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Críton - Questões Sobre a Obra de Platão

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FILOSOFIA
Críton – Questões Sobre a Obra de Platão
A obra de Platão denominado Críton, ou Do Dever, observa-se alguns princípios que, certamente, podem ser considerados verdadeiros axiomas.
Diz respeito à necessidade de tomar em maior conta a opinião dos sábios, não importando se esta é ou não reflexo do pensamento da maioria.
Isso significa que se deve dispensar maior atenção àqueles que conhecem de modo profundo determinado assunto, uma vez que essa experiência é mais proveitosa para o ser humano do que a coleta de opiniões a esmo.
Adequando esse postulado à questão da Justiça, Platão coloca que há apenas um guia seguro para a sua concretização: a Verdade.
Resumo da obra:
Sócrates está na prisão. Espera por trinta dias para a execução de sua sentença.
Recebe a visita de Críton, seu discípulo. Críton chega bem cedo a prisão e encontra Sócrates dormindo. Como pode dormir tranquilamente quem está para morrer/ Sócrates responde que não tem medo da morte e, pergunta: o navio já chegou? Não, mas tive notícias que está para chegar.
Críton, você coloca em risco a nossa reputação fazendo a proposta de fuga. O povo irão dizer que somos falsos amigos, por não pagar a fiança. Críton, vocês estão preocupados com a opinião popular? Sócrates, você tem a oportunidade de fugir e viver no estrangeiro. Seus filhos poderão ser distratados e morrerem na miséria. Críton, eu vou seguir o seu conselho, desde que você demonstre que fugindo de Atenas não estou contra os inocentes e contrariando as leis.
Sócrates, você está vivo, falou na cidade, tem formação e educou os filhos. Tudo foi dado pelas leis porque casamos teus pais, educou a si e a teus filhos.
A possibilidade de que não concordando com as leis, pagar fiança e ir embora. Você fez um compromisso: sofistas – retórica de linguagem; se sua palavra não se mantiver estará rompendo conosco. Se nos banalizar o que será dos inocentes?
É um tratado sobre as leis, enfocando o que proporciona aos homens. Antes sofrer uma injustiça do que pagar uma injustiça com injustiça.
Conclui que não deve pagar com uma injustiça.
Sócrates foi considerado positivista pelo apego às leis. A obediência às leis é o caminho certo para chegar a justiça. As leis não tem, necessariamente a justiça.
Diante dessa breve exposição, pode-se concluir que há pontos assinalados pelo pensador grego que merecem prestígio, necessitando ser enfatizados, porque esquecidos. Trata-se da crença na verdade e da necessidade de obediência às Leis.
As propostas de Críton e de Sócrates
Críton:
“Contudo, querido amigo Sócrates, pela última vez, convém seguires meus conselhos e te salvares. De minha parte, além da desventura de ser privado para sempre de ti, de um amigo de cuja perda ninguém conseguirá suavizar-me o sofrimento, receio que muitos que não nos conhecem julguem que, tendo eu a possibilidade de salvar-te pagando o que fosse necessário, optei por deixar-te morrer e te abandonei. Existe algo mais vergonhoso do que ser considerado maior apreciador do dinheiro que dos amigos? Porque o povo não conseguirá atinar com o fato de que te tivesse negado a sair quando era o que tanto queríamos que fizesses”.
Sócrates:
“Teu empenho teria sido muito louvável, meu caro Críton, se estivesse de acordo com as normas da justiça; porém, ao contrário, será tanto mais merecedor de desonra quanto mais distante dela estiver. Em princípio, teremos de analisar se devemos ou não fazer o que dizes, porque já sabes que é antigo meu hábito de não me sujeitar a outras razões que não à única que me pareça mais justa, após analisar todas as que são apresentadas. Mesmo que o destino esteja contra mim, jamais poderei abandonar os princípios básicos que sempre professei, pois sempre se me afiguram os mesmos e sempre os estimo em igual maneira. Se, por conseguinte, não encontramos razões sólidas, convence-te de que não me sujeitarei às tuas, ainda que todo o poder do povo se lançasse contra mim, e tu, para amedrontar-me, me ameaçasses como a um garoto com mil espantalhos, falando-me de sofrimentos mais cruéis do que minha presente desventura, com cadeias, perda de minha fortuna e morte.
Contudo, como realizar essa análise com honestidade? Sem dúvida recordando o que dizias agora há pouco a respeito das opiniões, isto é, se há opiniões que devem preocupar-nos e outras que podemos não levar em conta. Por acaso, o que eu disse não foi razoável até antes de haver sido pronunciada minha sentença e depois terá de permanecer no ar como conversa inútil e, no fundo, como brincadeira e jogo de crianças? Quero analisar este assunto contigo e examinar se, em minha nova situação, este princípio me parecerá distinto, ou se permanecerá sempre o mesmo, para que nos determinemos a abandoná-lo ou segui-lo. Salvo engano meu, a verdade é que sustentei muitas vezes, diante daqueles que julgavam dizer coisas sérias, que algumas opiniões humanas devem ser tidas em alta conta e outras, não. Críton, pelos deuses, crês também nisto? Porque, conforme as aparências humanas, não corres risco imediato de morte e deve-se supor que não há nenhum risco que corras neste momento que te embarace a percepção e te induza ao erro. Pensa bem. Não julgas que se disse com muito acerto que não devem ser consideradas todas as opiniões dos homens, mas somente algumas, e não as de todos os homens, mas somente as de alguns? Que achas? Não falam corretamente aqueles que afirmam isto?”
Tem-se aqui o primeiro dos axiomas: o emprego necessário da Verdade. Obviamente, cabe ao Advogado elaborar suas alegações da maneira mais favorável possível aos interesses de seu representado. O que não se pode admitir, é a utilização de argumentos sabidamente falaciosos e inverídicos, vez que isso em nada contribui para a realização da Justiça.
De fato, é tarefa própria do advogado apresentar para o Juiz todas as possíveis alternativas para que o mesmo decida o conflito favoravelmente a seu cliente. Todavia, não pode se deixar de levar em consideração que esta atividade encontra limites na Verdade e, em última análise, no quanto disposto pelas Leis. Não se pode buscar a vitória a qualquer custo.
A coerência socrática em:
3.1 – obediência às leis.
“Se no instante de nossa fuga, ou como queres denominar nossa saída, as leis da República nos dissessem: Sócrates, o que vais fazer? Executar teu plano não significa aniquilar-nos completamente, sendo que de ti dependem as leis da República e as de todo o Estado? Acreditas que um Estado pode subsistir se as suas sentenças legais não têm poder e, o que é mais grave, se os indivíduos as desprezam e aniquilam? Que responderíamos, Críton, a essas e outras acusações semelhantes? Quantas coisas não poderiam ser ditas, até mesmo por um relatório, a respeito do aniquilamento dessa lei que exige o cumprimento das sentenças emitidas? Por ventura responderíamos que a República foi injusta e nos julgou mal? É isso que diríamos?”
Em verdade, para que se concretize o ideal de dar a cada um o que é seu, deve-se ter por base um critério. Esse critério, cujo respeito se impõe a todos, não é outro senão àquele estabelecido pelas Leis.
Sócrates afirmava que se deve sempre se pautar pela utilização da verdade, ainda que não se saiba exatamente a sua real amplitude. Não se pode argumentar com elementos sabidamente falsos.
De outro lado, tem-se que a atuação dentro das Leis também é imprescindível para a correta consecução do ideal personificado na profissão. De fato a obediência às Leis é condição necessária, ainda que insuficiente, para a concretização da Justiça.
3.2 – é permitido fazer mal ao inocente?
“É justo, como o povo pensa, pagar o mal com o mal? Ou é injusto?”
A análise do respeito às Leis, mesmo às injustas.
De acordo com o filósofo grego, não se deve nunca cometer uma injustiça, vez que esta se confunde com o conceito de mau, e é evidente que os homens devem atuar de modo bom.
Sendo assim, não é correto que o Advogado, na efetivação da tarefa inerente à profissão, ignore uma lei por considerá-la injusta. Deve obedecê-la, ainda que nãoconcorde com seus termos. Não se pode pagar um injustiça com outra, nem desrespeitar as Leis sempre que convém, vez que Leis inaplicáveis são como inexistentes.
Nesse passo, é fundamental notar que as Leis são o parâmetro da atuação do profissional do Direito, mostrando-se ora como fonte de liberdade, ora como restrição.
Em verdade, para que se concretize o ideal de dar a cada um o que é seu, deve-se ter por base um critério. Esse critério, cujo respeito se impõe a todos, não é outro senão àquele estabelecido pelas Leis.
Desse modo, tem-se que cabe ao Advogado aceitar e fazer valer o quanto disposto nas Leis. Atuando desse modo, certamente estará auxiliando na difícil busca da efetivação da Justiça.
Finalmente, cabe ressaltar que, embora a veracidade desses ideais seja de difícil questionamento, sabe-se que a sua consecução também não é tarefa fácil. Contudo, a busca incessante pela efetiva realização desses ideais certamente aperfeiçoa o ser humano, acarretando benefícios para todos os componentes da sociedade.
Em verdade, se todos os indivíduos fossem irrestritamente justos, não haveria conflito, nem Direito. Todavia, isso não irá jamais ocorrer dada a complexidade da natureza humana, a qual, embora seja objeto constante da preocupação dos estudiosos, também é razão do eterno fascínio do homem para consigo mesmo.
	
	
Os conceitos trabalhados no diálogo
Crença na Verdade
Obediência as Leis
Justiça
Injustiça
Opinião pública
Trata-se de um diálogo de Platão sem Platão, ou seja, de um diálogo elaborado por Platão para converter em ensinamentos teóricos a conversa que ocorreu apenas entre Sócrates e Críton e que provavelmente lhe foi relatada. O discípulo Críton visitou o mestre já na prisão e propôs a ele que ambos pagar a quantia para que Sócrates, corrompendo seus carcereiros, fugisse de Atenas para outra cidade, escapando então da obrigação de tomar veneno ateniense. Críton afirma que a postura adotada por Sócrates estava sendo a mais cômoda e que isso era errado numa pessoa que sempre pautara sua vida pela virtude, ou seja, ele estava, de uma forma ou de outra, sendo leniente com a injustiça. A seguir, Críton colocou a pergunta: o que as pessoas vão pensar dos discípulos de Sócrates? Eles seriam, na voz do povo, os responsáveis por não ajudá-lo a fugir de uma condenação evidentemente injusta. Sócrates fora condenado à morte por corromper a juventude, mas nada ele tinha feito, a não ser exercitar o seu pensamento em praça pública e reunido discípulos.Fundindo a Filosofia com a Vida, Sócrates aplica a si mesmo a idéia de que não se deve pagar o mal com o mal. Sócrates claramente projetou, com sua morte, inscrever-se como exemplo ético para as gerações futuras e para seus discípulos. Ele instruiu Críton a não temer a opinião e a intriga da maioria, estabelecendo que só contaria a opinião de uma minoria: os sábios. Ele não estava morrendo por amor à democracia e sim às leis da cidade, associadas com a Verdade e a Vontade Divina. A mulher com que Sócrates relatou, bem no início do diálogo com Críton, e que teria aparecido num sonho de Sócrates dizendo a ele que em breve ele estaria indo para a Ftia (região da Tessália, região da Grécia, em apenas três dias). Ao invés de interpretar o sonho como mensagem dos deuses de que deveria ir para tal região, Sócrates a interpretou como profecia de que ele deveria entregar-se. Sócrates reafirmou a validade de sua teoria: o bem, o belo e o justo seriam a mesma coisa. A grande contradição que permaneceu foi a seguinte: o homem, ao matar outro home, estaria violando a vontade de Deus, pois somente Deus é que poderia tirar a vida. Ou melhor dizendo, o Demiurgo ou os Deuses, para tratar em termos platônicos. Se o homem se julga capaz de tirar a vida do outro, está se colocando na posição de Deus. Estaria, assim, apoderando-se da postura de praticante das leis de Deus ou de juiz capaz de destruir aquilo que não foi criado por ele. Sócrates não era criação dos democratas gregos, daí ele não deveria ser destruído por eles. Se a condenação à morte foi justa, ela passou automaticamente a ser boa e bela, conforme o próprio pensamento de Sócrates. Numa linha de pensamento mais avançada, as leis seriam expressão de uma determinada ordem social. E essa ordem social, esse Estado seria presidido por uma classe. No caso, estaríamos tratando dos democratas, ou seja, da classe dos marinheiros e comerciantes que estava sentindo-se ameaçada pelas idéias de Sócrates, que os criticava e pregava o surgimento de uma nova aristocracia. Ao invés de procurarem atender às críticas e se transfomarem, os democratas passaram a querer abolir a crítica, ou seja, transformá-la num crime, num erro, numa ameaça: ela seria conspiração contra a cidade, atentado de lesa-pátria. Essa minoria faria, de seu interesse em se perpetuar no poder, a vontade coletiva e a voz do próprio Estado. Sócrates, na verdade, foi condenado para que um grupo pudesse se perpetuar no poder sem críticas e ameaças, mas ele não entendeu assim. Não viu na sentença uma expressão do interesse de um grupo e sim da cidade e uma diretiva dos deuses. Materializada a injustiça, só resta ao injustiçado sofrê-la, se formos seguir os ensinamentos socráticos. O fato que se deve perceber seria o seguinte: por mais que uma sentença de morte possa estar fundamentada (como, por exemplo, a de Saddam Hussein foi uma punição para seus atos enquanto tirano), ela não deixou de atender aos interesses a um grupo que deseja instalar uma democracia simpática aos USA no Iraque. Para que essa democracia possa florescer, há o empecilho de um tirano que sabe demais: embora a sentença esteja fundamentada, ela atende, no atual momento político, aos interesses de um grupo que está no poder e precisa dela para a remoção de uma ameaça, um empecilho indesejável. Existem atenuantes para Saddam Hussein: seus crimes se fizeram, pelo menos a princípio, em nome da pátria iraquiana, que suas atitudes diante de países estrangeiros (Israel, Kuwait, Irã) se mantinham coerentes: Hussein buscava mais e mais poder e riqueza para seu país e seu povo para obter ainda mais poder para si e seu grupo. Já seus juízes atendem, claramente, a um governo gerado sob ocupação de uma potência estrangeira, com todas as coações que isso implica, ainda que com formalidades democráticas inexistentes sob o regime de Saddam.
Na obra filosófica “Críton” de Platão está patente um diálogo entre amigos (Sócrates e Críton), os quais se esgrimem com argumentos, a fim de chegarem a um consenso e coerência comum sobre o destino escatológico de Sócrates.
O “Críton” tem um contexto histórico-filosófico, este insere-se numa trilogia filosófica elaborada por Platão. Esta trilogia inicia-se com a “Apologia de Sócrates”, a qual trata da problemática da condenação injusta de Sócrates; seguidamente vem o “Críton”, o qual trataremos neste artigo; e por último o “Fédon”, no qual constatamos a procura de argumentos sobre a imortalidade da alma por parte de Sócrates, do mesmo modo podemos verificar a morte de Sócrates através da cicuta.
A obra “Críton” enceta-se com um amigo (Críton) que vai ter com Sócrates, sendo ainda deveras cedo. Sócrates estava numa serenidade tal que dormia tranquilo, o horror da morte não o atormentava, suportava esta situação com uma “facilidade e doçura”. Críton achando que Sócrates estava a ser alvo de uma condenação injusta faz pressão para que ele fuja. Críton começa esta pressão com o argumento de que mesmo as pessoas idosas (como Sócrates) se revoltam contra a sua própria morte, pois, Críton ficava perplexo com serenidade que Sócrates possuía perante a morte. A pressão é acentuada quando Críton afirma que a morte de Sócrates “arrastará mais de uma desgraça”, primeiro porque vai ficar privado de um amigo, depois porque as pessoas o vão condenar por suporem que não tivesse consentido na fuga de Sócrates. Críton finda a sua argumentação alegando que se Sócrates fugir será bem recebido no estrangeiro, caso não queira fugir está a cometer um erro,entregando-se a si próprio, quando se podia salvar; estaria a trair os filhos, deixando-os abandonados e à mercê do destino; e estaria também a trair os amigos, pelos quais não consentia em fugir, levando-os a ser fruto de difamações por supostamente não estarem dispostos a ajudar.
Sócrates contra-argumenta Críton, através da “maiêutica”, afirmando que não se deve seguir a voz da multidão, que critica negativamente e calunia, mas sim devemos seguir a voz interior, a voz da razão, a qual deve ser a única que se deve considerar. Continua a sua contra-argumentação alegando que não se deve responder à injustiça com a injustiça, nem fazer mal a nenhum homem, seja o que for que ele nos tenha feito. Sócrates conclui a sua contra-argumentação de um modo interessante, dando voz às próprias leis: “(…) que procuras com o golpe que vais tentar senão destruir-nos, a nós, as leis e o Estado inteiro (…) ?”. Sócrates tinha sido fiel e defensor das leis durante toda a sua vida, caso fugisse estaria a condena-las e deitar por terra tudo o que tinha pregado sobre a justiça.
Este diálogo termina com Críton convencido com os argumentos defendidos por Sócrates, existindo assim um consenso entre ambas as partes.
Para uma melhor avaliação da obra achamos que era bom formalizar os argumentos principais de Críton e Sócrates para constatarmos se existe algum fundamento nos argumentos e se estes são relevantes.
Primeiro argumento de Críton:
Primeira premissa – Normalmente mesmo as pessoas idosas têm medo da morte e revoltam-se contra ela.
Segunda premissa – Sócrates é idoso.
Conclusão – Logo, Sócrates deveria ter medo da morte e revoltar-se contra ela.
Pensamos que este argumento é pouco relevante, pelo facto de Críton generalizar o sentimento que uma pessoa tem diante determinada realidade. Só porque normalmente, mesmo as pessoas idosas têm medo da morte e revoltam-se contra ela, não quer dizer que Sócrates tenha que ter este mesmo sentimento. Isto poderá levantar outras questões: será que Sócrates desejaria morrer? Se fosse assim ele nem sequer se preocupava com a sua defesa na “Apologia de Sócrates”.
Segundo argumento de Críton:
Premissa – Se Sócrates morrer, Críton irá ficar privado de um amigo
Conclusão – Logo, é necessário que Sócrates fuja para não perder um amigo.
Penso que este argumento tem pouco fundamento, verifica-se claramente uma perspectiva individualista e egoísta por parte de Críton.
Terceiro argumento de Críton:
Premissa – As pessoas vão condenar Críton por suporem que não tivesse consentido na fuga de Sócrates
Conclusão – Logo, para Críton não ser caluniado pela multidão, Sócrates tem que fugir
Este argumento está muito relacionado com o segundo, no qual se vê claramente o individualismo e egoísmo de Críton.
Quarto argumento de Críton:
Primeira premissa – Se Sócrates fugir será bem sucedido.
Segunda premissa – Se Sócrates não fugir está a cometer um erro.
Conclusão – Logo, é mais frutífero e bom Sócrates fugir.
Não concordamos muito com este argumento, porque pomos em causa a primeira premissa. Até quando é que o acto de Sócrates fugir será bem sucedido? Indo para o estrangeiro não será pior? Desrespeitar as leis é ser bem sucedido? Mas, Sócrates é que fica encarregado de destruir este argumento.
Por outro lado, Sócrates contra-argumenta e refuta os argumentos defendidos por Críton, tendo uma argumentação muito forte e valorizada, influenciou Críton e trouxe-o à realidade da justiça e do bem.
Primeiro argumento de Sócrates:
Primeira premissa – Só a voz interior (a voz da razão) nos leva à boa conduta.
Conclusão – Logo, não se deve seguir a voz da multidão que poderá levar-nos por maus caminhos.
Pensamos que este argumento é algo sólido, uma vez que a multidão não tem qualquer qualidade e capacidade para avaliar o nosso agir, então, devermos procurar na voz da razão, aquela voz interior (consciência) que tem capacidade para discernir e avaliar o nosso agir. Contudo, será que só a voz da razão nos leva à boa conduta? Não existirá excepções? A voz interior não poderá ser influenciada? Acho que é possível…
Segundo argumento de Sócrates:
Primeira premissa – Não é um acto de justiça fugir, mesmo sendo condenado injustamente.
Segunda premissa – Não se deve responder à injustiça com a injustiça, nem fazer mal a nenhum homem, seja o que ele nos tenha feito.
Conclusão – Logo, Sócrates não pode fugir para não cometer uma injustiça.
Este argumento é bastante sólido. Pois, se Sócrates fugisse estava a desrespeitar as regras, as leis, mesmo do próprio cárcere. E não se deve nunca responder à injustiça com injustiça, pois, segundo Sócrates “nunca é permitido ser injusto”. Deste modo, é um bom argumento para contradizer Críton.
Terceiro argumento de Sócrates:
Primeira premissa – Sócrates cumpriu sempre as leis
Segunda premissa – Se Sócrates fugir estaria a condenar e a deitar por terra tudo o que tinha pregado sobre a justiça.
Conclusão – Logo, Sócrates prefere não fugir para cumprir sempre as leis, afim de ser sempre justo e a sua vida sempre pautada pela justiça.
Quanto a este último argumento, verificamos que possui muito valor moral e ético. Pois, se Sócrates fugir estaria a ser um autêntico cobarde e a não cumprir aquilo que desde sempre pregou: “a justiça”. Por isso mesmo, consideramos Sócrates um modelo a nível moral e ético. Com este último argumento conseguiu convencer definitivamente Críton quanto à questão de não querer fugir, simplesmente se Sócrates fugisse estava a ser injusto. Por isso, era melhor para todos que ele ficasse no cárcere e consequentemente morresse.
Nesta obra constatamos com diversas perspectivas. Sócrates teve, de facto, no seu tempo uma visão de mundo. Ele vê claramente e profundamente as coisas do mundo que o rodeavam, por isso mesmo é considerado sábio. Não se incomoda nem dá valor à voz da multidão, mas apenas à voz da razão. Aquela voz que permite ver nitidamente a realidade e por conseguinte avalia-la. Sócrates tem acesso à verdadeira realidade ôntica e gnosiologica.
Do mesmo modo, é marcante Sócrates ser de tal modo justo. Ele leva até ao termo da sua vida o conceito de justiça com dignidade e honra. Acho que podemos dizer que foi um santo. Preocupou-se sempre com os modelos do bem, da justiça, tentado influenciar o seu próximo numa aproximação a esta visão de mundo.
Parece-nos também aceitável uma pequena analogia de Sócrates com Jesus Cristo. Apesar de serem essências muito opostas (um é um mero ser mortal, o outro é uma divindade) posso constatar alguns pontos convergentes. É de notar o modo como estes dois seres foram condenados: devido a acusações injustas. Os dois poderiam escapar de tal condenação: Sócrates podia fugir; Jesus Cristo, como ser divino, tinha poder para se libertar. Os dois não pagaram o mal com o mal, nem a injustiça com a injustiça, morrendo assim de uma forma “gloriosa” e honrada.
Achamos que a obra filosófica “Críton” de Platão tem um grande valor ético. Vemos, nesta obra, a pessoa de Sócrates resplandecente de dignidade e honra. Sócrates tem a audácia de apresentar o outro lado do argumento. Procura a coerência. Não seguindo a voz do vulgo, das pessoas, mas apenas a sua voz interior (o mestre).
A grande lição ética que apreendemos desta obra é o facto de “Não se deve, portanto, responder à injustiça com a injustiça, nem fazer o mal a nenhum homem, seja o que for que ele nos tenha feito”.
Ilações
Muitas vezes podemos ter o preconceito que as obras filosóficas não têm actualidade nos nossos dias, devido a serem obras por vezes antigas. Porém, estas obras têm um carácter muito profundo e actual. Podemos constatar isso, por exemplo, na obra Críton.
Críton é uma obra que nos transmite a virtude justiça. Isto é, Platão defende que devemos ser sempre justos em todas as circunstâncias. E não só naquelas que nos interessa. Portanto, continua afirmando que não se deve pagar o mal com o mal, nem a injustiça com a injustiça.
O que é que isto que dizer nos dias de hoje?!
A influênciade Sócrates, Platão e Aristóteles no Direito contemporâneo
Apesar de nunca ter escrito nada, com alguns até colocando em dúvida sua existência, é consenso que a filosofia nasce com Sócrates e Platão.
Inicialmente um sofista, Sócrates (470 – 399 a. C.) passa a criticar o relativismo adotado pelos sofistas, pois acreditava que era possível chegar à objetividade de justiça e à verdade, através do método, além de criticá-los pela prática de cobrar pelo ensino (Sócrates escolhia seus discípulos).
A obra “Apologia de Sócrates” é a versão de Platão de um discurso dado por Sócrates em cerca de 399 a. C., no qual ele faz sua defesa sobre as acusações de “corromper a juventude, não acreditar nos deuses e criar novas divindades”. Já "Críton” é um diálogo entre o encarcerado Sócrates e seu amigo Críton, em matéria de justiça, injustiça e a resposta apropriada à injustiça. Sócrates acha que a injustiça não pode ser respondida com a injustiça, recusando-se a aceitar a oferta de Críton para financiar sua fuga da prisão. E a obra “Fédon” retrata os últimos instantes de vida de Sócrates e o discurso sobre a imortalidade da alma
O método socrático é o chamado método dialético ou dialógico, ou seja, em debate com outras pessoas, sejam seus próprios discípulos ou sofistas. Divide-se em duas partes:
a) Ironia Visa a eliminar a doxa (opinião, crença sem fundamento), visto que esta é um impedimento para se chegar à verdade, fazendo perguntas com o objetivo de que o interlocutor caia em contradição e negue aquilo que afirmou inicialmente, vindo a descobrir que o ele que crê ser conhecimento não o é. Tem o objetivo de quebrar a ortodoxia (opinião reta), em oposição ao conhecimento.
b) Maiêutica (sinônimo de obstetrícia: arte do parto, de trazer à luz) Após a efetivação da ironia, tem-se a maiêutica, que visa à episteme (conhecimento verdadeiro, objetivo, científico, fundado), algo muito difícil de ser alcançado e impossível de ser transmitido ou privatizado como propriedade de alguém. Um professor apenas estimula um aluno a chegar ao conhecimento.
Ao receber da sacerdotisa, no Oráculo de Delfos, a resposta de que ele seria o homem mais sábio da Grécia, Sócrates teria afirmado “Só sei que nada sei”, demonstrando a consciência que ele tinha da sua condição de ignorância.
Sócrates defende que apenas respeitando as leis positivas (nomos) é possível fazer justiça. Reconhece, contudo, que nem sempre as leis são justas, entretanto deve-se obedecê-las mesmo assim para que haja segurança jurídica. Desrespeitar a lei configura injustiça e não anula aquela sofrida por uma lei ou ato injusto (relação com a sua recusa em fugir do cárcere). É um conflito para o qual não há solução. Justiça não significa respeitar a lei. Porém, o respeito a ela é um dos mecanismos para que haja justiça, uma condição necessária, mas não suficiente (visão contrária ao positivismo jurídico).
Após 30 anos sob uma ditadura espartana, Atenas acredita que o regime foi uma punição da deusa Atena pela desobediência do povo, como a de Sócrates, que, alvo de muitos inimigos, devido ao seu método utilizado na ágora, é acusado de corromper a juventude, não acreditar nos deuses e criar novas divindades. Apesar de reconhecer como injusto o seu julgamento, Sócrates se recusa a fugir da prisão enquanto aguarda sua execução, afinal o desrespeito à lei configuraria injustiça.
O filósofo grego Platão (428 – 347 a. C.) foi responsável por uma crítica ainda mais ferrenha aos sofistas do que aquela feita por seu mentor, Sócrates.
Continua a propor a crítica do conhecimento. Defende que para fazer ciência é necessário distinguir os tipos de conhecimento em:
a) Conhecimento sensível: Apreendido através dos sentidos, da experiência sensorial (empirismo). É um conhecimento particular (é a origem da doxa, fonte de erro), relativo (depende do momento e do sujeito que faz a percepção) e contingente (relativo, incerto).
b) Conhecimento inteligível: Apreendido através do intelecto, não dependendo dos sentidos, mas sendo puramente racional. É o conhecimento que possibilita alcançar o eidos (ideias, essência, conceito fundamental), sendo universal e necessário, funcionando como a origem da episteme.
O" Mito da caverna "foi escrito pelo filósofo grego Platão e encontra-se no Livro 7 da obra intitulada “A República” (narrada, em primeira pessoa, por Sócrates). Trata-se da exemplificação de como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona através da luz da verdade.
Em uma leitura epistemológica (teoria do conhecimento) do mito, conclui-se que o conhecimento sensível (sombras de outros seres projetadas dentro da caverna) opõe-se ao conhecimento inteligível (sujeito que se solta das correntes, deixando a ilusão dos sentidos, e rasteja para fora da caverna, num esforço intelectual, descobrindo que as projeções não definiam a verdadeira forma das coisas que eram agora acompanhadas de cores, formas e luz)
Já em uma leitura política, caso o sujeito decida voltar à caverna para revelar aos seus antigos companheiros a situação extremamente enganosa em que se encontram, correrá, segundo Platão, sérios riscos – desde a simples possibilidade de ser ignorado até de ser morto por eles, que o tomarão por louco e inventor de mentiras. Correria, portanto, como Sócrates, o risco de ser assassinado por expressar seu pensamento e querer mostrar um mundo totalmente diferente. Foi justamente por razões como essa que Sócrates foi sentenciado e morto pelos cidadãos de Atenas, inspirando seu discípulo a escrever o mito da caverna, no qual Platão nos convida a imaginar que as coisas se passassem, na existência humana, comparavelmente à situação da caverna: ilusoriamente, com os homens acorrentados a falsas crenças, preconceitos, ideias enganosas e, por isso tudo, inertes em suas poucas possibilidades.
Platão era um ferrenho defensor da aristocracia, o governo dos melhores, dos excelentes, considerada por ele como a melhor forma de governo, no sentido em que cada indivíduo faria aquilo no que é melhor.
Em “A República”, Platão mostra a estrutura política necessária para alcançar a justiça, ou seja, como o homem deveria se organizar para uma sociedade justa. Vejamos essa sociedadeestratificada (pirâmide; funciona como um corpo social):
1) Filósofos: símbolos da razão, responsáveis pela direção da sociedade; eram proibidos de terem vida e interesses privados, apenas públicos, para não correrem o risco de criar vínculos emocionais e acumular bens – o que seria prejudicial à administração do governo
2) Guardiães ou guerreiros: símbolos da força e coragem, responsáveis pela ordem e defesa social; eram proibidos de terem vida e interesses privados, apenas públicos, para não correrem o risco de criar vínculos emocionais e acumular bens – o que seria prejudicial à sua função
3) Trabalhadores: símbolos da sensibilidade e nutrição, responsáveis pela subsistência material e pela economia de toda a sociedade.
A separação dos indivíduos de cada grupo seria feita através da educação (paideia), a qual possuía uma função ideológica, possibilitando às pessoas descobrirem suas aptidões naturais (diferente da função educacional no Brasil contemporâneo). As famílias eram proibidas de criar e educar seus filhos, pois a educação era responsabilidade do Estado, a fim de que não houvesse favorecimento de ninguém quando na distribuição dos grupos (ter recursos financeiros não poderia significar ter poder).
Platão defende certa igualdade de gênero, ao afirmar que mulheres também poderiam chegar à função de filósofas. Além disso, Platão defende a ideia de rei-filósofo, ou seja, os filósofos deveriam governar com “carta branca” para exercer sua vontade, porque têm facilidade para apresentar a intelecção, o entendimento, da ideia do bem (agathon: o que é bom, o bem, um princípio supremo, o objetivo que se oferece à vida de todo homem, a fonte da felicidade; só o sábio pode atingi-lo, pois só ele sabe usar convenientemente a razão, o conhecimento inteligível).
Numa concepção orgânica de justiça,Platão conclui que há justiça quando existe harmonia do todo, ou seja, quando cada indivíduo desempenha sua função de acordo com sua aptidão natural, em prol do equilíbrio geral.
Presente em “A República” e “Fédon”, o conceito da psiquê remete à alma, à forma dos seres vivos. Não corresponde, portanto, ao espírito, um termo posterior proveniente da tradição hebraico-cristã. Divide-se em três partes, que devem estar em equilíbrio. A saúde psíquica existe quando cada parte desempenha sua função.
1) Racional: localizada na cabeça, responsável pelo conhecimento – o filósofo que possui as três partes equilibradas tem como virtude a sabedoria
2) Irascível (irritável): localizada no peito, responsável pelas paixões, sejam boas ou ruins – o guardião que possui as três partes equilibradas tem como virtude a coragem
3) Concupiscível (relacionada aos sentidos): localizada no ventre, responsável pelos apetites, sejam alimentares ou sexuais – o trabalhador que possui as três partes equilibradas tem como virtude a temperança
As partes irascível e concupiscível é aquilo que nos move, a nossa energia; são impulsos cegos e irracionais, que devem ser controlados pela cabeça (parte racional).
Aristóteles, no Livro 8 de" A República ", expõe as formas de governo em sua visão. Em ordem decrescente de degradação, não é imperativo que se passe por todas aquelas a seguir listadas:
1) Aristocracia: seria a sociedade mais justa possível; porém, não é algo estático e, para que não advenha a degradação, é necessário fazer política, ou seja, aproximar-se do conhecimento inteligível
2) Timocracia: seria o governo das paixões e emoções; os melhores ainda governam, porém não apenas pela intelecção da ideia do bem, pois foram corrompidos pelas paixões, como o poder, a honra e a glória (caso de Esparta, tida como melhor que Atenas para Platão)
3) Oligarquia: poder concentrado na mão de um grupo, que não são mais os melhores, mas aqueles que governam em benefício próprio; esse grupo não possui, necessariamente, a aptidão para governar, acarretando o problema de que a maior parte da população torna-se alienada à política, o que, em casos extremos, ocasionará o surgimento de mendigos (“peso morto”)
4) Democracia: advém de uma revolução decorrente do momento em que o povo percebe que é a maioria e expulsa ou mata os oligarcas; divisão da riqueza e do poder pelo povo; seria o lugar da máxima liberdade, o que geraria enorme instabilidade, visto que todos têm que decidir, inclusive aqueles que não estão aptos para tal (trabalhadores); é lugar da demagogia (a retórica manipula o pathos – emoções), não do discurso objetivo, o que desencadearia espantoso caos político e econômico; destaca-se um demagogo em especial, e as pessoas, desesperadas, abrem mão conscientemente da sua liberdade, possibilitando o advento da tirania.
5) Tirania: seria a sociedade mais degradada e corrupta, porque as pessoas são escravas do arbítrio de um terceiro (tirano), que persegue a aristocracia até exterminá-la e perde o contato com a realidade
Influenciado por Aristóteles, começa a valorizar a democracia misturada à aristocracia, defendendo o seguinte projeto: os cidadãos deveriam eleger aqueles que exerceriam a política, existindo ainda o Conselho de Anciãos, composto pelos indivíduos mais idosos e experientes com função de aconselhamento, os quais também justificariam e explicariam as leis, porquanto estas devem ser obedecidas pelo entendimento e aceitação, não por medo da sanção.
Antecipa o princípio da legalidade (mais importante instrumento atual constitucional de proteção individual), ao defender que os indivíduos submetessem-se somente à lei, não à vontade de alguém. Seria um mecanismo de segurança contra a arbitrariedade que não existia em “A República”, visto que os reis-filósofos possuíam “carta branca” para exercer sua vontade.
O filósofo Aristóteles (384 – 322 a. C.), nascido na Macedônia (região pobre da Grécia), não possui uma definição exata para o conceito de justiça, mas a analisa de cinco pontos de vista distintos – uma das dificuldades para estudá-lo. Estudou durante vinte anos na Academia de Platão, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental, até a morte do seu mentor.
Foi educador de Alexandre Magno (o Grande), futuro rei da Macedônia após o assassinato de seu pai, Filipe II. Alexandre foi o mais célebre conquistador do mundo antigo, responsável pelo período helenístico (inaugurado após sua morte), no qual a cultura grega é difundida às culturas orientais – desenvolvimento da noção de cosmopolitismo, isto é, da ideia de homem como cidadão do mundo, como formadores de uma única nação e pátria (polis universal).
Em 335 a. C., funda sua própria academia, o Liceu, onde os cursos valorizavam o conhecimento sensível, a experiência empírica e a observação. Era um crítico ao modelo dualista de Platão, defendendo o monismo: havia apenas um mundo no qual concentrava-se tanto o conhecimento sensível quanto o inteligível – traz as ideias platônicas para a imanência (imanente: essencial, intrínseco, indissociável x transcendência) do mundo.
Em sua obra “Ética a Nicômaco”, defende que o homem (zoom politikon – animal político) só existe dentro da vida política. Tudo possui uma essência, a qual é determinada por um fim (teleologia). A finalidade do homem é a felicidade (eudaimonia), a qual não é um estado (sentimento passivo), mas a atividade através da qual o homem realiza plenamente as suas aptidões. É a prática das virtudes, tanto teóricas quanto práticas. O meio para se atingir a felicidade são as virtudes, as quais, por sua vez, se encontram no meio termo, no equilíbrio, na moderação, entre qualquer extremo, e será encontrado por aquele dotado de prudência e educado pelo hábito no seu exercício. O excesso ou a falta (extremos) são considerados como vícios.
Aristóteles divide as virtudes em dois grupos:
1) Dianoéticas: são as virtudes teóricas, contemplativas e cognitivas (aprendizado pessoal), como a arte, a ciência, a sabedoria, o intelecto e a prudência
Prudência: significa moderação (não chegar adiantado, nem atrasado), devido à qual reconhecemos a necessidade de termos leis, visto que estas promovem o equilíbrio das relações; não vivemos em sociedade por instinto, como os animais, mas devido à prudência
2) Éticas: são as virtudes práticas, relacionadas à ação, comportamento, caráter (ethos: hábitos, costumes, identidade social, modo de ser, caráter de um povo; originou a palavra “ética”)
Hábito: é a maneira como agimos e reagimos habitualmente, o qual é moldado pela educação, pelas leis e pela própria pessoa, que nunca nasce dotada de tal característica
O indivíduo com caráter seria aquele dotado de virtudes éticas – temperança, coragem, generosidade e justiça.
A lei justa, portanto, seria aquela que leva a um comportamento equilibrado, moderado, no meio termo, promovendo, por exemplo, as virtudes éticas citadas acima. Tal conceituação, entretanto, envolve um lado obscuro, visto que pouquíssimos são aqueles capazes de realizarem plenamente suas aptidões e, consequentemente, chegar à felicidade – apenas o homem, grego, rico, que possui escravos, não sendo necessário que trabalhe.
A justiça política, na versão aristotélica para a dicotomia entre direito natural e direito positivo), dividiria-se em:
a) Justiça natural (physikon dikaion: justiça da natureza) • Defende que existem, sim, princípios universais que não são convencionados • Compara as leis da natureza, que são sempre absolutas e imutáveis, ao fogo, pois este é sempre o mesmo, independente do ethos • Compara o direito natural ao braço direito, visto que, ainda que a tendência hegemônica seja que a maior parte da população seja destra, há exceções (canhoto, ambidestro). Por exemplo, o casamento é um princípio universal, entretanto a forma como é implementado depende do ethos – portanto, o direito natural pode sofrer influência cultural e se alterar
Aristóteles, neste ponto, faz uma crítica aos pré-socráticos, afirmando que estes tornaram-sepresas fáceis para os sofistas ao não diferenciar as leis da natureza do direito natural – afinal, se ambos fossem a mesma coisa, como defendiam os pré-socráticos, todas as leis de qualquer povo seriam idênticas
b) Justiça convencional (nomikon dikaion: justiça positiva) • É a justiça criada artificialmente pela sociedade, sendo o produto de uma convenção da norma, não uma tendência natural (exemplo: dirigir do lado direito na maioria dos países) • Convive na sociedade concomitantemente com a justiça natural, portanto uma não exclui a outra
Os modos de realização da justiça seriam os seguintes:
1) Justiça distributiva: Possui o mérito como critério de valor: “Dar a cada um segundo o seu mérito”. A vida em sociedade é justa quando há distribuição equitativa de bens e obrigações, segundo o critério de valor adotado numa sociedade O problema seria que o mérito varia de sociedade para sociedade. Veja os exemplos: a) Oligarquia: possui o dinheiro, o berço, como mérito, sendo aquilo que determina (aumento de) bens e (diminuição das) obrigações dos oligarcas – seria a justiça nesta forma de governo.
b) Aristocracia: possui a excelência (aretê) na aptidão natural como mérito
c) Democracia: possui a liberdade como mérito. Daí decorre um problema: não é suficiente tratar todos os indivíduos igualmente, pois alguns precisam de privilégios para poder exercer sua autonomia, sua liberdade (exemplo: cadeirante precisa fazer a prova no 10º andar de um edifício). A solução, portanto, é tratar desigualmente os desiguais e igualmente os iguais. Vale ressaltar que o meu direito não se constitui na diminuição do direito do outro.
Coincidentemente e verificado posteriormente, a justiça distributiva tem total relação com o direito público: relações do Estado (que cria regras e as distribui de cima para baixo) com os indivíduos, visando à harmonia, ao equilíbrio, ao bem comum, na distribuição entre estes – de acordo com cada forma de governo.
A lógica da justiça distributiva seria a da proporção geométrica, afinal seria possível calcular como se daria tal distribuição. Se fosse plausível calcular o mérito ou demérito de alguém, essa distribuição seria de modo exponencial. Consequência: “desproporcionalidade” da pena (não exatamente, pois há uma lógica e sei qual será a sanção antes de cometer o crime) – um crime grave teria sanção assombrosa para evitar a sua prática.
Para saber o que é justo, devem-se analisar, no mínimo, quatro elementos: as duas pessoas da relação (levando em conta o mérito de cada um) e os dois objetos da relação (sempre existe obrigação e direito).
2) Justiça comutativa
É a justiça sinalagmática (bilateral e recíproca – marca as relações de reciprocidade de cada parte com cada parte) e corretiva (função de corrigir as desigualdades e imperfeições).
A justiça estaria no equilíbrio entre as partes, não importando o mérito dos indivíduos: “Que cada um dê ou receba o que a parte contrária deve dar ou receber”.
Coincidentemente e verificado posteriormente, a justiça comutativa tem total relação com o direito privado: relação apenas entre os indivíduos, entre os particulares, que não podem ser coagidos (como no direito público), mas se exige vontade livre (exemplo: contrato).
O justo se dá numa relação entre dois elementos, sendo eles os objetos da relação (obrigação e direito) – o mérito não é levado mais em conta.
A vida política em sociedade, segundo Aristóteles, é uma eterna luta entre justiça (equilíbrio, harmonia) e a combinação de coisas que não poderiam ser misturadas – hybris seria a sociedade injusta, desequilibrada, deformada. Em seu ponto máximo, essa luta acarretaria na destruição da vida política e em sociedade, portanto fazer política é a luta contra a hybris.
Para Aristóteles, algo pode ser injusto sem ser injustiça. Para configurar o injusto, é suficiente demonstrar o nexo causal. Feito isso, para configurar injustiça, é necessário que tenha havido ação voluntária, ou seja, aquela executada de maneira intencional e sob controle do agente, sem ignorar a pessoa afetada, o instrumento e o resultado.
Em sua obra “A Política”, composta por oito livros, possui como objetivo investigar as formas de governo e as instituições capazes de assegurar uma vida feliz ao cidadão. Para Aristóteles, não há uma forma ideal, uma que seja superior às demais, pois a melhor forma de governo dependerá do povo, da época e das condições reais – antecipa Montesquieu.
Na visão aristotélica, as formas boas de governo seriam aquelas nas quais o governante (um indivíduo, um grupo, ou o todo) administraria a sociedade visando ao interesse público e ao bem comum, havendo distribuição equitativa dos benefícios e dos custos da coletividade – relação com a justiça distributiva.
a) Monarquia: seria o poder na mão de apenas um indivíduo (não necessariamente um rei), que teria poder absoluto
b) Aristocracia: seria o governo do grupo dos excelentes, dos melhores, daqueles que têm aptidão natural para a administração
c) Politeia: seria a forma de governo popular, na qual todos os cidadãos governam, sem intermediários. A palavra, que significa “estrutura da polis” ou “organização política da sociedade”, pode ser, hoje, traduzida como “constituição” ou “república”
Já as formas corruptas e degradadas de governo seriam aquelas nas quais o governante (um indivíduo, um grupo, ou o todo) administraria a sociedade não mais visando ao interesse público e ao bem comum, mas tendendo a interesses escusos (escondidos, desonestos, ilícitos)
a) Tirania: seria a degradação da monarquia
b) Oligarquia: seria a degradação da aristocracia, podendo até mesmo ser composto pelos melhores
c) Democracia: seria a degradação da politeia, atual demagogia ou populismo. Ocorreria quando o povo tomasse decisões agindo de maneira irracional e alienada, movido por paixões e influenciado pela retórica – afinal, a vontade unânime (ainda que apoiada por 100% dos cidadãos) não é, obrigatoriamente, o interesse público (o desejo de vingança, por exemplo, destoaria desta visão do interesse público)
Aristóteles é o primeiro pensador-filósofo a esboçar a teoria da separação dos poderes, ao defender que as funções deveriam ser separadas entre os indivíduos.
1) Assembleia popular Os cidadãos, reunidos na ágora, iriam discutir e elaborar as leis; corresponderia ao atual poder Legislativo.
2) Magistratura (“cargo público”) administrativa Tendo em vista a preocupação econômica, Aristóteles propõe que indivíduos preparados para tal função gerissem e administrassem os gastos públicos; corresponderia ao atual poder Executivo.
3) Magistratura jurídica Seria composta por anciãos experientes e sábios, com a função de resolver os conflitos existentes entre os indivíduos; corresponderia ao atual poder Judiciário.
COMENTÁRIO DO FILME SÓCRATES DE ROBERTO ROSSELLINI POR
ROBERTO BOLZANI PROFESSOR DE FILOSOFIA (USP)
Estudioso dos diálogos de Platão, acha a figura de Sócrates um pouco controvérsia, por não ter deixado nada escrito. Diz que existem poucas fontes que falam sobre ele, Platão, Xenofonte e Aristófanes (Foi um crítico de Sócrates e aparece no vídeo). Roberto Rossellini se inspira o filme, evidentemente, nos diálogos de Platão. Ele escolhe alguns desses diálogos onde a figura de Sócrates é muito marcante. Alguns deles não só apresentam os diálogos como apresenta alguns dos acontecimentos da vida de Sócrates.
O mais antigo dos textos é o chamado Apologia de Sócrates que não é um texto dialogado, é um texto de prosa corrida no qual Platão estaria relatando o discurso de Sócrates em sua própria defesa no tribunal quando ele foi acusado de corrupção da juventude e por negar os deuses da cidade, introduzindo deuses novos. Acusação feita por Meleto e Ânito.
Os diálogos são geralmente breves, curtos e provavelmente inspirados na figura de Sócrates. Conhecidos como Diálogos Socráticos ou Diálogos de Juventude de Platão.
Destes diálogo, há um muito importante para o filme, o “Críton”, pois nele, Platão cria como cenário a prisão onde Sócrates já estácom a sua condenação e na qual ele recebe Críton que é o amigo mais antigo dele.
Os outros diálogos são também chamados de Aporéticos, pois termina em aporia que significa, em grego, sem ter uma solução, sem saída. E parece que de fato, a intenção dele não é oferecer solução para os problemas que é investigado pelas personagens, mas, criar uma situação de dúvida insolúvel.
Outro diálogo que o filme explora é o Fédon que já é um diálogo considerado de maturidade de Platão. Cujos cenários, é a vida final de Sócrates, quando ele na prisão recebe os discípulos pela última vez, está preste a tomar o veneno que vai lhe matar, a cicuta, e aí ele defende a tese junto com os seus discípulos que ele não morrerá de verdade, a sua alma, ou seja, ele mesmo enquanto alma sobrevive a morte do corpo, que é uma tese de enorme influência posterior no cristianismo, mas que provavelmente não é uma tese socrática, mas uma tese platônica.
Rossellini elege esses três diálogos como roteiro básico do filme. Mas aparece também passagens de outros diálogos, por exemplo, no momento em que ele é comunicado pelos discípulos que ele foi acusado, ele vai ao tribunal e se depara com duas pessoas, Hípias que é um Sofistas, considerado importante porque eles fazem um contraponto a figura socrática. Sócrates é uma espécie de herói nos diálogos, e o sofista uma espécie de vilão. Estes professam um saber que Sócrates diz ser um falso saber.
Hípias, Protágoras, Gógias, que chegam a serem mencionados no filme eram professores de retórica. Eles ensinavam aos jovens diante de um certo pagamento, a usar bem os discursos nas assembleias. Então os sofistas tinham um papel muito importante na construção da carreira política dos jovens cidadãos, sobretudo em Atenas, que é uma democracia onde o uso da palavra é livre ao cidadão, portanto ter um domínio da retórica era uma forma muito eficaz de uma boa carreira pública.
Sócrates contrapunha a eles, o que ele considerava investigação da verdade com essa maneira sofística de utilizar o discurso como um instrumento retórico. Claro que, historicamente, essas diferenças não eram tão grandes quanto as que Platão descreve em seu diálogo.
Hípias cruza com Sócrates no caminho quando ele ia até o tribunal e nesse momento o roteiro de maneira muito sucinta retoma o conteúdo do diálogo, e nesse diálogo o tema é a noção de belo. Mas, aí o belo não tem só um conceito estético, tem também um aspecto moral. O grego quando queria falar de uma ação moralmente boa ele usava o adjetivo belo. Mesmo em Português eu posso dizer: “isso é uma bela ação”. E o tema da beleza então é posto. Hípias sabe o que é belo, aliás Hípias diz que sabe qualquer assunto, ele é bastante pretensioso e Sócrates começa a desenvolver o seu estilo argumentativo e interrogativo e pergunta a Hípias o que é o belo? Hípias responde o que é o belo de uma maneira que não responde de fato a pergunta porque ele responde  que o belo é uma bela moça. Sócrates então mostra a ele que uma bela moça não responde a pergunta o que é o belo porque existe outras coisas belas além de belas moças, belas éguas e ele chega a dizer belas panelas. Até uma panela pode ser bela! Então responder essa pergunta é responder o belo que torna belo a bela moça que torna belo a bela égua e que torna belo a bela panela. Esta é a questão fundamental dos diálogos socráticos de Platão. A busca de uma verdade universal para o conceito. Geralmente esses conceitos são conceitos morais.Quando Sócrates mostra a Hípias que ele não responde a pergunta ele diz que está atrasado e vai embora.
Chegando no tribunal Sócrates encontra Eutífron, que é um personagem de outro diálogo de Platão. E ali se desenvolve outro diálogo sobre a noção de piedade. E Sócrates pergunta a ele o que fazia no tribunal e ele diz que veio acusar o pai porque este assassinou um dos escravos dele. Eutífron é um sacerdote. Sócrates pergunta a ele o que é um piedoso e ele responde que o piedoso era o que ele ia fazer agora acusando o pai no tribunal. Ele dá uma resposta que novamente não responde a pergunta do que é piedoso, porque o piedoso tem que ser algo que está presente em todas as ações piedosas, e não somente naquela ação particular.
Isso, em menos de 5 minutos de filme, Rossellini sintetiza e dá ao espectador a ideia do que teria sido o famoso método interrogativo socrático que mostrava buscar para o interlocutor que não sabia o que imaginava saber e ao mesmo tempo mostrava a este interlocutor responder a pergunta o que é num determinado conceito, não pode ser apresentado um exemplo, mas tem que ser o que mais tarde se chamou uma definição universal. Disso, Platão vai tirar toda a sua filosofia pessoal, essa busca de definições universais.
Isso muito rapidamente Rossellini no filme introduz de maneira muito clara, claro que quem conhece os diálogos identifica rapidamente esses diálogos, mas, de maneira muita clara e sucinta é que apenas no caminho da casa de Sócrates até o tribunal ele embutiu esses dois breves diálogos.
Tem um momento no filme em que Rossellini faria uma associação muito interessante, quando ele associa a acusação feita por Sócrates no tribunal a uma ideia que aparece num diálogo posterior que é o Fédon que já é um diálogo de maturidade de Platão, no qual Platão faz uma famosa crítica a escrita, valorizando a oralidade. Esse diálogo Fédon, Platão diz que o ensino da filosofia é muito mais eficaz oralmente do que por escrito. Que o texto escrito é um texto congelado é incapaz de reformular-se, ele está fixo enquanto que a oralidade na sua flexibilidade permite uma correção, uma reformulação. Isto na verdade pode ser visto como um grande elogio do método socrático, da interrogação oral. Lembrando que Sócrates não deixou nada escrito, é possível que Sócrates tenha defendido essa tese. E a oralidade é um instrumento muito mais eficaz, filosófico do que propriamente o texto escrito.
Isso é uma pequena fala de Sócrates, que retoma no fim do diálogo Fédon. Basicamente são esses diálogos que aparecem com clareza. Aparecem certas teses socráticas que estão espalhadas nesses diálogos. Por exemplo:
Sócrates teria defendido nos diálogos a tese de que a virtude moral é um tipo de conhecimento, que quem detém um conhecimento do que é uma virtude, por causa desse conhecimento, da posse desse conhecimento agirá de maneira virtuosa. Essa é uma tese muito importante, a de que a virtude moral, a moralidade da ação do indivíduo resulta da posse de um saber que o indivíduo possui. Por isso, então é preciso descobrir a resposta a pergunta: o que é a virtude? O que é a piedade? O que é a moderação? O que é a justiça? Porque somente sabendo o que são essas virtudes se poderá agir virtuosamente.
Uma outra tese que Sócrates teria defendido, segundo esses diálogos de Platão, que é uma tese que Platão vai retomar que tem uma enorme importância na sua filosofia é a de que há um saber político na cidade que não pode ser diferente de uma competência reconhecida por exemplo para um técnico. Então tem um momento do filme que Rossellini retoma um argumento usado por Sócrates que é mais ou menos o seguinte: se nós tivéssemos de navegar, viajar de navio, ele pergunta ao seu interlocutor, nós vamos escolher quem para pilotar o navio, a resposta é evidentemente: o piloto do navio. E, por quê? Porque nós reconhecemos nele um saber do que é pilotar um navio. Nós não vamos pedir ao carpinteiro que pilote o nosso navio, se nós tivéssemos que fazer mesa e cadeiras pediremos ao carpinteiro que as faça porque ele detém um saber sobre isso.
O que Sócrates diz é que na vida política é a mesma coisa que devemos pensar de quem deve governar a cidade é quem detém o saber sobre o que é governar a cidade. Assim como o piloto do navio detém um saber de como pilotar um navio. Foi uma tese muito importante para Platão porque ela é uma crítica a democracia ateniense. Na concepção da democracia ateniense todo e qualquer cidadão sabe governar. O que Sócrates está introduzindo aí é uma crítica dessa ideia. Governar bem é possuirum certo saber, um saber moral, que legitima que determinados indivíduos sejam governantes na cidade.
Outra tese que Sócrates queria defender também, que é uma tese muito interessante e difícil, é a de que cometer uma injustiça prejudica mais aquele que comete a injustiça do que aquele que sofre a ação da justiça. Essa é uma tese que aparece em vários diálogos de Platão, e um deles é atribuída a Sócrates. Que é preferível ser injustiçado a cometer injustiça.
Essas teses todas aparecem muito fluidas nos diálogos. Na verdade, provavelmente Sócrates não tinha uma doutrina acabada sobre essas teses. Ele deve tê-las utilizado com o objetivo fundamental dele, que era mostrar ao interlocutor que o interlocutor não possuía o saber que ele imaginava possuir. E isso nos leva talvez ao texto central sobre Sócrates que é a Apologia de Sócrates.
A Apologia de Sócrates, como já havia dito ela é o texto de juventude de Platão, no qual ele relata a defesa que Sócrates faz no tribunal. E ali Sócrates tem um episódio famoso que inclusive você vê no filme explorar largamente o que é o oráculo de Apolo.
Segundo Sócrates conta, um amigo dele foi até a cidade de Delfos que é onde fica o oráculo do Deus de Apolo. O oráculo era um templo qual fica uma sacerdotisa, a Pítia, que é encarregada de responder as perguntas feitas pelos homens e ela responde pelo deus Apolo.
A resposta dada por ela é a resposta da própria divindade. E esse amigo de Sócrates pergunta a ela: Existe alguém mais sábio do que Sócrates? E ela respondeu que não. Então o deus Apolo responde que não. Sócrates diz eu não entendi porque a única coisa eu que sei é que não sei nada, então o deus está enganado. Vou provar que o deus está enganado. E aí ele diz vou procurar na cidade aqueles que são considerados sábios na cidade. Portanto, ele vai testar a afirmação que a divindade faz sobre o seu saber com aquilo que os homens na cidade julgam ser o saber. E ele então procurará políticos, poetas e artesãos. Ora, diz Sócrates então que interrogando esses indivíduos ele constata que todos eles imaginavam possuir um saber que não possuíam. Que ele, Sócrates, tinha um saber, que eles não tinham, que era o fato de que eles não sabiam nada, que ele estava consciente de que não sabia nada. Então a sabedoria socrática é a consciência da ignorância. E a ignorância dos pretensos sábios está na presunção de possuir um saber que não possui.
Sócrates diz, essas interrogações que eu fiz produziram vários inimigos para mim, porque os homens que diziam saber algo, quando eu mostrava que eles não sabiam, passavam a me odiar e provavelmente por trás desse ódio está a acusação a que ele é submetido no tribunal. Ele é acusado porque , ganhou muitos inimigos com essas sua investigação E ele termina neste trecho da Apologia dizendo: A partir deste momento eu me tornei um auxiliar de Apolo, um assistente de Apolo, ou seja, eu passei a interrogar qualquer indivíduo para mostrar que ele pensava ter um saber que de fato não tinha e aí diz Sócrates a minha vida toda eu passei afastado da vida pública, sem nenhuma pretensão política, pobre, sem nenhuma preocupação em acumular riquezas, interrogando todo e qualquer individuo que diante de mim professasse algum tipo de sabedoria para mostrar a ele que ele não tinha saber nenhum.
Por isso, então os diálogos de Platão, diálogos de juventude, são todos eles sem uma solução, porque aí a intenção de Sócrates não era solucionar, a intenção de Sócrates teria sido produzir no interlocutor a consciência de que aquele saber de que ele imaginava possuir era falso saber.
Num dos diálogos de velhice de Platão, chamado Teeteto, Platão vai descrever esse método socrático se valendo, e aí já é difícil saber se foi  Sócrates ou Platão, se valendo de um fato interessante.
Sócrates era filho de uma parteira e de um escultor e nesse diálogo, Sócrates afirma que o que ele faz com os interlocutores é o mesmo que a mãe fazia com as mulheres ao ajudar a dar a luz. Ele dizia mesmo que interrogando os seus interlocutores ele não produzia nenhum saber nos interlocutores, ele apenas ajudava seus interlocutores a trazerem a luz alguma verdade que eles possuíssem na sua alma. Chamava-se de parteiro como sua mãe. A palavra grega para a arte da parteira é maiêutica e daí vem uma expressão que é muito conhecida que é a maiêutica socrática. Esse método interrogativo de que auxiliava o interlocutor a trazer para a sua própria consciência as verdades ou falsidades que eles possuíam na sua alma. É um método eminentemente, negativo, interrogativo, portanto muito provocativo. E o filme do Rossellini deixou isso muito claro.
Sócrates raramente responde alguma objeção com afirmações decisivas ele levanta sempre perguntas que levariam ao seu interlocutor a se convencer naquilo que ele acha que o interlocutor deve aceitar. É um estilo de Filosofia eminentemente interrogativo.
Fazer um filme sobre Sócrates, na Itália em 1970 e de uma maneira muito sólida, porque é muito evidente de que Rossellini tem uma formação humanística muito rica, que conhece os diálogos de Platão, tem um apelo muito interessante, porque Sócrates citou na história da filosofia uma espécie de exemplo paradigmático do intelectual que se contrapõe aos poderes estabelecidos. Algo que é muito forte na Europa numa época em que Rossellini faz o filme.
Esse tema da relação entre o intelectual e o poder. E Sócrates é claramente o indivíduo que prefere manter as suas convicções, mesmo que isso lhe custe a vida, porque o que há de mais impressionante no caso Sócrates é que quando ele é julgado e condenado é costume no tribunal ateniense que o condenado tenha o direito de propor uma pena, quando ele é condenado a morte, a propor uma pena alternativa. Normalmente, composta em uma multa em dinheiro, um valor alto. Sócrates diz, eu não me considero culpado de nada, ao contrário esse trabalho que eu faço de interrogação é um benefício que eu faço para os homens, portanto eu não posso propor para mim pena nenhuma porque estaria admitindo que eu teria uma culpa. E aí de uma maneira muito irônica ele diz, proponho que a cidade me sustente como ela sustenta os vencedores nos jogos olímpicos, porque eles se consideram alguém que deve ser sustentado pela cidade porque pelo que ele faz pela cidade é benéfico a cidade. Ora, ao dizer isso, ironicamente, ele obriga o tribunal a condená-lo a morte. O tribunal não tem alternativa agora a não ser condená-lo a morte. O que significa que entre entrar em contradição com a sua própria vida e salvar sua vida ele preferiu manter a sua coerência. Tem uma fala no filme que Sócrates diz “nisso eu não vou negar as minhas convicções da vida toda”, ele prefere ser condenado a morte do que ter que negar essas suas convicções.
E aí ele se torna uma espécie de símbolo desta maneira de ver a vida interior de um intelectual que ele considera mais importante do que qualquer concessão que ele tenha de fazer aos poderes estabelecidos.
Sócrates nunca foi um desobediente a lei. Tanto que no diálogo Críton, quando Críton propões a ele fuga da prisão ele diz eu fui condenado pela lei, pela cidade, eu não vou fugir da prisão, o que seria cometer uma injustiça. Portanto, ele é um legalista, ele obedece a lei.
Mas, quando a lei o obriga a ir contra a suas convicções, essas convicções para ele são mais importantes do que qualquer desejo legal da cidade.
É interessante de que no momento, que esse tema é muito forte, na cultura europeia do papel intelectual na cidade que esse filme seja feito e que haja um destaque muito claro para isso um conflito entre a convicção do intelectual e aquilo que o poder estabelecido exige desse indivíduo.
Há, portanto um contraste muito forte entre o indivíduo e a cidade, o indivíduo e o poder público e o episódio socrático é um episódio no qual o valor, a vida interior intelectual ela é superior a qualquer tipo de imposição dos poderes estabelecidos.
Isso é um tema atemporal, época de Sócrates, época de Rossellini, da nossa época. Qual é o papel da reflexão do livrepensamento numa cidade, num país. O intelectual deve ter um papel na vida pública e que tipo de papel ele deve ter. Ele deve se engajar partidariamente ou não, são temas que fazem parte das nossas preocupações de certa maneira Sócrates é o exemplo paradigmático dessa visão da relação do indivíduo e a cidade.
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