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Clínica Cirúrgica Vascular 15ª edição Questões Comentadas sUMÁRIO 1 Doenças da aorta 9 2 Síndrome isquêmica aguda 35 3 Insuficiência arterial crônica 42 4 Tromboangeíte obliterante (TAO) 51 5 Traumatismos vasculares 55 6 Insuficiência venosa de membros inferiores 72 7 Trombose venosa 86 8 Cirurgia endovascular 99 9 Úlceras crônicas de membro inferior 106 10 Doenças vasomotoras 118 11 Doenças dos vasos linfáticos 127 12 Questões para treinamento – Cirurgia vascular 135 13 Gabarito comentado 166 232 Capítulo doenças da aorta 1 Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201510 Aneurismas aórticos Aneurisma arterial é definido como a dilatação focal de uma artéria, tendo pelo menos 50% do au- mento de seu diâmetro quando comparada ao diâme- tro normal da artéria em questão. O diâmetro nor- mal da aorta abdominal em homens é de 20 mm, sendo normalmente 2 mm maior que nas mulhe- res. A importância do reconhecimento reside na pre- venção da ruptura, visto que esse evento traz consigo índice de mortalidade superior a 50%. 5,5% 2,5% 12% 80% Figura 1.1 Na aorta, os segmentos mais afetados, segundo Crawford são: ascendente em 5,5%, descendente em 12%, toracoabdominais des- cendentes em 12%, toracoabdominais em 2,5% e abdominais (infrar- renal) em 80%. Figura 1.2 Classificação dos aneurismas toracoabdominais segundo Crawford. Tipo I: distal à artéria subclávia esquerda e acima das ar- térias renais. Tipo II: distal à artéria subclávia esquerda e abaixo das artérias renais. Tipo III: a partir do 6º espaço intercostal e abaixo das artérias renais. Tipo IV: a partir do 12º espaço intercostal até a bifur- cação ilíaca. Epidemiologia O AAA (Aneurisma de Aorta Abdominal) é uma doença predominante dos homens brancos idosos. A frequência aumenta continuamente depois dos 50 anos, sendo 2-6 vezes mais comuns nos homens que nas mulheres e 2-3 vezes mais frequentes nos homens brancos que nos negros. A incidência (ou probabilidade de desenvolver um AAA) relatada variou de 3-117/100.000 habitantes-ano. Toda aorta abdominal com diâmetro transverso acima de 30 mm deve ser considerada aneurismática. Acredita-se que os aneurismas da aorta abdominal (MA) sejam causados por lesão localizada da parede ar- terial, superimposta às alterações degenerativas causa- das pela idade, fatores hemodinâmicos locais e fatores de risco sistêmicos, como a predisposição genética. Etiologia e Patogênese Os fatores de risco associados aos AAA são idade acima de 65 anos, sexo masculino, hipertensão arterial, história familiar de aneurismas da aorta, ta- bagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica, ateros- clerose e doença arterial periférica. Pacientes porta- dores dessa afecção apresentam história familiar positiva em 15 a 20% dos casos. Os AAA são oca- sionalmente associados a aneurismas em outros locais, principalmente nas artérias poplíteas e ilíacas. Aneurismas degenerativos – atualmente, quase todos os aneurismas da aorta são acompanhados de de- generação aterosclerótica dos grandes vasos, passando a ser chamados, na prática, de aneurismas ateroscle- róticos (em contraposição aos de origem inflamatória, luética ou micótica, frequentes no passado). Tal asso- ciação entre aneurisma e aterosclerose leva-nos a su- por a existência de uma relação de causa e efeito entre essas condições, defendida por muitos. Recentemen- te, porém, descobriu-se a influência da elastase, enzi- ma que participa da degradação das fibras elásticas e cuja atividade encontra-se aumentada na aorta desses pacientes. O aumento da elastase seria derivado, por sua vez, de deficiências na produção dos fatores teci- duais inibidores das metaloproteinases, grupo do qual faz parte a elastase. A elevada incidência de aneurismas da aorta em irmãos de pacientes portadores dessa do- ença – chegando a 20% em algumas séries – sugere a interferência de um fator genético em tal deficiência. Por outro lado, a aterosclerose sabidamente provoca o alargamento das artérias que acometem todos os territórios e há autores que acreditam ser ela a causa dos aneurismas. Para eles, o aumento da atividade da elastase é apenas uma resposta tecidual a um remode- lamento do vaso causado pela progressão das placas de ateroma. O fato é que a aterosclerose pode manifes- tar-se com estreitamento (estenose) ou dilata- ção (aneurisma) da luz do vaso. Provavelmente, os aneurismas da aorta são causados pela degeneração aterosclerótica, quando ela ocorre em indivíduos que, por constituição genética, carregam deficiência em inibir a atividade da elastase. 1 Doenças da aorta 11 Diversos estudos mostraram a associação de in- fecção crônica por Chlamydia pneumoniae e a sua rela- ção com a expansão dos aneurismas aórticos. Aneurismas inflamatórios: cerca de 4 a 10% dos aneurismas da aorta abdominal apresentam parede espessa, constituída por uma camada fibrosa. Acredi- ta-se que ocorra o envolvimento de mecanismos au- toimunológicos em sua gênese. As fibras elásticas da camada média são substituídas por tecido fibroso, que tem pouco poder de sustentação. O que se considera como certo é que a destruição da elastina promove a liberação de mediadores das respostas inflamatórias, entre as quais a interleucina-1-b, que ocorre envolven- do a parede do aneurisma. Aneurismas infecciosos (micóticos): surgem da destruição da camada média. Êmbolos sépticos ins- talam-se neste local mediante a nutrição da camada média pela vasa vasorum. Também podem ocorrer pela contiguidade de processos infecciosos nos tecidos vizinhos. Reconhecem-se como mais frequentes os aneurismas micóticos que surgem em decorrência de endocardite infecciosa e septicemia por bacilos Gram- -negativos. Até meados do século XX, a maior causa dos aneurismas infecciosos era a sífilis, por ação direta do Treponema pallidum sobre as fibras elásticas da ca- mada média da aorta torácica, em geral na ascendente e no arco. Aneurismas congênitos: resultam de deformida- de vascular originada durante a embriogênese. Mais comumente são de dimensões reduzidas e acometem ramos intracranianos e vasos viscerais, como a artéria esplênica e as artérias renais. Figura 1.3 Representação de aneurismas de aorta: A: abdominal in- frarrenal. B: toracoabdominal. Diagnóstico A maioria dos AAA (Aneurismas de Aorta Ab- dominal) é assintomática, o que explica a dificulda- de na detecção. Em alguns casos, os pacientes po- dem descrever uma “pulsação” no abdome ou palpar uma massa pulsátil. Ainda que a maioria dos AAA clinicamente significativos possa ser palpada du- rante o exame físico de rotina, a sensibilidade da técnica depende do tamanho do AAA, do grau de obesidade do paciente, da habilidade do examina- dor e do motivo principal do exame. Em 75% dos AAA de 5 cm ou mais o exame físico é capaz de detectá-lo. O valor preditivo positivo do exa- me físico para identificar AAA de 3,5 cm ou mais é de apenas 15%. Existem várias modalidades de imageamento disponíveis para confirmar o diagnóstico dos AAA. A ultrassonografia abdominal em modo B é o exame menos dispendioso e invasivo e a técnica utilizada mais comumente, principalmente para a confirmação inicial da suspeita de um AAA, ou para o acompanha- mento das lesões pequenas. As determinações ultras- sonográficas do diâmetro mostram variabilidade inte- robservador < 5 mm em 84% dos estudos e são mais exatas na incidência anteroposterior que na lateral. A visibilização da aorta suprarrenal e das artérias ilíacas pode ser obscurecida pelos gases intestinais ou difícil nos pacientes obesos. A ultrassonografia não consegue determinar com precisão a existência de ruptura e, em geral, também não consegue avaliar precisamente a ex- tensão proximal de um AAA. A tomografia computadorizada (TC) é mais dis- pendiosa que a ultrassonografia, expõe o paciente à radiação e requer contraste intravenoso, mas possibi- lita a determinação mais exata do diâmetro, pois 91% dos examesmostram variabilidade interobservador <5 mm. A precisão pode aumentar com o uso de técnicas padronizadas, compassos eletrônicos e amplificação. A TC define com precisão os limites proximais e dis- tais do AAA, gera imagens mais nítidas das artérias ilíacas e fornece outras informações importantes ao planejamento cirúrgico. A TC é particularmente útil na exclusão da ruptura de AAA em pacientes sinto- máticos e estáveis; à definição do limite proximal de um AAA; e à demonstração de outras patologias até então insuspeitas, como um aneurisma inflamatório ou outras anomalias intra-abdominais na ausência de um AAA. A TC helicoidal é um método novo e mais rápido de imageamento, que proporciona resolução excelente até mesmo dos ramos aórticos viscerais, caso sejam realizados “cortes” finos. Entre os avanços da TC helicoidal esta a reconstrução tridimensional, que fornece imagens mais esclarecedoras ao examinador e facilita a determinação exata dos diâmetros dos en- xertos endovasculares. A ressonância magnética (RM) tem a mesma precisão da TC para avaliar e determinar as di- mensões do AAA, e evita a exposição à radiação. Entretanto, a técnica é mais dispendiosa, não está tão disponível e é menos tolerada pelos pacientes claustrofóbicos que a TC. A RM é particularmen- te valiosa quando há contraindicação ao uso de contrastes intravenosos, como ocorre nos pa- cientes com insuficiência renal. Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201512 Contudo, o refinamento da resolução espacial da TC helicoidal (angio TC-3D), combinado com a técnica mais rápida, praticamente relegou a RM a um papel secundário na investigação diagnóstica dos AAA. A arteriografia não é uma técnica sensível para confirmar o diagnóstico do AAA ou medir seu diâ- metro com precisão, já que os trombos presentes den- tro do aneurisma comumente diminuem o diâmetro da luz preenchido pelo contraste. Já a arteriografia é utilizada na avaliação pré-operatória de alguns pa- cientes com AAA para definir a patologia das artérias adjacentes, que poderia afetar a reparação do aneu- risma principal. Quadro clínico As razões mais comuns para o desenvolvi- mento de sintomas nos pacientes com AAA são rupturas e expansão rápida. Os pacientes com ruptura de AAA relatam dor abdominal ou lom- bar de início súbito, que pode irradiar-se para o flanco ou para a virilha. A maioria dos AAA rotos é palpável, desde que a detecção não seja impe- dida pela obesidade ou distensão abdominal; em geral, as lesões também são dolorosas à palpação. Quando há ruptura, o extravasamento do sangue ocorre pela parede aórtica rompida. O volume da hemorragia e a compensação cardiovascular determinam a gravidade da hipotensão e do cho- que associados à ruptura; em geral, isso depende do local específico da ruptura, que em 20% dos casos está na superfície anterior da aorta e ex- travasa para a cavidade peritoneal. Ali, pode-se esperar pouco tamponamento e as hemorragias subsequentes são profusas. Oitenta por cento das rupturas ocorrem na superfície posterior da aorta e o sangue extravasa para o espaço retroperitone- al, onde o hematoma fica contido nos estágios ini- ciais, o que aumenta as chances de sobrevivência. A maioria dos pacientes com rupturas de AAA tem no mínimo hipotensão transitória, que evo- lui para choque ao longo de algumas horas. Em alguns casos, a ruptura é contida tão eficazmente dentro do retroperitônio que os sintomas podem persistir por dias ou semanas, embora o paciente não tenha hipotensão. Os pacientes com “rupturas contidas” crônicas podem ser difíceis de diagnos- ticar, porque seus sintomas comumente simulam distúrbio inflamatório agudo. Embora a apresentação clássica da rup- tura de AAA inclua dor abdominal ou lombar, hipotensão e massa abdominal pulsátil, as três manifestações clínicas são evidenciadas em apenas 26% dos pacientes com rupturas com- provadas. Perda temporária da consciência é si- nal potencialmente importante de ruptura de AAA, porque ocorre em combinação com dor em 50% dos pacientes e é o único sintoma em 17% dos casos de ruptura de AAA. Com muito mais frequência, os AAA podem causar sinais e sintomas não relacionados com a ruptura. Em ca- sos raros, AAA volumosos causam sintomas atribuídos à compressão local, como saciedade precoce, náuseas ou vômitos causados pela compressão do duodeno; sinto- mas urinários secundários à hidronefrose por compres- são dos ureteres; ou trombose venosa por compressão das veias cava e ilíacas. A erosão posterior dos AAA para dentro das vértebras adjacentes pode causar dor lombar. Mesmo que não haja envolvimento ósseo, os AAA po- dem causar dor lombar ou abdominal crônica difusa e mal definida. Os sintomas isquêmicos agudos podem ser atribuídos à embolização distal dos detritos trombóticos contidos no AAA, o que parece ser mais comum aos AAA menores, principalmente se os trombos intraluminares forem irregulares ou estiverem fissurados. A trombose aguda dos AAA é rara, mas causa isquemia catas- trófica comparável a qualquer obstrução aórtica agu- da. A embolia é mais comum que a trombose aguda dos AAA, mas as duas combinadas ocorrem em menos de 2-5% dos pacientes com AAA. Fígado Parede abdominal anterior Pâncreas Veia esplênica Artéria mesentérica superior Veia renal esquerda Corpo vertebral Tronco celíaco Aorta abdominal Disco intervertebral Figura 1.4 USG abdominal evidenciando aorta (corte longitudinal). Figura 1.5 Massa abdominal pulsátil (mesogástrio) em paciente magro – aneurisma de aorta infrarrenal. O sinal de Debakey: posi- tivo quando, à palpação constata-se que a dilatação atinge o nível do gradeado costal (comprometimento dos ramos viscerais). 1 Doenças da aorta 13 Figura 1.6 Tomografia computadorizada de abdome com contraste: aneurisma de aorta abdominal infrarrenal (seta). Veia mesentérica superior (origem da veia porta) Artéria mesentérica superior Estômago Pâncreas (corpo) Cólon transverso (próximo da �exura esplênica) Veia esplênica Cólon descendente Jejuno Glândula adrenal esquerda Baço Aorta Pilar diafragmático esquerdo Musculatura paravertebralVeia renal esquerda Pilar diafragmático direito Glândula adrenal direita Veia cava inferior Porção descendente do duodeno (2ª) Processo uncinado do pâcreas Lobo hepático direito Vesícula Lobo quadrado do fígado Fissura do ligamento redondo Lobo hepático esquerdo Piloro Figura 1.7 Tomografia computadorizada de abdome – exame normal. Figura 1.8 A: aneurisma da aorta torácica demonstrado pela recons- trução 3D com exibição simultânea de um corte sagital da TC para gerar contexto. O artefato de movimento é muito maior ao redor do coração e da aorta ascendente proximal. As bolhas focais evidentes no modelo fo- ram confirmadas por ocasião da cirurgia. B: as artérias intercostais estão marcadas nos cortes da TC e demonstradas no modelo 3D por meio de um software interativo (marcas azuis). As marcas vermelhas foram colocadas para assinalar o topo da 8ª vértebra torácica (T8) e a parte inferior da 12ª vértebra torácica. A artéria intercostal calibrosa situada perto do topo de T8 foi identificada e preservada durante a cirurgia. Figura 1.9 A e B: aortografias nas incidências anteroposterior (A) e late- ral (B) do que parecia ser um AAA infrarrenal. A artéria renal direita está obstruída e a artéria renal esquerda tem uma estenose discreta. C e D: as reconstruções 3D nas projeções anteroposterior e lateral apenas do fluxo sanguíneo acentuado pelo contraste mostram a mesma coisa. E: a recons- trução 3D de objetos múltiplos torna visível a placa calcificada (branco) e o trombo (amarelo) e demonstra que o AAA na verdade afeta a aorta su- prarrenal, inclusive a origem da artéria mesentérica superior. Isso foi con- firmado na cirurgia. Essa imagem da reconstrução foi útil para a escolha de um local apropriado para a colocação do clampe aórtico transversal (antes da artéria celíaca) e para determinar que umaanastomose biselada pode- ria ser realizada ao longo da aorta relativamente normal. A artéria renal esquerda foi reimplantada sobre um remendo aórtico depois da endarte- rectomia da placa na origem da artéria renal. F: a estenose da artéria celí- aca está evidente na reconstrução 3D ampliada e rodada, tornando visível apenas o fluxo sanguíneo. A lesão foi confirmada à cirurgia. A estenose da artéria celíaca passou despercebida na angiografia porque estava superpos- ta à artéria mesentérica superior na incidência lateral. Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201514 História natural Os aneurismas da aorta abdominal (AAA) ten- dem a crescer até se romper. A velocidade de cresci- mento não é, porém, linear, e varia de um paciente para outro. Além disso, essa velocidade é progressiva, ou seja, quanto maior o aneurisma, mais rapidamente ele cresce. O dado preditivo mais importante de rup- tura é o diâmetro da aorta, medido no ponto de maior dilatação. É muito rara a ocorrência de ruptura até o diâmetro atingir 5 cm. A partir daí, o risco de ruptura aumenta progressivamente (alto risco, diâmetro > 6 cm). Outros eventos menos frequentes podem ocor- rer durante a evolução natural: a embolização a partir dos trombos murais, com isquemia de membros infe- riores, ou a corrosão de corpos vertebrais. Risco de ruptura A influência do tamanho dos aneurismas no ris- co de ruptura ficou firmemente estabelecida e ofere- ceu bases seguras para recomendar o reparo eletivo dos AAA grandes, especialmente porque esses dois estudos revelaram aumento expressivo da sobrevida depois do reparo cirúrgico (tabela 1.1). Fatores de risco para ruptura de aneurisma aórtico abdominal Fator de risco Baixo risco Risco médio Alto risco Diâmetro < 5 cm 5-6 cm > 6 cm Expansão < 0,3 cm/ano 0,3-0,6 cm/ ano > 0,6 cm/ ano Tabagismo, DPOC Nenhum, leve Moderado Intenso/ esteroides História familiar Sem parentes Um parente Vários parentes Hipertensão Pressão arterial normal Controlado Mal controlado Forma Fusiforme Sacular Muito excêntrico Sexo Masculino Feminino Tabela 1.1 Sabiston, 19ª edição. Tratamento clínico Para os pacientes com AAA de baixo risco (diâ- metro pequeno sem outros fatores de risco para rup- tura) acompanhados pelas determinações periódicas do diâmetro, devem-se realizar esforços para reduzir a taxa de expansão e o risco de ruptura. A interrupção do tabagismo é crucial e a hipertensão deve ser controlada rigorosamente, bem como otimizar o tratamento da dislipidemia. Betabloqueadores: diminuem a DP/DT, com con- sequente diminuição da velocidade de crescimento do aneurisma. O alvo deve ser a pressão arterial sistólica de 105 a 120 mmHg. Devem ser utilizados mesmo após a correção cirúrgica dos aneurismas. Doxiciclina (inibe a ação das metaloproteinases) parece ser promissora em reduzir a velocidade de cres- cimento dos aneurismas. Como a determinação do diâmetro pela TC é mais precisa do que pela ultrassonografia, alguns au- tores sugeriram que os AAA devam ser acompanhados pela TC de seis em seis meses. Indicação cirúrgica Como vimos, a ruptura de aneurismas menores do que 5 cm (baixo risco) é tão rara que sua probabili- dade de ocorrência é menor do que a mortalidade ope- ratória (tabela 1.2), mesmo em centros com grande experiência e em pacientes com bom estado geral. Fatores de risco independentes para mortalidade cirúrgica depois do reparo eletivo dos aneurismas da aorta abdominal Fator de risco Razão deprobabilidades* IC de 95% Creatinina > 1,8 mg/dL 3,3 1,5-7,5 Insuficiência cardíaca congestiva 2,3 1,1-5,2 Isquemia no ECG 2,2 1-5,1 Disfunção pulmonar 1,9 1-3,8 Idade avançada (por década) 1,5 1,2-1,8 Sexo feminino 1.5 0,7-3 Tabela 1.2 (*) Razão de probabilidades indica o risco relativo compa- rado com pacientes sem esse fator de risco. IC: intervalo de confiança. Tratamento cirúrgico Os pacientes com indicação de correção cirúrgi- ca devem passar por avaliação clínica cuidadosa antes do ato operatório. Quase sempre são pacientes idosos e portadores de aterosclerose disseminada. Em 50% dos casos, existe doença arterial coronariana e muitos pacientes apresentam doença pulmonar obstrutiva crônica. A hipertensão e o diabetes melli- tus também aparecem como fatores associados com bastante frequência. 1 Doenças da aorta 15 Indicações: - sintomáticos: intervenção independentemente do tamanho; - assintomáticos: diâmetro no homem > 5,5 cm, na mulher > 5,0 cm; - velocidade de crescimento maior que 0,5 cm em 6 meses. O ponto mais importante para a redução de ris- cos de tratamento operatório é a otimização cardíaca pré-operatória, uma vez que as complicações cardía- cas são a causa mais comum de morbidade e mortali- dade perioperatória. Se o paciente apresentar sopro na carótida ou história anterior de ataque isquêmico transitório ou derrame, executa-se o exame duplex da carótida. Pa- cientes com alto grau de estenose da artéria carótida interna (70 a 99%) são considerados para endarterecto- mia da carótida antes do tratamento do AAA. Estabilização perioperatória Os antibióticos intravenosos pré-operatórios (geralmente cefalosporina) são administrados para reduzir o risco de infecção do enxerto artificial. Como rotina, recomenda-se um acesso intravenoso amplo, a monitoração da pressão intra-arterial e a monitoração do débito urinário por um cateter de Foley. Para os pa- cientes com doença cardíaca significativa, monitoriza- ção hemodinâmica mais agressiva. Como o volume de sangue perdido durante a reparação dos AAA geralmente requer reposição sanguínea, a autotransfusão intraoperatória e a doação autóloga pré-operatória têm adquirido po- pularidade, principalmente porque evitam o risco de infecção associada às transfusões alogênicas. Entretanto, os estudos da relação custo-benefício desses procedimentos questionaram sua utilização rotineira. Um estudo demonstrou que os hemató- critos pós-operatórios < 28% estavam associados à morbidade cardíaca significativa entre os pacientes de cirurgia vascular. A conservação da temperatura corporal nor- mal durante a cirurgia aórtica é importante para evitar coagulopatia, permitir a extubação e manter a função metabólica normal. Para evitar hipoter- mia, deve-se colocar uma manta com recirculação forçada de ar quente em contato com o paciente e os líquidos intravenosos (inclusive o sangue devol- vido pela máquina de autotransfusão) devem ser aquecidos antes da infusão. O tratamento cirúrgico do aneurisma da aorta ab- dominal consiste, basicamente, em implantar um tubo sintético (de poliéster ou PTFE) dentro do aneurisma, de forma a fazer com que o sangue passe pelo tubo e não mais exerça pressão sobre as paredes enfraquecidas da aorta. Esse tubo pode ser introduzido por laparoto- mia ou por cateterismo (correção intraluminal). Correção por laparotomia Nesse procedimento, a aorta é dissecada logo abaixo do cruzamento da veia renal esquerda, assim como as artérias ilíacas. A aorta e as ilíacas são pinça- das e o aneurisma é aberto. Os óstios dos ramos lom- bares e da artéria mesentérica inferior são suturados por dentro do aneurisma aberto, de forma a conseguir hemostasia completa. O tubo sintético é suturado ao colo proximal e, em seguida, ao colo distal. Quando o aneurisma atinge a bifurcação da aorta ou se esten- de até as ilíacas comuns, coloca-se um tubo bifurcado com sutura em cada uma dessas artérias. A liberação das pinças deve ser feita com cuidados especiais de manutenção das funções vitais, uma vez que sempre ocorre queda da pressão arterial, em maior ou menor grau, em decorrência da expansão do leito vascular que esteve reduzido durante o tempo de interrupção da aorta. A cirurgia do aneurisma da aorta apresenta mor- talidade de 5 a 15%, dependendo da seleção de pacientes e do centro onde é realizada. As possíveis complicações incluem isquemia de membro inferior (que pode levar à amputação), insuficiência renal,isquemia mesenté- rica e infarto do miocárdio. A paraplegia por isque- mia medular é rara nos aneurismas infrarrenais, mas pode ocorrer devido à necessidade de liga- dura das artérias lombares e sacrais durante o procedimento cirúrgico. Indicações de tratamento cirúrgico para AAT (aorta torácica) Sintomáticos: indicação de intervenção indepen- dentemente do maior diâmetro transversal do vaso. Assintomáticos: � aneurisma da aorta ascendente: maior diâmetro > 5,5 cm; � aneurisma do arco aórtico: maior diâmetro > 6,0 cm; � aneurisma da aorta descendente: maior diâme- tro > 6,5 cm; � aneurisma toracoabdominal: maior diâmetro > 6,5 cm; � velocidade de crescimento maior que 0,5 cm em 6 meses. Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201516 Figura 1.10 A: correção de aneurisma de aorta abdominal infrarrenal por laparotomia. B: clampeamento abaixo das artérias renais, abertura da parede do aneurisma. C: interposição de prótese de dacron. D: fe- chamento da parede do aneurisma (capa). Correção dos aneurismas toracoabdominais da aorta Nessa situação, a via de acesso é por tora- cofrenolaparotomia, devendo-se considerar vá- rias peculiaridades. A anastomose proximal pode ser transversal ou em forma de bisel, abrangendo a pare- de posterior da aorta para reconstrução das artérias intercostais, a fim de evitar sequelas neurológicas (paraplegia por neuropatia isquêmica). As artérias vis- cerais são englobadas em apenas uma ou duas aber- turas laterais na prótese. A anastomose distal é feita de forma convencional. É importante que o tempo de pinçamento seja o mais breve possível. As principais complicações são isquemia medu- lar, com paraplegia (que ocorre em cerca de 15% dos casos), insuficiência renal por isquemia prolongada, insuficiência hepática e necrose intestinal. Figura 1.11 Correção de aneurisma toracoabdominal: note con- fecção de bisel na prótese de dacron para preservação dos óstios das artérias intercostais e renais. Correção intraluminal Nesse tipo de operação, usam-se tubos de poliés- ter ou PTFE. Introduzido pela artéria femoral, o tubo é comprimido dentro de uma bainha. Sua progressão é acompanhada por fluoroscopia. Retira-se então a bai- nha, permitindo que o tubo se expanda e se encaixe dentro do aneurisma. Esses tubos são construídos so- bre stents, grades metálicas que podem ser comprimi- das e depois expandidas no momento certo. Os stents fixam o tubo à artéria, sem necessidade de sutura. Conforme o tipo de stent utilizado, sua expansão pode ser feita de duas formas diferentes: uma delas exige que um balão de angioplastia seja inflado no interior 1 Doenças da aorta 17 da grade para que o tubo se expanda; outra utiliza a própria elasticidade do tubo, quando liberado da bai- nha. Neste último grupo, os stents de nitinol são os mais usados, pois têm como característica sua memó- ria térmica - o nitinol é bastante elástico quando man- tido em temperatura baixa e torna-se rígido quando exposto à temperatura do corpo. Os tubos usados para esse tipo de operação (fixados por stents) são chama- dos de endopróteses. As endopróteses podem também ser bifurcadas para implante desde a aorta até as duas ilíacas co- muns. Nesse caso, são necessários acessos pelas duas artérias femorais. Um segmento, constituído pelo tronco e por um dos ramos, é introduzido por um lado. O outro ramo é adicionado a partir da artéria fe- moral contralateral. Para possibilitar o acoplamento do segundo ramo ao tronco, este último tem um coto com marcas radiopacas. Não são todos os aneurismas da aorta abdominal que podem ser corrigidos por via intraluminal. Como os stents ocupam uma extensão de cerca de 15 mm na parede arterial para se fixar, é necessário que o colo proximal tenha no mínimo esse comprimento, desde as artérias renais até o início da dilatação. Aneurismas justarrenais, portanto, não são passíveis de correção por essa técnica. Exige-se também que haja um seg- mento não dilatado de cada ilíaca comum para a im- plantação distal. Não se recomenda a implantação nas ilíacas externas, o que implica oclusão das ilíacas in- ternas, pelo risco de complicações associadas com essa oclusão (isquemia intestinal). Como a prótese é introduzida pela artéria fe- moral, contida em uma bainha de maleabilidade li- mitada, a tortuosidade exagerada do trajeto arterial pode inviabilizar o método. Assim, deve-se evitar os casos em que as ilíacas comuns são muito sinuosas. Em decorrência da necessidade de injeções repeti- das de contraste iodado na aorta durante o proce- dimento, os pacientes com função renal limítrofe também não devem ser operados por via intralu- minal. Na literatura, os índices de conversão variam entre 5 e 29%, dependendo da seleção de casos e da experiência do cirurgião. Condições anatômicas necessárias para o implante com sucesso das endopróteses de aorta abdominal Comprimento do colo proximal ≥ 15 mm Angulação do colo proximal < 60º Diâmetro da artéria ilíaca externa ≥ 7 mm Ausência das artérias renais acessórias Ausência de trombos ou de calcificação extensa no colo proximal Tabela 1.3 Figura 1.12 Implante de endoprótese de aorta abdominal por técnica endoluminal por meio das artérias femorais direita e esquerda. Complicações do reparo dos aneurismas da aorta abdominal Apesar da melhora significativa dos resultados do reparo eletivo dos AAA, ainda ocorrem complica- ções importantes que devem ser tratadas adequada- mente ou evitadas para manter a mortalidade baixa necessária para justificar o reparo profilático dessas lesões. Infarto agudo do miocárdio é a principal causa isolada de mortes imediatas e tardias entre os pacientes submetidos a reparo dos AAA e deve ser avaliado e tra- tado cuidadosamente para reduzir a mortalidade. Complicações imediatas (30 dias) depois do reparo eletivo dos aneurismas da aorta abdominal estimadas com base nas séries cirúrgicas Complicação Frequência (%) Morte < 5 Todas as causas cardíacas 15 lnfarto do miocárdio 2-8 Todas as causas pulmonares 8-12 Pneumonia 5 Insuficiência renal 5-12 Dependente de diálise 1-6 Trombose venosa profunda 8 Sangramento 2-5 Lesão ureteral < 1 AVE 1 Isquemia do membro inferior 1-4 Isquemia do intestino grosso 1-2 Isquemia da medula espinhal < 1 Infecção da ferida < 5 Infecção do enxerto < 1 Trombose do enxerto < 1 Tabela 1.4 Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201518 Complicações cardíacas A maioria dos episódios de isquemia cardíaca ocorre nos primeiros 2 dias depois da cirurgia e, duran- te esse intervalo, a monitoração intensiva é apropriada aos pacientes de alto risco. As intervenções importan- tes para evitar isquemia miocárdica no pós-operatório são maximizar a função miocárdica pela manutenção da pré-carga adequada, controlar o consumo de oxi- gênio por meio da redução do produto frequência cardíaca X pressão arterial, assegurar a oxigenação apropriada e administrar analgesia eficaz. Os pacien- tes com disfunção cardíaca têm riscos mais elevados de IAM quando o hematócrito pós-operatório é < 28%, mesmo que o nível seja bem tolerado pelos indivíduos normais. Além de proporcionar controle excelente da dor, a analgesia epidural pós-operatória pode reduzir as complicações miocárdicas porque atenua a resposta das catecolaminas ao estresse. Hemorragia Em geral, as hemorragias intraoperatórias ou pós-operatórias resultam das dificuldades encontra- das durante a realização da anastomose aórtica pro- ximal ou das lesões venosas iatrogênicas. O sangra- mento venoso geralmente resulta da lesão da veia ilíaca ou renal esquerda durante a exposição inicial. Em geral, o aneurisma aórtico distal ou os aneurismas da artéria ilíaca comum estão firmemente aderidos à veia ilíaca correspondente, o que dificulta a dissecção arterial circunferencial. Nesses casos, os clampes vasculares quase sempre podem ser aplicados com sucesso, mesmo sem a dissecção completa da pa- rede posteriorda artéria ilíaca, ou o controle vascular pode ser assegurado por cateteres de oclusão com ba- lões. A veia renal esquerda posterior ou uma veia lom- bar calibrosa pode gerar riscos semelhantes durante a dissecção proximal. Se não forem detectadas pela TC pré-operatória, essas anomalias acarretam risco ele- vado de lesão venosa. O reparo cuidadoso por sutura das lesões venosas é necessário e, em alguns casos, fa- cilitado pela secção temporária da artéria sobrejacen- te. O sangramento difuso depois de uma hemorragia intraoperatória substancial geralmente deve-se ao es- gotamento dos fatores da coagulação e das plaquetas, agravado pela hipotermia. O reaquecimento rigoroso e a reposição de plaquetas e fatores da coagulação são necessários para reverter essa complicação. Complicações hemodinâmicas O clampeamento aórtico (principalmente se su- pracelíaco) causa aumento súbito da pós-carga cardí- aca, que se evidencia por hipertensão e pode causar isquemia miocárdica. Para evitar o problema, o clam- pe deve ser aplicado gradativamente e o procedimento coordenado cuidadosamente com a administração do anestésico e dos fármacos vasoativos. Já a liberação repentina do clampe aórtico está associada a hipoten- são significativa, causada pela superposição de redu- ção da pós-carga cardíaca; “recirculação” do potássio, dos metabólitos ácidos e dos fatores depressores mio- cárdicos depois da reperfusão dos membros isquêmi- cos; e redução da pré-carga secundária ao aumento da capacitância venosa das pernas. A liberação gradati- va do clampe com reposição adequada de líquidos e sangue é crucial para evitar tal complicação. A monitoração intraoperatória cuidadosa, inclusive por registro da pressão capilar pulmonar em cunha e por ecocardiograma transesofágico, pode facilitar a admi- nistração de líquidos, anestésicos e fármacos vasoati- vos aos pacientes com risco cardíaco bem definido. Lesões iatrogênicas A lesão de algum órgão adjacente é possível du- rante o reparo dos AAA. A lesão do ureter é rara durante as operações eletivas, a menos que o trajeto do ureter tenha sido distorcido por um AAA volumoso, fibrose ou inflamação. Se houver lesão ureteral, deve ser repara- da imediatamente. Um stent em duplo J é inserido pela área lesada para interligar a pelve renal e a bexiga uri- naria. O ureter é fechado com a aplicação de suturas in- terrompidas com fios finos. Já o omento pode ser mo- bilizado com um pedículo vascular e enrolado ao redor do local da lesão. Depois da irrigação copiosa, o reparo do aneurisma pode prosseguir, supondo que a urina não esteja infectada. Depois do reparo, é recomendável fazer uma TC pós-operatória imediata para detectar a possível formação de urinoma, complicação que não é provável se o stent estiver funcionando adequadamen- te, mas que, quando presente, deve servir de indicação para a drenagem fechada percutânea sob orientação da TC ou ultrassonografia. Se a lesão ureteral não for diag- nosticada, o paciente pode desenvolver hidronefrose ou urinoma, que requer a reexploração e reparo mais complexo. A identificação cuidadosa do ureter, especial- mente durante a dissecção pélvica, evita essa complica- ção. A lesão esplênica causada pela retração excessiva pode resultar em hemorragia, que deve ser controlada pela esplenectomia porque a hemorragia tardia não é bem tolerada, caso a tentativa de reparo da lesão do baço seja infrutífera. A enterotomia acidental antes da colocação do enxerto deve justificar a interrupção ime- diata da cirurgia, com reparo eletivo subsequente do AAA para evitar infecção do enxerto. Pancreatite é uma complicação incomum do reparo dos AAA e é atribuída à retração do órgão na base do mesocolo transverso. Ela deve ser considerada causa do íleo pós-operatório per- sistente, principalmente quando a exposição da aorta proximal tiver sido difícil. 1 Doenças da aorta 19 Insuficiência renal A insuficiência renal é rara, atualmente, graças à reposição adequada do volume e a manutenção do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo renal normais. Entretanto, ainda são necessárias precauções para reduzir o risco dessa complicação. Em razão da toxicidade renal dos contrastes intravenosos, é recomendável postergar o reparo dos AAA depois da arteriografia ou da TC contrastada, para se ter certeza de que o exame não causou disfunção re- nal. Uma causa mais provável de insuficiência renal depois do reparo dos AAA infrarrenais é a emboli- zação dos detritos ateromatosos da aorta para as ar- térias renais durante o clampeamento transversal da aorta proximal. A TC pré-operatória pode demons- trar placas ateromatosas ou trombos pararrenais, que devem indicar o clampeamento transversal su- pracelíaco temporário até que a aorta infrarrenal seja aberta. Nesse ponto, esse material pode ser re- movido e o clampe transferido para sua localização infrarrenal habitual. Durante a manipulação, as artérias renais devem ser temporariamente clam- peadas e seus orifícios cuidadosamente irrigados antes da restauração do fluxo sanguíneo. Como a disfunção renal pré-operatória é o melhor previsor de insuficiência renal pós-operatória, precauções especiais são apropriadas para esses pacientes. Evidências sugerem um efeito benéfico com mani- tol intravenoso (cerca de 25 g) administrado antes do clampeamento transversal da aorta. Embora al- guns autores tenham recomendado a manutenção do volume urinário alto por meio da furosemida, sua eficácia não foi comprovada e ela pode dificul- tar a avaliação do balanço hídrico por aumentar artificialmente o débito urinário. Como a insu- ficiência renal é mais provável nos pacientes que necessitam de clampeamento suprarrenal prolongado, são aconselháveis medidas espe- ciais como o resfriamento renal. Complicações gastrointestinais Depois de qualquer cirurgia abdominal, sem- pre há algum grau de disfunção intestinal. Entre- tanto, o íleo paralítico que ocorre depois da evisceração e da dissecção da base do mesenté- rio durante o reparo transperitoneal dos AAA geralmente é mais persistente que o íleo que se desenvolve depois de outras cirurgias. Por essa razão, deve-se ter cautela ao reiniciar a alimentação oral depois da cirurgia. Anorexia, constipação tran- sitória ou diarreia comumente ocorre nas primeiras semanas depois do reparo dos aneurismas. A isquemia do intestino grosso é uma compli- cação incomum e geralmente fatal, que pode ser atri- buída à interrupção da irrigação sanguínea do colo sigmoide durante o reparo do AAA. Para evitá-la, é importante entender a irrigação sanguínea do colo sigmoide e da pelve. A artéria mesentérica sinuosa é a comunicação mais importante entre a AMS e a AMI, interligando o ramo esquerdo da artéria cólica média com a artéria cólica esquerda ou a AMI. A arté- ria marginal de Drummond tem menos importância hemodinâmica, mas pode fornecer colaterais impor- tantes se a artéria mesentérica sinuosa for lesada ou não estiver presente. O colo sigmoide também pode receber circulação colateral expressiva da artéria ilí- aca interna por meio da artéria retal superior e até mesmo dos ramos femorais circunflexos da artéria femoral profunda, caso a artéria ilíaca interna seja obstruída. A circulação colateral ipsolateral prove- niente das artérias ilíaca externa e femoral é mais importante que a circulação colateral pélvica contra- lateral, caso haja obstrução da artéria ilíaca interna. O reparo dos AAA (ou a reconstrução aortoilíaca por doença obstrutiva) pode colocar em risco a irriga- ção sanguínea do colo sigmoide depois da ligadura de uma AMI ou artéria ilíaca interna patente; por embo- lização dos detritos ateromatosos para dentro dessas artérias; por hipotensão prolongada, principalmente durante o reparo dos AAA rotos; e pela lesão por retra- ção dos ramos colaterais importantes. Entretanto, em virtude da profusão dessa circulação colateral, o infar- to intestinal não é comum. Embolização distal A isquemia dos membros inferiores podeocorrer depois do reparo de um AAA, geralmente por embo- lização dos detritos aneurismáticos durante a mobi- lização do aneurisma ou o clampeamento da aorta. Em geral, esses êmbolos são pequenos (conhecidos como microêmbolos), não podem ser removidos cirur- gicamente e causam áreas dispersas de escurecimento transitório da pele, ou “dedos azulados”. O problema pode gerar dor persistente ou perda da pele, em alguns casos com necessidade de amputação. Segundo alguns autores, é recomendável o tratamento com dextrano de baixo peso molecular ou até mesmo a simpatecto- mia para essas lesões microembólicas, mas a conduta é basicamente expectante. Ocasionalmente, êmbolos maiores ou retalhos da íntima distal, principalmente das artérias anormais, podem exigir cirurgias. Por essa razão, as pernas devem ser cuidadosamente inspecio- nadas durante o procedimento para detectar isquemia depois do reparo dos AAA, enquanto a incisão ainda está aberta e o acesso às artérias pode ser conseguido facilmente, caso necessário. Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201520 Paraplegia A paraplegia resultante da isquemia da medula espinal é rara depois do reparo dos AAA infrarrenais, mas pode ocorrer quando a circulação colateral predo- minante das artérias espinais provém das artérias ilíacas internas, ou a origem anormalmente baixa da artéria espinal acessória (artéria radicular magna, ou artéria de Adamkiewicz) é obstruída ou embolizada durante o reparo do AAA. Como a artéria espinal acessória nor- malmente se origina da parte descendente da aorta torácica ou da aorta abdominal alta, essa complicação é muito mais comum depois do reparo dos aneurismas toracoabdominais. Para evitá-la, alguns estudos en- fatizaram a importância de preservar a perfusão das artérias colaterais espinais importantes pelas artérias ilíacas internas normais. Combinada com a hipoten- são grave, a doença obstrutiva das artérias colaterais espinhais também pode causar paraplegia, o que ex- plica a frequência mais alta da complicação durante os reparos dos AAA rotos. A paraplegia também foi descrita como sintoma inicial dos AAA infrarrenais, o que sugere que a circulação colateral pelas artérias es- pinais importantes, que se origina da aorta distal, pos- sa ser obstruída pelo trombo mural alojado dentro do aneurisma, ou por sua trombose propriamente dita. Disfunção sexual A impotência ou a ejaculação retrógrada pode ocorrer depois do reparo dos AAA como consequência da lesão dos nervos autonômicos durante a dissecção para-aórtica. É difícil calcular a incidência, tendo em vista as diversas causas de impotência nessa faixa etá- ria e a subnotificação frequente. Outra causa possível da impotência pós-operatória é a redução da irrigação sanguínea da pelve em virtude da obstrução ou emboli- zação da artéria ilíaca interna. Tromboembolia venosa Embolia pulmonar e trombose venosa profun- da são menos comuns depois do reparo dos AAA que depois de outras cirurgias abdominais, talvez porque se utilize anticoagulação intraoperatória. Entretanto, a trombose venosa profunda subclínica pode ocorrer em 18% dos pacientes não tratados. Complicações tardias As complicações tardias depois do reparo bem-su- cedido de um AAA ou aneurisma ilíaco não são frequen- tes. Em um estudo populacional, apenas 7% dos pacientes tiveram essas complicações nos 5 anos subsequentes ao reparo dos AAA. A ruptura da anastomose, geralmente secundária à degeneração da artéria, pode resultar na formação de um pseudoaneurisma (um hematoma con- tido localmente pelos tecidos conjuntivos circundantes). Um estudo demonstrou incidência dos pseudoa- neurismas aórticos de apenas 1% depois de 8 anos, mas de 20% depois de 15 anos. Quando são detectados, os pseudoaneurismas aórticos e ilíacos devem ser repara- dos, tendo em vista a probabilidade alta de morte de- pois da ruptura. A infecção do enxerto depois do reparo dos AAA também é rara, a menos que seja necessária uma anasto- mose femoral. Com os enxertos aortoilíacos, a probabili- dade de infecção é de 0,5% e geralmente ocorre 3-4 anos depois da implantação. A apresentação precoce é possível e mais provável se houver uma anastomose femoral. O desenvolvimento de fístulas aortoentéricas secun- dárias ao reparo também não é comum (0,9%), embora muito mais frequente que as fístulas aortoentéricas primá- rias associadas a um AAA. Em geral, as fístulas aortoen- téricas desenvolvem-se cerca de 5 anos depois do reparo do AAA, quase sempre envolvem o duodeno na linha de sutura proximal e comumente se evidenciam por hemor- ragia gastrointestinal. Em casos menos comuns, as fís- tulas aortoentéricas podem envolver a porção central do enxerto e causar infecção, em vez de hemorragia. Menos de 10% dos pacientes desenvolvem com- plicações tardias do reparo dos AAA ao longo de suas vidas. Entretanto, a maioria é grave e comumente fatal. Complicações específicas do tratamento endovascular A síndrome pós-implante, caracterizada por febre e dor lombar (não acompanhada de leucoci- tose), pode ocorrer em até 50% dos pacientes. Acre- dita-se que seja causada pela trombose do saco aneuris- mático e tem evolução benigna. A região inguinal, onde é feito o acesso, também pode ser sítio de complicações como hematomas, pseudoaneurismas, linfocele, linfor- reia e infecção. Uma das razões principais para a falha da endo- prótese é a presença de vazamento (endoleak), defini- do como um fluxo de sangue persistente para fora do enxerto e dentro da bolsa aneurismática. Há quatro tipos de vazamento. Tipos e tratamentos de vazamento após reparo endovascular de aneurisma aórtico Tipo de vazamento Causas do vazamento Opções de tratamento Tipo I Selamento inadequado da extremidade proxi- mal ou distal da endo- prótese Dilatação por balão Colocação de stents ou módulos adi- cionais Conversão aberta 1 Doenças da aorta 21 Tipos e tratamentos de vazamento após reparo endovascular de aneurisma aórtico (cont.) Tipo II Fluxo proveniente das artérias com sangra- mento retrógrado Observação Embolização com espiral ou cola Artérias lombar, sacral média, mesentérica infe- rior, hipogástrica e renal acessória patentes Ligadura laparos- cópica Conversão aberta Tipo III Rompimento ou laceração do tecido da endoprótese Desconexão do módulo Colocação de stents ou módulos adi- cionais Endoprótese secun- dária Conversão aberta Tipo IV Fluxo proveniente da porosidade do tecido da endoprótese Observação Tabela 1.5 Uma outra complicação do procedimento endo- vascular é a migração do dispositivo. Isso é definido como um aumento superior a 5 mm na distância entre a artéria renal inferior e a extremidade craniana do dis- positivo. A migração responde pela maioria dos vaza- mentos do tipo I e representa um fator significativo para a ruptura posterior. Essa migração pode ocorrer em caso de fratura dos ganchos na endoprótese ou se houver uma fratura do sistema de fixação ao fixar ou penetrar na parede aórtica. Além disso, a remodela- ção e a dilatação do colo aórtico após o procedimento EVAR que altera a zona de selamento do dispositivo já foram sugeridas como outra causa potencial da migra- ção do enxerto. A migração do dispositivo está associa- da a um risco três vezes maior para vazamentos do tipo I e ao grau de sobreposição existente entre o dispositi- vo e a aorta infrarrenal (menos sobreposição envolve risco mais alto de migração). Essa migração também depende do comprimento do colo da aorta e da exten- são da dilatação do colo proximal. Dissecção aórtica Define-se dissecção da aorta como a delaminação das suas paredes produzidas pela infiltração de uma coluna de sangue que percorre um espaço virtual (luz falsa) entre a adventícia e a íntima. Epidemiologia Os homens são acometidos com maior frequência e muitos estudos registraram uma proporção de 5:1 com- parando homens e mulheres. O pico de incidência para a dissecção do tipo A ocorre entre 50-60anos de idade e para o tipo B entre os 60-70 anos. A hipertensão arterial encontra-se presente em 70-80% dos casos e as dis- secções do tipo A representam aproximadamente 60% dos casos. A dissecção aórtica aguda apresenta um padrão cronobiológico circadiano e sazonal. De for- ma semelhante ao que ocorre no infarto do miocárdio, na morte súbita e nos acidentes vasculares encefálicos, a dissecção se inicia com maior frequência pela manhã, entre 6-10 h, e é mais comuns nas estações mais frias (ou- tono, inverno e primavera) que no verão. Com relação às doenças aórticas, a presença de valva aórtica bicúspide acompanhada de dilatação da raiz dessa artéria é um fator de risco bem estabeleci- do para a ocorrência de dissecção no segmento ascen- dente, tendo sido documentada em 7-14% de todas as dissecções aórticas. Outras doenças aórticas, como coarctação, ectasia do anel aórtico, anormalidades cromossômicas (síndrome de Turner e síndrome de Noonan), hipoplasia do arco aórtico, arterite e doen- ças hereditárias (síndrome de Marfan e síndrome de Ehlers-Danlos) são fatores de risco reconhecidos para o desenvolvimento de dissecção aórtica aguda. A sín- drome de Marfan é responsável pela maioria dos casos de dissecção aórtica que ocorre em pacientes com me- nos de 40 anos de idade. Em mulheres com menos de 40 anos, 50% das dis- secções aórticas ocorrem durante a gestação. Em geral, a hipertensão arterial, como parte de um quadro de pré-eclâmpsia, pode ser um fator complicador em 25- 50% de todas as gestações em que ocorram dissecção aórtica. Em alguns casos, o diagnóstico de síndrome de Marfan é feito quando a mulher se apresenta com uma dissecção aguda no periparto. Nas mulheres com diagnóstico de síndrome de Marfan, a presença de uma raiz aórtica dilatada (> 4 cm) as coloca em uma posição de certo risco para a ocorrência de dissecção aguda no período próximo ao parto. A aorta ascenden- te é o local em que é mais frequente a ocorrência de dis- secção aórtica associada à gestação. Em 75% dos casos a ruptura da íntima ocorre no espaço de 2 cm a partir da valva aórtica. A ruptura da aorta pode ocorrer sem qualquer aviso durante o 3º trimestre ou du- rante o trabalho de parto. O consumo de cocaína é uma causa rara de dis- secção aórtica aguda em indivíduos até então saudáveis. O paciente prototípico é jovem, negro e com história de hipertensão arterial. Acredita-se que o mecanis- mo envolvido se relacione com um defeito subjacen- te existente na camada média da artéria em razão de hipertensão arterial sem controle e com a atividade simpática intensa provocada pela ingestão de cocaína, ocasionando um aumento dramático e agudo na for- ça de contração ventricular (dP/dT) sobre a parede da aorta. A ruptura da íntima ocorre com maior fre- quência no ligamento arterial, local onde a aorta está relativamente presa e incapaz de suportar a carga advinda da intensa taquicardia e da eleva- ção na pressão arterial. Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201522 Fatores predisponentes A hipertensão arterial e os distúrbios do tecido conjuntivo (em particular a síndrome de Marfan) po- dem predispor os pacientes à dissecção. A causa da lace- ração inicial ainda não é conhecida, mas a histologia da parede aórtica exibe tipicamente degeneração medial. Classificação Duração: aguda (até 2 semanas) e crônica (> 2 semanas). Localização DeBakey Tipo I: origina-se na aorta ascendente, propagan- do-se para o arco aórtico (e geralmente distalmente). Tipo II: origina-se e permanece restrito na aorta ascendente. Tipo III: origina-se na aorta descendente e pro- paga-se distalmente (é raro seguir proximalmente). Stanford Tipo A: localização na aorta ascendente (tipos I e II). Tipo B: encontra-se na aorta descendente (tipo III). A dissecção proximal (tipo A ou tipos I e II) é a mais comum, ocorrendo em 2/3 dos casos. Essa classificação tem sido usada preferencial- mente por encerrar aspectos de prognósticos e condu- ta de uma maneira muito objetiva. Cumpre ressaltar, todavia, que essas classificações não enquadram todas as dissecções retrógradas. São, no entanto, importantes, pois permitem uniformidade na descrição e entendimento dos trabalhos científicos. Figura 1.13 Classificação de DeBakey/Stanford das dissecções de aorta. Anatomia patológica da dissecção aórtica aguda A ruptura das camadas íntima e média é o evento inicial na maioria dos casos de dissecção aórtica. A viola- ção da túnica íntima resulta na formação de um plano de clivagem pela camada média externa e sua subsequente propagação a uma distância variável, que tanto pode ser no sentido retrógrado quanto no anterógrado. O preen- chimento com sangue do espaço criado entre as camadas da parede aórtica forma a falsa luz. A partir do ponto de entrada, a coluna de sangue pode causar dissecção no sentido proximal ou no distal como consequência do gra- diente hidrodinâmico entre as luzes falsa e verdadeira. Além disso, a falsa luz pode aumentar no sentido longi- tudinal ou circunferencial em razão da clivagem produzi- da pelo fluxo de sangue nas camadas da parede aórtica. A pressão hemodinâmica contínua pode causar lesões adi- cionais na túnica íntima, pontos de entrada suscetíveis a novas dissecções ou de saída para a coluna de sangue que corre pela falsa luz. Essas janelas ou fenestrações espon- tâneas ocorrem com frequência nos óstios dos ramos da aorta, como a artéria renal esquerda. A presença de um “flap na íntima”, que representa o septo íntimo-medial en- tre as luzes falsa e verdadeira, é o achado patológico mais característico na dissecção aórtica aguda. A ruptura flap na íntima localiza-se no segmento ascendente da aorta em 65% dos pacientes, na aorta descendente em 25%, e no arco e no segmento abdominal da aorta em 5-10%. A ruptura típica é transversal e não atinge toda a circun- ferência da artéria. Na aorta descendente, a ruptura na íntima se origina tipicamente a poucos centímetros da artéria subclávia esquerda. No padrão habitual da dis- secção na aorta torácica descendente (DeBakey I ou III, Stanford B), o plano de clivagem progride com uma to- pografia característica na medida em que a falsa luz evo- lui descendo pela face posterolateral da aorta; as artérias celíaca, mesentérica superior e renal direita emergem tipicamente da luz verdadeira, e a artéria renal esquerda da falsa luz. Entretanto, são frequentes as variações en- contradas para esse padrão. A aterosclerose não é considerada um fator etio- lógico importante para a dissecção aórtica aguda; en- tretanto, Jex e colaboradores notaram a presença de ateromas macroscópicos ou microscópicos em 83% dos pacientes em suas revisões. Placas ateromatosas podem ser protetoras na medida em que servem para inter- romper o processo de dissecção uma vez que a natureza inflamatória transmural da aterosclerose é capaz de fu- sionar as camadas aórticas. A ocorrência de um aneu- risma aterosclerótico em concomitância a uma dissecção aórtica é incomum, estando presente em apenas 2-12% das dissecções. A coexistência incomum de uma dissec- ção aórtica com um aneurisma aterosclerótico preexis- tente parece mudar substancialmente a história natural de cada uma dessas patologias. Nesse cenário, a ruptura do aneurisma preexistente é a evolução mais provável. 1 Doenças da aorta 23 Quadro clínico A dor torácica é o sintoma mais comum. Fre- quentemente é súbita e intensa (“dilacerante”) desde o início, irradiando-se para a região interescapular e, ti- picamente, migra com a propagação da dissecção. Em até 10% das dissecções não há relato de dor. Hipertensão: mais frequente na dissecção distal. Hipotensão: mais comum na dissecção proximal, pois geralmente causa ruptura para o pericárdio (tam- ponamento) ou insuficiência aórtica grave. Sinais de insuficiência aórtica: ocorrem em mais de 50% dos casos de dissecção proximal. A síncope pode complicar a apresentação clínica da dissecção aórtica aguda em 5-10%dos pacientes, e sua presença com frequência indica o desenvolvimento de tamponamento cardíaco ou o envolvimento de vasos braquiocefálicos. Como um sintoma isolado, sem ne- nhuma queixa de dor torácica anterior ou posterior, a síncope ocorreu em menos de 3% de todos os pacien- tes no estudo IRAD. A isquemia na medula espinal em razão da inter- rupção do fluxo nos vasos intercostais é evidentemente mais comum nos pacientes com dissecção aórtica do tipo B, podendo ocorrer em 2-10% de todos os casos. A compressão direta de qualquer nervo periférico ra- ramente ocorre, mas quando acontece resulta em pa- restesia (plexopatia lombar), rouquidão da voz (com- pressão do nervo laríngeo recorrente) ou síndrome de Horner (compressão do gânglio simpático). Ao exame físico inicial, a hipertensão arterial sistêmica está presente em 70% das dissecções do tipo B, mas apenas em 25-35% das dissecções do tipo A. A presença de hipotensão complicando uma dissecção do tipo B é rara (menos de 5% dos pacientes). Em con- traste, a hipotensão pode estar presente em 25% dos casos de dissecção envolvendo a aorta ascendente, po- tencialmente como resultado de regurgitação aórtica ou de ruptura intrapericárdica. A perfusão inadequa- da dos vasos braquiocefálicos causada pela dissecção pode ocasionar níveis pressóricos falsamente baixos quando a medição é feita com o manguito sobre a ar- téria braquial. É comum a ocorrência de hipertensão arterial refratária durante o tratamento clínico para as dissecções aórticas do tipo B, ocorrendo em 64% dos pacientes com envolvimento da aorta descendente. Entretanto, essa hipertensão refratária não está asso- ciada a comprometimento da artéria renal ou dilata- ção aórtica, estando indicada a manutenção da tera- pêutica clínica. Déficits no pulso são comuns e ocorrem em 30- 50% dos pacientes com envolvimento do arco aórtico, do segmento toracoabdominal ou de ambos. O exame da população do estudo IRAD apontou envolvimento do tronco braquiocefálico em 14,5% dos pacientes, da artéria carótida comum esquerda em 6%, da artéria subclávia esquerda em 14,5% e das artérias femorais em 13-14%. Os pacientes que se apresentaram com al- terações de pulso tiveram déficits neurológicos, coma e hipotensão com maior frequência. Déficits no pulso carotídeo estiveram fortemente correlacionados com AVE fatais, observação consistente com dados ante- riores. O número de déficits de pulso foi associado ao aumento na mortalidade. Nas primeiras 24 h após a apresentação, 9,4% dos pacientes sem déficits de pul- so morreram, contra 15,8% dos pacientes com 1 ou 2 déficits e 35,3% daqueles com 3 ou mais déficits. Com relação a deficiências de pulso apenas nos membros inferiores é incomum a mortalidade resultante de is- quemia nessa localização ou de suas sequelas, tendo ocorrido em apenas 4 de 38 pacientes com isquemia clinicamente evidente dos membros inferiores asso- ciada à dissecção aguda. De qualquer forma, a isque- mia na perna causada por dissecção aguda foi consi- derada um marcador da extensão do problema e pode ser acompanhada pelo comprometimento de outros territórios vasculares. A evolução clínica da isquemia periférica é variável; 1/3 desse grupo pode evoluir com resolução espontânea dos déficits de pulso. O exame rápido do pulso à beira do leito pode fornecer informa- ções importantes para o diagnóstico da dissecção aórti- ca aguda e sobre os pacientes sob risco de complicações. Dada a elevada morbidade provocada pela au- sência de diagnóstico nos casos de dissecção aórtica, a história e os sinais físicos podem aumentar a acurácia clínica. Em um modelo preditivo clínico, a presença isolada de dor do tipo aórtica (torácica ou interescapu- lar de início súbito) foi associada a uma razão de pro- babilidade de 2,6. O acréscimo de alterações no pulso ou na pressão arterial à já mencionada dor aumentou a razão de probabilidade para 10,5. O acréscimo de sinais como aumento do mediastino ou da silhueta aórtica na radiografia do tórax aos indicadores ante- riores elevou a razão de probabilidade para 66. Essa tríade diagnóstica foi encontrada em apenas 27% dos pacientes. Já a ausência de dor súbita, de alterações no pulso e de sinais radiográficos torna o diagnóstico de dissecção extremamente raro (4% dos pacientes). Dada a morbidade provocada pela ausência desse diag- nóstico, mesmo uma razão de probabilidade tão baixa pode ser insuficiente para excluir a dissecção aórtica se houver qualquer suspeita clínica. Exames complementares � ECG: exame que colabora no diagnóstico dife- rencial com isquemia miocárdica. Em contrapar- tida, pacientes com dissecção da aorta ascendente podem ter envolvimento da artéria coronária no flap, usualmente a coronária direita, com conse- quente alteração flagrada no ECG. Pode ocorrer, então, supra de ST de parede inferior. Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201524 � Radiografia de tórax: alargamento mediastinal é visto em 63% das dissecções de aorta ascen- dente e 56% nos casos de dissecção distal. Outro achado que sugere dissecção é o “sinal do cálcio” (separação da calcificação intimal em relação à borda externa do tecido aórtico > 1 cm). � Aortografia: sensibilidade de 88% e especifici- dade de 94%. Os falsos-negativos ocorrem prin- cipalmente nos casos de trombose da luz falsa ou hematoma intramural. Tem sido substituída por métodos mais acurados e menos invasivos. � Ecocardiograma transesofágico: a dissecção é confirmada quando duas lâminas separadas por um flap intimal são visibilizadas. Sensibilidade e especificidade em torno de 98 e 95%, respectiva- mente. Pode ser realizado na sala de emergên- cia; portanto, é o exame de escolha nos pacientes instáveis. Exame suficiente para encaminhar o paciente para cirurgia. � Angiotomografia: os principais estudos mostram sensibilidade de 83 a 98% e especificidade de 87 a 100%. O principal dado na dissecção é a demonstra- ção do flap intimal separando a luz falsa da luz ver- dadeira. É melhor que o eco transesofágico para ava- liação dos ramos aórticos. Importante para a equipe cirúrgica definir a tática operatória. Exame rápido que não resultará em retardo significativo da inter- venção cirúrgica, desde que o paciente esteja estável. � Angiorressonância: tem acurácia semelhante à TC, porém, em razão da inconveniência da de- mora e limitação do acesso ao paciente e moni- torização durante o exame, fica reservada para os casos de dissecção crônica. Figura 1.14 Paciente com 73 anos, do sexo masculino, hipertenso e corretamente medicado fez radiografia de tórax para controle. A ra- diografia evidenciou uma silhueta cardíaca (A) que sugere aumento do ventrículo esquerdo e aorta alongada. Embora seja absolutamente assintomático, pediu-se tomografia de tórax (B a F). A sequência de cortes do tórax evidencia dissecção do tipo A de Stanford (que se ini- cia na aorta ascendente), setas indicando o “intimal flap”, com dupla luz em toda a extensão do tórax e trombo mural da aorta descendente (cabeça de seta). Como o achado não era esperado e o último corte do tórax ainda mostrava dissecção, foi feita uma nova injeção com menos contraste para avaliação da extensão da lesão, que se prolongou pela ilíaca comum. E: nesta imagem, vemos a luz verdadeira (setas finas) e o tronco celíaco (setas grossas) contrastados. F: reformatação oblíqua. Exame realizado sem protocolo ideal por falta de suspeita clínica. Tratamento Clínico � Nos casos de suspeita de dissecção da aorta, os pacientes na sala de emergência devem ser monitorizados, receber oxigênio suplementar e acesso venoso calibroso. � Analgesia: morfina IV. � Controle rigoroso da pressão arterial e da frequ- ência cardíaca – manter PA sistólica entre 100 e 120 mmHg e FC < 60 bpm. Utilizar betablo- queador: propranolol, metoprolol, labetalol ou esmolol. � Se o paciente mantiver níveis tensionais acima dos indicados após a infusão de betabloqueador, utilizar nitroprussiatode sódio IV. � Reposição volêmica para os pacientes hipoten- sos. Cirúrgico Ruptura aórtica é a causa mais comum de mor- talidade em dissecção aórtica, seguida de dissecção e isquemia de órgãos-alvo (cérebro, rins, coronárias). Objetivos do tratamento Parar as progressões proximal e distal da dissecção. Remover o local da ruptura de íntima e ressecar a aorta no local mais provável de ruptura. Princípios gerais Os enxertos arteriais preferidos são aqueles mais impermeáveis: Enxertos impregnados com colágeno tipo He- mashield têm a desvantagem de ser muito caros (mais comuns devido a sua praticidade de uso). Enxertos Woven very soft pré-coagulados com albumina ou plasma em autoclave a 120 F por cinco minutos (pouco utilizados). Enxertos de pericárdio bovino, revestidos ou não por Dacron, são excelentes, mas não são aplicáveis no arco aórtico (atualmente em desuso). Dissecção tipo A A evolução natural com o tratamento clínico é muito desfavorável, ocorrendo o óbito precoce por ro- tura intrapericárdica da aorta, rotura distal, insufici- ência aórtica ou oclusão de óstios das coronárias. 1 Doenças da aorta 25 Todos os casos de dissecção aórtica do tipo A devem ser considerados para a cirurgia de urgência independentemente da presença de complicações, pois poucos casos sobrevivem à fase aguda. Nessa situação, apresentam-se para o tratamento cirúr- gico mais tardiamente em decorrência de expansão da falsa luz ou de insuficiência aórtica. O ato cirúrgico é realizado com circulação extra- corpórea associada à hipotermia profunda com parada circulatória total a 16°C, dispondo-se de um período de tempo bastante satisfatório para a inspeção da croça aórtica e sutura distal, das camadas aórticas ao tubo de Dacron ou de pericárdio bovino. Em seguida, se restabelece a circulação extracorpórea e realiza-se a sutura das camadas dissecadas apoiando com feltro de teflon e, a seguir, procede-se à sutura desse coto proximal reconstituído ao tubo de Dacron. A insuficiência da valva aórtica, na imensa maioria das vezes, dispensa a substituição valvar, pois o mecanismo da insuficiência é a perda de apoio das comissuras na íntima dissecada, sendo salva a valva aórtica normal. Com a reconstrução da parede aórtica dissecada, a suspensão das comissu- ras corrige o refluxo. Em casos pouco frequentes de laceração do óstio da coronária direita pode ser necessária uma ponte de safena para a restauração do fluxo comprometido. É excepcional o esgarçamento do óstio da coronária es- querda, uma vez que a face medial da aorta ascendente quase sempre é poupada pela dissecção. O risco operatório dessa intervenção é atualmen- te baixo para os pacientes não complicados, aumen- tando consideravelmente em função de complicações instaladas antes do procedimento cirúrgico como: pa- rada cardíaca prévia, tamponamento com choque car- diogênico, insuficiência renal e isquemias viscerais e de membros inferiores. Após a alta hospitalar, os pacientes devem ser acompanhados com avaliações semestrais por meio de tomografia, de ecocardiografia ou de ressonância magnética nuclear, à procura de dissecções residuais, reentradas ou expansão de falsa luz. Dissecção tipo B Se para as dissecções agudas do tipo A há um consenso a respeito da necessidade de tratamento cirúrgico precoce, nas dissecções do tipo B a maioria dos autores preconiza o tratamento clínico inicial, re- servando-se a terapêutica cirúrgica para as dissecções complicadas em que temos expansão da falsa luz, he- motórax, insuficiência renal, isquemia visceral ou de membros inferiores. Essa conduta conservadora deve-se ao fato de a história natural destas dissecções ser melhor do que a do tipo A e, fundamentalmente, pelo fato de o tratamento cirúrgico por meio da abordagem dire- ta por toracotomia esquerda ser um procedimento trabalhoso e de alto risco, sendo particularmente temida a paraplegia. Por outro lado, operando-se somente pacientes complicados, o risco do trata- mento cirúrgico é ainda maior. Esses fatos fazem com que se adote inicial- mente o tratamento clínico para todos esses casos. Todavia, a observação dos resultados ao final do primeiro ano demonstra alta incidência de compli- cações tardias, a maioria delas decorrente da expan- são da falsa luz ou isquemia de diferentes territórios com expectativa de vida de apenas 35% ao final de 5 anos. Dessa forma, nos incluímos entre os autores que têm indicado a reparação cirúrgica na fase ini- cial mesmo para os casos não complicados, parecen- do não ter lógica a indicação cirúrgica apenas para pacientes de alto risco quando complicados. Prognóstico Mortalidade no tipo A: 20%. Mortalidade no tipo B: 25%. Mortalidade Arco Aórtico: 50%. A mortalidade cirúrgica na dissecção crônica é maior que na dissecção aguda, pois invariavelmente há evolução para dilatação da aorta e dos ramos afeta- dos pela dissecção (dissecção crônica dilatada). Dissecção aórtica aguda (< 14 dias depois do início) Tipo A Tipo B Não complicado Ruptura, isquemia de membro, má perfusão abdominal, dor persistente ou hipertensão incontrolável Terapia medicamentosa “anti-hipertensiva” Dissecção aórtica crônica (>14 dias do início) Acompanhamento rigoroso e TC seriada (ou ARM) de tórax e abdome Sem alteração do diâmetro aórtico AATD/AATA > 5 cm Avaliação para cirurgiade interposição de enxerto 1º ano - a cada 3 meses 2º ano - a cada 6 meses Então anualmente Operação de emergência para reparo da aorta ascendente + válvula aórtica Intervensão cirúrgica, ou endoluminal (ex.: fenestração, endoprótese, substiruição da aorta por enxerto, interposição de enxerto) Figura 1.15 Algoritmo para tratamento da dissecção aórtica. TC: to- mografia computadorizada; AATD: aneurisma aórtico torácico descen- dente; ARM: angiografia por ressonância magnética; AATA: aneurisma aórtico toracoabdominal. Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201526 Arterite de Takayasu (AT) Definição A arterite de Takayasu (AT) é uma doença infla- matória sistêmica, de etiologia desconhecida, que afe- ta a aorta e seus ramos principais. É classificada como uma vasculite de grandes artérias, que acomete prin- cipalmente mulheres jovens, e tem evolução crônica, causando grande morbidade. Etiopatogenia A etiopatogenia da AT ainda é pouco conhe- cida e, provavelmente, multifatorial. A infecção pelo Mycobacterium tuberculosis foi mais prevalen- te em algumas populações estudadas. Em trabalho realizado na Índia, Aggawarl A encontrou maior prevalência de anticorpos contra extratos de Myco- bacterium tuberculosis em pacientes com AT quando comparados com controles. Estudos posteriores evidenciaram que os relatos de maior frequência de tuberculose e positividade à reação ao PPD em pacientes com arterite de Takayasu se dá nos paí- ses de alta prevalência de tuberculose. A ausência de Mycobacterium tuberculosis nas lesões arteriais e a falta de resposta ao tratamento tuberculostático vêm reforçar a hipótese de ser apenas uma prová- vel reação de hipersensibilidade. As diferenças na distribuição étnica e geográfica e a agregação familiar sugerem possível predisposição genética. Os principais estudos encontraram associa- ção com HLA classe I, como o HLA-B5 em indianos e os HLA-B52 e B39.2 em japoneses. Na população mexicana, foi descrita a presença do HLA B15 e dos resíduos 63 e 67 da molécula de HLA B. Entretanto, os estudos em pacientes ocidentais não confirmaram estes dados. As lesões inflamatórias na AT originam-se na vasa vasorum das artérias acometidas. O infiltrado in- flamatório é constituído principalmente por células T, mas também por células dendríticas, monócitos e granulócitos, que se localizam preferencialmente na adventícia e na periferia da camada média. Neste es- tágio, o encontro de citocinas inflamatórias e de mo- léculas de adesão sugerem atividade quimiotática das células T e monócitos. A participação de interleucinas (IL) na etiopato- genia desta entidadeparece ser marcante, já que es- tudos mostraram aumento no nível sérico de IL 6, 8 e 12 em pacientes com AT quando comparados com controles sadios. Epidemiologia A AT é uma vasculite sistêmica rara, mais frequente em mulheres jovens e com distribuição uni- versal, porém, com características demográficas dife- rentes em cada país. No Brasil, a média de idade ao diagnóstico de 73 pacientes com AT foi de 27 anos, com predomínio 5 vezes maior em mulheres, sendo 68% em raça branca. A incidência de AT nos EUA foi estimada em 1 a 3 casos por milhão. Anatomia patológica As lesões se distribuem principalmente na aorta e nos seus ramos principais. São também envolvidas as artérias pulmonares, femorais, renais, mesentéricas, coronarianas e vertebrais. O processo inflamatório se caracteriza por um infiltrado linfomonocitário com formação de granulo- mas, e a presença esporádica de células gigantes. Em está- gios mais avançados, a doença se torna obliterativa. Critérios para classificação da arterite de Takayasu Critério Definição Idade até instala- ção da doença in- ferior a 40 anos Desenvolvimento dos sintomas ou achados relacionados à AT até a idade de 40 anos Claudicação de extremidades Desenvolvimento e piora da fadiga e desconforto em músculos de uma ou mais extremidades, quando em uso, especialmente de membros superiores Diminuição do pulso em artéria braquial Diminuição da pulsação em uma ou ambas artérias braquiais Diferença de pres- são arterial > 10 mmHg Diferença de pressão arterial sistóli- ca acima de 10 mmHg entre membros superiores Sopro sobre arté- ria subclávia ou aorta Sopro audível à ausculta sobre uma ou ambas artérias subclávias ou aorta abdominal Anomalidades arteriográficas Estreitamento ou oclusão da aorta, seus ramos primários, ou das grandes artérias proximais das extremidades superiores ou inferiores, não devido à arteriosclerose, displasia fibromuscu- lar ou causa similar; Alterações geral- mente focais ou segmentares Tabela 1.6 Três ou mais critérios presentes definem AT. Quadro clínico A clássica descrição bifásica da doença divide o quadro clínico em fases inflamatória-sistêmica e vascular. Esta classificação não tem grande utilidade clínica, pois muitos pacientes não seguem esta evolução. Na época do diagnóstico, 20% dos pacientes podem ser 1 Doenças da aorta 27 assintomáticos, e em 60 a 80% dos casos os sintomas sistêmicos estão ausentes. Na fase inflamatória, o paciente pode apresentar sinais e sintomas ines- pecíficos como febre, sudorese noturna, adinamia, perda de peso, artralgia, carotidínea e mialgia. Poste- riormente, as manifestações vasculares são mais su- gestivas da doença e caracterizam-se por diminuição ou ausência de pulsos (84 a 96%), claudicações de mem- bros, sopros arteriais (80 a 94%), diferença de pressão arterial entre os membros e manifestações isquêmicas abdominais, cardíacas e neurológicas. O diagnóstico é muitas vezes realizado tardiamente, quando já ocor- reram alterações vasculares estruturais. A hipertensão arterial pode ocorrer em até 93% dos casos. A tabela a seguir relaciona os principais achados clínicos na AT. Achados clínicos comuns na AT Sopros 80% Claudicação 70% Diminuição dos pulsos 60% Artralgias 50% Pressão arterial assimétrica 50% Sintomas constitucionais 40% Cefaleia 40% Hipertensão 30% Tonturas 30% Pulmonares 25% Cardíacos 10% Eritema nodoso 8% Tabela 1.7 Classificação Para ser clinicamente útil, um sistema de classifi- cação para AT deve levar em conta as áreas de ativida- de da doença. A classificação de Ueno, publicada origi- nalmente em 1967, dividiu a AT em 3 tipos com base no acometimento arterial. Em 1994, na Conferência Internacional de Tóquio sobre Arterite de Takayasu, foi proposto um novo sistema de classificação, publi- cado a seguir naquele mesmo ano (tabela 1.8). Comparação dos vários sistemas de classificação para arterite de Takayasu Classificação de Ueno Tipo I Doença do arco aórtico e de seus ramos Tipo II Doença restrita à aorta torácica descendente e ab- dominal Tipo III Combinação dos tipos I e II Tipo IV Qualquer uma das características acima com acometimento da artéria pulmonar (modifica- ção de Lupi-Herrera) Comparação dos vários sistemas de classificação para arterite de Takayasu (cont.) Classificação de Nasu Tipo I Doença limitada aos vasos com origem no arco aórtico Tipo II Acomete também a raiz aórtica e o arco Tipo III Localizada na aorta subdiafragmática Tipo IV Toda a aorta e seus ramos acometidos Classificação da Conferência Internacional de Tóquio sobre Arterite de Takayasu* Tipo I Apenas os ramos do arco aórtico Tipo lIa Aorta ascendente, arco e ramos Tipo Ilb IIa mais aorta torácica descendente Tipo III Aorta torácica descendente e aorta abdominal/ ramos Tipo IV Aorta abdominal/ramos Tipo V Toda a aorta e ramos Tabela 1.8 (*) Modificação de qualquer um com C(+) para acometi- mento coronariano e P(+) para acometimento da artéria pulmonar, respectivamente. O tipo II é o mais comum. Diagnóstico Clínico O passo inicial para o diagnóstico é o achado dos aspectos clínicos compatíveis anteriormente des- critos (guarde a frequência dos achados clínicos co- muns na AT). A avaliação da atividade da doença na AT através de marcadores sorológicos é imprecisa. Na ausência de sinais e sintomas típicos de piora do quadro isquêmico, não há parâmetros objetivos capazes de detectar pacientes assintomáticos que continuem com a doença em progressão. O padrão- -ouro para determinar a presença do processo in- flamatório é o exame anatomopatológico, porém, a obtenção de amostras das artérias envolvidas é um procedimento invasivo e de alto risco. Portanto, em 1994, foram propostos pelo NIH nos EUA os se- guintes critérios de atividade: Início ou piora dos seguintes itens: � Sinais e sintomas sistêmicos (febre, astenia, per- da de peso, sudorese, artralgia ou mialgia); � Aumento da VHS; � Características de isquemia vascular ou infla- mação (claudicação, diminuição ou ausência de pulsos, sopro, carotidínea, diferença de PA em MMSS ou MMII); � Alterações características na angiografia. Clínica cirúrgica | Vascular SJT Residência Médica - 201528 Laboratorial (achados inespecíficos) Reagentes da fase aguda elevados VHS elevada, mas nem sempre segue o grau de inflamação ativa e pode estar normal em até 33% dos pacientes. Anemia normocrômica normocítica com trom- bocitose, achado comum nas condições inflamató- rias diversas. Radiológico (padrão-ouro) Arteriografia convencional (ou angiorressonância): � Estenose vascular; � Circulação colateral; � Aneurismas nas áreas acometidas (são incomuns). A RNM detecta espessamento e inflamação da parede dos vasos, bem como trombose mural. Pode também detectar envolvimento da artéria pulmonar, no entanto, falha em detectar algumas lesões, particu- larmente no arco aórtico proximal e nos ramos aórticos distais, que são mais bem detectados pela arteriografia. Figura 1.16 Arteriografia de arco aórtico em paciente com AT: obser- ve a estenose bilateral da carótida comum e da artéria subclávia direita. Figura 1.17 Arteriografia de aorta abdominal e artérias renais em pa- ciente com AT: observe estreitamento da aorta abdominal (setas pre- tas) e estenose nas saídas das artérias renais (setas brancas). Tratamento Os corticoides são medicamentos fundamentais no tratamento da AT. A droga de escolha é a prednisona (1 mg/kg/dia nas fases ativas da doença, com redução pau- latina). Cerca de 50 a 60% dos pacientes respondem ao tra- tamento inicial. O regime de doses em dias alternados não apresenta sucesso. A prednisona é mantida em doses altas até que os sintomas e as evidências laboratoriais (VHS) de inflamação se normalizem. Chamamos a atenção para o fato de que a VHS nem sempre reflete o grau de inflama- ção observado quando comparado à biópsia. Os imunossupressores (metotrexato, ciclofosfa- mida, azatioprina, ciclosporina A, com
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