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66 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Unidade II 5 ARTE IMPERIAL NO BRASIL VISTA PELA FOTOGRAFIA 5.1 O fotógrafo Militão Augusto de Azevedo Militão Augusto de Azevedo nasceu no Rio de Janeiro, em 1837, veio para São Paulo com 25 anos como ator de uma companhia de teatro. Nesse mesmo ano atua na peça Luxo e Vaidade de Joaquim Manuel de Macedo. São Paulo tinha uma população bem acanhada, 30 mil habitantes, e apenas 50 ruas. Não se tem notícia se nessa época Militão já tinha algum domínio da fotografia. O Rio de Janeiro era uma cidade muito mais promissora do que São Paulo, por ser sede da Corte e também por ser uma das referências culturais do País. São Paulo era apenas uma singela cidadezinha, longe das praias e que se localizava no alto de um planalto, fato que dificultava o acesso dos comerciantes e dos fotógrafos, caso houvessem. Na década de 1850, São Paulo tinha apenas dois estúdios fotográficos daguerreotipistas: Ignácio Mariano da Cunha Toledo e Manoel José Bastos. Cidades como Recife, Rio de Janeiro e Salvador já tinham vivenciado várias experiências com a fotografia urbana, pelas mãos dos fotógrafos Auguste Stahl, Benjamin R. Mulock, George Leuzinger, Camilo Vedoni, João Ferreira Villela, entre outros, e São Paulo ainda era vista como uma cidade de pouso e de passagem não obrigatória. [...] é sintomática a observação do historiador Affonso d’E. Taunay ao lembrar que “até 1860, data que nos aparece a providencial série de fotografias, aliás, ótimas, de Militão Augusto de Azevedo, os arrolamentos de peças de iconografia paulistana mantêm‑se insignificantes”. As fotografias de Militão contrastam com as de outras cidades mais agitadas e dinâmicas do País. Enquanto essas também enfatizam a exótica paisagem e a população nativa, ele circunscreve em suas imagens valorizando a cidade construída com um grande número de vistas das vias públicas. A partir desta experiência, ele dá início à sua produção de retratos (BARBUY; JUNIOR; FREHSE, 2012, p. 10). Foi em um cenário de conturbada movimentação no ramo fotográfico em 1860 que o nome de Militão começa a aparecer associado à fotografia. Não se sabe se ele teve realmente uma aprendizagem anterior ou não na área, mas é notório que realizou uma série de vistas urbanas, provavelmente com o intuito de aprendizado e domínio da técnica, pois nesse período (1862) começou a trabalhar no estúdio Carneiro & Gaspar, cuja matriz era no Rio de Janeiro. Veja o cartão do estúdio na imagem: 67 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 70 – Cartão do Estúdio fotográfico Carneiro & Gaspar Provavelmente Militão que já se encontrava com mulher e filho nessa época, e é possível que tenha escolhido a carreira de fotógrafo por ser mais promissora do que a de ator. Vamos conhecer fotos dessa série comentada das primeiras imagens da cidade de São Paulo. Figura 71 – Igreja e Convento do Collegio, 1862 68 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 72 – Antiga Academia de Direito, 1862 Figura 73 – Academia de Direito (restaurada em 1884), 1887 A cidade de São Paulo nesse transcorrer sofre grandes mudanças, tornando‑se muito mais próspera. Foi fundado o Jornal Comércio Paulistano em 1854, a construção da Estrada de Ferro Santos‑Jundiaí, inaugurada em 1867 como São Paulo Railway, surgiram também grandes hotéis, teatros, o famoso Mercado de São Paulo (mercadão), às margens do Rio Tamanduateí, entre muitas outras inovações. Essa movimentação trouxe novos ares à cidade e, sem dúvida, deve ter influenciado muito o jovem artista Militão, ainda indeciso entre o teatro e a fotografia. De sua trajetória nos palcos, sabemos que atuou como cantor e ator no Rio de Janeiro entre 1860 e 62 na Companhia Dramática Nacional. Em São Paulo, continuou nessa última companhia até 1863 e depois excursionou em 1866 pela Europa na Companhia Teatral; sua última aparição como ator foi em 1869, na Companhia João Caetano (Rio). Sua dedicação à profissionalização fotográfica ocorria em paralelo, e faria dele, mais tarde, um dos nomes essenciais da fotografia paulistana. Ironia do 69 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS destino ou não, um carioca protagonizou a primeira grande reportagem fotográfica da cidade de São Paulo (BARBUY; JUNIOR; FREHSE, 2012, p. 12). Militão produziu também o Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo 1862‑1887. Veja miniatura das páginas, que foram reduzidas para ilustração em aproximadamente 75%. Figura 74– Reprodução fotográfica do Álbum Comparativo Na sequência torna‑se proprietário do antigo estúdio Carneiro & Gaspar, onde trabalhou por um tempo e lhe dá o nome de Photographia Americana. Realizou lá muitos retratos e conseguiu baratear os preços, pois importava os produtos e os equipamentos de Paris, alcançando grande notoriedade. Com a experiência que tinha em teatro, oferecia possibilidades criativas, sendo esse seu maior diferencial. Saiba mais Carte de visite ou cartão de visita é o formato de apresentação de fotografias inventado pelo francês André Adolphe‑Eugène Disdéri (1819‑1889) em 1854 e assim denominado em virtude de seu tamanho reduzido (apresentava uma fotografia de cerca de 9,5 x 6 cm montada sobre um cartão rígido de cerca de 10 x 6,5 cm). Para saber mais, consulte: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo84/cartao‑de‑visita>. Confira um carte de visite frente e verso, realizado no estúdio Photographia Americana de Militão e na sequência vários retratos que ele montou, sendo denominado posteriormente como inventário ilustrado dos tipos da população paulista de sua época. 70 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 75 – Carte de visite frente e verso com logotipo próprio Figura 76 – Reprodução fotográfica do Álbum Comparativo 02 71 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Militão Augusto de Azevedo Após seu falecimento, em 1905, Militão tem sua obra veiculada sem registro de autoria e cai no esquecimento até meados do século XX. Apenas em 1946 começa a ser reconhecido, quando o fotógrafo Gilberto Ferrez (1908‑2000) destaca seu nome em ensaio pioneiro de balanço dos fotógrafos mais representativos atuantes no País no século XIX. Na década de 1970, passa a ocupar posição privilegiada na história da fotografia brasileira, recebendo atenção crítica decisiva da professora e escritora Ilka Brunhilde Laurito (1925‑2012), que em 1972 publica o artigo O século XIX na fotografia de Militão, no jornal O Estado de S. Paulo. No ano seguinte, imagens do Álbum Comparativo integram uma das primeiras exposições dedicadas à história da fotografia brasileira, realizada no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Além de sua produção fotográfica, Militão Augusto de Azevedo deixa o Livro copiador de cartas, longo manuscrito composto de cartas enviadas pelo fotógrafo entre 1883 e 1902, cujo registro de questões técnicas da fotografia e das atividades da Photographia Americana constitui um importante documento para o estudo de sua obra e da história da fotografia no Brasil. 5.2 Marc Ferrez (carte de visite: escravos – nobres) Marc Ferrez (1843‑1923) nasceu no Rio de Janeiro – RJ. Foi o mais importante fotógrafo brasileiro do século XIX. Era filho de Zepherin Ferrez e sobrinho de Marc Ferrez,escultores franceses conhecidos por integrarem a Missão Artística Francesa. Com a morte de seus pais em 1851, passou oito anos em Paris, onde residiu na casa de Alphée Dubois, famoso escritor francês. Voltando ao Rio de Janeiro, trabalhou na Casa Leuzinger, oficina fotográfica criada por George Leuzinger, que também oferecia serviços de tipografia, ateliê de fotografia e ponto de revenda de gravuras e material fotográfico, papelaria, oficina de encadernação e douração. Cerca de metade da sua produção fotográfica foi realizada na cidade do Rio de Janeiro e no seu entorno. Em 1860 começa a aprender técnicas fotográficas com Franz Keller‑Leuzinger, abrindo seu próprio negócio em 1865, a Casa Marc Ferrez & Cia., exercendo, dessa forma, a profissão de fotógrafo. Em 1875 integrou como fotógrafo uma expedição financiada pela Comissão Geológica do Império, que circulou os estados conhecidos hoje como Alagoas, Bahia, Pernambuco e uma parte da Floresta Amazônica. Em meados dos anos de 1870, percorreu diversas regiões do Brasil em trabalhos comissionados ou como principal fotógrafo das construções ferroviárias no Brasil. 72 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 77 – Rua São Clemente, 1870 Em 1880 encomendou a confecção de uma máquina fotográfica ao francês M. Brandon. Projetada pelo próprio Ferrez, tinha a capacidade de executar imagens panorâmicas em grandes dimensões. Passou a ser conhecido por ser fotógrafo de paisagens, obras públicas, retratos e foi o único fotógrafo brasileiro intitulado de “Photographo da Marinha Imperial”, por Dom Pedro II. No fim do século XIX, Marc Ferrez focou seu trabalho na paisagem humana, mais especificamente em seus ofícios, registrando imagens de profissões até mesmo já extintas, como: garrafeiro, vassoureiro, quitandeiro, cesteiro etc. Seguem algumas de suas imagens da época: Figura 78 – Veleiro no porto do Rio de Janeiro, 1880 73 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 79 – Praia de Botafogo, 1885 Figura 80 – Hospício Nacional de Alienados, na Urca, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1890 Essa foi uma época marcada por grandes mudanças, permeada pelo fim da escravidão. Com isso, se antes o trabalho nas ruas era considerado indigno por ser executado apenas por escravos, o trabalho fotografado por Ferrez registra tal mudança. Fotografar pessoas fora do estúdio não era uma tarefa simples e corriqueira. Encontrar as condições técnicas era um ofício árduo, pois a iluminação era muito diferente e inferior. Por esse motivo muitos retratos fora do estúdio eram realizados em jardins, ao ar livre. 74 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II O interior das residências sempre era abarrotado de muitos objetos decorativos e repleto de texturas, o que dificultava conseguir uma imagem fotográfica harmônica. A seguir uma fotografia da princesa Isabel e da baronesa de Muritiba que está no Acervo do arquivo Grão Pará – Príncipe Dom Pedro de Orleans e Bragança: Figura 81 – Cartão de visita – pose 3, 1886 Malta (2014) descreve um pouco do conteúdo imagético da imagem: [...] tomada de diferente posição, o salão se transformou, e as moças assumiram posição mais estudada. A visão priorizou composição ampla, distanciada, com efeito de maior profundidade. A presença de parte da porta indicou que o ambiente foi aberto ao fotógrafo, situação presente em muitas fotografias que necessitam de considerável distanciamento da cena para captá‑la de modo mais abrangente, buscando abarcar uma maior porção do ambiente. Também, simbolicamente, a vista de parte da porta lembrava que se olhava para um território íntimo e particular, mas com o consentimento do fotografado, fazendo com que os sentidos de público e privado passassem por certas revisões. Como nos lembra Susan Sontag, “fotografar pessoas é violá‑las, ao vê‑las como elas nunca se veem, ao ter delas um conhecimento que elas nunca podem ter: transforma as pessoas em objetos que podem ser simbolicamente possuídos”. O gabinete de uma dama – a princesa Isabel – mostrava‑se abertamente, deixando às claras seu lugar de convívio, de encontro com as amigas, de entretenimento pessoal. Os objetos que a envolviam, que acalentavam seus olhos diariamente e que serviam aos seus mais diversos desejos estavam fixos em papel e com a potencialidade de serem repetidos e espalhados publicamente (MALTA, 2014, p. 344). 75 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Esse tipo de fotografia mostrava o indivíduo em seu lugar, na sua intimidade, dessa maneira, tanto ele como os outros viam e passavam a conhecer a sua casa, sem precisar ali estar fisicamente. A casa não era vista como um cenário artificial, de pose, como ocorria nos estúdios. Segue mais uma imagem do mesmo segmento: Figura 82 – Fotografia do gabinete particular de Dom Pedro II, 1885 A partir de 1903 realizou a documentação das obras da construção da atual Avenida Rio Branco (Rio de Janeiro), conhecida na época como Avenida Central. Dois anos depois, em 1905, a firma francesa Pathé Frères passa a ser representada pela Casa Ferrez & Filhos, tornando‑se a fornecedora de grande parte dos cinematográficos da cidade. Em 1907 inaugurou, junto com Arnaldo Gomes de Souza, o Cine Pathé. Ele foi um dos pioneiros da fotografia no Brasil. Através de suas fotografias, Marc Ferrez conseguiu registrar um novo Brasil, que passará a ser conhecido como país independente. Figura 83 – Postcard in Brazil – Rio de Janeiro’s Avenida Central, 1900 76 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Dessa forma Ferrez era mais que um fotógrafo, era um contador de histórias a partir de negros, escravos, ex‑escravos, brancos, índios, homens e mulheres. Suas obras são um dos principais documentos visuais do século XIX do Brasil, especialmente da cidade do Rio de Janeiro. Foi pioneiro na pesquisa e experimentação de novos equipamentos fotográficos, sendo o responsável pela introdução das chapas fotográficas coloridas (autochrome) no Brasil, criadas pelos irmãos Lumière. O ápice de sua carreira deu‑se quando suas visitas ao Rio de Janeiro foram impressas nas notas de 2 mil e 100 mil réis, entre 1890 e 1900. Faleceu em 1923 na mesma cidade que nasceu. 6 A ARTE MODERNA A rápida ascensão da modernidade decorrente da Revolução Industrial rompeu com o realismo que ainda permeava as camadas da sociedade. O ritmo acelerado da crescente urbanização e o surgimento de novas camadas da sociedade também se conjecturou no âmbito artístico, promovendo maior sensibilidade e resgatando o que havia se perdido em meio ao aglomerado de máquinas e na procura da forma ideal, “em termos visuais, abstração e uma simplificação que busca um significado mais intenso e condensado” (DONDIS, 1997, p. 95). Diante do Impressionismo, porta de entrada da Arte Moderna, e da ascensão da abstração, ocorreu um grande impacto estético ao longo do século XX. Os movimentos de vanguarda tiveram papel fundamental nas influências artísticas, subvertendo os impulsos realistas e acarretando liberdade estética na capacidade imaginativa do artista e do público. A abertura da abstração trouxe uma estratégia importante na compreensão da estrutura da mensagem, pois quanto mais representacional for a informação visual, mais especifica será sua referência; quanto mais abstrata, mais geral e abrangente. Em termos visuais,a abstração é uma simplificação que busca um significado mais intenso e condensado (DONDIS, 1997, p. 95). Como consequências dessa inquietação surgida no limiar do século XX, várias tendências se juntaram à racionalidade da abstração sobre a emotividade do Impressionismo: o Cubismo, o Surrealismo, o Fauvismo, o Construtivismo, o Dadaísmo, o Expressionismo e o Futurismo (sendo este último a plataforma modernista que mais influenciou a vanguarda no Brasil), são os maiores exemplos do novo lugar da estética que floresceu na primeira metade do século. O surgimento da Arte Moderna vem romper com a tradição acadêmica pelas abstrações artísticas, tornando a discussão sobre o inconsciente e morte da arte cada vez mais frequente. Freud e sua psicanálise vem apontar para a descoberta do inconsciente e revoluciona a concepção do homem, marcada até então pela filosofia cartesiana, pelo pensamento racional. Dessa forma, o artista se libertava do retratismo visível e dava asas às suas realidades psíquicas pelo formalismo em detrimento do tema. A forma estética da Arte Moderna vem resgatar a solidez que o Impressionismo dissolvera em luz, tornando‑a expressiva e impactante, propensa a experimentações. O pintor francês Paul Cézanne (1839–1906), por exemplo, foi se distanciando do Impressionismo e sua arte já esboçava o bastante para que ele fosse considerado por alguns estudiosos como o pai da modernidade. 77 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 84 – Les Grandes Baigneuses, Cézanne, 1900‑6 Características de vanguarda como contrastes e hachuras podem ser observadas na obra de Cézanne, bem como pinceladas diagonais encurtadas, que, por sinal, por assemelharem‑se a cubos, dão o nome do movimento. A Arte Moderna foi um processo gradativo quanto aos seus aspectos, chegando ao seu auge com o movimento cubista, responsável por modificar completamente as noções de estética, tendo como Pablo Picasso, artista plástico espanhol (1881‑1973), seu maior expoente. As faces esquematizadas dos corpos femininos e a peculiaridade das formas cubificadas e sem detalhes de Les Grandes Baigneuses serviram de inspiração à obra de Picasso. Saiba mais Cubismo é um movimento de vanguarda, reunindo artistas plásticos e poetas em voga nas primeiras décadas do século XX. O seu início data de 1907, quando Picasso, em Paris, pinta Les Demoiselles D’Avignon, tela marcada pelo deslocamento formal da silhueta das figuras. Para mais informações, consulte: MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004. Os abstracionistas se distanciavam cada vez mais do mundo real, aproximando o espectador de elementos que criavam uma relação de significados. Na obra Woman with a Guitar, Georges Braque (1882‑1963) introduziu letras, partituras e cordas para aludir a ideia de um instrumento musical. Percebe‑se a guitarra e a pessoa a partir de traços; e pelos olhos fechados da mulher, a sensação de satisfação e prazer. Nesse contexto, podemos entender que o jogo de associações criado pelo artista através de simbologias e elementos do mundo reconhecido aproxima o observador da linguagem do artista, facilitando, de alguma forma, a compreensão da obra. 78 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Observação Vale ressaltar que a obra Woman with a Guitar de Georges Braque, embora não seja caótica, apresenta elementos que ajudam a levar o olho ao redor da pintura. Braque cria dinâmica visual através do equilíbrio. O espectador pode ver o marrom da guitarra, equilibrado no topo pela inclusão de um retângulo de cor idêntica. Pela mesma razão da área escura para a direita da pintura, em que poderia ser um ombro estilizado, é equilibrado pela mesma cor do lado esquerdo. Figura 85 – Woman with a Guitar, Braque, 1912 O estilo de Picasso seguiu a mesma tendência, caminhando por várias vertentes da linguagem plástica, do Expressionismo ao clássico, do semiabstrato ao abstrato, como podemos observar nítidas diferenças estéticas entre as obras Autoportrait Yo, de 1901, e Les Demoiselles D’Avignon, 1907, ambas do pintor espanhol, sendo a última considerada a obra que anunciou definitivamente as transformações da arte moderna na concepção estética do belo. 79 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 86 – Autoportrait Yo, Pablo Picasso, 1901 Figura 87 – Les Demoiselles D’Avignon, Picasso, 1907 A concepção estética do Cubismo trouxe muitas críticas quanto à sua natureza disforme, manifestando‑se pela falta de compreensão diante da nova linguagem. No entanto, as contribuições para a história, a partir das direções estéticas tomadas após o Cubismo, consagraram ao movimento importância análoga ao período renascentista, pois “não apenas rompeu com o comportamento do 80 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II plano tridimensional da pintura, mas, sobretudo, resgatou sua forma bidimensional e mostrando o objeto sob vários ângulos, simultaneamente, determinando forte influência no desenho da página impressa” (SILVA, 2007, p. 58). Lembrete No século XIV, surgiu na Itália o Renascimento, movimento caracterizado pelo rico período de desenvolvimento da cultura europeia, difundindo‑se por toda a Europa durante os séculos XV e XVI. O período propunha a ruptura com as tradições medievais e a preocupação em reproduzir o mais fielmente possível o mundo exterior, passando a ser o grande desafio dos artistas. O movimento cubista teve sua expansão interrompida durante a Primeira Grande Guerra, mas não se extinguiu, abrindo campo para novas experiências estéticas e evoluindo em direção a outras manifestações artísticas e de aspectos comerciais como o design publicitário que predominou durante toda a década de 1920. Mais que uma linguagem da arte moderna, o Cubismo concebeu uma nova estética, sugerindo a construção de imagens redesenhadas para um conceito que imitasse menos a realidade em direção inevitável ao abstrato absoluto. O período do modernismo cultural ao qual nos referimos foi caracterizado por grandes avanços tecnológicos e desenvolvimento social, impactando profundamente o âmbito cultural. A arte moderna propiciou novas experiências estéticas e a ruptura do pensamento linear ao quais as artes se aprisionaram. Assim, uma maneira de compreendermos como nossa percepção estética foi alterada por essas mudanças de linguagem, iniciadas no modernismo cultural, é pensar como os avanços materiais, no sentido da modernização econômica e social do início do século XX – avanços que foram impactantes naquele momento como as transformações presentes –, conduziram a um hiperestímulo e, com isso, a mudanças cognitivas (ALVARENGA; JUNQUEIRA, 2009, p. 2). Em suma o estímulo causado pela revolução social e cultural que surgiu no fim do século XIX e começo do XX foi o estopim para a busca de novas linguagens estéticas. A velocidade das transformações obriga sempre a sociedade não apenas a produzir mais rápido, mas também a compreender mais rápido. Apesar das tensas circunstâncias iniciais, o Modernismo se estabeleceu e transformou a cultura. Essa resistência ao novo, aliás, manifesta‑se sempre que algo vem de encontro ao pensamento tradicional, como veremos no Brasil, quando jovens vanguardistas tomaram de assalto a conservadora elite paulistana. 6.1 A semana de Arte Moderna no Brasil No início do século XX, os efeitos da Revolução Industrial caminhavam a passos lentos em um Brasil ainda agrário e aristocrático.O País testemunhava as primeiras levas migratórias para as grandes cidades brasileiras e explosivas discussões sobre a identidade nacional e os problemas sociais germinados pela 81 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS industrialização. Poucos burgueses, artistas e intelectuais tinham acesso às influências que a Europa ocupava na posição vanguardista cultural. Jovens de famílias paulistas abastadas, exceção nessa época, estavam eufóricos pelo nacionalismo emergido da Primeira Guerra Mundial e contagiados pelo centenário da Independência do Brasil. Em 1912, o escritor Oswald de Andrade e a pintora Anita Malfatti (então com 22 e 23 anos de idade, respectivamente) já tinham percorrido a Europa e mantido contato com os movimentos de vanguarda, principalmente com a proposta estética futurista, renovadora e pregando o desprezo pelo passado, influenciando diretamente esses e outros jovens artistas que buscavam não mais copiar os modelos estéticos europeus, e sim criar uma arte que pudessem chamar de brasileira. Perceberam que a diversidade cultural e racial do Brasil poderia reconstruir uma identidade e renovar as artes e as letras pela pesquisa estética a que tinham direito, como assinala Amaral: Assistimos, além dessa derrubada, a atualização da linguagem brasileira com a do mundo contemporâneo, ou seja, universalismo de expressão. Como consequência imediata daquele nacionalismo, emerge a consciência criadora nacional: voltar‑se para si mesmo e perceber a expressão do povo e da terra sobre a qual ele se estabeleceu (AMARAL, 1998, p. 13). O escritor Mário de Andrade e Oswald formaram as principais personalidades de liderança do plano teórico e a divulgação dos novos movimentos estéticos das artes que retomava sua força após a Primeira Grande Guerra, vindo a eclodir com a Semana de Arte Moderna, evento realizado no Teatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922. Figura 88 – Mário de Andrade II, por Anita Malfatti, 1922 Figura 89 – Oswald de Andrade, por Tarsila do Amaral, 1922 82 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Observação A Semana de 1922, como ficou conhecida, é quase unânime entre os estudiosos como um marco divisor no panorama literário e artístico brasileiro, porém um evento isolado serviu de pré‑estreia ao advento da Arte Moderna no Brasil: a exposição de Anita Malfatti, realizada em 1917, mesmo ano em que Mário e Oswald se conheceram. Figura 90 – Autorretrato, Anita Malfatti, 1922 Influenciada pelo Expressionismo e pelo Cubismo, Anita Malfatti realizou uma mostra de suas obras ao retornar de seus estudos na Europa chamada Exposição de Pintura Moderna/Anita Malfatti. As 53 telas da artista – entre elas O Homem Amarelo, O Japonês, Uma Estudante e A boba, – são vistas sem alarde por um público de cultura medíocre e de informação artística limitada, até que o jornal O Diário de São Paulo publica a crítica do escritor Monteiro Lobato em 20 de dezembro de 1917, atribuindo um pesado julgamento às obras da artista e à Arte Moderna em geral, defendendo a arte acadêmica, como nos aponta Fonseca: O artigo irado, que ficara conhecido por uma indagação de percurso, Paranoia ou mistificação? Abala em primeiro lugar amigos e familiares de Anita Malfatti. Em meio ao mal‑estar causado pela truculência das palavras de Lobato, sai no Jornal do Comércio de janeiro de 1918 um pequeno artigo em defesa da artista. Aproveitando o ensejo do encerramento da exposição, o articulista elogia a coragem da pintora de apresentar seus trabalhos em um ambiente tão impermeável a experiências inovadoras. E consagra Anita Malfatti como artista (FONSECA, 2007, p. 114). 83 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS A crítica agita e choca a vida cultural provinciana paulistana. Apesar da defesa pública de Oswald, o prestígio de Lobato gera um golpe terrível para Anita. Alguns quadros são devolvidos e outros são atacados na exposição a bengaladas, tamanha hostilidade que se formou em torno da artista. Figura 91 – O Homem Amarelo, Anita Malfatti, 1915‑6. Figura 92 – Uma Estudante, Anita Malfatti, 1915‑7. Portanto antes mesmo da Semana de 22, esse histórico episódio é a passagem traumática que resulta no ponto de partida da Arte Moderna no Brasil, e Anita passa a ser conhecida pelos intelectuais paulistanos, formados principalmente por Menotti del Picchia, Di Cavalcanti, Victor Brecheret, além dos próprios Oswald e Mário. A partir daí os pejorativamente denominados futuristas paulistanos escandalizariam a sociedade. Chamados de loucos, rebeldes e estranhos, as esculturas de Brecheret, a Pauliceia Desvairada de Mário de Andrade, As Mulatas de Di Cavalcanti, a música de Villa‑Lobos, entre outras obras desse período, são o verdadeiro manifesto modernista brasileiro. Nesse rol novos adeptos do Modernismo se juntaram ao manifesto e que participaram da Semana de Arte Moderna: Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Sérgio Milliet, Guiomar Novaes, Hildegardo Leão Veloso, Guilherme de Almeida, Henri Mugnier, Zina Aita, Ferrignac, Ernani Braga, Wilhelm Haarberg, Tácito de Almeida, Candido Motta Filho e Georg Przyrembel. 84 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 93 – Participantes da Semana de Arte Moderna, 1922 1. René Thiollier 2. Manuel Bandeira 3. Mário de Andrade 4. Manoel Vilaboin 5. Francesco Pettinati 6. Motta Filho 7. Paulo Prado 8. Flamínio Ferreira 9. Graça Aranha 10. Afonso Schmidt 11. Goffredo da Silva Telles 12. Couto de Barros 13. Tácito de Almeida 14. Luis Aranha 15. Oswald de Andrade 16. Rubens Borba de Moraes Figura 94 – Ordem dos presentes O evento, idealizado pelo pintor Di Cavalcanti e incentivado por Paulo Prado, mecenas de tradicional aristocracia cafeeira paulistana (e que conseguira patrocínio do então presidente do Brasil, Washington Luís Pereira de Sousa), consistia em três noites de conferências, leitura de poemas e audições musicais, além da exposição com cerca de 100 obras aberta ao público de segunda a sábado no saguão do Teatro Municipal de São Paulo. 85 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 95 – Teatro Municipal de São Paulo Com exceção da abertura, em que a plateia de gala desfilava no saguão entre obras e palestras, os dias 15 e 17 foram marcados por várias manifestações hostis de vaias e de inquietação, como aponta Fonseca pelos olhos de Menotti del Picchia: Menotti del Picchia, mestre de cerimônias no dia 15, lembra que naquela noite os ânimos estão exaltados. Quando se proclama o nome de Oswald de Andrade, a plateia desaba em vaias: “Uivos, gritos, pateadas no assoalho, risadas, dichotes chistosos ou impertinentes. Um caos!” (FONSECA, 2007, p. 131). E completa: Há viva disposição do público presente de impedir o espetáculo, com tumulto generalizado. “Oswald não se perturbou. Marchou impávido para a frente da ribalta. Tomou entre as mãos gordas mas firmes as tiras datilografadas de um capítulo de Os condenados e pôs‑se a ler fundindo‑se sua voz na gritaria. Em vão tentei restabelecer silêncio e ordem” (FONSECA, 2007, p. 131). O relato de Menotti del Picchia, mesmo com o decorrer dos anos, parece ainda gravar a forte impressão da contenda: Como um herói em uma trincheira visada por todos os lados pela fuzilaria inimiga e revidando com o esvaziar a cargada única arma, Oswald, calmo, com o sorriso mordaz com que fazia suas travessuras literárias, continuava a ler a história da alma, das criaturas fatalizadas e torturadas que torturavam 86 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II seu romance Os condenados. Ao terminar, o estrondo de vaias aumentou (PICCHIA apud FONSECA, 2007, p. 131). O acontecimento mais marcante no encerramento da Semana de 1922 foram as vaias para Villa‑Lobos que entrara com sapato em um pé e sandália em outro. O ato, visto como provocação pela plateia, era devido a uma crise de gota, o que não impediu o maestro de se apresentar naquela noite. Em matéria no Jornal do Comércio, de 22 de fevereiro, observa‑se a reação da sociedade, como aponta a autora sobre a apresentação de Villa‑Lobos: Com sua música privada de bom senso, puramente africana, destituída de melodias e harmonias, de modo que não resiste à menor análise harmônica sem que o crítico o classifique de disparatado e absurdo, ele, entretanto, receberia do governo federal a missão de representar o Brasil em uma série de concertos na Europa, ainda em dezembro daquele ano (CAMARGOS, 2003, p. 93). Com exceção das obras de Villa‑Lobos e de Malfatti, pouco havia de vanguarda e moderno no festival: Porém mesmo que não fosse vanguarda, aquilo que foi apresentado, chocou. O grupo que rejeitava o passadismo era vitorioso na intenção demolidora. Inexistente a qualidade, a segurança de linguagem, a audácia maior, estavam presentes, contudo, a inquietação, em sintonia com o País, e a percepção da necessidade de mudança (AMARAL, 1998, p. 16). Vista na época como uma manifestação elitista, a Semana de Arte Moderna de 1922 deixou sua mensagem de pré‑consciência do espírito nacional como um momento histórico decisivo na formação de sua identidade. Foi o ponto de partida para o vanguardismo brasileiro questionar a estética vigente e para a redescoberta do Brasil por um projeto no qual a língua e a cultura foram objetos da nova estética que surgia. A origem embrionária da Semana de 1922, repleta de atitude estética revolucionária, atravessou os anos 1920, 1930 e até os dias de hoje seus propósitos estéticos são disseminados na cultura brasileira. O grupo modernista que se forma em torno da Semana de Arte Moderna foi se dispersando em novos núcleos e interesses. Para alguns ficou como saudade da pauliceia que desvairou com seus jovens gloriosos, para outros, um vendaval que se foi. Para Oswald e Mário, a vida artística começa a intensificar seu brilho (AMARAL, 1998, p. 142). Lembrete Vimos o Movimento Renascentista, a Revolução Industrial, o Impressionismo e a Arte Moderna, para citar apenas alguns exemplos de períodos e vanguardas que vieram romper com os conceitos existentes e 87 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS materializar novas linguagens. Esse foi e sempre será o papel da vanguarda artística: elucidar a liberdade estética à capacidade imaginativa do artista e do público em um certo momento de ruptura de valores. 6.2 O Grupo dos Cinco e os movimentos modernistas Após a Semana de Arte Moderna, o movimento modernista brasileiro, comumente ligado aos temas políticos, começara a ganhar força e, através de novas manifestações artísticas, o povo começou a aprender um pouco mais sobre a sociedade brasileira e tirando suas próprias conclusões, formando as suas próprias opiniões. Frequentemente o foco desses artistas era denunciar, através da arte, as diferenças sociais, caracterizadas pelos grupos de imigrantes proletários e pelas oligarquias desenvolvidas nas zonas rurais. O papel dos jovens envolvidos na Semana de 1922 foi decisivo na busca de uma identidade estética nacional, reconhecendo sua essência e pluralidade cultural, colocando‑se contra tudo que fosse importado da Europa. Dessa estreita relação de pressupostos metodológicos de um modernismo em gestação, formou‑se a união dos chamados Grupo dos Cinco, composto de Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Anita Malfatti e pela recém‑chegada da Europa, Tarsila do Amaral. Figura 96 – Grupo dos Cinco, desenho de Anita Malfatti, 1922 O Grupo dos Cinco reunia‑se no ateliê de Tarsila, na casa de Mário ou no apartamento de Oswald, e, apesar de um período curto e de pouca produção – o grupo dissolve‑se em seis meses –, foi riquíssimo quanto à produção intelectual e ideias que envolviam o momento de efervescência cultural e os rumos da arte no Brasil e na Europa. 88 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 97 – Autorretrato, Tarsila do Amaral, 1924 Figura 98 – Carnaval em Madureira, Tarsila do Amaral, 1924 A partir daí ideias se fundiram a diversos manifestos nacionalistas, como o Movimento Antropofágico. Obras literárias como Macunaíma, João Miramar, Pau‑Brasil, Grande Sertão: Veredas, composições emblemáticas de Villa‑Lobos e quadros como Abaporu, de Tarsila, e os painéis Guerra e Paz, de Portinari, entre tantos outros, são resultados desse esboço que se projetou muito além de seus objetivos iniciais. 89 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 99 – Abaporu, Tarsila do Amaral, 1928 O Movimento Antropofágico surge nos fins da década de 1920, liderado por Oswald de Andrade, que foi inspirado pelo quadro de Tarsila Abaporu, palavra indígena que significa o homem que come carne humana, antropófago. A ideia de Oswald era se utilizar do conceito de antropofagia praticado pelos índios Caetés nos rituais de canibalismo para se apropriarem da força e das qualidades admiradas e desejadas de seus inimigos. Deixavam, portanto, de devorar aqueles considerados fracos, covardes ou medíocres. Dessa forma o conceito metafórico de devorar uma atitude estético‑cultural e assimilar os valores culturais estrangeiros era a proposta dessa corrente, valorizando ao mesmo tempo a cultura nacional reprimida pelo processo de colonização do Brasil. Segundo o manifesto antropofágico, publicado em 1928, o movimento tinha como propósito a ruptura da estética importada e a representação de um novo modo de ser e estar no mundo pela expressividade intelectual nas artes, e ia mais além, como aponta a autora: O que se percebe nesse movimento, ao qual aderiram artistas, poetas e escritores, é que ele não se restringe a questões relacionadas à inovação estilística e expressiva. Os envolvidos estão preocupados com uma renovação da iconografia nacional, buscando construir, a partir de uma linguagem moderna e universal, uma identidade brasileira – mas não uma fechada em si mesma. Quer‑se buscar novas formas de expressão, que sejam caracterizadas pela hibridação resultante da mistura de elementos próprios da realidade brasileira (por exemplo, as cores fortes, as paisagens tropicais, a herança étnica e cultural indígena e africana) com as tendências internacionais (como o cubismo, na pintura) (ESPERANDIO, 2007, p. 19‑20). 90 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II O Movimento Tropicalista emerge em 1968 como uma atualização do Movimento Antropofágico no âmbito musical, configurado como uma nova estética cultural e ideológica “que se origina do aproveitamento de elementos estrangeiros fusionados à cultura brasileira, fazendo surgir um estilo original” (ESPERANDIO, 2007, p. 20). Todavia a produção cultural que envolvia os conceitos do Tropicalismo ultrapassa a produção musical, expandindo‑seno teatro, na literatura, nas artes plásticas e no cinema. Oswald de Andrade revoluciona com o primeiro texto modernista para o teatro embasado no livro homônimo publicado em 1937, O Rei da Vela, obra que denunciava o quadro social brasileiro nos anos 1930 pós‑crise financeira de 1929. A encenação ocorre em 1968, em plena ditadura militar, causando grande impacto sobre o público. Nas artes plásticas, destacam‑se os trabalhos inovadores de dois grandes artistas brasileiros de formação concretista, Hélio Oiticica (1937‑1980) e Lygia Clark (1920‑1988). Figura 100 – Caranguejo (Bicho), Lygia Clark, 1960 Figura 101 – Cosmococa 5 – Hendrix War, Hélio Oiticica, 1974 91 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Nesse contexto, o cineasta Glauber Rocha (1938‑1981) inova com uma feroz crítica social nos longas‑metragens Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) e Terra em Transe (1967), inaugurando uma nova corrente artística do cinema nacional denominada Cinema Novo, de cunho político e social e engajada na realidade brasileira, consequência direta do regime militar. Figura 102 – Glauber Rocha nas filmagens do filme O dragão da maldade contra o santo guerreiro (Antonio das Mortes), 1969 Na música Caetano Veloso se apropria do título (Tropicália) de um trabalho de Oiticica, de 1967, e lança a primeira faixa de seu primeiro álbum solo em 1967, nome que também seria o título do seu álbum subsequente. Caetano, junto aos cantores Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, à banda Os Mutantes e ao maestro Rogério Duprat formariam os maiores representantes do Tropicalismo na música popular brasileira. O tropicalismo representou, na cultura brasileira, um período profundamente criativo e relativamente fugaz. Os sujeitos que emergem nesse campo de batalha e dão forma de expressão a esse movimento enfrentam o recrudescimento da repressão militar. No fim do ano de 1968, o Ato Institucional número 5 decreta o fim das liberdades civis e de expressão. Contudo, ainda que breve, o tropicalismo aponta‑nos algo de extrema relevância: “a incorporação com intenções de crítica cultural, dos impasses e dilemas gerados pela modernização da sociedade brasileira, no universo do consumo” (NAPOLITANO; VILLAÇA, 1998 apud ESPERANDIO, 2007, p. 23). 92 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 103 – Capa do álbum Tropicália ou Panis et Circensis, 1968 A construção sintática de Tropicália ressalta uma mistura semântica e referencial da linguagem carnavalizada, cuja estrutura permite a substituição dos significados e inserção de um dinamismo que os fragmenta. A letra de Caetano, em seu conjunto, forma uma paródia potencializada de referências literárias, uma metáfora alegórica do Brasil, de modo que a operação crítica que se processa é algo concreto, não uma ilustração ou símbolo de carência (FAVARETTO, 2000, p. 72‑3), como podemos observar: Sobre a cabeça os aviões Sob os meus pés, os caminhões Aponta contra os chapadões, meu nariz Eu organizo o movimento Eu oriento o carnaval Eu inauguro o monumento No planalto central do país Viva a bossa, sa, sa Viva a palhoça, ça, ça, ça, ça O monumento é de papel‑crepom e prata Os olhos verdes da mulata A cabeleira esconde atrás da verde mata O luar do sertão 93 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS O monumento não tem porta A entrada é uma rua antiga, Estreita e torta E no joelho uma criança sorridente, Feia e morta, Estende a mão Viva a mata, ta, ta Viva a mulata, ta, ta, ta, ta No pátio interno há uma piscina Com água azul de Amaralina Coqueiro, brisa e fala nordestina E faróis Na mão direita tem uma roseira Autenticando eterna primavera E no jardim os urubus passeiam A tarde inteira entre os girassóis Viva Maria, ia, ia Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia No pulso esquerdo o bang‑bang Em suas veias corre muito pouco sangue Mas seu coração Balança a um samba de tamborim Emite acordes dissonantes Pelos cinco mil alto‑falantes Senhoras e senhores Ele põe os olhos grandes sobre mim Viva Iracema, ma, ma Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma Domingo é o fino da bossa Segunda‑feira está na fossa Terça‑feira vai à roça Porém, o monumento É bem moderno 94 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Não disse nada do modelo Do meu terno Que tudo mais vá pro inferno, meu bem Que tudo mais vá pro inferno, meu bem Viva a banda, da, da Carmen Miranda, da, da, da da. Fonte: Veloso (1968). Devido à perseguição da ditadura e às constantes censuras, o Tropicalismo se dispersou, culminando com o exílio de Caetano e Gil ao exterior, seus principais precursores, deixando claro o conceito da arte tropicalista do não conformismo social, da experimentação do novo, pois seus artistas pretendiam não apenas fazer música, mas fazer política pela produção artística. Saiba mais Hélio Oiticica apresentou, no MAM do Rio, uma instalação (assim a chamaríamos hoje) em forma de labirinto pela qual o visitante percorria descalço e vestido com parangolés coloridos, caminhando sobre areia e entre plantas, araras e poemas, até alcançar, dentro de uma tenda, um aparelho de TV ligado. Para saber mais, consulte: MATTOS, C. A. Walter Lima Júnior: viver cinema. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2002. 7 FIGURAÇÃO X ABSTRAÇÃO Apresentaremos três artistas renomados que fizeram sucesso nas décadas pós Semana de Arte Moderna. Os trabalhos deles são considerados figurativos na sua maioria, sendo que Claudio Tozzi teve várias obras dentro do abstracionismo. 7.1 Alfredo Volpi Nasceu em Lucca, Itália, em 14 de abril de 1896. Um ano depois, seu pai veio para o Brasil e abriu uma loja de queijos e vinhos. Ainda criança trabalhou como marceneiro‑entalhador e encadernador. Aos 15 anos torna‑se pintor‑decorador. Sua primeira pintura e cavalete é datada de 1914. Expõe pela primeira vez em 1925 em uma coletiva no Palácio da Indústria de São Paulo. Apesar de receber críticas negativas, vende seu primeiro trabalho, o qual apresenta a irmã costurando. Veja a imagem: 95 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 104 – Minha irmã costurando O artista teve algumas obras recusadas no 3º Salão Paulista de Belas Artes. Ganha medalha de ouro em 1928 no Salão de Belas Artes Muse Italiche, sendo esse seu primeiro reconhecimento oficial. Casou‑se com Judith (Benedita da Conceição) em 1942. A esposa foi sua musa inspiradora e aparece em diversas obras, entre elas a Mulata, que se encontra no MAM/SP, provavelmente foi inspirada nela. Figura 105 – O artista com a esposa Judith em Itanhaém, 1940 96 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 106 – Judith, Volpi e o amigo Aldorigo Marchetti Em 1944 realiza sua primeira exposição individual na Galeria Itá no centro de São Paulo. Em 1952 é indicado na representação brasileira para a XXVI Bienal de Veneza. Conheça algumas obras dessa época (década de 1940): Figura 107 – Menina do laço de fita 97 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 108 – Reunião à mesa Em 1956 o MAM/SP realiza a exposição intitulada Volpi com 30obras. Seu trabalho foi considerado como arte concreta. Nessa época é publicado um ensaio sobre ele na revista Discurso e Ensaio com o seguinte título: A pintura de Alfredo Volpi. Ganha sala especial em 1961 na 6ª Bienal de São Paulo com 53 obras e é apresentado pelo crítico Mario Schenberg. Em 1962 ganha prêmio de melhor pintor brasileiro da crítica de arte do Rio de Janeiro. Sua esposa Judith falece em 1972. Muitas exposições foram organizadas no decorrer de sua carreira, tanto nacional como internacionalmente. Para comemorar seu nonagésimo aniversário, o Sesc (Serviço Social do Comércio) lança um catálogo sobre sua obra. Antes de falecer Volpi participa da exposição Brasiliana: o homem e a terra, sendo essa sua última mostra. Podemos afirmar ainda que Volpi sofreu influência impressionista. Existia na época o consenso de que impressionistas e pontilhistas eram aliados contra a pintura acadêmica, utilizando‑se das cores e das pinceladas para a estruturação do quadro, usando essas linguagens mais modernas. Como outros pintores paulistas de sua geração, Alfredo Volpi provinha de uma classe de pequenos comerciantes e operários especializados, na maioria recém‑imigrados e, em grande parte, de origem italiana. Artistas oriundos dessa classe ficavam à margem dos círculos intelectuais de vanguarda. Não estavam, contudo, totalmente abandonados a si mesmos. O Liceu de Artes 98 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II e Ofício oferecia tanto cursos elementares e técnicos como aulas de pintura acadêmica, ministradas por Pedro Alexandrino e Oscar Pereira da Silva, entre outros (MAMMI, 2001, p. 8). Começava a surgir ao lado dessa instituição algumas escolas de arte. Havia muitos artistas imigrantes e graças a essa imigração e à ida de diversos artistas que foram estudar fora, custeados por bolsas de estudo, o ambiente se tornava vivaz e autêntico. O Liceu organizou na época diversas exposições, entre elas a de Arte Francesa. Muitos dos quadros de Volpi não eram datados, dificultando assim a organização da cronologia de sua obra. Destacaremos uma pequena e inicial análise sobre o trabalho citado anteriormente, Mulata, de 1927, apresentada por Lorenzo Mammi: Quando começa a modernidade de Volpi? De novo, em razão da ausência de datas, é impossível dar respostas unívocas. No entanto, o Museu de Arte Moderna de São Paulo possui um retrato – Mulata – que, se for correta a data que lhe é atribuída, 1927, pode ser tomado como ponto de referência. O esquema estrutural dessa figura é complexo. A cabeça sugere um movimento para a direita, mediante a deformação do rosto: o lado esquerdo é visto de viés, o direito é quase frontal. A inclinação dos ombros – o direito mais alto e próximo, o esquerdo mais baixo e recuado – confirma e acentua a rotação do corpo. Um contraste se gera, porém, da relação entre o tronco e a bacia, que é virada para o outro lado, e cuja inclinação é confirmada pelo encosto da cadeira (MAMMI, 2001, p. 12). Figura 109 – Mulata, 1927 99 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Volpi utilizava uma paleta de cores mais restrita, muitas vezes pintava com tons frios e em meados dos anos 1930 começa a mudar, tornando‑a mais variadas. Nota‑se isso na pintura, que mostra uma mulher negra carregando uma trouxa em primeiro plano e no segundo a bandeira do divino, ambos temas recorrentes em suas obras. Podemos notar a mudança das cores tanto no céu, que é de um azul hiante, em contraponto com o ocre da estrada, que é de terra e está atrelado ao verde da vegetação. Figura 110 – Sem título, meados da década de 1930 O artista comenta sobre sua predileção pela têmpera, depois de dominar essa técnica, abandonou de vez as tintas industriais, pois dizia que elas perdiam vida com o passar dos anos. Começou a produzir suas próprias tintas, nas quais adicionava diversos pigmentos naturais. Diz: [...] reaparecem as pequenas rotações de cor intensa que Volpi já experimentara nas manchas da década de 1920, contudo mais leves, menos dramáticas e, sobretudo, dispostas segundo uma estratégia mais consciente. A veste vermelha e a trouxa azul da negra são mediadas pelos detalhes arroxeados da casa que está logo atrás. A mesma combinação de vermelho, azul, roxo se repete no horizonte, entre o mastro junino, o céu e as árvores mais distantes. Volpi aprendeu a dominar as cores complementares e a criar equilíbrio pelo contraste. Mais um pouco e perceberia que há muito mais constelações cromáticas possíveis do que rezam as teorias das cores (MAMMI, 2001, p. 19). Após essas mudanças uma nova fase se inicia. Por quase um século, Volpi passou por várias fases, foi inspirado e influenciado por Paul Cézanne, Giotto di Bondone e Paolo Uccello, encontrando assim seu próprio caminho. Evoluiu das cenas de natureza para composições mais intelectuais, criando seu estilo particular. O estilo abstrato geométrico começa a predominar em sua pintura a partir daí e bandeirinhas com 100 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II muitas cores vão surgindo em sua obra, criando a marca do artista. Essa fase com formas geométricas e alterações cromáticas se inicia por volta dos anos de 1970. Essa fase – a das bandeirinhas – foi muito bem recebida pelos críticos e definida como uma combinação inventiva, sendo sua maior contribuição para a arte brasileira moderna. Conheça seu trabalho intitulado Bandeiras e Mastros: Figura 111 – Cata‑vento Figura 112 – Fachada das bandeiras brancas Figura 113 – Festa de São João, década de 1950 Figura 114 – Fachada, 1968 101 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 115 – Dom Bosco – outro livro 1963 Mammi (2001) nos auxilia no entendimento dessa fase: [...] em algumas telas desse período circula um vento demasiado real, que incha as velas e leva embora as bandeirinhas. Volpi deve ter percebido o perigo, porque começa a experimentar soluções opostas: superfícies compactas, recobertas de um pattern repetido de formas geométricas e animadas por uma sábia distribuição de cores. Bandeirinhas allover, um tanto optical, que estouram como flashes, que põem o olhar em vibração (MAMMI, 2001, p. 37‑8). Podemos dizer que a arte de Volpi evolui de forma gradual, sem grandes saltos, dessa maneira que veio à tona um modelo persuasivo de arte moderna brasileira. Volpi faleceu aos 92 anos em 28 de maio de 1988. Saiba mais Entre no site oficial do artista Volpi e conheça um pouco mais sobre a sua obra. <http://www.institutovolpi.com.br/>. 7.2 Claudio Tozzi Claudio Tozzi começou sua carreira de uma maneira desigual, digamos. Nasceu na cidade de São Paulo em outubro de 1944. Aos 18 anos, antes mesmo de ingressar na faculdade, já participa do XI Salão de arte moderna como vencedor dos cartazes da exposição. Dois anos depois entra na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. O que ocorre é que a maioria dos artistas passam por uma grande trajetória, até sua obra ser reconhecida no meio artístico e pelo público em geral. Porém Tozzi fez um caminho inverso, logo após iniciar os estudos na 102 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II velha FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) em São Paulo, já começou a ter destaque com os trabalhos em serigrafias, que desenvolvia sempre, tendo como temas assuntosatuais, que estavam continuamente em pauta, como a crítica social, o feminismo e a luta contra a ditadura militar. Apresentava um novo estilo, uma nova figuração e destacou‑se já na década de 1960 como artista de vanguarda. Alguns críticos logo começaram a elogiar seu trabalho pelo vanguardismo que demonstrava em suas propostas. Foram eles: Frederico Morais, Mário Pedrosa e Mario Schenberg. Além de críticos, desempenhavam as seguintes funções: • Frederico Morais – historiador de arte. • Mário Pedrosa – jornalista e professor. • Mario Schenberg físico e político. Saiba mais Em fins da década de 1970, já uma figura de projeção nacional, intensificou sua atuação política. Denunciou o acordo Alemanha‑Brasil e fez campanha contra o uso indevido de energia nuclear. Mario Schenberg foi reintegrado à Universidade de São Paulo em 1979, tornando‑se, em 1987, professor emérito. Essas e outras informações estão em: MÁRIO Schemberg. Biografias. UOL, [s. d.]. Disponível em: <http://educacao. uol.com.br/biografias/mario‑schemberg.htm>. Acesso em: 18 out. 2016. Nessa época o desejo de transformações culturais e sonhos de liberdade ruminavam a mente de muitos artistas. A arte naqueles anos parecia que só sobreviveria se estivesse engajada à transformação social e política do momento. Claudio Tozzi, totalmente integrado com a vanguarda contemporânea, compartilha da necessidade de a cultura estar a serviço do povo. Criados em 1961, os CPC – Centros Populares de Cultura – marcaram de forma significativa a produção artística desse período, tendo como seu presidente Carlos Estevão Martins em 1963. Nesse período Ferreira Gullar escreve o livro Cultura Posta em Questão, publicado em 1964, exercendo grande influência nos ambientes intelectuais e na criação artística do Brasil na década de 1960. Assim a relação com as massas é inevitável, e isso transparece desde os seus primeiros trabalhos. Tozzi (2007) coloca que uma das características da arte brasileira de vanguarda é a relação e preocupação com o coletivo. As obras, muitas vezes com temáticas políticas, tinham a intenção não só de passar a estética contemplativa, mas também de estimular o pensamento crítico do espectador. Nelas estavam presentes as conhecidas HQs – histórias em quadrinhos, letreiros, sinais de transito etc. Seguem alguns exemplos: 103 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 116 – Acertei a frigideira no bandido – Tinta em massa sobre Eucatex, 1967 Figura 117 – Guevara, 1957 A pintura nessa época sofria uma grande transformação no mundo todo. Nos EUA a Pop Art ganhava espaço e uma nova figuração se fazia presente, ocupando lugar de vanguarda. Schenberg (2007) caracteriza o momento como um novo realismo. Seguem algumas obras conhecidas: Figura 118 – Guevara, vivo ou morto, de Claudio Tozzi, 1967 104 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 119 – Third world, de Claudio Tozzi, 1973 Figura 120 – Astronauta, de Claudio Tozzi, 1969 Constam dois trechos da entrevista feita com Tozzi sobre a questão da arte se transpor para os espaços públicos: Que reação você percebeu nas pessoas, com a sua mudança de postura, ao tirar a obra de arte do espaço tradicional das galerias e levá‑la para os espaços públicos? O público de artes plásticas era bastante restrito. Não sei se as pessoas estavam pegando as imagens como a reprodução de uma obra ou a figura de São Jorge ou outro santinho qualquer. Mas havia um grande interesse; a primeira produzida foi a de Garrincha. A segunda foi a do Guevara, que despertou maior interesse. Junto com um grupo de artistas, fizemos uma exposição – happening em local público, com carimbos. Os carimbos eram expostos em uma mesa e o público carimbava o desenho escolhido em 105 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS uma folha de papel‑ofício, e levava para casa. Recentemente eles foram incorporados ao acervo de uma coleção particular. Você também foi um pioneiro, no sentido de realizar intervenções inusitadas no meio urbano. Sempre tive a intenção de fazer arte para o grande público. As intervenções em espaços urbanos, a arte pública, permite esse contato. Tinha como proposta deslocar o quadro de seu espaço tradicional: o museu, a galeria, a sala de visitas, e colocá‑la na cidade. Minha primeira experiência, em 1971, foi acoplar um painel de 8 m x 8 m na lateral de um prédio na Praça da República. Escolhi como tema uma zebra, olhando, de um jeito bem displicente, para a praça. As pessoas se divertiam, pois achavam que era propaganda da loteria esportiva. Na época, aquele animal simbolizava o azarão, o resultado inesperado. Depois a incorporaram como um quadro. Foi executada em tinta à base de poliuretano, sobre placas de zinco. Está lá até hoje. Fiz também, na mesma região central, um objeto chamado Veja o nu, colocado na Rua Barão de Itapetininga[,] que despertou grande interesse do público (MAGALHÃES, 2007, p. 29). Como constatamos na entrevista, Tozzi foi um pioneiro em vários sentidos, seja acoplando um painel no topo de um prédio no centro de São Paulo, seja fazendo o público interagir com sua obra – carimbando os desenhos escolhidos pelo espectador. A seguir as duas obras comentadas por Claudio Tozzi na entrevista prévia, Zebra, na Praça da República e Veja o nu, na Rua Barão de Itapetininga: Figura 121 – Zebra – poliuretano sobre zinco, 1972 106 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 122 – Veja o nu – Tinta em massa sobre madeira, tecido e ferro, 1968 Claudio Tozzi experimentou várias técnicas e materiais. Figura 123 – Fechadura – acrílica sobre tela colada em madeira, 1994 107 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 124 – Emblema, 1999‑2000 Mario Schenberg (2005), que foi um dos primeiros críticos a elogiar o seu trabalho, diz: Claudio Tozzi é de uma geração artística muito jovem, posterior ao Concretismo e que está procurando emancipar‑se das coisas geométricas. Você sofre a influência da arte geométrica, mas agora está tentando transformar essa arte em uma coisa vibrante, mais sensorial. Aliás, esse processo foi um pouco do que se deu internacionalmente. Depois do abstracionismo geométrico, os artistas passaram para o expressionismo abstrato, uma retomada de Monet, procurando a cor como energia. Você está buscando uma síntese do abstracionismo abstrato e da construção geométrica, que pode ser uma tentativa de sintetizar grande parte do século XX. O processo de criatividade combina elementos de ação consciente e elementos de ação inconsciente. Isso deve ter sido sempre conhecido. Homero dizia que nada do que ele escrevia era da sua cabeça, tudo era transmitido pela Musa. A Musa era o inconsciente (SCHENBERG, 2005 apud GIOVANNETTI; KIYOMURA, 2005, p. 55). Claudio Tozzi sempre procura temas e/ou objetos no espaço urbano e que possam voltar a ele depois de desconstruídos. Exemplos são os parafusos que aparecem em suas obras, ora de forma figurativa, ora abstratos. Outro exemplar são as faixas zebradas das travessias de pedestres e ainda as áreas quadriculadas, que indicam que é proibido parar em alguns cruzamentos. Todos esses elementos voltam às obras de Tozzi através da pintura, esculturas etc. 108 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on -2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 125 – Parafusos – acrílica sobre tela colada em madeira, 2000 Figura 126 – Transparência, 2002 Apresentação/cronologia A obra de Claudio Tozzi, iniciada nos anos de 1960, merece e justifica a edição deste site, que, mesmo de forma não exaustiva, reúne produções de diversos períodos – desde os seus primeiros trabalhos até algumas realizadas recentemente – e possibilita uma visão de conjunto de suas múltiplas fases. É necessário ressaltar, no entanto, que o site não traz consigo a ideia de obra acabada ou de retrospectiva. Chega em meio a seu caminho artístico, refletindo uma obra em constante processo, mas já bastante ampla e expressiva para ser registrada. 109 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Os trabalhos aqui reunidos mostram um artista que vem, cotidianamente, há três décadas, construindo uma linguagem complexa, rica na sua diversidade, mas coerente no seu conjunto, que revela experiências sucessivas, envolve criatividade, projeto e reflexão. Claudio Tozzi é um artista que, na sua maturidade, não abdica de sua vitalidade na busca de novos caminhos; mas também em seus trabalhos os elementos que sempre os caracterizam: por um lado, uma grande qualidade gráfica e bem cuidada plasticidade; por outro, um projeto prévio e deliberado, que resulta em uma obra construída e racional, e não da mera emoção ou da intuição. 7.3 Gustavo Rosa Gustavo Machado Rosa nasceu no dia 20 de dezembro de 1946 em São Paulo, mais especificamente na Avenida Paulista – coração da cidade. Aos três anos de idade já era apaixonado pelo desenho. Aluno indisciplinado e inquieto, desenhava durante as aulas. Continuando sua paixão pelo desenho, foi fazer um curso livre de desenho e pintura na Fundação Armando Álvares Penteado – Faap, em 1964, ministrado na época por Teresa Nazar, artista plástica e pintora – com ele, estudaram alguns nomes da Pop Art no Brasil: Antônio Dias, Carlos Vergara, Hélio Oiticica e Rubens Gerchman. Fascinado pelas ilustrações das revistas, anos mais tarde veio a estagiar na revista Claudia, no setor de artes da Editora Abril. Morando ainda com os pais, montou um atelier improvisado na sala de jantar da família. Seus personagens mais conhecidos inseridos em suas obras foram: • a mulher com lata d’água na cabeça; • os meninos empinando pipas; • o sorveteiro; • os palhaços; • o padre e a freira; • o vendedor de hot dog; • gordinhos correndo na praia. Seus protagonistas, que eram o espelho da sociedade vibrante do pós‑guerra, muitas vezes eram representados com figuras divertidas e simpáticas acima do peso. 110 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 127 – Detalhe da obra Laranja madura, 2002 Saiba mais Gustavo Rosa é o artista que expõe suas obras hoje no telão do Domingão do Faustão. Ele nasceu em São Paulo, em dezembro de 1946. É pintor, desenhista e gravador, considerado um dos mais criativos artistas de sua geração. Para conhecer melhor sua obra, acesse: <http://www.gustavorosa.com.br/>. Gustavo aprendeu muito nesse curso, aproveitou as técnicas que estudou e já se destacou pela qualidade das suas obras produzidas. Assim a professora Teresa Nazar escolheu quatro telas dele para serem expostas na 1ª Anual de Artes Plásticas da Faap, realizada no MAB – Museu de Arte Brasileira em 1964. Cinco anos depois, participou de sua primeira exposição coletiva, ao lado de Décio Escobar, Dirce Pires e Walter Lewy e o evento ocorreu em uma galeria de arte. O ilustre Di Cavalcanti visitou a mostra e ainda teceu comentários elogiando o jovem artista, falando do seu excelente traço. Passaram a partir daí a serem grandes amigos. 111 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Seguem duas obras desse período: Figura 128 – A lavadeira, 1965 Figura 129 – Menina exportação, 1967 Teve influência de diversos artistas, os primeiros foram: Gustav Klimt e Emil Nolde. Passou a se interessar muito pelas obras dos consagrados: Henri Matisse, Niki de Saint Phalle, Paul Klee, Paul 112 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Cézanne, Pablo Picasso e Saul Steinberg; além dos seus amigos Aldo Bonadei, Alfredo Volpi, Carlos Scliar e Di Cavalcanti. Sua carreira deslanchava a cada dia. Participou de respeitáveis exposições coletivas e individuais no Brasil, Estados Unidos e Japão na década de 1970, o que foi um marco em sua vida. Após a morte precoce de sua irmã, passou a encarar a vida de forma mais leve, e isso transpareceu em sua pintura. O artista percebeu com essa perda que a vida não poderia ser levada com tanto rigor, transformando o seu trabalho a partir daí, introduzindo ao seu savoir‑vivre (do francês, saber viver) um estilo mais despojado, colorido e muitas vezes satírico. Figura 130 – O peixe, 1971 A década de 1980 consagrou sua carreira, indicado pelos melhores e mais importantes críticos de arte do Brasil, foi selecionado e participou de grandes mostras, sendo elas: Exposição Brasil‑Japão, Panoramas da Arte Atual Brasileira, do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Salão Nacional de Artes Plásticas da Funarte, Salão Paulista de Arte Contemporânea e A Trama do Gosto, realizada pela Fundação Bienal de São Paulo em 1987. Também fez mostras individuais em Los Angeles, Nova York, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1985, comemorou seus 20 anos de pintura na Galeria Bonfiglioli, em São Paulo. 113 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 131 – O palhaço, 1975 Gustavo Rosa fala em uma das usas entrevistas que ele se inspirava pelo que via nas ruas, no cotidiano; cita o exemplo da mulher gordinha tomando um sorvete, diz que o sorvete caiu e ela ficou fazendo um malabarismo para salvá‑lo. O artista comenta que a partir daí ele começa a ter mais prazer em pintar gordinhas e gordinhos, pois corpos avantajados dão mais possibilidade à comicidade. O eixo principal do trabalho dele é o humor. Com relação à democratização da arte, relata que a obra não tem que ficar só presa a museus, mas que tem que ir às ruas, fazer parte de objetos, misturar‑se, levando cultura ao grande público. Figura 132 – O sorvete, 1976 114 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Fez grande sucesso nacional e internacionalmente, mas adoeceu no fim dos anos 1990. Sentia muitas dores e foi diagnosticado em 1999 com um câncer na medula óssea. Lutou de forma árdua pela vida por 14 anos, produziu muito nesse período, expôs e doou várias de suas obras para leilões beneficentes, hábito que ele já tinha desde a década de 1970; veio a falecer em 2013. Segue a galeria das obras mais importantes desse grande artista: Figura 133 – Hot dog, 1980 Figura 134 – Detalhe da obra A Carta, 2005 115 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 135 – Detalhe da obra Banhista, 2004 Figura 136 – Menina, 2005 8 A FOTOGRAFIA CONTEMPORÂNEA 8.1 Novos meios Escolhemos a artista e fotógrafa Rosângela Rennó para apresentarmos e discutirmos a fotografia contemporânea nesse contexto, o das artes visuais brasileiras. Rennó desenvolve um trabalho riquíssimo e personalizado no segmento há quase trêsdécadas. A artista ocupa um papel importante no cenário da arte contemporânea internacional, pelo trabalho que faz da fusão entre fotografias jornalísticas e refugos fotográficos. Ela é conhecida pelas diversas maneiras de resgates das imagens que vêm a compor o seu trabalho. São de diferentes épocas e fontes, e ela se apropria de fotografias que são descartadas, manipula‑as e as insere em um novo contexto perceptivo e simbólico, criando assim novas 116 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II obras, o que muitas vezes saem do bidimensional e passam a fazer parte de um espaço tridimensional, como veremos em muitas de suas instalações. Rennó rompe de vez com as fronteiras existentes entre as artes visuais, a fotografia e a literatura, adentrando assim em um território próprio da arte. 8.2 Rosângela Rennó Rosângela Rennó, mineira de Belo Horizonte, nasceu no ano de 1962. Graduou‑se em Arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e em Artes Plásticas pela Escola Guignard, em 1987. Doutourou‑se em Artes pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo em 1997. Cria seus primeiros trabalhos nos anos de 1980, que têm como base o universo familiar apoiado nos álbuns de família de que se apropria. Suas primeiras obras são: Conto de Bruxas, em que subverte as ilustrações de histórias infantis, dando‑lhes um estilo surrealista, e Pequena Ecologia da Imagem, em que, pela primeira vez, apropria‑se de fotografias de autores anônimos. Figura 137 – Falsas promessas, série Conto de Bruxas, 1988 Figura 138 – A mulher que perdeu a memória, série Pequena Ecologia da Imagem, 1988 Anos mais tarde, em 1991 e 1993, começa a fazer parte do grupo de estudos de arte contemporânea Visorama. Principia uma nova fase em seu trabalho, utilizando‑se de objetos e vídeos, criando instalações. Essa etapa marca a possibilidade de se delinear um engenho de ruptura da fotografia tradicional na arte contemporânea. Realizou algumas obras fazendo uso de fotografias 3 x 4, que foram produzidas há anos em estúdios populares. 117 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS Figura 139 – Obituário transparente, 1991, 84 negativos 4 x 5, resina de poliéster e parafusos – 112.00 x 86.00 cm Em sua exposição individual em 1989, na qual expõe Anti‑cinema, na Sala Corpo de Exposições, em Belo Horizonte, as imagens são compostas de objetos, no caso dos exemplos, e o vinil e as imagens são feitas com manipulação de fotogramas de cinema recolhidos de arquivos. Figura 140 – Photographic gun – série Anticinema, 1989 118 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 141 – Olho de peixes – série Anticinema, 1989 Rosângela Rennó pertence a um grupo de artistas que toma a fotografia como processo a ser reaberto, eles rearticulam um estilo de fotografia experimental que se iniciou nos anos de 1970 e ficou soterrada sob o fotojornalismo. Ela compõe fotografia e objeto de uma maneira lúdica e mágica. Figura 142 – As afinidades eletivas, 1990 [...] se passássemos ou se voltássemos a viver de novo em um mundo sem fotografia, talvez nos parecesse estar vivendo uma cegueira do mundo. Rosângela Rennó primeiro interrompe o fluxo de fotografias, ao se recusar 119 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS a fotografar. Esse é seu ponto de partida econômica frente a um mundo marcado pelo excesso de imagens. As referências de Rennó à história da fotografia não se afirmam no citacionismo de imagens clássicas, mas como operação dos procedimentos e atitudes de um trajeto desde a câmara obscura. A artista trabalha com negativos encontrados aos milhares em arquivos de ateliers fotográficos populares, com fotografias recolhidas em jornais, com fotos de obituários e de identificação criminal. Depois substitui a imagem fotográfica pelo fato e por sua notícia. Em seguida passa a selecionar as notícias fotográficas, privilegiando aquelas em que há negação e recusa da fotografia. E, finalmente, substitui a própria escritura do texto noticioso impresso por uma projeção de luz, que se imprime na memória e se esvaece (RENNÓ, 1998, p. 125). Posteriormente Rennó se dedica à fotografia e sua relação com processos sociais, como a correspondência entre fotografia e memória e problemas de identidade. Muitas obras ilustraram esse momento, como: Duas Lições de Realismo Fantástico, Imemorial, Amnésia, Private Collection etc. As imagens então utilizadas não foram feitas por Rosângela Rennó. A artista se reconhece como uma fotógrafa que não mais fotografa, mas que cria um novo contexto com fotografias descartadas. Elas são encontradas nos lugares mais díspares possíveis, tais quais: álbuns de família, arquivos de jornais de registros criminais, mercado de pulgas, velhos arquivos descartados, e até no lixo. As obras datam de 1993 e 1991‑2012, uma fase intermediária de seu trabalho. Figura 143 – Instalação – Humorais – 1993 120 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 Unidade II Figura 144 – Instalação – Duas lições de realismo fantástico – Lanternas mágicas, 1991‑2012 O ponto central que permeia todo o trabalho de Rosângela Rennó é a relação da fotografia em um contexto factual, ficcional e bidimensional. Dessa maneira ela resgata a memória do sujeito, em correspondência às suas recordações, seus traumas, experiências de vida e sentimentos presentes nas informações etnográficas de suas fotos, e então o discurso imagético coloca‑se como protagonista de sua produção. Atualmente organizou a mostra Foto Cine Clube Bandeirante: do Arquivo à Rede, que ficou em cartaz no Masp – Museu de Arte de São Paulo de novembro de 2015 a março de 2016. Resumo Há um panorama sobre a chegada da fotografia no Brasil, seu avanço no decorrer das décadas, o aumento dos estabelecimentos comerciais na área e ainda o trabalho de dois fotógrafos: Militão Augusto de Azevedo e Marc Ferrez, que são os responsáveis pelo registro da memória fotográfica dos primeiros anos com a presença da fotografia em nosso país. Denominados vanguardistas, os revolucionários participantes desse processo tiveram papel fundamental nas influências artísticas ao longo do século XX, que eram voltadas para a subjetividade do artista e propagavam a ruptura das linhas éticas e estéticas que regiam as normas e linguagens artísticas da época. O Expressionismo, o Cubismo, o Surrealismo, o Dadaísmo e o Futurismo foram os movimentos de vanguarda mais influentes da história da arte, sendo o Futurismo a plataforma modernista que mais influenciou a vanguarda no Brasil. 121 Re vi sã o: K le be r - D ia gr am aç ão : J ef fe rs on - 2 2/ 08 /1 6 ARTES VISUAIS BRASILEIRAS A proposta estética futurista, por seu caráter renovador, influenciou diretamente jovens artistas que buscavam principalmente criar uma arte que pudessem chamar de brasileira. O Modernismo no Brasil teve como personalidades principais Mário de Andrade e Oswald de Andrade, figuras marcantes na divulgação dos novos movimentos estéticos das artes, em especial no evento que marcou o início da vanguarda brasileira: a Semana de Arte Moderna. Após o evento, vertentes de manifestações modernistas se proliferaram e deixaram a mensagem de espírito nacional decisivo na formação da identidade cultural brasileira. Os três artistas renomados que fizeram sucesso
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