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as áreas da guerra naval, com o objetivo de aprimorar o adestramento da força naval e do estado-maior embarcado. Navios de superficie, submarinos e diversos tipos de aeronaves (patrulha marítima, ataque, defesa aérea, guerra electrónica etc) participam das manobras acordadas. 182 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA modalidades de atuação abrangida pelo novo conceito extratégico da OTAN anunciado em abril de 1999. As novas potencialidades de emprego da OTAN no campo da paz e segurança internacionais vieram à tona com a ação militar realizada pela Aliança contra a República Federal da Iugoslávia (RFI), sem o endosso do CSNU, no período de março a junho de 1999142. O objetivo da intervenção era o de fazer o Governo iugoslavo aceitar um plano prevendo ampla autonomia ao Kosovo, província multiétnica da RFI, mas com uma população predominantemente de origem albanesa. Essa intervenção claramente divide opiniões. O Foreign Secretary do Reino Unido, Robin Cook, teceu uma série de considerações na Câmara dos Comuns para justificar os bombardeios que começaram em 24/3/99. A rationale então exposta merece ser registrada, pois o Reino Unido geralmente busca conciliar as visões dos EUA e de seus demais parceiros europeus. Segundo Cook, a ação da Aliança deveria ser vista como medida excepcional e a última opção para evitar a transformação da crise do Kosovo em catástrofe humanitária, já que, desde 1989, as forças militares e policiais sérvias vinham reprimindo de forma violenta a população de origem albanesa daquela província. No entanto, Cook reconheceu que a consciência das atrocidades que vinham sendo cometidas e a capacidade militar da Aliança de intervir no Kosovo não foram as únicas 142 A campanha aérea, denominada de “Operation Allied Force”, durou 78 dias: de 24/3 a 10/6/99. Treze países cederam cerca de 1.100 aviões: Alemanha, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e Turquia. Houve muito danos involuntários, envolvendo morte de civis, e a destruição de alvos de uso-dual ou não-militares, em locais, muitas vezes, distantes do Kosovo (alvos associados, por exemplo, à infra-estrutura física e à rede energética). A preocupação da OTAN parece ter sido a de minar a resistência da população sérvia e a de preservar a vida de seus pilotos, instruindo-os a lançar mísseis ou bombas de elevadas altitudes, de modo a evitar as baterias antiaéreas sérvias. Esse curso de ação minimizou o risco de baixas e, conseqüentemente, de questionamentos sobre o engajamento da OTAN no Kosovo pelos seus respectivos públicos internos. A OTAN perdeu dois pilotos de helicópteros em um acidente na Albânia, enquanto as baixas da RFI variaram da ordem de 2700 civis, policiais e militares (dados da RFI) a cerca de 5000 militares e policiais (dados da OTAN). A SITUAÇÃO ATUAL E AS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS 183 razões que levaram ao uso da força. A decisão deveu-se também à necessidade de manter a respeitabilidade da OTAN, da qual dependem a paz e a segurança de seus membros. Na ocasião, aludiu ao fato de que, em outubro de 1998, a Aliança Atlântica havia garantido o arranjo acordado entre o Embaixador Richard Holbrooke, dos EUA, e o Governo do Presidente Slobodan Milosevic, da RFI, sobre a situação no Kosovo. Lembrou que esse arranjo, endossado posteriormente pela Resolução nº 1203 (1998) do CSNU, envolvia o fim da repressão e a retirada significativa de forças militares e policiais sob monitoramento de uma missão civil da OSCE (encarregada da supervisão terrestre) e da OTAN (responsável pela verificação aérea), condições que não teriam sido cumpridas pelo Governo de Belgrado. Portanto, a inação da Aliança poderia produzir piores resultados do que a ação militar, ao destituir a OTAN de credibilidade em eventuais situações futuras de ameaça à segurança de seus membros nos limites de suas fronteiras. A exposição do Chanceler britânico revela que, não obstante seu aspecto humanitário — dados do ACNUR revelam que havia, em junho de 1999, 860 mil refugiados, sem contar os deslocados internos —, a crise do Kosovo está imbuída de considerações estratégicas, tendo desencadeado um debate sobre o papel da ONU na manutenção da paz e da segurança internacionais. As posições advogadas pelos membros da OTAN representaram uma manifestação ostensiva de desrespeito à Carta das Nações Unidas e ao Conselho de Segurança, indicando que o CSNU teria uma responsabilidade “primária” pela manutenção da paz em algumas partes do mundo, mas seria apenas “secundária” em regiões sujeitas a arranjos especiais de defesa. Essa linha de ação da OTAN foi consagrada pela adoção de um novo conceito estratégico em 24/4/99, por ocasião da Reunião de Cúpula realizada em Washington para comemorar os 50 anos da Aliança Atlântica. Tal conceito não exige emendas à Carta Constitutiva e, conseqüentemente, não precisa ser submetido à ratificação por parte dos membros da Aliança Atlântica, movimento sempre moroso por 184 PAULO ROBERTO CAMPOS TARRISSE DA FONTOURA envolver consultas aos Congressos Nacionais. Esse exercício de revisão procurou consolidar, em essência, uma nova identidade para a Organização, com base na experiência dos últimos anos e nas mudanças verificadas no cenário internacional. De acordo com seus termos, a OTAN, ao reconhecer que as Nações Unidas têm apenas responsabilidade primária (mas não exclusiva) nas questões afetas à manutenção da paz e da segurança internacionais, ampliou o escopo de sua atuação geográfica. Embora centrada no eixo euro-atlântico, a Aliança Atlântica poderá intervir em outros cenários, desde que surjam situações de instabilidade que ameacem a segurança de seus membros. O conceito estratégico arrola, basicamente, os seguintes fatores de instabilidade que justificariam um envolvimento da OTAN: terrorismo, não proliferação de armas de destruição em massa e de seus sistemas de lançamento, crime organizado, movimentos migratórios em massa, emergências humanitárias e interrupção no fornecimento de recursos “vitais”. Além disso, passará a promover a extensão de seus programas de cooperação a áreas geograficamente fora do âmbito do Tratado de Washington e a participar em “operações de apoio à paz”. Essa postura significa transformar a OTAN em uma organização político-militar voltada para o manejo de conflitos, de vocação crescentemente universal, independentemente das normas contidas no artigo 53 da Carta das Nações Unidas, que sujeita o uso da força à anuência prévia do CSNU, salvo nos casos de legítima defesa. Em outras palavras, não se poderia excluir um eventual desejo da Organização de estender progressivamente sua atuação a todo “o mundo ocidental”, embora permaneça ainda não resolvida, pelo menos no plano legal, a questão da legitimidade do uso da força da OTAN, sem aval do CSNU. Na ausência de uma manifestação do CSNU para respaldar suas ações, a Aliança Atlântica deverá provavelmente buscar legitimar suas intervenções com base em interpretações flexíveis das resoluções do CSNU — como a justificativa alegada pelos EUA e pelo Reino A SITUAÇÃO ATUAL E AS PRINCIPAIS TENDÊNCIAS 185 Unido de que seus ataques aéreos contra o Iraque em 16/12/98, motivados pela interrupção da cooperação entre aquele país e os inspetores de desarmamento da ONU, estariam cobertos pela Resolução nº 687, de 1991 —, no conceito de “legítima defesa” — argumento utilizado pelos EUA, pela África do Sul (durante o regime racista do apartheid) e por Israel para justificar ataques fora de seus territórios, a exemplo do que ocorreu em outubro de 1998 quando os EUA dispararam mísseis contra o Sudão e o Afeganistão como represália aos atentados terroristas cometidos contra suas Embaixadas em Dar-Es-Salaam e Nairóbi — e no “dever de solidariedade internacional” — conceito que passou a abranger aspectos de assistência humanitária e de proteção