparativa. Referências bibliográfi cas. INTRODUÇÃO Em 7 de março de 2008, o plenário do Supremo Tribunal Federal, concedendo medida cautelar1 na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2135, suspendeu a vigência do artigo 39, caput, da Constituição, em sua redação dada pela Emenda Constitucional (EC) 19/1998, que eliminava a exigência do Regime Jurídico Único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública Federal, das autarquias e fundações públicas. Desde então, o artigo constitucional está suspenso, enquanto se espera até hoje pelo julgamento defi nitivo. Em 2 de outubro de 2009, uma liminar monocrática concedida pela relatora Ministra Cármen Lúcia no âmbito da ADI 4307, suspendeu a EC 58/2009, editada em 29 de setembro do mesmo 1 Os vocábulos liminar e cautelar serão utilizados como sinônimos neste trabalho. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa256 Maria Mariana Soares de Moura 257 ano e que alterava o limite máximo de vereadores dos municípios, instituindo a retroatividade da norma já para o processo eleitoral ocorrido em 2008 e determinando, desta forma, a abertura de novas cadeiras para serem preenchidas logo em seguida. Logo em 11 de outubro de 2009, tal decisão foi referendada pelo plenário, mas só obteve o julgamento defi nitivo em abril de 2013. Em 18 de março de 2013, também a Ministra Cármen Lúcia decidiu monocraticamente, em sede de medida cautelar, pela inconstitucionalidade da Lei dos Royalties (Lei 12.734/2012), suspendendo-a até o julgamento fi nal da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.917-RJ, e, portanto, retirando dos estados da federação brasileira, exceto Espírito Santo e Rio de Janeiro, o pagamento dos valores referentes à distribuição dos royalties do petróleo. Desde então, a suspensão liminar da lei gera grande prejuízo fi nanceiro para os estados, enquanto se aguarda julgamento acerca da sua defi nitiva inconstitucionalidade. Em 10 de julho de 2007, o Ministro Marco Aurélio concedeu, em decisão monocrática, medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54/DF, declarando que o aborto de feto anencefálico não seria crime e determinando a suspensão dos processos sobre o tema. Após, o Pleno do Supremo Tribunal Federal se reuniu, cassou a cautelar, mas assentou o sobrestamento das decisões ainda não transitadas em julgado e os processos criminais referentes à interrupção da gravidez de feto anencefálico até que houvesse a decisão fi nal sobre a matéria. Desde então, esperou-se até 12 de abril de 2012 para o julgamento defi nitivo. Outras dezenas de casos poderiam continuar a serem elencados aqui. Mas estes já bastam para dizer que, nos últimos anos, o sistema de controle de constitucionalidade brasileiro tem assistido a um crescimento exponencial na utilização da medida cautelar em algumas espécies de demandas do controle abstrato de constitucionalidade, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão (ADO), a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), Ação Direta Interventiva e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). É exatamente o crescimento da utilização da medida cautelar como mecanismo de suspensão liminar da norma ou de sobrestamento das decisões pendentes de julgamento, combinado às suas consequências na prática do Supremo Tribunal Federal que despertam a nossa atenção para questões acerca da correção da utilização desta técnica processual nas ações de controle de constitucionalidade. Com o intuito de aprofundar e enriquecer a refl exão sobre o tema e responder a questões como a pertinência e necessidade das medidas cautelares propostas em ações diretas no controle de constitucionalidade, opta-se, nesta oportunidade, pela realização de uma análise comparativa entre o funcionamento do sistema de jurisdição constitucional português e aquele adotado pelo Brasil. As singularidades intrínsecas à realidade de cada um destes sistemas se revelam de inúmeras maneiras, mas a que interessa a esta pesquisa refere-se, principalmente, à opção pela admissibilidade de provimentos jurisdicionais de natureza cautelar em sede de fi scalização do controle de constitucionalidade. A diferença começa na escolha do uso de um destes mecanismos processuais: a medida cautelar. Portugal e Brasil possuem uma realidade diametralmente oposta no que diz respeito à utilização da cautelar, de tal modo que no Tribunal Constitucional português não existe previsão para a medida cautelar no âmbito das ações do controle de fi scalização da constitucionalidade de sua competência, enquanto no Supremo Tribunal Federal esta é uma prática consolidada e, inclusive, resguardada constitucionalmente. Vale dizer que a comparação envolvendo um sistema em que o instituto confrontado é ausente, nos termos da situação em que se pretende contrapor, apresenta algumas peculiaridades. Uma delas sucede do fato de que, além da inexistência de previsão constitucional e legislativa da medida cautelar como uma atribuição do Tribunal Constitucional português, a possibilidade da liminar nas ações constitucionais, é distante da discussão doutrinária e jurisprudencial, bem como do imaginário do jurista português. Nessa perspectiva, a análise comparativa proposta levanta algumas hesitações acerca da possibilidade de utilizar provimentos jurisdicionais de natureza cautelar nas ações de controle de constitucionalidade, inclusive quanto à sua conformidade com uma jurisdição constitucional inserida no âmbito do Estado Democrático de Direito, além de questionar aspectos da (im)prescindibilidade desta medida cautelar, tida quase como absoluta no sistema brasileiro. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa258 Maria Mariana Soares de Moura 259 Para alcançar as respostas para estes e outros questionamentos relevantes acerca do tema, o presente estudo se dividirá da seguinte maneira: Primeiramente, serão esboçadas algumas considerações iniciais acerca da medida cautelar. A seguir, será feita a análise da evolução histórica da admissibilidade da medida cautelar no controle de constitucionalidade brasileiro, indicando a jurisprudência em torno da discussão, além dos fundamentos que a doutrina e o Supremo Tribunal Federal Brasileiro se valeram para sustentar a recepção do provimento cautelar nesta espécie de ação. Neste ponto, o estudo apresentará os requisitos e a legislação constitucional e infraconstitucional que atualmente regem a matéria. Após, será retomada a avaliação da sistemática adotada pelo Supremo Tribunal Federal brasileirona utilização da medida cautelar nas ações constitucionais de sua competência, bem como as consequências da justiça liminar na tutela judicial efetiva. Desse modo, trar-se-á a evolução da prática recente da suspensão cautelar em controle de constitucionalidade, demonstrando como a medida cautelar no STF tem recebido maior signifi cação e como isto se insere num contexto de ativismo judicial. No último ponto, será apontada a relação do controle de constitucionalidade com a separação de poderes e a segurança jurídica, no que se refere às cautelares concedidas e nesta altura será introduzida a análise comparativa com o sistema do Tribunal Constitucional português, considerando alguns breves aspectos, bem como semelhanças e diferenças do ordenamento jurídico luso para demonstrar as razões pelas quais há distinção na escolha em não admitir a medida cautelar no controle de constitucionalidade. Por último, apresentar-se-á grelha comparativa que trata como parâmetros a tutela jurisdicional efetiva, a utilização da medida cautelar nas ações do controle de constitucionalidade, os problemas trazidos pela ausência ou presença da medida cautelar nas ações perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Constitucional e, por fi m, a imprescindibilidade da medida cautelar perante a prática jurisprudencial de cada sistema objeto de comparação. 1. BREVES APONTAMENTOS SOBRE A MEDIDA CAUTELAR: ENTRE A URGÊNCIA E A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA O estado de lentidão da justiça é quase concebido como uma característica natural do processo. Reiteradas vezes nos deparamos com demoras de gerações até um resultado defi nitivo em um processo judicial2, isto porque é inevitável a dilação temporal entre o nascimento de um processo e a decisão fi nal que põe término a ele3. O tempo no processo, portanto, “é algo mais que ouro: é a própria justiça”4. A tutela cautelar, nesse contexto, é compreendida como uma engenharia processual para afastar a demora fi siológica do processo, como um instrumento apto a proteger a efetividade do direito material controvertido ou para acautelar o efeito útil da ação5, já que o procedimento de formação da decisão defi nitiva implica a realização de um rito preestabelecido e, em razão disso, gera naturalmente um atraso6 capaz de proporcionar ao possível titular do direito danos 2 Nesta linha, cabe colacionar as palavras de Angeles Jové, que afi rma que a sociedade contemporânea apresenta confl itos que exigem respostas rápidas, ainda que de caráter provisório: “na actualidade, quando a necessidade imperiosa de ga- nhar tempo ao tempo se impõe como norma de conduta, comprova-se com maior facilidade que uma decisão judicial tardia carece totalmente de sentido”. ANGE- LES JOVÉ, Maria. Medidas Cautelares Innominadas en el Proceso Civil, Barce- lona: Bosch, 1995, p. 18. 3 GUASP, Jaime, Derecho Procesal Civil, Tomo II, 3.a ed., Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1968, p. 693. 4 COUTURE, Eduardo J., Proyecto de Código de Procedimiento Civil. Buenos Aires: Editorial Depalma,1954, p. 34. 5 Expressão trazida pelo Código de Processo Civil Português, artigo 2, n 2. No mesmo sentido o posicionamento de GÓMEZ ORBANEJA, Emílio. Derecho y proceso. Madrid: Civitas, 2009, p. 121; MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Los poderes del juez constitucional y las medidas cautelares em controversia consti- tucional, in: El juez constitucional en el siglo XXI, tomo II, Ciudad de México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2009, p. 153; LÓPEZ OLVERA, Mi- guel Alejandro, Las medidas cautelares en el proceso administrativo en Argentina, in Miguel Alejandro López Olvera (coord.), Estudios en homenaje a don Alfonso Nava Negrete: en sus 45 años de docencia, México: UNAM, 2006, pp. 98-99. 6 Sobre isso, Calamandrei destaca que a tutela cautelar permite evitar que o dano decorrente da violação de um direito resulte agravado pela morosidade do processo judicial (cfr. CALAMANDREI, Piero, Instituciones de Derecho Procesal Civil, A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa260 Maria Mariana Soares de Moura 261 irrecuperáveis7. O procedimento cautelar, então, surge para evitar o periculum in mora para que a decisão não seja algo apenas para se “emoldurar”8. Em princípio, a característica básica e nuclear da tutela cautelar diz respeito à sua provisoriedade, já que sua validade está limitada ao julgamento da decisão fi nal na ação principal. Outro fator que caracteriza os procedimentos cautelares tem a ver com a preservação da utilidade e efi cácia das sentenças que venham a ser proferidas e, dessa forma, acabam por adquirir um caráter instrumental. Na busca de alcançar o seu objetivo de prevenir o perecimento do direito em razão do decurso do tempo, as providências cautelares pressupõem uma análise sumária da relação jurídica, por meio de um procedimento que garanta a concessão da decisão com a celeridade necessária9. Portanto, o que é importante reter é que os procedimentos cautelares buscam por meio do método próprio estabelecido pela legislação equilibrar duas concepções quase que contrárias uma da outra: a primeira é a busca por uma justiça rápida, que naturalmente corre o risco de ser precipitada, e a outra a realização de uma justiça ponderada que pode acabar por ser platônica e não cumprir com o objetivo em razão do tempo10. O ideal é a harmonia entre a vol. I, trad. da 2a ed. italiana por Santiago Sentís Melendo, vol. I, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1973, p. 157). 7 García de Enterría afi rma que o processo não pode ser convertido num instru- mento para a injustiça já que a “duração excessiva dos processos prejudica sem- pre quem tem razão” (cfr. GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo. La batalla por las medidas cautelares – Derecho Comunitario Europeo y Proceso Contencioso- Administrativo Español. Madrid: Civitas, 1992, p. 267). 8 VALLES, Edgar. Prática Processual Civil com o Novo CPC, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, 2013, p. 259. 9 “A ameaça do periculum in mora autoriza o tribunal a apreciar, preliminar- mente e sumariamente, uma relação jurídica que há-de ser objeto de exame mais profundo e demorado”. REIS, José Alberto dos. Código de Processo Civil Anota- do, vol. 1, 3.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1982, pp. 624 e ss. 10 Essa mesma ideia é trazida em ANDRADE, Manuel A. Domingues de, No- ções Elementares de Processo Civil, Coimbra: Coimbra Editora,1976, p. 10. No mesmo sentido é a lição de José Alberto dos Reis: “Convém, evidentemente, que a justiça seja pronta; mas mais do que isso, convém que seja justa. O problema fundamental da política processual consiste exatamente em saber encontrar o equi- líbrio razoável entre as duas exigências: a celeridade e a justiça” (cfr. REIS, José Alberto dos, op. cit., p. 624). realização da justiça e o tempo11 da satisfação do direito para evitar seu perecimento. O tempo é necessário para realizar a justiça e o fundamento que autoriza a tutela cautelar está na incidência do tempo no processo. A medida cautelar é um instrumento apto a assegurar a efetividade da tutela jurisdicional e constitui a “garantia da garantia judiciária”,12 ao assegurar a defesa preventiva do direito, isto é, a “função declarativa preventiva não autônoma do processo civil”13, de forma que constituem um “instrumento processual privilegiado para a proteção efi caz de direitos subjetivos ou de interesses juridicamente relevantes”14. Porém, a tutela cautelar traz consigo algumas difi culdades e riscos que ainda pendem de solução, tanto no ordenamento jurídico português15, quanto no brasileiro, objetos de comparação nesta pesquisa. São levantados diversos questionamentos em torno da discussão acerca da possibilidade de um processocautelar provisoriamente realizar o direito material controvertido. Em razão disso, a antecipação cautelar, traduzida como técnica processual, não é um consenso 11 O tempo é um fator de corrosão dos direitos pelo que se faz imprescindí- vel ofertar meios de combate à força corrosiva do tempo inimigo. DINAMAR- CO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil, São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 55. 12 Expressão utilizada em ANDRADE, Manuel A. Domingues de, Noções ele- mentares de processo civil, reimp., Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 9. 13 Lição trazida por Tesheiner ao ensinar que as cautelares autorizam uma espé- cie de litisregulação do processo, ou seja, uma regulação provisória de uma situa- ção de fato até que seja proferida uma decisão defi nitiva quanto ao mérito da causa. TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma Teoria Geral do Processo. São Paulo: Editora Saraiva, 1993, p. 155. 14 GERALDES, António Santos Abrantes. Suspensão de Despedimento e ou- tros procedimentos cautelares no processo do trabalho. Coimbra: Almedina, 2010, p. 91. 15 Apesar de não prevista a medida cautelar nas ações de fi scalização de cons- titucionalidade do Tribunal Constitucional, o ordenamento jurídico português abriga, além da previsão de provimentos cautelares no Processo Civil, expressiva relevância do instrumento cautelar na legislação atinente ao processo administra- tivo. O Código de Processo nos Tribunais Administrativos trata no Título IV sobre o processo cautelar e inclui, no seu artigo 2°, o princípio da tutela jurisdicional efetiva. AROSO, Mário de Almeida, Manual de Processo Administrativo. 2a ed. Coimbra: Almedina, 2016, p. 42. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa262 Maria Mariana Soares de Moura 263 doutrinal. A indefi nição sobre a natureza e fi nalidade da medida, o conteúdo da sentença e o alcance dos seus efeitos justifi cam essa controvérsia. Diante disto, a tutela cautelar possui muitos pontos a serem investigados, mas, neste trabalho, é preciso levar em consideração a questão acerca dos motivos pelos quais os dois sistemas comparados – Brasil e Portugal – fazem opções diferentes sobre a utilização da medida cautelar no âmbito das ações do controle de constitucionalidade de competência dos tribunais constitucionais. Assente estas noções em torno da medida cautelar em geral, é preciso leva-las ao contexto da jurisdição constitucional para esclarecer as semelhanças e diferenças que apresentam as medidas cautelares previstas para assegurar a efi cácia das sentenças constitucionais. Para tanto, o passo seguinte é analisar questões acerca da utilização de medida cautelar nas ações perante o Supremo Tribunal Federal brasileiro, especialmente as do controle abstrato de constitucionalidade. 2. A CONCESSÃO DA MEDIDA CAUTELAR NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO: UMA BREVE DIGRESSÃO Antes de adentrar em qualquer questão sobre a pertinência da utilização da medida cautelar na justiça constitucional é fundamental perceber, em termos históricos, como se desenvolveu o seu processo de admissibilidade no controle de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro. O debate foi inaugurado com a Representação 9416, de 17 de julho de 1947, quando o Supremo Tribunal Federal foi confrontado com o pedido de suspensão provisória de algumas disposições previstas na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Suspender provisoriamente um ato legislativo no âmbito do controle de constitucionalidade era uma atribuição que não possuía qualquer tipo de previsão no ordenamento jurídico brasileiro à época, razão pela qual, por óbvio, a petição causou estranheza e alguma resistência. 16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RP 94, de 17 de julho de 1947, rel. Min. Castro Nunes. Acesso em: 15 de jun. de 2017, disponível em: https://stf.jusbrasil. com.br/jurisprudencia/14463694/representacao-rp-94-df Evoluindo cronologicamente, em 1954, foi editada a Lei n° 2.271, que tinha por objetivo regular aspectos processuais da representação interventiva. O artigo 4°17 da referida legislação aduzia que o rito do processo do mandado de segurança aplicar-se-ia também ao Supremo Tribunal Federal. A lei do Mandado de Segurança, por sua vez, conferia a possibilidade de medida liminar e com este dispositivo, a partir de então, estava autorizado o deferimento do pedido que envolvesse suspensão liminar da aplicação do ato normativo impugnado no ato de representação interventiva. Alguns anos depois, a questão volta a ser suscitada na Rp 933-RJ, de 5 de junho de 1975. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal corrobora a possibilidade da suspensão provisória de um ato normativo no âmbito do controle abstrato das normas. Ainda neste momento, é possível depreender que a questão não estava isenta de controvérsias. O debate suscitado envolvia um pedido de suspensão de execução provisória das normas objeto da representação, com base em dispositivos do Regimento Interno do STF que autorizavam a medida e no argumento de que a cautelar era necessária para garantir a efi cácia da ulterior decisão da causa. Em trecho do voto do relator do processo, Ministro Thompson Flores, mostra o seu posicionamento favorável à admissibilidade da medida cautelar: [...] Forte, pois no próprio texto constitucional, proporcionando ele que regulasse o Supremo Tribunal o respectivo processo, permitiu-lhe como sua natural decorrência jurídica, a adoção de medidas cautelares adequadas à garantia de plena efi cácia de sua decisão. Dir-se-á que a índole do procedimento meramente declaratório, sem qualquer força executória, descaberia a antecipação da providência, a qual o próprio julgamento fi nal não teria força. Penso, todavia, que assim não é18. 17 BRASIL. Lei 2.271 de 1954, , disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/1950-1969/L2271.htm, acesso em: 15 de junho de 2017. “Art. 4. Aplica-se ao Supremo Tribunal Federal o rito do processo do manda- do de segurança, de cuja decisão caberão embargos caso não haja unanimidade.” 18 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RP 933, de 5 de junho de 1975, rel. Min Thompsom Flores. Acesso em: 15 de jun. de 2017, disponível em: http://redir.stf. jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=264216. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa264 Maria Mariana Soares de Moura 265 Por outro lado, o Ministro Xavier Albuquerque criticava a possibilidade da medida cautelar ao relatar que: [...] O que me parece, ao fi m e ao cabo, é que a decisão do Supremo Tribunal Federal limitar-se-á, eventualmente, a declarar a inconstitucionalidade da lei, mas o fará num processo de cognição abstrato, com inteiro desconhecimento de eventuais direitos subjetivos envolvidos. A suspensão da execução da lei declarada inconstitucional é, pela Constituição, prerrogativa do Senado. A meu ver, portanto, o Supremo não pode antecipar prestação jurisdicional que não lhe compete dar em defi nitivo.19 A medida cautelar, nesta ocasião, foi deferida, ainda que tenha enfrentado alguma resistência. Toda esta controvérsia só foi afastada, dois anos após, com a inclusão da Emenda Constitucional n. 7, de 1977, que determinou expressamente como atribuição do Supremo Tribunal Federal o julgamento do pedido de medida cautelar nas representações oferecidas pelo Procurador-Geral da República. Confi rmando a orientação da Constituição anterior, a promulgada em 1988 manteve, nos termos do art. 102, I, p, a competência do STF para julgamento do pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade. Esta breve análise da evolução históricada jurisprudência e da legislação infraconstitucional e constitucional sobre o tema serve para perceber que a concessão de cautelares nem sempre fez parte da prática judiciária brasileira e a sua admissibilidade foi alvo de controvérsias até que estivesse expressamente prevista na Constituição Federal e, posteriormente, regulada pela legislação infraconstitucional. 3. OS FUNDAMENTOS PARA A UTILIZAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS BRASILEIRO Após a inclusão da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) como uma das competências atribuídas pelo texto constitucional ao Supremo Tribunal Federal, a questão 19 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RP 933, de 5 de junho de 1975, rel. Min Thompsom Flores. Acesso em: 15 de jun. de 2017, disponível em: http://redir.stf. jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=264216. da possibilidade de provimentos cautelares no âmbito do controle abstrato das normas parecia superada. Sem dúvidas, sob um olhar formal, as cautelares estavam abrigadas pelo fundamento constitucional, mas apenas no que se referia àquelas suscitadas em sede de ação direta de inconstitucionalidade, sendo silente em relação a qualquer outra ação do processo objetivo. Ocorre que, posteriormente à promulgação da Constituição, a Emenda n° 3 de 1993 deu nova redação à alínea “a” do inciso I do art. 102 da Constituição e integrou uma nova espécie de ação no controle concentrado: a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). A referida Emenda, no entanto, não incluiu a ADC como uma hipótese da alínea p no inciso I, do art. 102, que versa sobre a admissibilidade da medida cautelar e restringe sua previsão à ADI. E é exatamente por esta razão que outra vez se retomou a controvérsia da admissibilidade da medida cautelar, desta vez referindo-se à possibilidade de sua inclusão no rito da ADC. Para esta questão, faz-se referência ao emblemático julgamento da ADC n° 4, em que o STF discutiu amplamente a possibilidade de deferimento da medida cautelar nessa espécie de ação. Neste aspecto, vale pontuar alguns fundamentos utilizados à época, para compreender melhor a opção da prática jurídica e da legislação brasileira em admitir os provimentos cautelares em certas ações do controle concentrado. O principal deles aduz que, não obstante a ausência de dispositivo expresso na Constituição autorizando a utilização da medida cautelar na ADC, “o poder de acautelar é imanente ao de julgar”20 e, portanto, a Corte poderia em ações desta natureza conceder medida cautelar21. 20 BRASIL, Supremo Tribunal Federal – Plenário – ADC n. 4-MC/DF – Rel. Min. Sydney Sanches – j. 11.2.1998 - DJU 21.5.1999. 21 “Essa defi ciência da emenda constitucional é suprida pela aplicação de um regime tanto quanto possível idêntico à ação direta de inconstitucionalidade para a ação declaratória de constitucionalidade. Lembre-se, ademais, que a possibilida- de de liminares em ações de controle de constitucionalidade foi introduzida pela Emenda Constitucional n.º 7/77, sendo certo que mesmo antes dessa previsão ju- rídica expressa o Supremo já as concedia, entendendo-as como instrumento indis- pensável da própria função jurisdicional” (cfr. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 321). A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa266 Maria Mariana Soares de Moura 267 Sustentava este argumento o fato de que nas Constituições anteriores o Supremo já reconhecia a possibilidade das medidas liminares no controle abstrato ainda que inexistisse qualquer dispositivo constitucional o autorizando. Além disso, a ideia de que a Ação Declaratória de Constitucio- nalidade é uma ADI com efeitos reversos22, faria com que a conces- são de cautelar nestas ações do controle concentrado fosse absoluta- mente aceitável23. Ainda nesta linha, o posicionamento do Ministro Gilmar Mendes é de que a possibilidade da concessão de liminar seria resultado da “natureza e do escopo da ação declaratória de constitucionalidade” com o objetivo de não piorar a incerteza jurídica que a propositura da ação busca eliminar e garantir a aplicação da lei objeto de controvérsia até que seja proferida a decisão fi nal24. 22 Esta afi rmação é questionável, como se pode depreender da construção do raciocínio de Lucas De Laurentiis e Henrique Galkowicz. “Se é certo que a cau- telar das ações diretas de inconstitucionalidade efetivamente antecipam, total ou parcialmente, o conteúdo útil de seu provimento fi nal, a sua concessão em ações declaratórias de constitucionalidade tem uma fi nalidade completamente diversa. Segundo o regramento dessa matéria, o efeito dessas últimas medidas é simples- mente suspender os julgamentos que envolvam a aplicação da lei questionada (art. 21 da Lei n. 9.868/99). (...) Se as ações diretas de controle de constitucionalidade e inconstitucionalidade são realmente “dúplices”, por que a decisão denegatória da cautelar em ação de inconstitucionalidade não tem o mesmo conteúdo da decisão que concede a liminar em ação declaratória de constitucionalidade? A resposta es- boçada por parte dessa corrente aponta para a incompletude da disposição legal que reconheceu a possibilidade da concessão de medida liminar em sede de ação decla- ratória de constitucionalidade. Nesse sentido, sustenta-se que dita medida cautelar teria, dentre outros, o efeito de suspender o andamento dos processos em que a lei analisada é aplicada”. LAURENTIIS, Lucas de; GALKOWICZ, Henrique. Medi- das cautelares interpretativas e de efeitos aditivos no controle de constitucionalida- de: uma análise crítica de sua aplicação. Revista Direito GV, vol. 11 (2015), n.º 1, p. 71 (disponível online). 23 Em oposição a este entendimento, Lenio Streck considera a admissibilidade de medida cautelar em ação direta de constitucionalidade uma afronta ao texto da emenda Constitucional que introduziu a Ação Direta de Constitucionalidade, uma vez que trata apenas de “decisões defi nitivas”, o que impediria o legislador ordi- nário de incluir a hipótese da medida cautelar nesta espécie de ação. Além disso, aduz que não há sinais de precedentes no direito comparado. No mesmo sentido é o posicionamento do Ministro Marco Aurélio no julgamento da ADC nº 4. STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 457. 24 MENDES, Gilmar Ferreira. Arguição de descumprimento de preceito funda- mental. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 193. Outro fundamento que sustenta a possibilidade de medida cautelar nas ações objeto deste estudo é a importação da doutrina constitucional alemã do chamado “peso das desvantagens”. Este é um dos argumentos mais consistentes utilizados pelos germânicos para justifi car a medida cautelar em sede de ações constitucionais. Consiste basicamente na ideia de sopesar os prejuízos e ganhos que a manutenção ou a suspensão da lei objeto da ação traria. O que se tem com a aplicação da medida liminar não seria, portanto, a declaração de inconstitucionalidade, mas a suspensão temporária da vigência da lei, com o objetivo de impedir a produção de efeitos negativos, nas lições da posição adotada pelo Ministro Moreira Alves25. Há, ainda, outra alegação que justifi ca a utilização de medidas cautelares nas ações constitucionais e defende que, não obstante as peculiaridades intrínsecas ao processo de controle de constitucionalidade, não deverá ter um regramento autônomo que seja completamente apartado dos pressupostos do Código de Processo Civil26, já que as ações constitucionais não deixam de ser também uma manifestação da atuação jurisdicional27. Aliás, ao contrário, o procedimentoque rege o processo de controle de constitucionalidade tem que seguir um regulamento 25 Rp. 1.391/CE, Rel. Min. Célio Borja, rel. para o acórdão Min. Moreira Alves, RTJ 124/81. 26 Uma parcela da doutrina ainda admite que as peculiaridades do processo objetivo do controle de constitucionalidade afastariam a incidência do regramento do Código de Processo Civil nas ações dessa natureza e, a partir disso, afi rmam que o processo objetivo não possui partes, lide ou interesse jurídico e, portanto, se afastaria das opções do processo civil ordinário. CLÉVE, Clèmerson Merlin. A fi scalização abstrata da constitucionalidade. 2. ed., São Paulo: RT, 2000, p. 142. Em sentido contrário, entretanto, é a posição do processualista Cassio Scarpinella Bueno que aduz ser “preferível entender que os conceitos e os institutos do direito processual civil merecem ser devidamente contextualizados para guiarem adequa- damente as discussões relativas às ações diretas de inconstitucionalidade (...) negar que existam partes, interesses, coisa julgada e tantas outras realidades inerentes a qualquer tema afeito ao direito processual civil é, com o devido respeito, pretender criar uma aura que em nada contribui para a correta compreensão e consequente funcionamento da ação direta de inconstitucionalidade” BUENO, Cassio Scarpi- nella. Curso sistematizado de direito processual civil: direito processual público e direito processual coletivo. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 2, t. III, p. 278. 27 RAMOS, Elival da Silva. Controle de constitucionalidade no Brasil: pers- pectivas de evolução. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 55. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa268 Maria Mariana Soares de Moura 269 estrito, razão pela qual recorrer a institutos e pressupostos fi xados no processo civil ordinário garantiria aspectos de maior legitimação nestas decisões judiciais28. Portanto, nesta linha, o processo civil se relacionaria de maneira complementar com o procedimento das ações constitucionais. E é exatamente por esta complementaridade que as medidas cautelares previstas no regramento processual civil poderiam ser também “importadas” aos processos objetivos de controle de constitucionalidade29. Não se pode deixar de mencionar um ponto que envolve características das medidas em controle de constitucionalidade e diz respeito aos efeitos dessas decisões. A posição majoritária é a de que as medidas cautelares são antecipatórias dos efeitos das decisões defi nitivas de mérito30. Mas é preciso uma análise mais profunda desta afi rmação, já que esse pensamento impõe uma questão importante acerca da consideração de que as ações diretas de constitucionalidade possuem um conteúdo declaratório que não abriga possibilidade de antecipação, ou seja, ao considerar que a tutela jurisdicional declaratória tem a fi nalidade de garantir certeza e estabilidade a uma relação jurídica controvertida, como seria possível admitir que esta segurança fosse alcançada por meio de uma medida cautelar sumária, de cognição superfi cial?31 28 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 154. 29 Sobre a defesa da admissibilidade das medidas cautelares, confi ra-se as li- ções de Carlos Roberto de Alckmin Dutra: “Pode-se concluir que o processo de controle principal de constitucionalidade possui natureza especialíssima. Isso não impede, todavia, que sejam aplicadas, subsidiariamente, as regras do processo comum, quando não houver norma a regular a matéria; e quando as normas do processo com se adaptarem às especifi cidades do processo objetivo”. DUTRA, Carlos Roberto Alckmin. Controle abstrato de constitucionalidade: análise dos princípios processuais aplicáveis. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 103. 30 Sobre o tema, Cândido Rangel Dinamarco defi ne a medida cautelar em ações diretas de constitucionalidade e inconstitucionalidade como uma “falsa cautelar”, no sentido de que a cautelar não vincula a constitucionalidade ou inconstituciona- lidade da norma objeto da ação (cfr. DINAMARCO, Candido Rangel. Nova era do processo civil. 3a ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 62). 31 LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pp. 54-55. Na tentativa de responder a este questionamento quase paradoxal, a doutrina divide os efeitos da tutela declaratória em práticos e jurídicos. O raciocínio é de que a suspensão liminar da vigência de uma lei não está relacionada com a declaração da sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, mas apenas é um mecanismo para afastar a produção de efeitos negativos que a norma questionada pode vir a causar32. Desse modo, a medida cautelar nas ações do controle de constitucionalidade diria respeito aos aspectos ligados à efi cácia33 da norma. Nesta questão, Gilmar Mendes se posiciona acerca da celeuma sobre o deferimento de medida cautelar pela Corte Constitucional em processo de controle de normas afeta a validade da lei ou somente a sua efi cácia. A decisão na medida cautelar não abrigava as justifi cativas que dariam a possibilidade de sustentar a nulidade da lei, porque nesse processo não seria possível fazer um juízo de validade, ou seja, a suspensão liminar estava relacionada à aplicação da lei, a interferir na sua efi cácia. Porém, ao analisar a jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, o Ministro Gilmar Mendes afi rma que esse posicionamento não se coaduna com algumas práticas em torno da medida cautelar, especialmente porque as suspensões liminares não envolviam somente a determinação de se deixar de aplicar uma norma por um determinado período de tempo, como se pode depreender do fato de ser possível que uma cautelar restaure o direito anterior, isto é, tendo consequências relacionadas não somente com a efi cácia, mas também com a validade da norma impugnada34. 32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Min. Moreira Alves, ADI 1.935/RO, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 11.07.1999. No mesmo sentido são as lições de Cas- sio Scarpinella Bueno que enfatiza “não há como antecipar o grau de certeza que só a sentença vai alcançar e que somente vai conseguir em virtude do desenvolvimen- to da ampla defesa, do contraditório e, enfi m, após o exercício do devido processo legal. Antecipam-se, no entanto, efeitos fáticos, práticos ou jurídicos de uma de- claração”. BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela antecipada, tutela cautelar e procedimentos cautelares específi cos. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 92-93. 33 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.898/99. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 324-328. 34 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle abstrato de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.898/99. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 324. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa270 Maria Mariana Soares de Moura 271 Por último, mas não menos importante, é o argumento retirado do próprio rol de direitos fundamentais da Constituição Federal brasileira, que no âmbito do art. 5°, XXXV, institui o princípio da inafastabilidade da jurisdição35, o qual deve ser entendido também como uma garantia de que a tutela jurisdicional seja dotada de efetividade. Ou seja, o princípio acima referido consagra também a efetiva proteção do direito material como em situações referentes à própria duração do processo, capaz de afetar sobremaneira o direito material que se pretende resguardar na lide, tornando inútil a tutela jurisdicional. Com o objetivo de impedirdanos ao direito até a solução defi nitiva da lide, o legislador dotou o sistema processual de mecanismos aptos a garantir a efetividade da tutela jurisdicional36. É nesse sentido de potencializar a efetividade das decisões judiciais que se insere a técnica da medida cautelar. Ora, tal efetividade abrange todos os provimentos jurisdicionais, inclusive aqueles tramitados pela via principal do controle de constitucionalidade, e, por conseguinte, a técnica utilizada pelo legislador para proteção deste princípio deve ser estendida para todas as manifestações da atuação jurisdicional. Neste caso, a admissibilidade da medida cautelar nas ações do controle de constitucionalidade seria, então, um dever, a essência do cumprimento do princípio constitucional. 35 O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa, como descreve WATANABE, Kazuo. Tutela Antecipatória e Tutela Específi ca das obrigações de fazer e não fazer, In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (Coord.), Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 20. 36 O princípio da tutela jurisdicional efetiva é trazido expressamente no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) quando no artigo 2o, n° 1, se leciona que “o princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, e mediante um processo equitativo, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão”. Esta afi rmação, entretanto, precisa ser analisada com cuidado. Isto porque o ordenamento jurídico português também traz disposições, inclusive constitucionais37, acerca do princípio da tutela jurisdicional efetiva. É claro que para qualquer sistema jurídico que privilegie o acesso à justiça e os direitos fundamentais dos seus jurisdicionados é imprescindível o respeito a este princípio. Porém, apesar da sua presença explícita na Constituição, o sistema de fi scalização de constitucionalidade português não nos permite afi rmar que é em razão da obediência ao princípio da tutela da efetividade jurisdicional que a possibilidade de utilização da medida cautelar nas ações de controle abstrato de constitucionalidade é admitida no Supremo Tribunal Federal, a menos que se assuma que, por outro lado, o Tribunal Constitucional Português desrespeita este princípio, quando opta por não utilizar a medida cautelar nas ações de sua competência38. Não obstante isso, é preciso ressaltar que, principalmente no controle de constitucionalidade, dois pressupostos coexistem: o da segurança jurídica, que requer uma duração de tempo razoável para a persecução da decisão fi nal e, por outro lado, o da efetividade, exigindo que o lapso temporal entre a propositura da ação e a decisão fi nal não se alongue demasiadamente. Neste ponto, o que as cautelares deveriam instituir era o equilíbrio entre estes pressupostos. Porém, como se verá no decorrer deste trabalho, a instituição da medida cautelar quando compatível com a ação constitucional nem sempre pode ser pertinente para o objetivo a que se propõe, colocando em risco a segurança jurídica e a legitimidade. Este é apenas um panorama geral de alguns dos argumentos que a jurisprudência e a doutrina brasileira sustentam para instituir e admitir a medida cautelar nas ações do processo objetivo do 37 O princípio da tutela jurisdicional efetiva encontra-se consagrado a nível constitucional nos artigos 20.º e 268.º, nº 4, da Constituição da República Portu- guesa e é um direito fundamental qualifi cado dos cidadãos, o qual está integrado na categoria dos direitos, liberdades e garantias. 38 Sobre este ponto, acredita-se que uma possível resposta a esta indagação seria a de que o princípio da tutela jurisdicional efetiva se manifesta de maneira diversa na realidade dos dois sistemas jurídicos, mas as possíveis conclusões a esse respeito serão tratadas em momento posterior neste trabalho. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa272 Maria Mariana Soares de Moura 273 Supremo Tribunal Federal, em especial, aquelas que não estão previstas expressamente no texto constitucional. 4. A MEDIDA CAUTELAR NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO: LEGISLAÇÃO E REQUISITOS Até aqui, referimo-nos apenas ao dispositivo constitucional que autoriza expressamente a medida cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade, o art. 102, I, p. Todavia, a dimensão e a força dos fundamentos apresentados, constantemente reproduzidos nos manuais doutrinários e nas jurisprudências, proporcionaram a admissão do instrumento da medida cautelar em outras ações constitucionais, a despeito da omissão constitucional em tratar do tema. Para melhor regular a matéria, o legislador ordinário incluiu na Lei 9.868/99 e na Lei 9.882/99 dispositivos que tratavam do procedimento da medida cautelar, sendo esta última referente à ADPF e aquela à ADI, à ADC e ADO. Inicialmente, é preciso uma análise, ainda que sumária, do que estabelece a legislação sobre o tema. Começando pela Lei 9.868/99, serão realizadas algumas considerações preliminares sobre pontos importantes da legislação que serão pertinentes a este trabalho. Em relação ao pedido de cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade, conforme leciona o caput do art. 1039, a decisão liminar que consiste na suspensão da vigência da norma impugnada, submete-se à reserva de plenário, ou seja, é decidida pela maioria absoluta dos membros do Tribunal, exceto no período de recesso. 39 “A decisão sobre medida cautelar é da competência do Tribunal Pleno e sua concessão depende do voto da maioria absoluta de seus membros, ouvidos, previa- mente, os ‘órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei’ (Lei 9.868/99, art. 10). A lei abre uma única exceção à regra: ‘Salvo no período de recesso’ (Lei 9.868/99, art. 10). Em nenhum momento, salvo o recesso, a lei autoriza a decisão de cautelar pelo relator. Mesmo nos casos de ‘excepcional urgência’, a lei mantém a compe- tência da decisão com o Tribunal. Autoriza que tal decisão possa ser tomada ‘sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ...’ (Lei 9.868/99, art. 10, § 3º) (...)”. (MS 25.024-MC, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática pro- ferida pelo Presidente Min. Nelson Jobim, julgamento em 17-8-04, DJ de 23-8-04). Neste ponto, é essencial destacar que a única excepcionalidade proposta à regra da reserva de plenário decorre da impossibilidade fática de reunir os membros do Tribunal neste intervalo para a sessão plenária e, portanto, autoriza o Presidente do Supremo Tribunal Federal, seguindo a orientação do Regimento Interno da Corte (art. 13, VIII), a decidir monocraticamente sobre questões urgentes acerca dos pedidos de medida cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade nos períodos de recesso. Questiona-se, no âmbito da regra da reserva do plenário, instituída pelo caput do art. 10 da Lei 9.868/99, que dada a própria natureza da pretensão cautelar de resguardar situações urgentes e o elevado número de processos julgados pelo STF, em alguns casos o tempo necessário até a ocorrência do julgamento pela Sessão Plenária faria com que a utilidade da cautelar fosse completamente perdida e, para evitar isto, nos termos de uma extrema urgência40,seria coerente admitir que o relator, fundamentado no poder geral de cautela, pudesse decidir monocraticamente o pedido de cautelar na ação direta. Este posicionamento, porém, não está livre de controvérsias. Como se verá ainda neste estudo, escapar à regra da reserva do plenário, do modo como tem se revelado na prática atual do STF, fora do período de recesso, gera cautelares monocráticas desrespeitando a determinação legal e constitucional41 e, muitas delas, ilegítimas, sem razões que justifi quem a excepcionalidade implícita da extrema urgência. Ainda assim, a decisão deveria ser igualmente submetida ao referendo do pleno logo na sessão seguinte, o que também não se verifi ca. Para situar o leitor sobre o tratamento da medida cautelar da ação direta de inconstitucionalidade na legislação infraconstitucional, vale citar o disposto no art. 11 da Lei 9.868/99, o qual, devido a decisão concessiva de liminar suspender a vigência de uma norma até o pronunciamento fi nal do STF produzindo efi cácia em relação 40 Com a fi nalidade de acrescentar esta exceção implícita à regra da reserva de plenário na cautelar em ADI, a possibilidade de aplicar analogicamente o disposto no § 1º do art. 5º da Lei 9.882/99, que permite a decisão cautelar monocrática “em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave. 41 A regra da reserva do plenário baseia-se também no art. 97 da Constituição Federal e no próprio Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 5, X). A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa274 Maria Mariana Soares de Moura 275 a todos e a vinculando os julgamentos que tratem da aplicação, impõe o dever de conceder a devida publicidade, ao publicar a parte dispositiva da decisão em seção especial do Diário Ofi cial da União e do Diário da Justiça no prazo de dez dias, a contar do julgamento. A seguir, o art. 11, § 1º, aduz que a decisão concessiva de cautelar terá efi cácia erga omnes e autoriza que o Tribunal afaste a regra geral do efeito ex nunc da cautelar, caso entenda que deva lhe conceder efi cácia retroativa, justamente para evitar que o direito objeto da ação pereça e garantir o pronunciamento defi nitivo do Tribunal. A relevância que uma decisão de medida cautelar pode adquirir no contexto da ação direta de inconstitucionalidade, traduz-se pelo disposto no art. 11, § 2°, que trata da restauração do direito anterior. Basicamente o que se pretende dizer é que ao deferir a liminar, a suspensão da aplicação da norma questionada torna aplicável a legislação anterior, caso exista, a não ser que o Tribunal se manifeste expressamente em sentido contrário. Ou seja, a decisão concessiva de cautelar tem o poder de fazer com que a legislação revogada retorne ao ordenamento jurídico e então, a partir disso, seja aplicável até que o Supremo Tribunal Federal se manifeste defi nitivamente sobre a questão. No que diz respeito ao art. 12, é permitido que certas matérias relevantes para a sociedade e a ordem jurídica passem a ser julgadas de maneira defi nitiva e num processo mais célere. Por esta razão, optou- se por diminuir o tempo de tramitação do processo, ao estabelecer prazos reduzidos, como 10 (dez) dias para a prestação de informação pela autoridade que emanou o objeto normativo impugnado na ação e 5 (cinco) dias para vista dos autos ao Advogado Geral da União e ao Procurador Geral da República, em detrimento dos prazos de 30 e 15 dias, previstos para os mesmos procedimentos no rito ordinário fi xado pelos artigos 6º e 8º da legislação ora analisada. Este prazo, por sua vez, não é tão rápido como o da cautelar (fi xado em três dias e cinco dias, respectivamente). A ideia do legislador era exatamente a de conceder um prazo equilibrado, de modo que a celeridade não fosse um impedimento para a cognição mais profunda debatida na ação. O que se tem, portanto, é a possibilidade de o Tribunal chegar ao julgamento defi nitivo destas matérias especiais arguidas na ADI de uma forma mais célere que a convencional. Sob a análise da prática processual do STF, o que acontece é a aplicação do art. 12 para matérias comuns, porque o julgamento célere da medida cautelar sob o rito do art. 10 é praticamente insustentável, tendo em consideração o constante congestionamento da pauta do plenário e, por conseguinte, o rito determinado pelo art. 12 tem sido a solução encontrada para o julgamento defi nitivo do mérito célere da ação sem que seja necessário um pronunciamento liminar acerca do pedido de cautelar. Todavia, o procedimento do art. 12, quando desvirtuado da sua fi nalidade, também pode levantar alguns questionamentos, já que a sua aplicação indiscriminada não respeita a especialidade da matéria, nem os prazos e tende a tornar o procedimento comum, ordinário e inefi caz. No que diz respeito à medida cautelar na ação direta de constitucionalidade o rito procedimental vem no art. 21 da mesma legislação. E estabelece, no caput, que o deferimento da medida cautelar é condicionado à decisão da maioria absoluta dos ministros e, esclarece, que o efeito da decisão cinge-se à imposição de que os juízes e Tribunais não prossigam com o julgamento de todos os processos que envolvam a aplicação do objeto da ação até que aconteça o julgamento defi nitivo. No parágrafo único, a mesma exigência da publicidade ao ato pela publicação da parte dispositiva da decisão em seção especial do Diário Ofi cial da União, demonstra que a efi cácia é erga omnes, com relação a todos. Mas o que difere o tratamento da medida cautelar na ação direta de constitucionalidade, refere-se a um detalhe muito importante, trazido na segunda parte do seu parágrafo único e que diz respeito a um prazo predeterminado de 180 (cento e oitenta) dias para o julgamento defi nitivo da ação sob pena de perda da efi cácia. Aqui, pontua-se um acerto do legislador, que impõe a obrigatória observância de um prazo para evitar que a cautelar ganhe contornos de defi nitividade e fi que à mercê dos congestionamentos de pauta do Plenário, como acontece com a ADI. No que tange à concessão da medida cautelar no controle de constitucionalidade, é mister falar da admissibilidade deste instrumento também na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), determinado pelo art. 5°, da Lei 9.882/99, que igualmente às outras ações constitucionais traz a exigência de maioria absoluta para o deferimento da medida cautelar, exceto A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa276 Maria Mariana Soares de Moura 277 quando em período de recesso ou em caso de extrema urgência e perigo de lesão grave, em que é autorizado ao relator conceder a liminar monocraticamente, pendente de aprovação do Tribunal Pleno, conforme leciona o § 1° do referido dispositivo42. Especifi camente na ADPF, os efeitos da liminar se demonstram na determinação de que os juízes e tribunais suspendam o andamento do processo ou os efeitos de decisões judiciais ou ainda de qualquer medida que tenha relação com a matéria objeto da arguição, a menos que seja decorrente de coisa julgada43. Há pouco tempo, o Supremo Tribunal Federal entendia que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão era incompatível com a concessão de medida cautelar, já que se destinaria a dar ciência da mora ao poder omisso a fi m de adotar as providências necessárias44. Porém, a Lei n° 12.063/2009 acrescentou à Lei nº 42 Art. 5.º O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimen- to de preceito fundamental. 43 Art. 5°, § 3°. A liminar poderáconsistir na determinação de que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da argüi- ção de descumprimento de preceito fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada. No caso da ADPF. “O § 3º do art. 5º, que autoriza a concessão de liminar para determinar que juízes e tribunais suspendam o andamento de processo ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da ADPF, salvo de decorrentes de coisa julgada, também seria inconstitucional por ofensa aos princípios do devido processo legal e do juiz natural. Isso porque tal instrumento teria introduzido no ordenamento brasileiro o indesejado mecanismo da avocatória de processos judiciais em curso, o que im- plicaria a supressão inconstitucional da competência dos juízos comuns para co- nhecer questões constitucionais”. BELEM, Bruno Moraes Faria Monteiro. A (In) Constitucionalidade da Lei nº 9.882/99 e a ADPF Paralela na Jurisprudência do STF. In: Revista Jurídica da Procuradoria Geral do Estado do Paraná, Curitiba, n.º 2 (2011), pp. 73-99. 44 ADIN 361-5, Rel. Min. Marco Aurélio, RT 668/212: “Ação direta de incons- titucionalidade por omissão. Liminar. É incompatível com o objeto mediato da referida demanda a concessão de liminar. Se nem mesmo o provimento judicial último pode implicar o afastamento da omissão, o que se dirá quanto ao exame pre- liminar”; ADIN 267 – DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 19.05.95, p. 13.990: “A suspensão liminar de efi cácia de atos normativos, questionados em sede de con- trole concentrado, não se revela compatível com a natureza e a fi nalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, eis que, nesta, a única consequência político-jurídica possível traduz-se na mera comunicação formal, ao órgão esta tal 9.868/99 o art. 12-F, que disciplina o procedimento da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Desse modo, em caso de excepcional urgência e relevância da matéria, o Tribunal, novamente por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá conceder medida cautelar após a audiência dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão constitucional, que deverão se pronunciar no prazo de 5 (cinco) dias. A Lei n° 12.562/11 também inovou para prever a possibilidade da medida liminar na ação direta interventiva perante o Supremo Tribunal Federal. Por maioria absoluta de seus membros, a Corte poderá deferir a medida cautelar quando estiverem presentes os seus requisitos. Os efeitos poderão consistir tanto na determinação de que se suspenda o andamento do processo ou os efeitos de decisões judiciais ou administrativas ou, ainda, de qualquer outra medida que apresente relação com a matéria objeto da ação, nos termos do art. 5° da Lei n° 12.562/11. O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal também edita algumas orientações acerca do procedimento a ser adotado nas medidas cautelares destas ações constitucionais. Apenas para citar um aspeto, o seu artigo 8° declara a competência do Plenário e das Turmas, e não dos ministros de maneira individual, de concederem medidas cautelares45. A orientação se repete nos termos do artigo 21, incisos IV e V, que impõem ao relator a submissão de cautelares ao Plenário ou à Turma, excepcionando a decisão de forma monocrática somente nos casos de urgência, desde que ad referendum do Plenário46. inadimplente, de que está em mora constitucional”. No mesmo sentido: ADIN 1387-DF, Rel. Min. Carlos Velloso e ADIN 1458-DF (Medida Cautelar), Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 20.09.96. 45 Art. 8.º Compete ao Plenário e às Turmas, nos feitos de sua competência: I – julgar o agravo regimental, o de instrumento, os embargos declaratórios e as medidas cautelares; 46 Art. 21.º São atribuições do Relator: IV – submeter ao Plenário ou à Turma, nos processos da competência respec- tiva, medidas cautelares necessárias à proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda destinadas a garantir a efi cácia da ulterior decisão da causa; V – determinar, em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, ad referen- dum do Plenário ou da Turma. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa278 Maria Mariana Soares de Moura 279 Outro ponto que merece destaque são os requisitos de admissibilidade para a medida cautelar nas ações constitucionais ora em estudo. À primeira vista, os requisitos são os mesmos aplicados à medida cautelar no processo civil ordinário. É preciso, nesta linha, provar o periculum in mora47, a fi m de estabelecer que só a medida cautelar garantiria a efetividade do provimento futuro, evitando o perigo causado pela demora do julgamento, e o fumus boni iuris, que dispõe sobre a plausibilidade jurídica dos fundamentos da ação. Para além dos requisitos comuns, dada a especifi cidade da medida cautelar nas ações de controle de constitucionalidade, um outro requisito tem sido abordado pela doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O critério da conveniência48 envolve a ponderação entre o proveito e o ônus da suspensão provisória, ou seja, para a concessão da 47 Sobre o conceito de periculum in mora há um questionamento acerca da sua aplicabilidade nos processos de controle abstrato de constitucionalidade e diz res- peito ao fato do conteúdo do processo ser incompatível com a verifi cação dos ele- mentos de fato, conforme posição defendida por LUNARDI, Soraya Regina Gas- paretto. Direito processual constitucional: problematização de sua autonomia, sua natureza e suas consequências. Tese, PUCSP, 2006, p. 274. Este posicionamento, entretanto, não é correto já que a tutela cautelar não tem o objetivo de antecipar os efeitos do julgamento defi nitivo, essa decisão atingiria apenas os efeitos práticos e sociais, ou seja, antecipam os efeitos executivos que decorreriam da possível sen- tença de procedência. Nessa linha, a urgência da medida cautelar em ações diretas está diretamente relacionada com os possíveis efeitos da norma impugnada. Por isso constatar o periculum in mora nos processos objetivos de controle de constitu- cionalidade é o reconhecimento do caráter acautelatório da medida liminar nessas ações. Nestes termos, a orientação trazida por Lucas De Laurentiis e Henrique Galkowicz: “é de se estranhar a orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que é aceita sem grandes questionamentos pela doutrina nacional, segun- do a qual o transcurso de considerável lapso temporal entre a edição do ato nor- mativo e a propositura da ação direta desautoriza o reconhecimento do periculum in mora. Para se chegar à conclusão oposta, basta considerar que o tema principal da decisão cautelar não é a validade ou invalidade da lei, mas sim seus possíveis efeitos deletérios. Se esses realmente existem, não é o transcurso do tempo entre a edição da lei e a propositura da ação que vai apagá-los. Ao contrário, essa situação pode muitas vezes agravar ou comprovar a urgência da medida pleiteada. Ademais, nem sempre os efeitos nocivos de um ato normativo surgem logo no momento de sua publicação, sendo possível que interpretações inconstitucionais surjam no decorrer sua vigência” (cfr. LAURENTIIS, Lucas de; GALKOWICZ, Henrique, op. cit., p. 71). 48 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito bra- sileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo, Saraiva: 2006, p. 167. medida, além de verifi car se os prejuízos decorrentes da permanência da vigência da norma devem ser maiores que os resultantes da sua suspensão até o julgamento defi nitivo.A concessão da medida cautelar é, por meio desse critério, admi- tida ainda naqueles casos em que o objeto da ação já vigore por algum tempo e se demonstra contraditório falar em um risco da demora. Desta forma, o requisito do perigo da demora acaba por ser substituído pela demonstração da conveniência49 na concessão da medida para a administração da justiça, para a administração pública e para a ordem jurídica em geral50. Até aqui, já foi possível perceber que a legislação infracons- titucional que rege a medida cautelar nas ações do controle abstrato de constitucionalidade brasileiro levanta alguns questionamentos. A começar pela duvidosa constitucionalidade da admissão das medidas cautelares naquelas ações constitucionais que, embora previstas na legislação, não elencam o rol constitucional de competências do Supremo Tribunal Federal, o qual se restringe apenas em defi nir a medida cautelar para a ação direta de inconstitucionalidade. Outra preocupação que se levanta rapidamente aqui é o fato de muitas vezes a prática processual estabelecida pela Corte Constitucional se afastar daquilo que está preestabelecido pela legislação que rege o procedimento, o que suscita riscos relevantes para a estrutura do sistema de um Estado de Direito51. 49 Parte da doutrina constitucional brasileira afi rma que o critério da conveniên- cia poderia ser considerado como mais uma peculiaridade do processo de controle de constitucionalidade. Porém, é fácil poder aplicar este critério como requisito para conceder a tutela de natureza cautelar fora do controle de constitucionalidade, já que intrinsecamente a liminar impõe à análise do julgador para verifi car o ônus e benefícios decorrentes da sua utilização. Igualmente, no Tribunal Constitucional Alemão o mesmo requisito é também exigido para as ações de natureza cautelar, mas a importação da doutrina brasileira alterou a denominação original que desig- na o critério como “dupla hipótese” (Doppelhypothese) (cfr. SCHLAICH, Klaus; KORIOTH, Stefan. Das Bundesverfassungsgericht: Stellung,Verfahren, Entschei- dung. München: C. H. Beck Verlag, 2010, p. 284, apud LAURENTIIS, Lucas de; GALKOWICZ, Henrique, op. cit., p. 84). 50 ADI (MC) 568-AM, rel. Min. Celso de Mello, DJU 22.11.91; ADI (MC) 1087-RJ, rel. Min. Moreira Alves, DJU 07.04.95; ADI (MC) 1586-PA, rel. Min. Sydney Sanches, DJU 29.08.97. 51 SUORDEM, Fernando Paulo da Silva. Princípio da Separação de poderes e os novos movimentos sociais – a administração pública no estado moderno: entre as exigências de liberdade e organização. Coimbra: Almedina, 1995, p. 14. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa280 Maria Mariana Soares de Moura 281 De todo exposto, constata-se que a admissibilidade da medida cautelar nas ações constitucionais do controle abstrato de constitu- cionalidade brasileiro pode provocar muitas discussões. Por isto, o que se passa a fazer é demonstrar como a prática recente do Supremo Tribunal Federal tem suscitado uma signifi cação muito maior à suspensão liminar da efi cácia da norma impugnada, seja porque seu indeferimento determina a apreciação da matéria para um futuro incerto ou porque seu deferimento, ainda que dotado de provisoriedade, pode adquirir contornos defi nitivos52 pela prolongada vigência da medida liminar, entre outros problemas que serão colocados a seguir. Deste modo, é imprescindível que o papel, efi cácia e imprescindibilidade da medida cautelar sejam postos em refl exão. 5. A MEDIDA CAUTELAR NA PRÁTICA RECENTE: CASOS EMBLEMÁ- TICOS DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Para compreender melhor e demonstrar algumas controvérsias que as medidas cautelares podem suscitar no âmbito das ações de controle de constitucionalidade, serão colacionados aqui alguns exemplos da prática jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. O primeiro deles representa claramente a gravidade do questionamento que se pretende levantar: trata-se da medida cautelar proferida em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade por uma decisão monocrática, fora da hipótese de período de férias ou recesso, única exceção à regra da Reserva de Plenário estabelecida pela lei infraconstitucional que rege o procedimento da medida cautelar nas ações constitucionais do controle de constitucionalidade brasileiro. 52 Esta ideia é traduzida de maneira bem clara por Isabel Celeste Fonseca, quando trata da tutela cautelar no processo administrativo e diz: “Outro fenômeno diz respeito ao uso “distorcido” que, em consequência da inefi cácia dos processos ordinários, se faz de processos cautelares existentes. Este fenômeno traduz-se na utilização de processos naturalmente acessórios, como alternativa aos ordinários, para alcançar a realização do direito de forma defi nitiva. Processos como o réferé, provisórios por natureza, transformam-se e m criados para todo o serviço para salvar a honra da justiça”. FONSECA, Isabel Celeste M. Introdução ao estudo sis- temático da tutela cautelar no processo administrativo – a propósito da urgência na realização da justiça, Coimbra, Almedina: 2002, p. 20. Para entender melhor esta situação, colaciona-se aqui o caso que fi cou conhecido como a ADI dos Royalties. Precipuamente, a ADI 4917-RJ trata da inconstitucionalidade de alguns dispositivos previstos na Lei 12.734/2012. O objeto desta ação referia-se ao fato de a lei trazer na distribuição dos Royalties do petróleo uma nova divisão que consistia em diminuir os valores para os estados produtores e redistribuir a arrecadação para estados e municípios não produtores. O pagamento de royalties e participações especiais é uma contrapartida ao sistema tributário incidente sobre o petróleo e não é pago na origem, mas sim no destino e insere-se no contexto do pacto federativo, determinado constitucionalmente. Quando, todavia, se alteram as bases da repartição das participações governamentais, o que se coloca é a centralização nos entes não produtores e isto levaria ao desrespeito do mandamento constitucional, segundo o autor da ação. Não nos interessa aqui discutir o acerto ou desacerto do mérito desta questão, mas sim o efeito que a medida cautelar teve nesta ADI. Após proposta a Ação de Inconstitucionalidade, foi deferida por uma decisão monocrática, o pedido de medida cautelar. Mesmo que não se tratasse de um período de recesso, como determina a única hipótese que autoriza o julgamento monocrático numa ADI, a relatora do processo, Ministra Cármen Lúcia, entendeu que a urgência requerida para a análise da cautelar era justifi cada pelo fato de que a relevância dos fundamentos apresentados na petição inicial da ação, a plausibilidade jurídica dos argumentos expostos, acrescidos dos riscos inegáveis à segurança jurídica, política e fi nanceira dos estados e municípios, que experimentam situação de incerteza quanto às regras incidentes sobre pagamentos a serem feitos pelas entidades federais, “impuseram o deferimento imediato da medida cautelar”53. Até aqui, o primeiro problema identifi cado é um descumpri- mento da regra do plenário por parte da ministra relatora, já que fora do período de recesso essa decisão sequer poderia ser realizada monocraticamente. Mesmo assim, imaginemos que esta regra do 53 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 4917, decisão em medida cautelar. Rel. Ministra Cármen Lúcia, Distrito Federal, 08/03/2013, disponível em: http:// www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/adi4917liminar.pdf, acesso em: 04/06/2017. A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa282 Maria Mariana Soares de Moura 283 plenário imprescindivelmente precisasseser afastada por uma exceção não prevista na legislação, mas que verdadeiramente impunha a necessidade de que a medida cautelar fosse imediatamente e urgentemente julgada por uma só pessoa para evitar um dano desproporcional que não poderia ser revertido de outra forma54. Diante deste quadro excepcional, o que se espera é que, ao menos, esta decisão individual seja submetida à apreciação do 54 Sobre o argumento da Min. Cármen Lúcia para deferir medida cautelar mo- nocraticamente, fora do período de recesso, por razões de urgência, é importante colacionar o entendimento de Gilmar Mendes e André Rufi no do Vale acerca do tema: “não obstante, é preciso reconhecer que tais casos serão excepcionalíssimos, pois a própria Lei 9.868/99 prevê mecanismo para se evitar perecimento de direito e assegurar o futuro pronunciamento defi nitivo do Tribunal, que é a possibilidade de concessão da medida liminar com efeitos ex tunc, suspendendo-se a vigência da norma questionada desde a sua publicação. Portanto, o sistema defi nido pela Lei 9.868/99 para a concessão de medidas cautelares deixa pouco espaço para a ocor- rência de casos em que seja necessária uma decisão monocrática fora dos períodos de recesso e de férias. A técnica da modulação dos efeitos, posta à disposição do Tribunal no julgamento da medida cautelar, é instrumento hábil para se assegurar a decisão de mérito na ação direta e, dessa forma, ela praticamente elimina as hipóteses em que seja necessária uma urgente decisão monocrática do Relator. Ficam abertas apenas as hipóteses em que a suspensão da vigência da norma seja imprescindível para estancar imediatamente a produção de seus efeitos sobre fatos e estados de coisas que, de outra forma, não poderiam ser revertidos”. MENDES, Gilmar; VALE, André Rufi no do. Questões atuais sobre medidas cautelares. In: Ob- servatório da Jurisdição Constitucional, ano 5, 2011/2012, disponível em: http:// www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/index.php/observatorio/article/view/661/454, acesso em: 20/06/2017. Numa perspectiva menos fl exível são as lições do Min. Nelson Jobim: “A de- cisão sobre medida cautelar é da competência do Tribunal Pleno e sua concessão depende do voto da maioria absoluta de seus membros, ouvidos, previamente, os ‘órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei’ (Lei 9.868/99, art. 10). A lei abre uma única exceção à regra: ’Salvo no período de recesso’ (Lei 9.868/99, art. 10). Em nenhum momento, salvo o recesso, a lei autoriza a decisão de cautelar pelo re- lator. Mesmo nos casos de ‘excepcional urgência’, a lei mantém a competência da decisão com o Tribunal. Autoriza que tal decisão possa ser tomada ‘sem a audiên- cia dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ...’ (Lei 9.868/99, art. 10, § 3º). Possibilita, ainda, a lei que o Tribunal afaste a regra geral do efeito ex nunc da cautelar e a conceda com ‘efi cácia retroativa’ (Lei 9.868/99, art. 11, § 1º). Com esta última regra completa-se o tratamento legal da excepcionalidade. Em momen- to algum, ‘salvo no período de recesso’, é possível decisão monocrática. (...)”. (MS 25.024- MC, Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática proferida pelo Presidente Min. Nelson Jobim, julgamento em 17-8-04, DJ de 23-8-04). Plenário na primeira oportunidade de reunião do pleno, como a lei aduz que deve ser no caso do período de recesso, hipótese autorizadora da decisão monocrática. Mas não foi o que aconteceu: há quatro anos e cinco meses, uma decisão monocrática em sede de medida cautelar invalidou de imediato uma lei55 cujo veto tinha sido derrubado no Congresso Nacional. Apenas para ilustrar o perigo da medida cautelar (e mais ainda daquela que é decidida monocraticamente), as consequências da demora do resultado defi nitivo da decisão pelo Supremo Tribunal Federal se traduzem em gigantescos prejuízos aos cofres públicos dos estados que deixaram de receber a sua parte na partilha dos royalties Atualmente, sem o julgamento defi nitivo, nem tampouco a submissão da decisão monocrática ao julgamento do Plenário, a lei continua suspensa e, caso considerem incorreta a decisão individual e seja considerada constitucional no julgamento defi nitivo, o valor perdido pelos entes que estavam destinados a receber a partilha dos royalties, já é irreparável56. Perceba que o grande perigo que circunda essa relação é o fato da decisão de um único ministro ter o poder de suspender uma lei por tempo indeterminado e adquirir, a partir de então, contorno de continuidade57. 55 A Medida Cautelar suspendeu os efeitos dos artigos 42-B; 42-C; 48, II; 49, II; 49-A; 49-B; 49-C; parágrafo 2º do artigo 50; 50-A; 50-B; 50-C; 50-D; e 50-E da Lei Federal 9.478/97, com as alterações promovidas pela Lei 12.734/2012, até o julgamento fi nal da ADI 4.917. 56 Em 2014, quando Lênio Streck escreveu sobre o tema no artigo “A decisão de um ministro do STF pode valer como medida provisória?” apresentou um levan- tamento dos valores que os estados haviam deixado de ganhar como resultado da decisão monocrática da medida cautelar e à época só o Estado do Acre, por exem- plo, havia deixado de receber pelo menos R$ 193.406.356,00 (cento e noventa e três milhões, quatrocentos e seis mil trezentos e cinquenta e seis reais), disponível em: http://www.conjur.com.br/2014-dez-04/senso-incomum-decisao-ministro-stf- valer-medida-provisoria , acesso em: 04/06/2017. 57 Este não é um caso isolado. Na mesma situação de decisões monocráticas descumprindo a exigência legal e pendentes de apreciação do Plenário temos outros exemplos, como: ADI 4.232, de 19.05.2009; ADI 4.598, de 23.2.2012; ADI 4.628, de 18.03.2013; ADI 5.091, de 21.03.2014; ADI 5.086, de 28.01.2014; ADI 4.874, de 13.09.2013; ADI 4.843, de 30.1.2014; ADI 4.707, de 30.1.2014; ADI 4.258, de 3.07.2009; ADI 4.144, de 7.02.2104; ADI 5.171, de 21.11.2014. Na ADI 4.638, A Pertinência dos Provimentos Jurisdicionais de Natureza Cautelar no Controle de Constitucionalidade: Uma Análise Comparativa284 Maria Mariana Soares de Moura 285 Sem dúvida, esta situação causa um desequilíbrio nas relações democráticas do Estado de Direito58 e coloca em risco a segurança jurídica dos cidadãos. É exatamente por isso que Lenio Streck acerta ao denominar ironicamente que a utilização da medida cautelar possui “efeitos similares aos da medida provisória” e questiona a desobediência ao procedimento por parte dos membros do Supremo Tribunal Federal. Outro caso emblemático frequentemente utilizado na discussão acerca da utilização da medida cautelar que ilustra uma certa plausibilidade da medida ser deferida monocraticamente fora do período de recesso, a ADI 4.307. Este direcionamento, apesar de ilegal, já que não segue formalidades dos procedimentos estabelecidos pela legislação, buscava impedir consequências dramáticas da continuidade de uma Emenda Constitucional. Desse modo, a Ministra Cármen Lúcia, deu provimento em 2.10.2009 a uma medida cautelar, monocraticamente, submetida ao Plenário e por ele referendada dois dias depois. O objeto da ADI era a Emenda Constitucional n. 58, de 23.09.2009, que mudava a recomposição das Câmaras Municipais, alterando os limites da quantidade de vereadores dos municípios brasileiros. A ADI foi ajuizada em 29.09.2009, seis dias após a promulgação da Emenda Constitucional n. 58 e logo em seguida a liminar dada de forma única pela relatora. o Ministro Gilmar Mendes denuncia a situação em seu voto e elenca vários casos em que esta situação se verifi cou de forma semelhante, BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na ADI 4638. Relator: Min. Gilmar Mendes, 02 fev. 2012. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/ anexo/adi4638GM.pdf , acesso em: 04/06/2017. 58 Para Mark Van Hoecke, o poder da corte constitucional é dado pelo legislador
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